Com um empenho poucas vezes visto nos seus procedimentos habituais, o governo Lula vem cumprindo rigorosamente, etapa após etapa, a decisão - de origens nebulosas - de promover, para todos os efeitos práticos, a cartelização do núcleo do sistema de comunicações do País. No fim da semana passada, o presidente assinou o decreto que institui o novo Plano Geral de Outorgas (PGO) no setor de telefonia fixa. A norma original proibia que uma concessionária adquirisse outra para operar numa área geográfica diversa daquela onde estivesse autorizada a funcionar. A mudança é um dos maiores casuísmos de que se tem notícia, mesmo para os padrões dos poderes públicos nacionais. Foi feita para permitir a fusão entre a Brasil Telecom (BrT) e a Oi (ex-Telemar), com a compra da primeira pela segunda, um negócio da ordem de R$ 12 bilhões, com a participação do BNDES e do Banco do Brasil. A nova empresa só não atuará em São Paulo, Triângulo Mineiro e na região de Londrina, no Paraná.
O negócio havia sido anunciado há sete meses, com o apoio declarado do governo, como um fato líquido e certo. Antes ainda da sua apresentação, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, falava nele com suspeita naturalidade. Os envolvidos, com acesso privilegiado ao Executivo, tinham motivos de sobra, portanto, para saber que as regras do jogo se amoldariam aos seus interesses. E isso efetivamente se deu por meio de descarada interferência do Planalto na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o órgão regulador do setor, que sai dessa deplorável história desacreditado e com a autonomia reduzida a frangalhos. Em outubro, para surpresa de ninguém, a Anatel alterou o plano de outorgas - o que o decreto presidencial sacramentou dias atrás. No afã de exercer o seu papel espúrio de corretor de negócios entre agentes privados, o governo nem sequer teve a preocupação de salvar as aparências. Dois membros da agência foram substituídos para que a decisão desejada não corresse quaisquer riscos. Nomeou-se até uma diretora sem sombra de familiaridade com o setor, mas sintonizada com o espírito da coisa.
Ainda não acabou. A anuência prévia da Anatel para o negócio da fusão entre BrT e Oi precisa sair até o dia 21 de dezembro, do contrário a Oi terá de pagar à BrT uma multa de R$ 490 milhões. Não há hipótese de que isso venha a ocorrer. O ministro Hélio Costa já assegurou que a Anatel concluirá a análise da operação, ou seja, a aprovará, em tempo hábil - negando, embora, que o órgão estará sob pressão do governo para tanto. “Estamos seguindo o cronograma do governo”, afirma. Trata-se, obviamente, de um caso excepcional, seja qual for o sentido que se queira dar ao termo. Segundo levantamento da Associação Brasileira de Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp), a aprovação do negócio no prazo conveniente quebrará um recorde: nunca antes a Anatel terá feito tanto em tão pouco tempo. A marca anterior, na modalidade, foi de 63 dias. “Houve casos em que a demora chegou a 3 mil dias”, compara o presidente da TelComp, Luis Cuza.
Mesmo um pedido corriqueiro de mudança de razão social de uma operadora, diz ele, pode levar centenas de dias. “E, no caso, estamos falando de uma mudança que exigiu um novo marco regulatório.” Parece convincente o seu argumento de que o governo ainda não mostrou, com dados objetivos, que a concentração de mercado resultante da fusão será benéfica para o consumidor. “Até agora, o único benefício demonstrado é o dos grupos que controlam as empresas”, critica. (Depois de passar pela Anatel, a operação precisará ser homologada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Cade.) O governo, de seu lado, tentando refutar as objeções da entidade das empresas competitivas, insiste em que tudo caminha para ficar no melhor dos mundos possíveis. “O PGO é o primeiro passo para modernizar o setor de telecomunicações”, proclama o ministro Hélio Costa.
Ele faz alarde de que o decreto do presidente Lula acrescenta ao texto do plano de outorgas aprovado pela Anatel um dispositivo determinando que qualquer fusão deverá observar “o princípio de maior benefício do usuário e do interesse social e econômico do País”. Maior benefício do usuário todo mundo sabe o que é. Difícil é saber como assegurar no texto do plano de outorgas que a fusão produzirá esse resultado. |
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