FOLHA DE SÃO PAULO - 13/04/09
Eu esperava que você procedesse do mesmo modo, que você justificasse a estima dos humanos pelos pombos |
Um pombo-correio carregando partes desmontadas de um celular foi encontrado por agentes penitenciários em Sorocaba. A polícia acredita que a ave estava sendo usada para levar as peças para dentro de um presídio. De acordo com o boletim de ocorrência, o pássaro foi visto por um agente que trabalha na portaria da penitenciária Dr. Danilo Pinheiro, no bairro Jardim Paraná. O homem notou alguma coisa estranha no pássaro, que descansava em um fio de alta tensão, e fez uma armadilha para pegá-lo. Carregava uma sacolinha com peças de um telefone celular. Folha Online.
"NUNCA PENSEI que um pombo pudesse ser trapaceiro, Gabriel. Nunca. Sempre tive em mente a passagem da Bíblia contando que, depois do dilúvio, Noé, ainda na arca, resolveu mandar um pássaro para saber como estava a terra. Enviou um corvo, que nunca voltou. Enviou um pombo, que regressou trazendo um raminho de oliveira. Ou seja: pombos são confiáveis. Pelo menos era o que eu achava até que você, Gabriel, entrou em minha vida.
Eu descobri você no pátio da penitenciária. Você estava sujo, mancando, com uma pata machucada. Eu cuidei de você como se cuida de um filho. Até nome de anjo eu lhe dei: Gabriel. E eu esperava que você retribuísse o favor que lhe fiz. Foi para isso que treinei você, Gabriel. E você sabe o trabalho que isso me deu, sabe muito bem. Era uma coisa que eu só podia fazer às escondidas, para não chamar a atenção de outros presos e dos guardas. Felizmente eu tinha experiência, porque desde criança gostava de pombos; além disso, meu vizinho era dono de um pombal e me ensinou tudo sobre pombos-correio, inclusive como treiná-los.
Devo dizer, Gabriel, que como pombo você me surpreendeu. Porque você era vivo, você era inteligente, você aprendia as coisas com uma rapidez incomum. Em menos de dois meses você estava pronto para a missão. E a missão era importante, Gabriel. Eu precisava que você me trouxesse peças que estavam faltando em meu celular. E o celular, para mim, era vital: graças a ele eu poderia, mesmo de dentro do presídio, dar instruções para os meus homens. Portanto, quando eu enviei você para trazer as peças, Gabriel, estava lhe encarregando de uma tarefa importantíssima. Mas eu confiava em você, Gabriel.
Tanto quanto Noé confiava no pombo que enviou da arca. Eu esperava que você procedesse do mesmo modo, que você justificasse a estima que a nossa espécie, a espécie humana, tem pelos pombos. Mas você me decepcionou, Gabriel. Você traiu a minha confiança. Você tinha de ir até meus companheiros, receber o saquinho com as peças de celular e voltar imediatamente. Você não fez isso. Você, com uma descomunal irresponsabilidade, pousou num fio para descansar. E aí o agente penitenciário te pegou.
Acho, aliás, que era isso mesmo que você queria, ser capturado: era a maneira mais fácil de livrar-se de mim e de aderir aos caras do poder. "Cria corvos e eles te comerão os olhos", diz um provérbio espanhol. Pois eu digo: cria pombos, certos pombos, e eles te sacanareão. E aqui termino de escrever essa mensagem, Gabriel. Só não sei como vou enviá-la a você. Por um corvo, talvez?"
"NUNCA PENSEI que um pombo pudesse ser trapaceiro, Gabriel. Nunca. Sempre tive em mente a passagem da Bíblia contando que, depois do dilúvio, Noé, ainda na arca, resolveu mandar um pássaro para saber como estava a terra. Enviou um corvo, que nunca voltou. Enviou um pombo, que regressou trazendo um raminho de oliveira. Ou seja: pombos são confiáveis. Pelo menos era o que eu achava até que você, Gabriel, entrou em minha vida.
Eu descobri você no pátio da penitenciária. Você estava sujo, mancando, com uma pata machucada. Eu cuidei de você como se cuida de um filho. Até nome de anjo eu lhe dei: Gabriel. E eu esperava que você retribuísse o favor que lhe fiz. Foi para isso que treinei você, Gabriel. E você sabe o trabalho que isso me deu, sabe muito bem. Era uma coisa que eu só podia fazer às escondidas, para não chamar a atenção de outros presos e dos guardas. Felizmente eu tinha experiência, porque desde criança gostava de pombos; além disso, meu vizinho era dono de um pombal e me ensinou tudo sobre pombos-correio, inclusive como treiná-los.
Devo dizer, Gabriel, que como pombo você me surpreendeu. Porque você era vivo, você era inteligente, você aprendia as coisas com uma rapidez incomum. Em menos de dois meses você estava pronto para a missão. E a missão era importante, Gabriel. Eu precisava que você me trouxesse peças que estavam faltando em meu celular. E o celular, para mim, era vital: graças a ele eu poderia, mesmo de dentro do presídio, dar instruções para os meus homens. Portanto, quando eu enviei você para trazer as peças, Gabriel, estava lhe encarregando de uma tarefa importantíssima. Mas eu confiava em você, Gabriel.
Tanto quanto Noé confiava no pombo que enviou da arca. Eu esperava que você procedesse do mesmo modo, que você justificasse a estima que a nossa espécie, a espécie humana, tem pelos pombos. Mas você me decepcionou, Gabriel. Você traiu a minha confiança. Você tinha de ir até meus companheiros, receber o saquinho com as peças de celular e voltar imediatamente. Você não fez isso. Você, com uma descomunal irresponsabilidade, pousou num fio para descansar. E aí o agente penitenciário te pegou.
Acho, aliás, que era isso mesmo que você queria, ser capturado: era a maneira mais fácil de livrar-se de mim e de aderir aos caras do poder. "Cria corvos e eles te comerão os olhos", diz um provérbio espanhol. Pois eu digo: cria pombos, certos pombos, e eles te sacanareão. E aqui termino de escrever essa mensagem, Gabriel. Só não sei como vou enviá-la a você. Por um corvo, talvez?"
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