Eu, tu, ele, nós, vós, eles. Mas, especialmente, eles. Os políticos. Antigamente, para fazer uma passeata contra políticos, a organização podia levar meses. O protesto durava algumas horas numa rua central, e cada manifestante voltava para casa, exausto. Hoje, a “opinião pública” fica sentada na frente do computador, expressando permanentemente seu poder, 24 horas por dia. Existe uma democracia direta com poder de denunciar e criticar. O povo ocupará cada vez mais a rua virtual.
Essas reflexões são do senador Cristovam Buarque. Ele ficou impressionado com a repercussão de uma declaração sua recente. “Soltei no carro, por telefone, uma frase para um blog. Quando cheguei a meu destino, já havia um grupo de jornalistas me perguntando se eu queria fechar o Congresso com plebiscito. Nós, parlamentares, não nos adaptamos aos novos tempos da comunicação imediata e universal. Claro, temos nossas limitações de Brasil. Mas, daqui a 20 anos, o povo inteiro estará na rua virtual.”
Não sabemos que tipo de Congresso o Brasil terá daqui a 20 anos. Mas esperamos que não lembre nem de longe o atual. Não poderá haver espaço para um relator do Conselho de Ética como Sérgio Moraes, o deputado do PTB gaúcho que subiu nas galochas para proclamar: “Estou me lixando para a opinião pública”. Uma deputada criticou o “escárnio e a indecência”. Todo mundo leu e ouviu, mas não custa repetir. “Estou me lixando para o que sai nos jornais. Vocês batem, mas a gente se reelege”, disse Moraes.
Poderíamos admitir que ele em parte está certo. O que se reelege de pilantra não está no gibi. Esses políticos costumam se reeleger com os “currais eleitorais”. Algum eleitor se orgulha de estar num curral? Agora, entrou no roteiro um novo personagem: o rolo compressor da opinião pública virtual e nacional. Nunca antes na história deste país os leitores comentaram tanto e com tanta agilidade. Nunca antes as críticas foram tão contumazes e abundantes – às vezes, bloqueadas pelas baixarias.
As reações a frases lapidares como essa do deputado Moraes chegavam pelo correio, eram publicadas na imprensa dias mais tarde, e por isso perdiam impacto. A opinião pública assumiu, com a internet, um papel de protagonista. O povo na rua virtual tem empurrado os políticos a recuar de decisões e a pensar rápido – às vezes, se precipitar, como foi o caso do quase desconhecido Sérgio Moraes. Que vive agora seus 15 minutos de má fama.
Quase ninguém havia ouvido falar de Moraes. Ele é um daqueles deputados com uma ficha corrida que faria qualquer mortal tomar remédio de tarja preta para dormir e para acordar. Foi absolvido das seguintes acusações: lenocínio (crime contra os costumes), receptação de joias roubadas e favorecimento de prostituição numa boate que pertencia a ele e à mulher. Foi expulso do PMDB. Foi condenado a pagar R$ 3.500 por agredir um vereador e jornalista. O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu quatro inquéritos e quatro ações penais contra Moraes. Foi absolvido em duas ações. Faltam duas.
Digamos que Moraes não representa o Congresso brasileiro. Mas como alguém com essa ficha se torna relator de Conselho de Ética? Ou Moraes é vítima de perseguição implacável, ou deve mesmo se lixar para a opinião pública. Como relator, solidarizou-se em público com Edmar “Castelo” Moreira, que elogiou o “vício da amizade” no Congresso. Edmar (sem partido, MG) tornou-se agora réu no STF. É acusado de embolsar o INSS descontado dos empregados de sua empresa de segurança. Parece ficção.
O clássico Quem tem medo de Virginia Woolf? – a peça de Edward Albee, que em 1966 virou filme com Elizabeth Taylor e Richard Burton, dirigido por Mike Nichols – envolve um jogo de sadismo psicológico entre dois casais. O filme começa inocente, mas evolui para uma trama de acusações e revelações, em apenas dois cenários. O roteiro cria uma tensão sufocante. Quem vê fica louco para chegar ao fim e se livrar do desconforto.
Confio na opinião pública, que assiste ao filme em cartaz em Brasília e se importa com tudo. Ela pode mudar o fim.
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