Ou o Estado é o comitê executivo da burguesia ou é o defensor dos pobres, não dá para ser os dois, dizia um amigo meu comunista. O que Marx não previu é que o Estado iria ser o defensor de si mesmo. A ditadura do proletariado foi uma potoca.
O crescimento do Estado e o foco das notícias nele nos fazem esquecer que ele não produz nada. Só tira de quem produz. A Petrobrás produz, argumentam funcionários que querem o total controle da empresa, como se não fosse propriedade de acionistas. Seus funcionários alegam que o governo quer usar a Petrobrás como se fosse uma fantástica fábrica de chocolates, na qual a boca é livre.
Um pouco de história ajuda. O Visconde de Sabugosa, por cuja boca falava Monteiro Lobato, em O Poço do Visconde, ensinou a muitas crianças brasileiras que o Estados Unidos não queriam que o Brasil tivesse petróleo. Lobato acreditava que tinha e até investiu nele.
Na década de 1950 a discussão foi se o "petróleo é nosso" ou não. Ganharam os que defendiam ser nosso. Passamos 40 e tantos anos com monopólio da Petrobrás. Só quando liberaram a exploração, a partir da década de 1990, o nosso petróleo apareceu, perfurado por empresas internacionais, quase todas associadas à Petrobrás. Ela era uma espécie de noiva poliândrica: as internacionais podiam casar com quem quisessem, desde que fosse com Maria. Isto é, podiam fazer o que quisessem em matéria de exploração, desde que a Petrobrás fosse sócia. Aí o "nosso" petróleo virou realidade. Antes era só ideologia. Foi a partir daí que a Petrobrás cresceu mesmo. Esses casamentos de porta de delegacia aumentaram o poder da Petrobrás, que segue vendendo a ideia de que é uma empresa "de todos os brasileiros".
Claro que não é. Primeiro, ela é de seus funcionários, que são muito bem remunerados (nada de errado com isso, se eles são competentes merecem ganhar bem, como ganham seus contrapartes em empresas privadas).
Segundo, é do governo, que não representa todos os brasileiros. Essa é uma artimanha da ideia da democracia majoritária. Na democracia o jogo é de soma zero: quem elege o presidente está representado, quem votou nos outros candidatos não está representado. Vá lá, concordo com Churchill que com todos os defeitos a democracia ainda é o menos ruim de todos os outros regimes, só que ele via isso através das lentes de governos parlamentaristas, que, em princípio, não eram donos de empresas, sobretudo monopolistas.
Terceiro, como o governo não produz nada, apenas arrecada o que os 594 senhores da Câmara e do Senado determinam que todos nós devemos pagar (trabalhamos, em média, de janeiro a maio só para sustentar o governo, que nos fornece péssima educação, saúde sofrível, quase nenhuma segurança e estradas que quebram nossos caminhões e aumentam os preço de tudo o que conseguimos consumir com o que ganhamos de maio a dezembro, do feijão aos televisores; os pobres que ganham até dois salários mínimos trabalham muito mais: de 1º de janeiro até 16 de agosto. Palavra do Ipea).
Como nada produz, e o faz supostamente em nosso benefício, ao Estado não importam nem o preço do que nos fornece nem a qualidade. Os exemplos recentes dão conta de que a santidade não é a virtude mais bem distribuída no Congresso Nacional. Do que se vê, lá vigora o princípio da farinha pouca, meu pirão primeiro; farinha muita, melhor, mais pirão ainda.
Por trás de tudo isso está o poder de monopólio. O Estado pode decidir tudo relativo a seus funcionários e a todos nós. Só podemos opinar de quatro em quatro anos. Nesse meio tempo o governo se empanturra e a nós fica reservado o sagrado direito de pagar mensalmente, olhando tristemente o contracheque, e em março, na hora de acertar os quebrados.
Ora, dentro desse governo, que é o maior acionista da Petrobrás, todos tentam comer o máximo nessa fantástica fábrica de chocolates. E o governo avança no dinheiro da empresa.
Os funcionários da Petrobrás conhecem muito bem a lei de ferro da oligarquia, formulada em torno de 1910 pelo cientista político alemão Robert Michels, e usam-na para preservar seu poder. Como no episódio da descoberta do pré-sal (OK, sabemos que a Petrobrás é a melhor do mundo em exploração de petróleo em águas profundas), tenta-se um arranjo em que o monopólio do Estado seja repassado à Petrobrás. Quando não puder ganhar, junte-se a eles!
Por isso aceitam reverter ao monopólio de exploração que tiveram até aos anos 90, quando ficou claro que não eram os americanos que não queriam que tivéssemos petróleo em abundância, a Petrobrás é que não tinha capacidade de produzir.
O argumento de que quando o Estado ganha a sociedade ganha está furado, mas será repetido ad nauseam pelo presidente e por seus acólitos, entre eles o ex-líder-do-PT-no-Senado-que-não-deixou-de-ser.
Não nos iludamos: nenhuma sociedade tem nada a ganhar com monopólios, privados ou estatais. Os detentores dos monopólios cuidam primeiro dos seus interesses e cobram "taxas de administração" altíssimas.
Governos tendem aos monopólios. Todos os monopólios são ótimos para quem os exerce e péssimos para quem é sujeito a eles.
Está na hora de dizer ao governo e aos políticos que quando o governo ganha a sociedade perde, porque o governo é um grande monopólio que opera em benefício de si mesmo.
A sociedade só ganha quando todos podem competir sem adicionar o monopólio do uso da violência a outros monopólios.
A Petrobrás livrou-se dos coronéis fardados, agora está cheia de coronéis paisanos. Mas, ainda assim, coronéis.
O governo cobra muito caro para dizer que todos ganham. O coronel Hugo Chávez mostra isso ao mundo há vários anos.
Alexandre Barros, cientista político (Ph.D., University of Chicago), é diretor-gerente da Early Warning: Análise de Oportunidade e Risco Político
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