Santo nome em vão
O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/04/09
O pacto republicano assinado ontem entre os chefes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário é pretensioso no nome, ambicioso na proposta - garantir ao brasileiro um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo -, mas absolutamente despojado, modesto mesmo, no que tange à sua execução.
À primeira vista, um modelo pronto e acabado daquelas declarações bem-intencionadas, cuja validade não costuma ir muito além do momento solene da inauguração. Será ótimo se essa impressão for equivocada, bem como não haverá melhor notícia que a comprovação, mais adiante, da possibilidade real de se transformar intenções em gestos sem um plano de ação prévio com responsabilidades claramente distribuídas entre os signatários.
Cada qual na posse plena das respectivas condições objetivas para tirar do papel o enunciado do problema, perfeitamente entendidos uns com os outros, equilibrados no grau das respectivas autonomias, mobilizados para a tarefa como prioridade e coordenados por um eixo garantidor do foco do trabalho, do começo ao fim.
Isso posto, é grande a chance de êxito de um pacto. O que lança dúvida a respeito do pacto republicano é justamente o fato de as condições acima não estarem nem de longe postas. A começar pelos sinais de carência de espírito republicano nos três avalistas do compromisso que invoca o santo nome da República, até prova em contrário, em vão.
Poderes que se atropelam, não raro se engalfinham, não são Poderes em estado de normalidade funcional. Há uma evidente desorganização em termos de atribuições. Isso, óbvio, não impede ninguém de propor melhorias, pensar em avanços, demonstrar boa vontade e, sobretudo, vontade de acertar. Embora aconselhe cuidado para não se criar expectativas vazias, frustrantes, indutoras da descrença.
Há acertos a serem feitos no presente, sem os quais fica quase impossível caminhar para o futuro. O pacto assinado ontem depende fundamentalmente do Congresso e da sintonia com os outros dois Poderes.
Em sã consciência, ninguém pode apostar na hipótese remota de o Parlamento tocar as regulamentações e novas legislações necessárias à execução das medidas pactuadas, da maneira como funciona hoje o Legislativo.
Omisso, submisso, referido nos interesses corporativos, defensivo, resistente a mudar seus costumes, preso, enfim, a uma série de deformações, o Congresso nem sequer tem uma agenda própria, mal consegue administrar a sinuca da qual é prisioneiro, quem dirá dar conta de uma tarefa da envergadura proposta pelo pacto. É irreal.
O Executivo, por sua vez, propõe, mas não ajuda a materializar as propostas. Usa sua força apenas para angariar os benefícios políticos das sugestões. A recente proposta de reforma política, posta no Congresso como quem põe um pacote na porta do alheio e dá por cumprida a missão, está aí para demonstrar.
Ao Palácio do Planalto interessa única e exclusivamente tratar de eleições e cultivar a popularidade do presidente Lula de forma a ilustrar sua biografia. Enxerga no Congresso um prestador de serviços, não um Poder autônomo com força correspondente ao papel a ele reservado na definição de República.
O Judiciário reclama. Muito justamente na maior parte das vezes. Mas a própria necessidade de os magistrados precisarem deixar de lado a tradicional neutralidade desapaixonada e partir para o ativismo mostra como o desequilíbrio campeia.
Na cerimônia de ontem, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, declarou que “Câmara e Senado são essenciais para a democracia”. Ora, quando o presidente da corte guardiã da Constituição se vê na obrigação de informar tal obviedade em tom de quem faz algum tipo de alerta, é porque as coisas não estão caminhando com naturalidade.
Se o ministro Gilmar Mendes disse isso para se associar de alguma maneira à tese de que apontar as falhas do Congresso representa um risco para a democracia, aí é que se corre perigo mesmo, porque significa que a desfaçatez pode sair vencedora.
Mas o presidente do STF disse também que o conjunto de metas do pacto republicano só pode ter êxito com um Parlamento “aberto, ativo e altivo”. No momento em que o Legislativo se fecha limitando a circulação de informações por causa das denúncias de suas malfeitorias, no momento em que o Legislativo se queda paralisado como nunca em suas funções, no momento em que o Legislativo é mais submisso aos ditames do Executivo, não é nesse momento que o Legislativo poderá se desincumbir do papel de dar ao Brasil um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo.
Conhecedores dessa crua realidade, os signatários do pacto participaram ontem de um ato inócuo e ficaram devendo um diálogo mais realista com a sociedade brasileira. Se começarem daí, talvez seja possível retomar valores perdidos, como, por exemplo, a confiabilidade da palavra dita e a respeitabilidade do compromisso assumido.
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