Décadas
O GLOBO - 25/12/09
Se não houver alterações substanciais na política econômica, o próximo governo vai marcar 20 anos da implantação de um projeto econômico a partir do Plano Real, com um círculo virtuoso de medidas que permitem a continuidade no controle da inflação, a busca do equilíbrio fiscal, melhor distribuição de renda e redução gradativa da desigualdade. Tudo alcançado com a alternância no poder de dois grupos políticos adversários entre si, embora com pontos comuns suficientes para tocar um projeto de Estado, mais do que de um governo específico.
A de 2010 será também a primeira eleição em 20 anos que não terá na cédula o nome de Lula e, embora ele queira participar mais diretamente, transformando-a em um plebiscito sobre seu governo, seria bom, como disse a senadora Marina Silva, que o debate fosse sobre o futuro do projeto de país, e não sobre o passado, que Lula representará dentro em pouco, e que Fernando Henrique já representa.
Não é por acaso que, de tempos em tempos, aparecem grupos políticos fazendo planos de ficar no poder por 20 anos.
Além do grupo de Collor, que tinha esse projeto por razões que nada tinham a ver com a política, também o PSDB e o PT assumiram informalmente essa meta, na tentativa de cumprir um ciclo de desenvolvimento.
O falecido ministro das Comunicações Sérgio Motta, o trator do PSDB, comandou o projeto de reeleição com o objetivo de o partido permanecer no governo além dos dois mandatos de Fernando Henrique.
E o PT também planejou uma permanência no poder estendida para além dos dois mandatos de Lula, projeto que começou a ser planejado quando José Dirceu chefiava a Casa Civil, e foi abortado em termos partidários com a crise do mensalão e a gradativa mudança do petismo para o lulismo.
A mesma lógica que leva à tese do plebiscito, que é diferente da polarização entre as duas forças partidárias que comandam a política nacional também há 20 anos, faz com que alguns pensem ser possível, e quase natural, que um presidente tão popular como Lula volte a disputar a Presidência em 2014, mesmo que sua candidata seja eleita em 2010.
Se Lula vier a querer voltar à disputa eleitoral, o que considero discutível e mesmo improvável, seria ingenuidade imaginar que ele pudesse decidir com tanta antecedência o destino de um eventual governo de Dilma Rousseff.
O caráter personalista do “lulismo” será superado pela própria eleição, mesmo que a candidata oficial dependa mais dele do que de suas próprias pernas para vencê-la.
Segundo Maquiavel, os “príncipes novos” podem chegar ao poder por força própria, quando o mais difícil é conquistar o poder vencendo a resistência do antigo ocupante, ou alheia.
No primeiro caso, uma vez chegando lá, já não restam rivais à vista. Lula chegou ao poder em 2002 a bordo de um projeto político do PT, vencendo a resistência do adversário imediato, o PSDB, que ficara no poder por oito anos com Fernando Henrique, que o derrotara duas vezes seguidas no primeiro turno.
Mas quando o príncipe novo chega ao poder por força alheia, adverte Maquiavel, “é outro que derrota o antigo ocupante, para oferecer o principado (governo) a quem considera seu protegido e que se transforma, de certa forma, em seu dependente”.
Chegando ao poder, só resta ao príncipe novo se livrar de seu protetor. No nosso caso, Dilma vencedora da sucessão presidencial deverá a Lula a vitória e se tornaria sua dependente caso aceitasse dar seu lugar a ele na eleição de 2014, abdicando da possibilidade de se reeleger.
Na história recente, temos o exemplo do general João Figueiredo, o último dos militarespresidentes, posto na Presidência por uma manobra política do general Golbery do Couto e Silva com o presidente Ernesto Geisel, que pensavam poder controlá-lo.
Quando deixou o governo, derrotado pelos novos aliados de Figueiredo, Golbery comentava que qualquer um que subisse a rampa do Planalto com aqueles soldados batendo continência, ao chegar ao topo, já estaria convencido de que estava ali por méritos próprios, e que não devia nada a ninguém.
É muito difícil, quase impossível, imaginar o que será um eventual governo da ministra Dilma Rousseff. Inclusive por seu temperamento, não aceitará facilmente tutelas se investida do cargo.
Mas, ao mesmo tempo, por sua inexperiência política, ela terá que depender do apoio do PT, embora não tenha nenhuma liderança dentro do partido e só tenha vingado como candidata oficial graças ao empenho do presidente Lula.
Ou então continuar contando com Lula para a intermediação partidária, o que pouco provável que aconteça, a não ser que aceite ser uma fantoche do ex-presidente.
E o PT aceite continuar tendo um papel secundário diante de Lula. Sem contar que o PMDB aumentará suas exigências à medida que ficar claro que a governabilidade depende dele.
Entre os cenários possíveis, uma crise de comando político pode afetar a governabilidade de uma administração sem apoio partidário.
No caso do PSDB, também é difícil imaginar uma convivência pacífica entre o governador José Serra eleito presidente e o governador Aécio Neves tornado o coordenador da área social do governo.
E é mais difícil ainda imaginar que possa dar certo um plano que prevê oito anos para Serra e mais oito para Aécio.
Sem falar na probabilidade grande de o PT e os chamados “movimentos so ciais”quererem emparedar o governo tucano, provocando também crises institucionais.
Tanto PSDB quanto o PT fazem programações de longo prazo sem contar com os imprevistos, como se fossem os únicos protagonistas da história política brasileira.
O eleitor pode querer mudar essa história.
Feliz Ano Novo a todos. A coluna volta a ser publicada na primeira semana de janeiro.
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