A DISPUTA verbal de Lula e Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, é uma confrontação de personalidades que se consideram cada qual detentora de poder maior que o da outra, na ordem institucional. Lula é o do "quem decide sou eu e mais ninguém". Gilmar Mendes é o do "eu sou o presidente de um dos Poderes", aquele Poder que julga e pode anular decisões dos outros dois. Mas a disputa reflete, sobretudo, a desordem em que anda a ordem, a ponto de tornar difícil caracterizar o regime político atual (mas não de hoje, propriamente). Ninguém esperaria que Lula confirmasse estar fazendo, nos incontáveis comícios e solenidades com a ministra Dilma Rousseff a reboque, a apresentação eleitoreira de sua (até agora) candidata presidencial. De nada valem, portanto, as suas negativas. A quantidade de atos em que a ministra está presente pelo país afora, sem razão para isso, tanto desmente Lula quanto a apelação ridícula da própria, de que as críticas a respeito provêm de discriminação por ser mulher. Apesar da transgressão das leis eleitorais, a sem-cerimônia com que o presidente do Supremo se põe a criticar a conduta de Lula, publicamente, não está na ordem das coisas. Começa por haver nisso um sentido político implícito, senão mesmo partidário. Além disso, é assunto passível de julgamentos pelo Supremo, sobre o qual o presidente do tribunal emite pré-voto. O que não é incomum na sedução microfônica e televisiva que mobiliza Gilmar Mendes, mas não está na ordem das coisas. O Legislativo, coitado (ou coitados de nós), está reduzido a uma secretaria abagunçada do Executivo. Lula o entope de medidas provisórias que contrariam as exigências constitucionais para sua emissão. Faz o próprio Congresso introduzir contrabandos nas medidas a serem votadas, depois dos congressistas terem decidido, várias vezes, proibir tal truque. Decide até o destino dos escândalos da Casa, ao determinar a conduta da "base aliada" diante deles. O Congresso está aberto, como queríamos, mas sua condição subalterna não está na ordem das coisas. Logo no seu segundo artigo, componente "Dos princípios fundamentais" do regime e da ordem institucional, a Constituição diz que "são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". O preceito não coincide com a realidade, em que o Legislativo perdeu para o Executivo a independência e o poder de iniciativa, o Executivo dispensa sem problemas a estrutura legal, e o Judiciário transborda seus limites ético-constitucionais e até legisla em matéria eleitoral, em matéria indígena e em matéria penal. Agora também não sei nem em que regime vivemos. E o que não sabia já muito era sufocante.
Sempre ler O interesse que estão merecendo os fatos e personagens notórios da Segunda Guerra é um fenômeno muito interessante, e não só brasileiro. A abertura de arquivos do mundo soviético, em especial da URSS, e de parte dos arquivos norte-americanos é, por certo, um fator, pela atração das revelações. Mas está longe de explicar o fenômeno. Nessa linha, embora sem ser um livro de guerra, a Martins Fontes lança aqui um dos romances que ajudam a compreender como o pós-Primeira Guerra preparou a ocorrência da Segunda. É "Berlin Alexanderplatz", de Alfred Döblin (morto em 1957). Um clássico do expressionismo alemão. Fenômeno não é. Mas é muito relevante que a política internacional, depois de longo intervalo, volte a merecer crescente interesse no Brasil, ainda que suscitado em parte por fatos deploráveis. "Política Externa", criação de Fernando Gasparian na Paz e Terra, é uma publicação heroica: atravessou todo o período adverso com persistência extraordinária. E aí está com mais um número, a cuja ótima qualidade não falta nem sequer o autor Barack Obama. Lula não escreve, mas o que e o quanto fala já justifica até um gênero particular de livro: o "Dicionário Lula - Um Presidente Exposto por Suas Próprias Palavras". É uma coleta muito bem-feita e vasta dos dizeres de Lula, com pesquisa de Rodrigo Elias, sobre os quais o jornalista e sociólogo Ali Kamel desenvolveu conceituações bem elaboradas e sem partidarismo. É um mergulho na perturbadora fonte do lulismo. |
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