Vinte anos depois de a Constituinte desenhar um sistema que deveria fortalecê-lo, o Congresso Nacional está mais fraco do que nunca esteve
Uma situação recorrente em filmes de ficção científica é quando o homem tenta o controle absoluto sobre a máquina mas algo dá errado. A primeira vez que vi isso foi com 2001: Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick, nos anos 1960. Dois exemplos mais recentes são Robocop e Homem Aranha. Acho que tem a ver com essa coisa de o humano querer ser Deus, com maiúscula. Se Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, o homem busca a elevação tentando ele mesmo construir a máquina perfeita, o sistema perfeito.
Lembrei-me agora de outro filme, Jurassic Park. O personagem que nele mais chamou minha atenção foi o matemático. Invocando a Teoria do Caos, ele dizia que produzir apenas fêmeas de dinossauros não era garantia nenhuma de que os bichos não conseguiriam se reproduzir. Até porque, advertia, a vida sempre encontra um caminho para se perpetuar. Aconteceu. O parque deu errado e teve que fechar. Aliás, a falibilidade das teorias sobre a máquina perfeita e a organização absoluta é conhecida há muito tempo. Muito antes de existir o cinema. Desde pelo menos a descoberta das leis da termodinâmica.
Talvez a Constituinte de 1988 tenha sido contaminada por uma ilusão como aquela dos cientistas de Jurassic Park. Em contraposição a duas décadas de predomínio absoluto do Executivo sobre os demais poderes, escreveu-se uma Carta que hipertrofiou a musculatura do Congresso. Mais poder para deputados e senadores era então o remédio receitado para combater os males da ditadura. Contribuiu também a circunstância de um presidente fraco, José Sarney, e de um Legislativo muito forte, comandado por Ulysses Guimarães, então celebrado como o líder inconteste da resistência institucuional ao regime que se fora.
Vinte anos depois desses fatos, é preciso reconhecer que algo deu errado. Deus talvez esteja a se vingar de nós. Vinte anos depois de a Constituinte desenhar um sistema que deveria fortalecê-lo, o Congresso Nacional está mais fraco do que nunca esteve. E não há nem mesmo a saída de dizer que isso se dá porque nós, os eleitores, colocamos lá as pessoas erradas. Essa tese floresceu durante o tempo em que o PT esteve na oposição, apresentando-se como o partido “certo”, que deveria ser posto no lugar dos partidos “errados”. Felizmente, o PT no poder se mostrou falível. Ótimo para a democracia.
O que deu errado então? Eis um bom assunto para os especialistas. Uma possível explicação está em analisar até que ponto na política a força em excesso e a ausência de controles conduzem paradoxalmente a situações de fraqueza. Há algo sobre isso no quarto volume da obra de Elio Gaspari sobre a ditadura. Numa ocasião, o Palácio do Planalto está às voltas com a discussão sobre o preço cobrado pelos táxis em Curitiba. O que leva o então chefe da Casa Civil, Golbery do Couto e Silva, a concluir: “Estamos mandando tanto que não mandamos mais nada. Concentramos o poder de tal forma que produzimos um buraco negro, capaz de absorver qualquer energia”.
Tudo hoje teoricamente passa pelo Congresso. Qualquer coisa precisa de uma lei. O que em tese deveria colocar o Executivo de joelhos diante do Legislativo. Mesmo nas medidas provisórias, bastaria que os deputados e senadores rejeitassem pelo menos as mais absurdas, por falta de relevância ou de urgência. Ou pala falta de ambas. Mas nada acontece. Dizer que é porque o governo controla a maioria é uma tautologia, uma justificação que se legitima a si mesma. Ora, todo governo no mundo ou tem maioria congressual ou cai, de um jeito ou de outro. Isso não é explicação que se dê.
O Congresso está de joelhos. E por onde começar a reengenharia? Uma coisa boa é atacar, como está finalmente sendo feito, os absurdos administrativos. Mas não basta. Deputados e senadores precisam encontrar caminhos para retomar as prerrogativas que, em meio ao excesso de poder formal, acabaram sendo abrovidas pelos outros dois vértices da Praça dos Três Poderes. O Congresso precisa dar um jeito, principal e urgentemente, de voltar a elaborar o Orçamento, em vez de preocupar apenas com as emendas que nele possa introduzir. Precisa também dar uma solução definitiva para as medidas provisórias, se possível extingui-las. |
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