Os neogolpes
As Américas fizeram tudo certo no caso de Honduras. Isolaram o governo golpista e exigiram a volta do presidente Zelaya ao poder. Inclusive os Estados Unidos. É fundamental derrotar o golpe, mas a crise de Honduras ilumina outros dilemas da democracia na América Latina. Há dificuldade em aceitar a alternância no poder; o caudilhismo tenta sobreviver; não há renovação da política.
O mais importante no caso de Honduras foi que, numa região assolada pelo golpismo, a resposta dos países e das instituições foi firme, granítica. Os Estados Unidos, que apoiaram os golpes na década de 70, e o governo Bush, que apoiou a tentativa de golpe contra Hugo Chávez, em 2002, ficaram no passado. Barack Obama alterou a rota da política externa e mudou o pêndulo. Em Tegucigalpa, os jornais admitiam já na segunda-feira que o autoproclamado governo de Honduras estava isolado.
O adiamento da volta de Zelaya abre espaço para uma solução negociada. O jornal hondurenho “El Heraldo” divulgou ontem nota das Forças Armadas dizendo que apenas cumpriram ordens judiciais. A operação desmonte do golpe incluiu a interrupção das atividades militares americanas na base que têm no país e a suspensão de empréstimos de organismos multilaterais a Honduras. Foi geral a reação aos golpistas.
Um final feliz para esse tumulto só será completo se incluir um recuo de Manuel Zelaya da sua intenção de não cumprir o determinado pela Suprema Corte.
Há duas formas de conspirar contra a democracia.
Uma é a tosca quartelada, própria dos anos 60, e que voltou a acontecer. A outra é fingir jogar o jogo democrático e ir dilapidando seus fundamentos como a independência dos poderes, a liberdade de imprensa, a alternância no poder. Mesmo que isso seja feito com plebiscitos, é conspiração contra a ordem democrática.
Hugo Chávez representa esse segundo tipo de risco.
Evo Morales, Hugo Chávez, Rafael Correa, Álvaro Uribe, Fernando Lugo são atores novos da política latinoamericana e chegaram ao poder pelo voto. Morales representa grupos que sempre estiveram marginalizados e precisam estar representados; Uribe enfrentou o problema da violência e do terrorismo e teve um desempenho inegável. Lugo representou uma força partidária nova no Paraguai.
Chávez tentou entrar na política invadindo com um tanque o Palácio Miraflores, em 1991. Nunca foi um democrata.
Depois de eleito conspira diariamente contra a democracia.
Os cinco poderiam representar uma renovação do poder, mas em menor ou maior grau caíram em tentação. Ou de mudar as regras para ficar no poder, ou de reproduzir os padrões viciados da velha política. O Brasil está fugindo do primeiro risco, mas não do segundo. Aqui, velhos políticos têm uma indesejável sobrevida, e o governo do PT, que prometeu ser uma renovação ética, aprofundou os vícios dos velhos métodos de fazer política e financiar campanhas. O PT levou ao paroxismo o aparelhamento da máquina pública.
Os jovens que chegam na política não representam necessariamente renovação.
Alguns jovens que conquistam mandatos o fazem escalando ou manipulando movimentos sociais. Vejase o caso do PCdoB que produziu caras novas para a política brasileira. Todos escalaram a UNE onde não há transparência na forma de escolha das lideranças, representatividade do movimento estudantil, nem pluralismo. Em vez de representar os estudantes, passou a ser centro de formação de candidatos do partido. Pela direita, jovens na idade conquistaram mandatos como se fossem capitanias hereditárias. São os filhos da oligarquia.
O derretimento da reputação dos políticos no Brasil é uma sombra que ameaça o futuro da democracia no país. O sistema político não tem sido capaz de dar uma resposta à altura do desafio.
Reformas políticas são apresentadas como maravilhas curativas quando não passam de fórmulas para garantir o poder a quem já o tem. O país está precisando de mais do que a queda do presidente do Senado. Ela é bem-vinda, mas a conciliação com a opinião pública exige algo mais sólido.
A América Latina viu nos últimos anos uma forma insidiosa de ameaçar a democracia: as decisões autoritárias tomadas supostamente em nome do povo.
Foi assim que Evo Morales fez uma constituinte a portas fechadas; que Chávez fecha emissoras de TV, estatiza empresas, arma milícias e se eterniza no poder.
Zelaya seguia o mesmo modelo de fazer na marra o que a Suprema Corte rejeitara.
Errou e foi redimido pelo golpe que, de tão obsoleto e absurdo, fez com que governos diferentes montassem um cerco de proteção ao mandato dele. Zelaya errará de novo se achar que foi respaldado na sua intenção de desrespeitar a Suprema Corte.
A melhor solução para Honduras será os dois lados se submeterem à Constituição do país. Isso criará anticorpos contra as velhas quarteladas e as novas manipulações institucionais. O desfecho do caso de Tegucigalpa vai além de Honduras.
Ele pode mandar um recado aos velhos golpistas de que não tentem de novo, em país algum, algo parecido; e aos seguidores de Chávez de que a neoditadura também não é aceitável na região.
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