A cidadania pós-caseiro
FOLHA DE S. PAULO - 29/08/09
BRASÍLIA - Levantar o braço e apontar algo de errado é um dever do cidadão. O caseiro Francenildo Costa tomou esse rumo. Relatou em 2006 as idas e vindas do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a uma mansão na qual lobistas se refestelavam em Brasília.
A partir daí, deu tudo errado para Francenildo. Foi perseguido pelo Estado brasileiro. Teve seu sigilo bancário quebrado. Três anos se passaram. A ação movida por ele contra a Caixa Econômica Federal continua sem solução. Ao mesmo tempo, Palocci já está livre, leve e solto, absolvido pela Justiça.
Esse episódio concluído pelo Supremo Tribunal Federal anteontem tem vários ângulos. O mais saliente do ponto de vista político eleitoral é Lula ter reabilitado um de seus quadros de elite. O outro aspecto é o conservadorismo do STF ao não enxergar indícios suficientes para processar Palocci.
Mas o efeito mais relevante da decisão do STF é desestimular cidadãos interessados em participar da vida pública. Tome-se o caso do momento no mundinho político de Brasília, a reunião nebulosa e pendente de confirmação entre Dilma Rousseff e Lina Vieira. Qual a chance de um motorista, secretária ou assessor de baixo escalão se animar e contar a verdade? Se tiverem juízo, todos ficarão calados.
Essa foi a lição ministrada pelo STF a caseiros, mordomos, secretárias e motoristas de poderosos: tomem cuidado. Suas palavras não valem nada. Terão efeito nulo se desejarem relatar alguma impostura.
Todos vocês correm o risco de terem suas vidas devassadas. Na Justiça local prevalecerá a tradição lusitana, ibérica e obcecada por provas irrefutáveis e cabais para dar início a um processo.
Ontem, sexta-feira, a Praça dos Três Poderes estava vazia -apesar de outro escândalo acabar de ser sepultado. É compreensível ninguém protestar. Tornou-se arriscado exercer a cidadania nestes tempos pós-Francenildo.
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