O muro abaixo do Equador
O ESTADO DE SÃO PAULO - 15/11/09
Há dias a festa de 20 anos da queda do Muro de Berlim reuniu chefes de Estado dos EUA e países da Europa, ex-comunistas e capitalistas, liberais e autoritários, que protagonizaram a guerra fria pós-anos 1950 e ali estavam para, finalmente irmanados, celebrar o fim de uma barreira que dividiu uma cidade, separou famílias, extinguiu a liberdade. Abaixo da Linha do Equador, a guerra fria também chegou à América Latina, trazida pelos dois fantasmas que dominavam o mundo: o comunismo e o imperialismo norte-americano. Por aqui não havia muro. Mas generais que enxergavam o fantasma comunista em tudo tomaram o poder e impuseram suas ditaduras. Prenderam, torturaram, mataram opositores, exterminaram a liberdade.
Até a queda do Muro de Berlim, em 1989, as ditaduras de esquerda no Leste Europeu e as de direita na América Latina espalharam autoritarismo pela força das armas, suprimiram a liberdade e a democracia. Nos últimos 20 anos elas foram desaparecendo e em nosso continente só restou Cuba. Recuperamos, enfim, a liberdade - o bem mais precioso e impregnado no homem e do qual ele não aceita abrir mão por vontade espontânea, independentemente da classe social.
O Muro de Berlim caiu há 20 anos e o leste da Europa não quer voltar no tempo, mas a ideologia que lhe deu origem ainda sobrevive no imaginário de alguns governantes latino-americanos, que sonham se eternizar no poder (como os ditadores) sem ter de enfrentar oposição nem imprensa livre e impor o seu "socialismo bolivariano" - o populismo ralé do século 21, que distribui dinheiro à população pobre e não desenvolve o país, não gera riqueza, empregos e salários.
Ao longo da História, ditaduras de esquerda e de direita sempre se confundiram, usaram os mesmos métodos. Quando o venezuelano Hugo Chávez, que se diz socialista e de esquerda, convoca "estudantes revolucionários, trabalhadores e mulheres" para uma guerra patética contra a Colômbia, nada mais faz do que repetir o general Roberto Viola - que se dizia de direita - ao conclamar o povo argentino para a aventura da Guerra das Malvinas contra a Inglaterra, em 1982. Em momentos diferentes da História e com ideologias diferentes, ambos usam o mais grosseiro e rude populismo de inventar uma guerra como meio de criar um falso clima patriótico-nacionalista e atrair apoio político da população. Na Argentina, milhares de jovens recrutas morreram no mar gelado das Malvinas sem saberem por quê.
Quando o mesmo Chávez fecha emissoras de rádio e TV, Cristina Kirchner cria uma nova lei da mídia e persegue os jornais El Clarín e La Nación - pelo simples motivo de lhe fazerem oposição - e Lula tenta criar um conselho para controlar a imprensa no Brasil, eles repetem a censura imposta pelas ditaduras militares da América Latina nos anos 70.
É verdade que a onda de terceiro, quarto mandatos para os governantes na Venezuela, Equador, Bolívia, Colômbia e, agora, Honduras não chegou ao Brasil. É também verdade que Lula não usa o caudilhismo autoritário de Chávez, Morales e Correa. Ele até pode baixar o nível e recorrer ao deboche rasteiro ao falar da oposição, mas não tenta calá-la.
O problema de Lula não é se perpetuar no poder - embora o ambicione e tudo fará para voltar em 2014. O retrocesso político que ele impõe ao País decorre de sua visão estreita e limitada de democracia. Oportunista ou verdadeiro, pensado ou irrefletido, o fato é que ele vê a democracia como um sistema político em que os governantes são escolhidos pelo voto. E ponto final. Basta ter eleição para consagrar as liberdades democráticas.
Mas quem passa sete anos no exercício do poder sabe que democracia é um sistema político construído a partir das instituições, que precisam funcionar a favor dos cidadãos, ser suficientemente fortes para barrar a incompetência, a corrupção e proteger a sociedade contra governantes mal-intencionados. Em suas viagens mundo afora Lula viu democracias frágeis, outras maduras, umas em estado embrionário, outras em estado avançado de construção, viu que o Paraguai é diferente da Dinamarca.
O Brasil começava a construir suas instituições quando Lula chegou com seu trator em 2002. Loteou funções de Estado entre partidos políticos, com pessoas incompetentes e despreparadas. E, se o cumprimento da regra de uma instituição lhe desagrada, trata de mudá-la. Como faz agora com o Tribunal de Contas da União, cuja função ele quer substituir por um conselho, por ele controlado, para liberar suas obras suspeitas de corrupção.
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