Esquerda e direita, volver
Rodrigo de Almeida
JORNAL DO BRASIL - 29/06/09
O vezo nacional de transformar problemas políticos mais sérios em crises institucionais paralisantes produz falsos conceitos. Mais de uma vez a coluna abordou um deles – a ideia segundo a qual nossas instituições representativas não funcionam e estamos na Idade da Pedra em matéria de civilidade política e eficácia parlamentar. Há um outro, tão ou mais relevante: o de que, por trás dos sucessivos escândalos morais, encontra-se a ausência de representatividade dos partidos brasileiros.
Como de hábito, cada vez que o debate sobre a reforma política escapole das gavetas, emerge junto o tema do "vazio ideológico e programático partidário" (só na era lulista, o país está na terceira tentativa de reforma, sempre a pretexto do escândalo da hora). Segundo a cosmologia dos reformadores crônicos, não passamos de uma república de bananas asfixiada por um amontoado de siglas cheias de interesses e traficâncias pessoais, sem consistência ou ligação com a sociedade.
Falso. Pode ter sido verdadeiro imediatamente após a redemocratização, quando apenas um partido, o PT, surgia com conteúdo de classe e organicidade mais nítida – seguido logo depois pelo PSDB original. A partir de 1994, porém, o quadro partidário tendeu à polarização crescente entre a coligação PSDB-PFL, de um lado, e o PT, do outro. Esses dois campos passaram a atrair apoios de parcelas bem definidas da opinião pública, que não só se identificam com esses partidos, mas os influenciam. No meio do caminho estão o PMDB e as pequenas agremiações de direita, forças políticas inorgânicas mas capazes de dar estabilidade a governos. Essa divisão tem, na prática, neutralizado os efeitos de uma exagerada pulverização partidária.
Desde que se tornou uma alternativa efetiva de poder, o PSDB foi gradativamente ocupando o centro ideológico, até que, em 2002, incorporou a representação de setores mais à direita. Enquanto isso, o PT conseguiu o apoio de parcelas do eleitorado de centro para também garantir possibilidade concreta de poder (ambos atenderam a uma cláusula pétrea do poder: vence uma eleição presidencial quem consegue capturar mais eleitores. do centro, o que por si já desmonta a tese da falta de ideologia e consistência do quadro partidário). A partir dali, PSDB e PFL, hoje DEM, passam a disputar o eleitorado conservador ou se aliar a siglas como PPS para conquistá-lo.
Do outro lado, o PT e aliados mais fiéis sofreram reveses no primeiro mandato que acabaram lhe facilitando a vida. As dissensões dos grupos ideológicos mais à esquerda e a radicalização da oposição tucana-democrata alijaram a oposição de esquerda – padrão PSOL – da condição de voz relevante. Simultaneamente, a partir do segundo mandato, com a queda de Antonio Palocci e a emergência de Dilma Rousseff, o PT voltou a transitar os interesses de setores à esquerda.
A sabedoria do presidente Lula – mal compreendida publicamente por tucanos e democratas (nos bastidores, a conversa é outra) – foi saber compor, como poucos, com espectros variados, da esquerda ao centro. Nesse bolo estão sindicatos, classe média, empresários industriais e setor financeiro. Nada mal para quem lembra, sete anos atrás, a existência de um "risco Lula", capaz de elevar o dólar a US$ 3,90, como reação do setor financeiro, então forte aliado do governo FHC, à expectativa de vitória petista.
Sem colocar a hegemonia do capital financeiro em risco, o presidente Lula promoveu a ascensão política do setor produtivo nas relações com o Estado. Essa promoção já ficara clara com a paulatina mudança no papel do BNDES, de financiador do programa de privatizações – não revertidas por Lula – a fomentador da produção nacional. Ganhou novo impulso com a crise, que acelerou a redução dos juros e incrementou a produção para o consumo interno e as exportações. O nó de Lula e Dilma, para alívio tucano, é que a adesão do empresariado ao governo não se transfere automaticamente para a ministra-candidata.
A acomodação ideológica dos partidos em disputa é resultado da prática e da opção de poder de cada um. A tese, diga-se, não se resume à esfera de disputa nacional ou presidencial. Não faz muito tempo, o cientista político Marcus Figueiredo estudou os resultados de sete eleições consecutivas e concluiu: o sistema partidário brasileiro se consolida com bases político-eleitorais nítidas e, em votações para o Legislativo, exibe nexo partidário entre os três níveis da representação – nas câmaras de vereadores, assembleias legislativas e Câmara dos Deputados.
Nisso já se refuta também a ideia de que o excessivo número de partidos é mais uma prova do nosso atraso – assunto para outra conversa.
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