terça-feira, setembro 29, 2009

BENJAMIN STEINBRUCH

Bye-bye, tia Fifi


Folha de S. Paulo - 29/09/2009


Placas em lojas e anúncios em jornais e revistas abusam de termos em inglês, usados também em entrevistas


SOFIA , amiga de tia Tuna, é um barato. Tem 80 anos, completados no mês passado, foi professora de português, é fluente em francês e em inglês desde os tempos do colégio, mas não tolera o que chama de "intromissões exageradas" da língua de Shakespeare no palavreado do nosso dia a dia.
Há tempos tia Fifi, como é conhecida, insiste em pedir que eu escreva um artigo para sugerir "mais discernimento" no uso de termos em inglês. Sempre resisti, até porque, confesso, também me pego às vezes construindo frases com neologismos pouco recomendáveis, oriundos de palavras em inglês. Dias atrás, Sofia estava possessa.
Havia feito compras em um shopping center de São Paulo e irritara-se com o excesso de placas de "sale" nas lojas. Discutiu longamente com Tuna, que tentou, sem sucesso, argumentar que "sale" é uma palavra muito mais curta do que "liquidação" e perfeitamente compreensível para todo mundo que costuma frequentar shoppings.
Para me convencer a escrever sobre o tema, tia Fifi juntou vários recortes de anúncios e artigos de jornais e revistas. Uma fábrica de câmeras de vídeo alardeava a possibilidade de gravar sem fazer "backup".
Uma montadora proclamava seu carro com câmbio "tiptronic system" e "bluetooth", além do design agressivo. Um anúncio de "notebook" vendia a vantagem de rodar filmes "blu-ray". Um fabricante oferecia sua TV ultra "slim" e "eco-friendly". E até uma churrascaria se intitulava "brazilian steakhouse".
O que mais irritou a amiga de tia Tuna, porém, foi uma empresa anunciar que faz "outsourcing" de folha de pagamento, porque tia Fifi teve de ir ao dicionário para descobrir que o anunciante poderia ter escrito "terceirização".
Enquanto manuseava os recortes, Sofia se lembrou de que uma sobrinha, de 55 anos, estava toda animada com o "personal trainer" que contratara havia dois meses. Ela não consegue entender por que essa figura não pode ser chamada simplesmente de "treinador pessoal". Tia Tuna morre de rir com a irritação da amiga e, para provocá-la, diz ter lido em uma revista que agora existem também o "personal stylist", o "personal sommelier" e até o "personal art advisor".
Tia Fifi se incomoda muito também com os neologismos criados a partir de palavras em inglês. Entre os recortes, ela carrega um artigo de um economista que, a certa altura, diz que uma empresa não "performou", palavra que não existe em português e decorre certamente do verbo "to perform" (desempenhar).
Da boca de um ministro, Sofia jura ter ouvido na TV a frase "a empresa bidou". Ela custou a entender o que o ministro pretendia dizer, mas depois descobriu que a palavra derivava de "bid", que significa oferta ou lance em licitação.
Apesar da irritação com que trata desse tema, Sofia se considera flexível. Aceita o uso de uma série de palavras estrangeiras já incorporadas ao linguajar comum. Acha, por exemplo, esnobe quando algumas pessoas usam a palavra "sítio" no lugar de "site" ou "rede mundial" em vez de "internet". Argumenta que "site" é mais apropriado, porque "sítio", no Brasil, tem um significado muito particular, de pequena propriedade rural, embora em Portugal se use a palavra comumente com o sentido de "lugar". "Sítio que conheço é o do pica-pau amarelo", diz, voltando ao bom humor.
Tia Fifi, fiz o possível. Tá aí o artigo. Bye-bye!

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