Da gastança à poupança
O ESTADO DE SÃO PAULO - 08/04/09
Afinal, em qual dos discursos do presidente da República devem se fiar prefeitos e governadores? Naquele que há dois meses os exortou a gastar ou no que há dois dias os aconselhou a economizar?
Muito provavelmente em nenhum dos dois, pois na vida real cada um age de acordo com o aperto do próprio calo e, dependendo do grau de compromisso público, dentro ou fora do limite das respectivas responsabilidades.
Políticos, a maior parte experiente, prefeitos e governadores compreendem o mecanismo da adaptação das palavras às circunstâncias. Quando ainda havia espaço para agradar a todos, o presidente Luiz Inácio da Silva vendeu otimismo às toneladas.
Surfou na versão “marolinha” da crise mundial, fez o elogio da prodigalidade dos gastos e reduziu impostos. Quando começaram a aparecer as consequências, a arrecadação caiu e a União reduziu o porcentual de repasses de recursos federais a estados e municípios, o presidente assumiu o moderado recomendando cintos apertados.
Os prefeitos que em fevereiro saíram de Brasília felizes, depois de três dias de comício, voltam à capital menos amistosos, desta vez para cobrar socorro aos Orçamentos, e o governo constata que tem um problema.
Ora, nem as agruras de caixa nos municípios – prefeitos nunca puderam gastar como propunha o presidente – nem a redução nos repasses da União podem ser vistas com surpresa. E, se não há nada de novo no front, qual é a questão a ser resolvida?
A adequação das necessidades na seara política a um quadro de dificuldades na área da economia. Na adversidade é que o governante é instado a arbitrar, goste ou não da tarefa de administrar contrariedades. O presidente Lula não gosta.
Tentou no início da crise manter acesa a chama do entusiasmo para preservar os índices de popularidade em alta. Não deu certo A popularidade caiu e o governo viu-se na contingência de investir no realismo a fim de socializar os prejuízos com o menor dano político possível.
Daí a mudança do discurso, da gastança para a poupança. Sem perder, contudo, a fé e a esperança, “sempre trabalhando com a ideia de que vamos ter um segundo semestre melhor que o primeiro”.
O presidente Lula já mostrou e comprovou o quanto é bom nesse campo. Consegue animar qualquer ambiente. O problema é fazer isso na hora em que o cobertor encurta ou, para usar a metáfora presidencial, o feijão que alimentava cinco precisa sustentar dez bocas.
Quando o assunto é dinheiro, as pessoas – sejam prefeitos, governadores ou cidadãos comuns – querem algo mais objetivo que expectativas positivas. O aumento do grau de exigência reduz a boa vontade em relação ao presidente que garantiu que tudo iria bem e não haveria risco de piorar.
A incongruência aí cobra seu preço, atinge a credibilidade, quebra a confiança na palavra do presidente e explica a celeridade da redução dos bons índices nas pesquisas.
A subida foi paulatina ao longo dos últimos anos, mas a queda foi ligeira: dez pontos porcentuais em três meses. Resultado, talvez, do excesso de confiança e carência de lastro na promessa da bonança eterna.
Desequilíbrio que o discurso do cinto apertado pode muito bem corrigir.
Advocacia-geral
Se o governador Aécio Neves, que é adversário, atesta que a presença da ministra da Casa Civil em solenidades oficiais não configura ato de propaganda eleitoral, não será a Justiça que contestará para dar ganho de causa ao PSDB nas reclamações ao TSE contra Dilma e Lula por campanha antecipada.
Abafa
O senador Cristovam Buarque explicou ontem que não propôs, como se interpretou, a convocação de um plebiscito sobre a hipótese de fechamento do Congresso em virtude do descontentamento geral com os abundantes e constantes desvios de conduta ali perpetrados.
Disse, segundo ele, que nesse ritmo alguém acabará propondo que o destino do Parlamento seja objeto de consulta popular. De fato. E não será surpreendente se os próprios deputados e senadores começarem a falar no assunto ao molde de ameaça, aflitos que estão em dar um basta nas críticas e nas denúncias a respeito do Poder Legislativo.
Um Legislativo desmoralizado é realmente terreno fértil onde prosperam demandas e ofertas de autoritarismo. Um plebiscito com essa temática até faria sucesso, não fosse por reforçar o ímpeto participativo de gente que confunde engajamento com exacerbação da descrença.
Mas, como não teria chance alguma de progredir, o lançamento do tema no ar teria como único objetivo o de constranger a massa crítica sob o argumento de que antes um Parlamento ruim que Parlamento nenhum.
Um sofisma tolo para ser entendido em sua verdadeira – e ínfima – dimensão: a tentativa de obter salvo-conduto para malfeitorias em nome da proteção da democracia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário