Como combater a crise
O GLOBO - 12/04/09
A constatação de que a crise econômica internacional já está batendo no bolso do brasileiro médio, feita por uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas do Rio coordenada pelo economista Marcelo Neri, levanta questões sobre a melhor maneira de combatêla. Os gráficos passaram a mostrar, a partir de janeiro deste ano, um panorama econômico completamente ao contrário do que acontecia nos últimos cinco anos, com o bolo da economia crescendo menos, piorando a distribuição de renda, uma inversão de tendência que não se sabe se é permanente.
Uma desaceleração do PIB de dez pontos percentuais entre os terceiro e quarto trimestres de 2008 (de 6,3% para um crescimento negativo de 3,6%), que Marcelo Neri enfatiza como sendo “equivalente ao crescimento da China antes da crise”.
A classe C, que vinha crescendo nos últimos cinco anos, chegando a 53,8% da população em dezembro de 2008, caiu para 52% em janeiro, no primeiro e único sinal até agora de que a crise chegou ao bolso do cidadão médio.
O desafio, para Marcelo Neri, é não deixar que esse ponto crítico se torne crônico.
Ele acha que o Brasil tem fundamentos macroeconômicos sólidos e instrumentos para não deixar que os avanços se percam, mas sua preocupação é “se estamos usando esses instrumentos adequadamente, na sintonia fina”.
Neri teme o risco “de não chegarmos tão rápido quanto precisaríamos, devido à política monetária do Banco Central”.
Escaldado com a inflação, o Banco Central não estaria preparado para enfrentar a atual crise: “Não temos cultura de grandes depressões econômicas”.
Marcelo Neri ressalta que a crise atual tem o viés de afetar mais os mais prósperos, porque é uma crise financeira que atinge os setores mais modernos da economia, que lidam com a economia internacional.
Segundo seu estudo, a probabilidade de cair das classes A, B, C aumentou de setembro a dezembro em 2%, mas, em janeiro e fevereiro, essa probabilidade aumentou para 12%.
“A crise, de janeiro a fevereiro, mudou o patamar no bolso do brasileiro, que vinha sendo poupado”, avalia.
A classe dominante em termos populacionais é a C, que tem 52%, mas a classe AB é a dominante em termos econômicos, com 55% da renda.
Por isso, diz Marcelo Neri, a popularidade do presidente Lula foi poupada no começo, pois a mais atingida foi a classe AB, que não representa muita gente. Em janeiro, a classe C passou a ser atingida.
Marcelo Neri diz que Ben Bernanke, presidente do Fed, o Banco Central americano, “sabia desde o começo que esta era uma situação atípica e que ele deveria fazer alguma coisa além do que os manuais indicam”.
Por isso, no Brasil, a parada súbita de janeiro na renda do brasileiro e do PIB, uma contrapartida da outra, foi combatida de maneira errada, diz ele.
“Precisávamos injetar demanda na economia e houve uma lentidão nisso. E, na política fiscal, estamos errando porque a crise virou uma desculpa para ‘conquistas de direitos’, aumentos do salário mínimo, da Bolsa Família, que são gastos permanentes que podem afetar o equilíbrio de nossas contas públicas”, adverte Neri.
Para ele, poderíamos implementar de emergência, provisoriamente, “um abono transitório, que é o que Taiwan está fazendo, o que os Estados Unidos estão fazendo.
Agora soou o alarme de que os gastos aumentaram.
Um déficit conjuntural em época de crise, tudo bem, mas virar um déficit estrutural coloca em perigo o crescimento futuro”.
Marcelo Neri diz também que o governo está dando ênfase ao PAC e ao plano de habitação, “que têm seu lado positivo por serem planos de investimentos, mas demoram a acontecer, portanto os empregos não serão criados tão cedo”.
Ele lembra que a melhoria da renda do brasileiro pode ser atribuída da seguinte maneira: 10% salário mínimo, 40% Bolsa Família e 50% do trabalho, que tem um papel importante. “Estamos perdendo o crescimento do emprego formal, que é o grande símbolo do crescimento da classe C”, diz ele.
O Bolsa Família deveria ser usado como um instrumento de seguro. Ele lembra que o presidente Lula falou que o Pelé ainda entraria em campo, se referindo à queda dos juros. “Acho que o mercado interno é o Pelé, e a pesquisa mostra que se esse é mesmo o ponto forte, ele se contundiu em janeiro. O Bolsa Família seria o Tostão para ajudar o Pelé, o mercado interno”.
Os estudos mostram, segundo Neri, que o mercado interno, embora abalado, ainda está aquecido, especialmente no Nordeste, e o Bolsa Família poderia ser usado como instrumento de seguro, e não para qualquer situação, “de uma maneira mais inteligente”.
Ele cita a Fundação Bill Gates e várias outras instituições que estão querendo saber sobre microsseguro. “Esta é a agenda do futuro, depois da crise, como o microcrédito foi nos últimos 20 anos. Como é que você segura a população mais vulnerável em época de crise?”.
Se o Brasil pensasse mais em seguro e menos em uma maneira mecânica de garantir os direitos sociais permanentes, diz Neri, poderia ser muito mais generoso no momento da crise porque saberia que aquele gasto não ficaria pesando no orçamento depois.
“O Bolsa Família atinge 25% da população e tem uma capilaridade e agilidade, depende apenas de uma decisão administrativa. Mas a mentalidade não é essa. Se você aumenta os direitos, aumenta os deveres de quem paga imposto e trava o lado real da economia”, finaliza Marcelo Neri.
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