sexta-feira, março 06, 2009

MÍRIAM LEITÃO

Campo em queda

O Globo - 06/03/09

Este ano vai ser de queda na receita agrícola brasileira. A safra 2008/2009 de quase todos os grãos deve ser menor no país. A boa notícia pode vir do açúcar, que deve ficar com o preço quase estável lá fora. A soja, o carro-chefe, deve colher menos. A exportação de carne só cresce num cenário de recuperação. As boas notícias: a alta do dólar e a queda dos insumos.

A falta de crédito, a queda do preço das commodities e o aumento nos custos fizeram com que a plantação fosse menor para esta safra. Além disso, a seca que atingiu estados como Paraná e Mato Grosso do Sul prejudicou a safra de soja precoce e fez com que agricultores colhessem de 8 a 11 sacas por hectare, quando a média é colher 46 sacas. A Agroconsult estima uma safra total de grãos de 132,4 milhões toneladas em 2009, queda de 7,7% em relação à safra passada. A RC Consultores prevê 135,7 milhões de toneladas. Para a soja, a Agroconsult espera uma safra de 55,5 milhões de toneladas, 7,4% menos que a última safra. A RC diz que o volume de soja será de 57,8 milhões de toneladas, abaixo das 59,9 milhões de toneladas de 2008, e a queda no milho será ainda maior, de 58,7 milhões de toneladas em 2008 para 50,8 milhões de toneladas em 2009.

Se há queda no volume, há queda no valor das commodities. Para Fábio Meneghin, analista da Agroconsult, o bushel (a medida específica do produto) da soja deve ficar entre US$ 8 e US$ 8,50 lá fora. Já segundo Fábio Silveira, economista da RC, o preço da soja neste ano deve oscilar em US$ 9, queda de 23% para 2008. Já o milho deve cair 28%, ficando a US$ 3,80 o bushel, e o açúcar deve perder pouco, 2%, ficando a US$ 0,12 a libra.

“A receita agrícola vai ter uma variação negativa em relação a 2008. A situação só não vai ficar dramática porque os preços dos insumos estão caindo. Isso diminui o peso, mas não traz fartura para o setor”, diz Silveira.

Ele diz que suas projeções levam em conta uma queda do PIB americano de 1,5%. Se a economia americana cair mais e se a China crescer menos do que o previsto, os preços caem ainda mais. “Há espaço para os preços agrícolas caírem. Isso porque eles estão acima da média histórica, que para a soja é US$ 5,50, para o milho é de US$ 2,20 e para o açúcar é US$ 0,09.”

Para a safra 2008/2009, a rentabilidade vai ser menor que na safra passada. Em Mato Grosso, a previsão da Agroconsult é de uma rentabilidade de R$ 150 por hectare, um valor baixo, já que no último ano ela ficou em R$ 480/ha. Em Goiás, que tem logística melhor, a rentabilidade esperada é de R$ 300/ha, mas ela ficou em R$ 513 na última safra. No Paraná estará a maior queda, segundo a consultoria, de R$ 770/ha no ano passado para R$ 150/ha nesta safra.

“Isso é resultado da quebra da safra da soja precoce, por causa da seca, o que deve reduzir a produção do Paraná em 22%. Além disso, o estado sofre com a alta dos custos da produção. Já em estados sem quebra de safra, a redução é por causa da alta nos custos”, explica Meneghin.

Para a safra 2009/2010, são grandes as chances de a produção agrícola brasileira ficar estável ou ter um crescimento baixo. Isso porque, sem crédito, muitos produtores não terão condições de aumentar a área de plantio.

“Muito produtor de soja vendeu a preços mais altos. Quem conseguiu fechar contratos a US$ 10 o bushel, em fevereiro, deu-se melhor. Eles estão usando esse dinheiro para comprar insumos à vista, porque estão mais baratos”, conta Meneghin.

Para Silveira, a situação atual deveria fazer com que o modelo agrícola brasileiro fosse redesenhado, para que em momentos de bonança os agricultores fizessem um colchão. “O produtor tem o vício de depender do governo. E o governo fica refém do produtor e arca com o prejuízo se a produção não for vendida.”

Na verdade, esse é um velho problema brasileiro. Não interessa quantos anos bons aconteçam na agricultura. Um ano ruim é o suficiente para que os produtores corram a Brasília pedindo ajuda. Aliás, eles renegociam a dívida até em ano bom.

No setor bovino, há incerteza sobre a demanda. Segundo Gabriela Tonini, da Scot Consultoria, a produção brasileira deve ser de aproximadamente 9,5 milhões de toneladas, bem próximo do ano passado, e cerca de 20% devem ser exportados.

“Muita coisa ainda está incerta no mercado de carne bovina, dependendo da situação econômica dos EUA e da Europa. A exportação para a União Europeia está crescendo, mas o volume ainda é pequeno.”

Em janeiro, a exportação de carne bovina foi de 133 mil toneladas, queda de 34% para setembro de 2008, começo da crise. O preço também caiu. Em janeiro, ficou, em média, US$ 1.840 por tonelada, contra US$ 2.700 de setembro. Gabriela diz que, no mercado local, já houve queda de consumo e que o setor teme o desemprego.

“O setor está muito apreensivo. O mercado de boi gordo, na bolsa, tem hoje metade dos contratos que tinha no mesmo período do ano passado.”

Os produtores já começaram a buscar a renegociação das dívidas. Mas a desvalorização do real torna o preço em dólar das commodities mais atrativo. De qualquer maneira, será ano de vacas magras, depois de anos de vacas gordas: preços e vendas recordes.

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