terça-feira, janeiro 13, 2009

DORA KRAMER

Falando às escuras


O Estado de S. Paulo - 13/01/2009


O ex-deputado Roberto Freire, presidente do PPS, assumiu o discurso, mas o receio de que a abertura oficial do debate sobre o fim da reeleição abra espaço para propostas de prorrogação de mandatos, plebiscitos ou atalhos por onde transitaria a possibilidade de o presidente Luiz Inácio da Silva disputar um terceiro mandato é mais amplo. 

Assola o PSDB, mais exatamente a seção paulista do partido, cujo líder maior, o governador José Serra, é também o mais empenhado defensor do fim da reeleição. Serra articula apoios à proposta há tempos e durante todo o ano de 2008 avisou a vários interlocutores - sendo o mais poderoso deles o presidente Lula - que o tema ganharia substância logo após as eleições municipais.

Dito, feito. Em dezembro, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou a proposta e a nova presidência deve instituir comissão especial para dar prosseguimento à tramitação. O atual presidente, Arlindo Chinaglia, favorável, já anunciara disposição de instalar.

Se o sucessor for Michel Temer o assunto também terá tratamento preferencial, pois o presidente do PMDB é a favor, segundo ele, tanto para facilitar o processo de escolha de candidatos dentro do PSDB quanto para encurtar o tempo que separaria Lula do fim deste governo e uma eventual candidatura futura.

O problema dos tucanos é que as coisas podem assumir rumos não desejados e provocar efeitos colaterais desastrosos. Ninguém, em sã consciência, apostaria hoje na hipótese de o Congresso abrir caminho ao terceiro mandato.

Mas a simples inclusão do assunto na agenda nacional já seria um fator de perturbação e sinal de anormalidade institucional. O presidente do PPS - um assumido aliado de Serra e do PSDB em 2010 - denuncia “articulação” em prol do terceiro mandato apontando o dedo aos governistas.

Realmente, foram eles (ou alguns poucos entre eles ) que manifestaram vontade de retomar a discussão a partir do debate sobre o fim da reeleição. Mas, convenhamos, quem criou a oportunidade foi o PSDB ao patrocinar vivamente nos bastidores a instituição de mandato único de cinco anos.

Se porventura a questão da continuidade vier a ganhar destaque, as inevitáveis críticas decorrentes não poderão deixar de alcançar a oposição.

A preocupação do ex-deputado Roberto Freire é legítima, tem fundamento e abrigo até entre aliados do presidente Lula. Mas conta apenas parte da história quando joga a responsabilidade sobre eventuais distorções do debate nas costas dos suspeitos de sempre. 

Recapitulando

Há mais ou menos cinco meses o delegado Paulo Lacerda foi afastado temporariamente da chefia da Agência Brasileira de Inteligência para permitir “maior agilidade” e “isenção” na investigação da autoria de escutas telefônicas ilegais, notadamente no telefone do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes.

O ato se baseava na alegação do ministro da Defesa, Nelson Jobim, de que a Abin teria comprado equipamentos para grampos, extrapolando suas atribuições.

As investigações, inicialmente limitadas em 30 dias, ainda não terminaram oficialmente, mas, extraoficialmente, o ministro da Justiça, Tarso Genro, diz que Paulo Lacerda será inocentado.

A denúncia de Jobim também caiu por terra.

Nem por isso Lacerda foi ou será reconduzido ao cargo, indicado que está para o posto de adido policial na embaixada brasileira em Portugal.

Tarso Genro afirmou, em entrevista ao Estado no domingo, que não há relação entre os dois fatos nem a ida para o exterior pode ser vista como um prêmio de consolação ou arranjo para aplacar os conflitos internos da Polícia Federal. Segundo o ministro, a presença de Lacerda em Lisboa é ditada pela necessidade do País.

Até por ser o delegado merecedor de tanta confiança é de se perguntar se não seria o caso de, senão lhe devolver o posto no Planalto, ao menos dar uma explicação oficial - de preferência convincente - sobre o caso dos grampos, a Abin, Paulo Lacerda e quejandos. 

Perfeita imperfeição

A capacidade do Legislativo de criar fatos negativos desafia até a lógica do calendário. No recesso seria de se imaginar que o Congresso desse uma folga.

Em menos de um mês, contudo, faltando ainda duas semanas para a volta ao trabalho, o Senado gera com afinco uma crise política - por iniciativa do PMDB - e a Câmara já serviu de plataforma de lançamento de declarações de guerra ao Judiciário - muito ativo para o gosto do Legislativo - e produziu dois vexames: a aprovação de gratificações adicionais para 3.500 funcionários e o aval da direção a um contrato de plano de saúde sem licitação, negociado pelo sindicato dos funcionários da Casa.

Este último ato com direito ao excesso do lobista da empresa à reunião da Mesa Diretora.

Nesse ritmo de trabalho, o Legislativo em breve atinge o grau máximo em matéria de degenerescência.

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