Para fugir do dr. Einstein
FOLHA DE SÃO PAULO - 14/10/09
Se alguém quer enfraquecer o real, basta adotar política fiscal oposta à que temos posto em prática hoje
DIZIA EINSTEIN que a definição de insanidade consiste em fazer as mesmas coisas, do mesmo jeito, e esperar que os resultados sejam diferentes. Lembrei-me disso ao ler artigo publicado na semana passada acerca da possibilidade de o Tesouro passar a intervir no mercado cambial com o objetivo de evitar a apreciação do câmbio. Visto que a intervenção ocorreria da mesma forma que a praticada pelo Banco Central, se há quem espere um resultado distinto, o dr. Einstein não se furtaria a alguns minutos de conversa e um bela dose de haloperidol. Vamos entender o porquê.
Ao adquirir dólares, o BC deposita reais na conta do banco vendedor, que não deixa esses recursos ociosos, mas tenta emprestá-los, trocando-os por títulos públicos, levando assim à queda da taxa de juros. Entretanto, como o BC tem uma meta para a taxa Selic, fixada pelo Copom, ele está comprometido a tomar e a emprestar recursos ao mercado àquela taxa (hoje, 8,75% ao ano). Assim, caso a taxa de juros caia abaixo da meta, o banco sempre pode optar por emprestar o dinheiro ao BC a 8,75%, na prática comprando dele títulos públicos presentes em sua carteira, reduzindo assim a liquidez.
Isso ocorreria até que a taxa de juros de mercado voltasse a ficar igual à meta da Selic, ou seja, quando toda a moeda criada pela compra de dólares fosse reabsorvida pelo BC. Essa forma de intervenção, caracterizada pelo "enxugamento" da liquidez criada pela compra de moeda estrangeira, é chamada de "esterilizada", pois o BC torna os reais "estéreis" (no sentido bíblico do termo) ao trazê-los de volta para seu cofre.
Agindo dessa forma, o BC consegue comprar dólares sem pôr em risco a meta para a inflação. Não consegue, contudo, evitar a apreciação cambial. Poderia fazê-lo se optasse por não enxugar os reais emitidos para adquirir moeda estrangeira, mas, nessa hipótese, não teria como perseguir a meta de inflação.
Ou pelo menos era o que se pensava até economistas (?) pátrios descobrirem a pedra filosofal, afirmando que caso fosse o Tesouro a comprar os dólares, não haveria criação de liquidez. Assim o Banco Central poderia ainda buscar a meta de inflação e a moeda se desvalorizaria. Esse raciocínio (se é que podemos assim chamá-lo) perde de vista que o Tesouro tem que obter os recursos para comprar dólares de apenas três fontes. Ele poderia, por exemplo, sacar reais da Conta Única que mantém no BC, mas isso criaria liquidez adicional que, se não enxugada, ameaçaria a meta de inflação, replicando rigorosamente a situação acima descrita.
Alternativamente, o Tesouro emitiria títulos, receberia os reais e os usaria para comprar dólares. Bastam, porém, dois neurônios para concluir que se trata da mesma operação anterior, exceto que a venda de títulos agora precede a compra de dólares; quer dizer, em ambos os casos, faríamos a mesma coisa, do mesmo jeito. Apenas na ausência de haloperidol pode-se imaginar que isso traria algum resultado diferente do que obtemos hoje.
Resta a terceira alternativa: o aumento do superavit primário para comprar dólares. Nesse caso, não haveria criação de liquidez e as compras poderiam desvalorizar a moeda. Isso, todavia, ocorreria mesmo sem a compra de dólares, pois o superavit maior levaria à queda da taxa de juros necessária para se atingir a meta de inflação. Ou seja, se alguém quer enfraquecer o real, basta adotar política fiscal oposta à que temos posto em prática. É mais eficiente do que pôr duas instituições governamentais batendo cabeça no mercado de câmbio e, principalmente, evitaria a visita ao dr. Einstein.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 46, é economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
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