quinta-feira, dezembro 10, 2009

CLÓVIS ROSSI

Quando o emergente submerge


Folha de S. Paulo - 10/12/2009

Depois de tanta conversa sobre "potência emergente", aquela foto na capa desta Folha mostrando São Paulo submersa é um choque de realidade.

Puxo pela memória para lembrar se alguma cidade relevante de país que de fato já emergiu ficou submersa e isolada como São Paulo anteontem. Sim, houve episódios graves em várias delas, mas como decorrência de chuvas bíblicas. A de São Paulo foi forte, mas nada que levasse Deus a mandar Noé construir uma arca.
Submerge a cidade que já foi administrada por todas as correntes políticas importantes do país, desde o janismo, o adhemarismo, até as mais contemporâneas.
Antes, no "Jornal Nacional", outra imersão no subdesenvolvimento, propiciada pelo relatório da Human Rights Watch. Mostra um fenômeno: a mesma polícia que não consegue impor padrões de segurança pública ao menos perto de civilizados mata mais do que a polícia da África do Sul, cujos índices de criminalidade são terríveis.
O relatório compara o emergente Brasil com os já "emergidos" EUA: a polícia norte-americana prendeu, em 2008, 37 mil pessoas para cada morte que produziu. No Rio, uma morte a cada 23 detenções. E todo o mundo sabe que a polícia dos Estados Unidos não tem a gentileza de cavalheiros como um dos requisitos para contratar agentes.
Volto alguns dias e revejo imagens do vandalismo no estádio do Coritiba, no domingo. Foi um microcosmo da realidade brasileira: os desordeiros perderam o medo e o respeito à polícia, tal como acontece com a bandidagem. Quando ainda não éramos emergentes, baderneiros e bandidos fugiam à aproximação da polícia.
Agora, a polícia é que tem de proteger-se do ataque dos vândalos, como se viu no estádio.
Se Nelson Rodrigues ainda vivesse, entenderia melhor porque temos complexo de vira-lata.

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