domingo, abril 26, 2009

ELIO GASPARI

AirViúva, a preferida dos milionários 

O GLOBO - 26/04/09

 
Só a voracidade explica que os cinco maiores turistas da Câmara tenham patrimônio superior a R$ 1 milhão


UM CRUZAMENTO da lista dos deputados que foram ao exterior com o dinheiro da Viúva e as declarações patrimoniais de cada um deles à Justiça Eleitoral em 2006 informa: A média do ervanário de 214 parlamentares que listaram bens fica em R$ 2,8 milhões. Os cinco deputados que mais viajaram (Dagoberto Nogueira, Léo Alcantara, Marcelo Teixeira, Arnaldo Faria de Sá e Jilmar Tatto, com 167 passagens), são todos milionários.
Há algo de voracidade nisso, sobretudo quando se vê que os dois deputados mais ricos da lista, Odilio Balbinotti (R$ 123,8 milhões) e Sandro Mabel (R$ 70 milhões) tungaram a Viúva em apenas dez bilhetes.
Se eles não tivessem tirado essas passagens, a média patrimonial dos viajantes cairia para pouco mais de R$ 1 milhão.
Num caso, o cruzamento da exuberância turística contraria a modéstia patrimonial. O deputado Paulo Henrique Lustosa beneficiou-se com 24 bilhetes no circuito Paris-Madri-Nova York, mas seu patrimônio declarado resume-se a R$ 145 mil.
A defesa da farra no plenário da Câmara indica apenas que os doutores não estão entendendo nada. Quem paga essas contas é uma patuleia que pouco viaja ao exterior e, quando o faz, economiza centavos para comprar um iPod pela metade do preço.
O presidente da Câmara, deputado Michel Temer, bem como o senador José Sarney, são parlamentares experimentados e sabem que a lista de deputados viajantes divulgada pela turma do Congresso em Foco é apenas um aperitivo. Vem aí uma chuva de meteoritos. (Como a chuva ainda não ocorreu, é impossível assegurar a composição química do meteorito, mas pode-se supô-la.) Temer e Sarney podem explicar aos seus pares que não há outro caminho. Devem contar ao baixo clero que Adolf Eichmann, o homem mais procurado do século passado, escondeu-se na periferia miserável de Buenos Aires e foi descoberto por um cego.
(Essa história vai contada logo abaixo.) Os alemães não queriam procurar seus bandidos, os americanos queriam cooptá-los. Em suma, parecia melhor fingir que não se via. O cego viu.
(O patrimônio dos doutores está no blog do jornalista Fernando Rodrigues.)

QUANDO NINGUÉM VIA, O CEGO ENXERGOU
O coronel Adolf Eichmann, da tropa de elite nazista, foi o gerente da máquina de extermínio que matou cerca de 6 milhões de judeus.
Acabada a guerra, escondeu-se e, em 1950, fugiu para a Itália. De lá foi para a Argentina. (Seu navio passou rapidamente pelo Rio.)
Com o nome de Ricardo Klement, Eichmann viveu entre fracassos e pequenos empregos. Morava com a mulher e os dois filhos na periferia de Buenos Aires, numa casa sem água, luz ou esgoto. Fingia ser o segundo marido da viúva do coronel, mas os filhos usavam seu sobrenome. Um deles, Nick, defendeu o extermínio dos judeus durante uma conversa na casa de uma namorada. O pai da garota, Lothar Hermann, era um advogado cego que ocultava sua ascendência judaica e perdera a visão na Alemanha, depois de uma surra de nazistas. Ele passou suas suspeitas adiante. Em 1958, um agente do Mossad foi mandado a Buenos Aires, vigiou a casa onde vivia o suspeito e concluiu que o poderoso Eichmann jamais viveria num fim de mundo. Acreditava-se que ele enriquecera pilhando e extorquindo judeus.
Lothar Hermann insistiu. Um segundo agente reuniu-se com ele e, a partir daí, a operação começou a ser montada. O resto é história.
Eichmann foi capturado em maio de 1960 quando desceu de um ônibus.
Levado secretamente para Tel Aviv, foi julgado e enforcado em 1962.
(Essa história não é nova, mas está muito bem contada num livro que acaba de sair nos Estados Unidos: "Hunting Eichmann" -"Caçando Eichmann"- do jornalista Neal Bascomb.)

PAPELÓRIO
O Supremo Tribunal Federal está a poucos passos de uma guerra de dossiês.

CENA DA CRISE
Na semana passada, um jovem circulava pelos vagões do metrô de Nova York avisando: "Eu não estou pedindo dinheiro. Preciso é de emprego". Ele distribuía cópias do seu currículo onde constava o diploma de administrador de empresas.

CONCORRÊNCIA
No início do ano, o Planalto torrou algumas centenas de milhares de dólares canalizando anúncios da Petrobras, do BNDES e da Embratur para um encarte publicitário da prestigiosa revista "Foreign Affairs". (Esses encartes servem a uma clientela de emires do golfo, sobas africanos e macaquitos latino-americanos.)
A vaidade tucana teve a sua vez. O último número da "Foreign Policy" tem um encarte de 16 páginas intitulado "São Paulo - O aroma Doce do Sucesso", com um anúncio de página inteira da Sabesp e duas tripinhas da Unicamp e do Banco do Brasil. (Gesner Oliveira, presidente da Sabesp, é um dos entrevistados num texto sobre qualidade de vida.) Uma frase publicada no encarte ajudará a campanha eleitoral dos doutores: "Uma das maiores frotas de helicópteros do mundo ajuda os executivos a se livrar do trânsito". Quem não tem helicóptero deve ralar.

DIA E HORA
A crise da Câmara terá a sua hora da verdade. Ela ocorrerá durante a tramitação do processo de cassação do mandato do deputado-castelão Edmar Moreira. O exame do uso das verbas indenizatórias tomará conta do debate. Quem conhece a papelada acredita que o estrago será superior ao das passagens para o exterior, que atingiu metade do plenário.

PAPEL DE BOBO
Pode-se acusar o Congresso de tudo, mas será injusto atribuir ao Senado a iniciativa de pendurar na Medida Provisória 449 um dispositivo que concederá às empresas exportadoras um crédito de 15% sobre o valor de suas operações até dezembro de 2002.
A mola propulsora da iniciativa está no Ministério da Fazenda. Lá, o ministro Guido Mantega e os empresários negociam um acordo para encerrar uma velha batalha judicial. Os senadores foram estimulados a desfilar como ala bem ensaiada na rabeira de escola de samba de mau enredo, harmonia atravessada e alegorias saqueadas.
Em vez de o governo botar a cara na vitrine, deu um jeito de jogar o entulho na porta do Parlamento. Segundo cálculos feitos na Receita Federal, o crédito renderá aos exportadores um benefício tributário de R$ 250 bilhões (20 programas Bolsa Família). Essa conta é duramente contestada pelos empresários. Pode ficar entre R$ 53 bilhões (cinco BF) e R$ 150 bilhões (12 BF), caso o Supremo Tribunal decida julgar o litígio e dê razão aos empresários.
O jogo limpo recomendaria que o governo assumisse o patrocínio da causa com uma nova medida provisória, defendendo lisamente os seus interesses. Ele pode até ter razão, mas fazendo as coisas no escurinho do plenário, leva água para a sistemática desmoralização do Congresso.
O Planalto, os empresários e gente boa do Supremo sabem que essa conta foi para o Senado porque os negociadores suspenderam as conversações com seus amigos na Câmara. O preço político, digamos assim, tornara-se absurdo.

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