A quem não interessar possa
O ESTADO DE S. PAULO - 14/02/09
No início da semana os ministros Tarso Genro, da Justiça, e José Múcio Monteiro, das Relações Institucionais, fizeram aos presidentes da Câmara e do Senado a entrega solene de uma proposta de reforma política elaborada pelo Executivo.
É a mesma que os mesmos ministros haviam apresentado no dia 27 de agosto de 2008 aos antecessores do senador José Sarney e do deputado Michel Temer à guisa de colaboração para um debate ao qual se esperava o engajamento do Congresso e a apresentação de novas contribuições.
Seis meses depois não aconteceu nem uma coisa nem outra, conforme, aliás, já previam os então comandantes do Congresso. Arlindo Chinaglia, presidente da Câmara, avisou logo que a Casa tinha "outras prioridades".
Garibaldi Alves, presidente do Senado, deu uma volta maior, mas chegou ao mesmo lugar: "Nessa altura é uma discussão utópica, pretensiosa até. Fragilizados, os partidos não estão a serviço de um ideário e sim à disposição dos interesses de seus donatários que chegam a dominar três legendas em um Estado."
Ópera resumida por quem entende do riscado, cada um à sua maneira queria dizer que o governo estava chovendo no molhando, malhando em ferro frio, enxugando gelo e quantas forem as figuras de linguagem disponíveis no idioma para traduzir a absoluta inutilidade da proposta.
Ao menos nesse tipo de abordagem que não vai ao centro da questão, não mobiliza as energias necessárias, não se dispõe a enfrentar os obstáculos com instrumentos eficazes e insiste na mesma sistemática dos fracassos anteriores, aí incluídos os pontos escolhidos para serem "reformados".
Aos seis apresentados em agosto passado a Garibaldi e Chinaglia a título de ponto de partida e agora reapresentados a Sarney e Temer como a reta de chegada na reforma política, o Legislativo não acrescentou uma vírgula.
E, se a previsão feita na época pelo senador Garibaldi Alves estiver correta, o Parlamento tampouco dará votos para aprová-los. À exceção daquele ponto que flexibiliza a interpretação da Justiça sobre fidelidade partidária e permite a troca de partido sem justa causa por um período de 30 dias a cada quatro anos.
"Esse passa fácil", dizia. Os outros morrem de inanição ou de inadequação ao que a sociedade considere aceitável.
Listas fechadas de candidatos sem outras mudanças estruturais, apontava o senador, só aumentarão o poder de manipulação das cúpulas partidárias. Sobre financiamento público: "Será que a população confiará na distribuição correta de um dinheiro que vem do orçamento a fundo perdido?"
A essa avaliação acrescentem-se dúvidas sobre o destino da cláusula de barreira, já declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal e a restrição ao registro de candidatos processados.
Esta última, além de ter sido derrubada na Justiça, não mereceu dos políticos um pingo da atenção pretendida pela campanha contra a eleição de "fichas sujas" patrocinada pela Associação dos Magistrados do Brasil. Logo, não é de se esperar que o veto ganhe votos para virar lei.
Fio da navalha
O deputado ACM Neto, novo corregedor da Câmara, acha mesmo que a tarefa é espinhosa, tem consciência de que caminhará numa corda bamba entre a pressão da opinião pública e as demandas da corporação, mas acha que saberá encontrar o ponto de equilíbrio.
A receita do êxito, na opinião dele, requer sobriedade antes de qualquer coisa. "Quando o corregedor quer aparecer, quer fazer carnaval, dificilmente consegue resultados", diz.
O deputado não vê desconforto especial na primeira missão: o exame do caso de Edmar Moreira, alvo de um pedido de investigação apresentado pelo PSOL em virtude da suspeita de que possa ter usado indevidamente a verba extra de R$ 15 mil mensais.
Moreira foi desligado do DEM, partido do corregedor, que não vê nisso qualquer impedimento à isenção de seu trabalho. "A corregedoria não julga, ela instrui uma investigação sobre um fato específico, no caso o do uso da verba indenizatória. Já o partido faz um juízo político, envolvendo os mais variados aspectos da conduta do parlamentar. São dois critérios distintos."
O cancelamento da filiação partidária deu-se pelo conjunto da obra, enquanto o acatamento, ou não, do pedido de investigação pelo Conselho de Ética, segundo ele, vai se basear apenas nas provas sobre o fato específico. "Se o deputado não serve para ficar no partido não é por isso que deve ser cassado."
ACM Neto por ora adota a tática da boca fechada. Recusa pedidos de entrevistas, evitar até falar em tese sobre questões de natureza ética, não diz o que pensa sobre a conveniência da divulgação de notas fiscais dos gastos da verba extra e antecipa apenas que está formulando "umas ideias" para apresentar na sua primeira reunião da Mesa Diretora.
"Se der um passo em falso, posso ser acusado de parcialidade e prejudicar os processos."
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