O GLOBO
O senador chegou e me botou o dedo na cara:
"Vocês, jornalistas que infestam o pais, agora só falam do PMDB, da corrupção no Congresso. Vocês fervilham como formigas em cima de instituições que não conhecem. O PMDB é uma das mais belas florações de nossa historia. Vocês se esquecem de nossas tradições e atribuem malignidade à pequenas ações inocentes, hábitos incrustados em nossa alma como a cana, o latifúndio, como nossos bigodes que vocês chamam de "bregas", nossos jaquetões e gravatas zebradas, a tristeza conformada no rosto de nossas esposas, as alegres tradições "country", os churrascos eufóricos, as ancas de amantes risonhas, as jóias de ouro tilintando em pescoços e pulsos, a viril antipatia de nossos chefes políticos. Nisto tudo vocês deviam ver que alguma coisa sólida e cultural existe neste Brasil e que isto é belo.
Quando eu faço uma piscina azul em minha casa no sertão, ela brilha como um retângulo de esperança em meio à seca. Não é arrogância, mas solidez. Não é crueldade, pois é preciso que alguém tenha piscina na caatinga para que a dor dos miseráveis seja suportável. A vida do pobre ganha um sentido hierárquico: ele está embaixo, mas se consola porque alguém vive feliz em cima.
Eu acrescento ordem ao mundo com minhas motocicletas no agreste, eu sei da beleza de passear de Harley Davidson com minha mulher oxigenada e rechonchuda (chamo-a de minha "potrinha"), com um belo abrigo Vuitton, para que nossa passagem cause um "Ohhh!" nos "bóias-frias" das lavouras. Sei que há orgulho nisso, mas grande é meu prazer do "pudê" herdado, o prazer de ver o fantasma de meu avô entre os canaviais flamejantes, de ver as mãos magras agarrando os chapéus - homens humildes e curvados quando eu passo.
Esses belos instantes servem de bálsamo contra tantos que acham que o Brasil piorou.
Muita coisa melhorou, sim. Vejam minha lancha ancorada no Iate Clube, vejam as parabólicas em meu teto de fazenda, vejam os gritos alegres de meus filhos no carro japonês rolando na poeira da fazenda, o rubro Mitsubishi entre vacas magras, o jatinho pousando entre caveiras de burro.
Não pense que meu peito se confrange diante da palavra "corrupção" no PMDB; não há corrupção entre nós; é apenas a continuação de um processo histórico. O dinheiro que arrecadamos, na relação entre a coisa publica e privada, sempre nos pertenceu. Ou você acha que haveria obras e progresso sem esta simbiose? Não há casamento sem interesse. É belo e progressista o interesse político. A honestidade alardeada é hipocrisia. Este Jarbas (não o nosso Barbalho, mas o Vasconcelos) está sabotando uma secular dinâmica política para se promover...Vaidade pura...Ele está prejudicando a doce aliança PT-PMDB, que permite que o pais evolua, como bem disse nossa candidata em campanha (até segunda ordem) Dilma. Reclamam dos 181 diretores, mas esquecem que eles formam um pelotão cordial de amigos fieis. Admire a beleza superior deste imenso patrimônio espiritual que nós possuímos no Partido, feito de favores, amizades, famílias amplas, burocratas cooperativos. É legitimo que eles queiram incluir mais e mais os bens do país como uma prótese de suas vidas privadas, coroadas pelo êxito. Sem enriquecer, para quê fazer política?
Nossos peitos estão felizes em nossas camisas de seda que vieram de Miami; há um progresso enorme em nossas famílias, mas os pessimistas só olham para as costelas dos famintos. Querem o quê? Que fiquemos magros também, que dividamos nossas conquistas com os que nada têm, querem socializar a miséria? Ademais, é impossível salvá-los. São 40 milhões de pobres, chocados em quatro séculos de tradições. A única solução é virar os olhos para a beleza do poder no campo e na cidade: a alegria de sermos senhores feudais sobre cidades inteiras, a volúpia de ver os fulgurantes escritórios, a hábil tessitura de negócios fiscais, a grande arte dos lucros fabulosos, a sensação épica na hora da propina, as mandíbulas salivando a cada grande negócio. Tudo isso é belo!
Quem disse que o mundo é para mudar? Isto é herança protestante de frios anglo-saxões. Será que vocês não vêem, jornalistazinho petulante, que vocês, profissionais do pessimismo, são cegos para outras formas de beleza? O encanto dos shoppings de luxo, as paisagens urbanas vistas através do "blindex", as velozes paixões dos cartões de crédito, o eufórico alarido dos restaurantes, os roncos de jet-skis no mar, os gemidos das amantes nos lençóis de cetim, os jatos prateados, a euforia dos almoços de conchavos e "troca-trocas", tudo isto que doura o nosso progresso? Por que só olhar para o fracasso dos famintos?
Esta crise mundial da economia vai se avolumar. Estou me lixando...pois quando o país definhar, continuaremos a ver o que havia de natural e belo em nossas vidas, o que era a continuidade da ordem do mundo.
E, a cada catástrofe (como vocês chamam), adaptaremos (com incrível habilidade) nossa felicidade para os novos tempos. Sempre estaremos bem em qualquer governo, progredindo, honrando nosso passado de donatários. E quando aumentarem as invasões e convulsões sociais, com os inevitáveis extermínios em massa, as esterilizações obrigatórias, as fogueiras de favelas, vocês verão que isso é natural, que isso é o "survival for the fittest" - ("sobrevivência do mais forte", como bem traduziu meu filho de Harvard...).
E quando a argentinização, venezuelização ou mesmo a bolivianização do Brasil se fizer, iremos naturalmente para o Exterior, com nossas fortunas (que já estão lá) e ainda sentiremos no peito o orgulho de ver a sobrevivência de nossa tradição colonial portuguesa.
Nós nos ufanamos deste Brasil que se manteve tão sólido e parado no tempo graças a nós, sem modéstia!"
O orgulhoso político ajeitou o jaquetão e se encaminhou de fronte alta para o salão azul do Senado. Era feliz.
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