Dias eufóricos de um perigoso delírio tropical
REVISTA ÉPOCA
O Brasil convive, de novo, com a moeda mais valorizada do mundo. Bom para a estabilidade dos orçamentos domésticos. Mas isso obriga os empresários locais a uma incessante corrida por maior produtividade por causa da queda constante dos preços das mercadorias e dos serviços importados. A concorrência estrangeira está fazendo um belo estrago nas já apertadas margens de retorno das indústrias verde-amarelas. Acontece mais um ciclo de “exportação de fábricas” brasileiras.
O custo operacional de produzir no Brasil está se tornando inviável, apesar dos expressivos saltos de eficiência alcançados por empresários locais nos últimos anos. Para o empreendedor, não importa quão bem preparado, a corrida contra os exportadores asiáticos, especialmente chineses, torna-se cada vez mais extenuante. E anotem: em pouco tempo, com o dólar cada dia mais competitivo (leia-se mais depreciado), os importados americanos também começarão a dar dor de cabeça às fábricas nacionais. Será que essa perda de margem cambial nos interessa, numa visão estratégica do Brasil?
A valorização do real é comemorada pelos efeitos favoráveis no curto prazo, sobretudo quando não provoca imediato desequilíbrio no saldo externo em conta-corrente, ou seja, no balanço do capital que sai e que entra no país. Foi o que ocorreu na crise de 2008 devido ao recuo forte dos importados, enquanto nossas exportações de matérias-primas agrícolas e minerais garantiam bom saldo comercial. E as entradas financeiras de capital especulativo e produtivo, somadas, equilibraram as contas a pagar do país, chegando até a engordar nossas reservas em moedas internacionais. A chuva de dólares tem sido torrencial a ponto de provocar uma inédita taxação na entrada de capitais, decretada há dias. Trata-se de uma tentativa de conter esse fluxo e reverter parte da perda de margem do produto brasileiro exportável, mas com perspectivas de efeito bastante limitado.
A população consumidora curte o retorno da felicidade ancorada no poder de compra do real, e assim se gera forte propensão ao voto de “cabresto cambial”, forma moderna de canalizar o apoio político das massas pobres nas grandes cidades.
O custo Brasil, o câmbio e os impostos tornam o
governo um representante comercial de estrangeiros
Simultaneamente à pressão que vem de fora, há fatores preocupantes criados por aqui mesmo. No interior, a notícia é que o Bolsa Família está matando a procura por emprego produtivo, pois os empresários não conseguem oferecer salário formal, com carteira assinada, que seja tão vantajoso quanto o cheque limpo e sem descontos que o assistido recebe para ficar em casa, fazendo uns bicos aqui e ali. Na balança, hoje é mais complicado criar um emprego produtivo na indústria do que alistar o brasileiro pobre num programa de assistência ou previdência oficial. Além dos aborrecimentos normais de empregar e produzir, o empresário nacional vive o drama da avalanche tributária, que o tem empurrado para a usina de “reciclagem de impostos”, que são os refinanciamentos sucessivos de tributos, o mais recente ora em curso.
Nosso presidente, entretanto, reclama que a máquina ainda arrecada pouco para o muito que tem a fazer (?). E emenda um lamento noutro, quando culpa seu fiscal de obras, no caso o Tribunal de Contas, por atrapalhar a vida do PAC, que continua empacado. Como jamais empresariou diretamente, o presidente nem desconfia do que sofre o empreendedor privado, acossado por exigências, as mais estapafúrdias, dos fiscais de governo.
Assim, voltamos a viver dias de delírio tropical. Trombeteiam que o Brasil vai crescer mais de 5% ao ano por muitos anos e que o capital externo aqui se dará muito bem. Tomara. Mas quem vê cara não vê coração, e quem vê só o presente deixa de enxergar o que mais importa. O custo Brasil junto com a política cambial do real forte e o sistema tributário estrangulador de empresas tornam o governo um representante comercial da concorrência estrangeira. Esse ambiente de negócios acabará limitando o país à condição de escavador de morros e a um grande “fazendão”. Reforma tributária já.
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