RIO GRANDE DO NORTE: ASSIM CAMINHAM NOSSOS POLÍTICOS
Guamaré é rica em royalties e escândalos
Valor Econômico
10/9/2008
Sede do segundo maior investimento federal no Rio Grande do Norte (o primeiro é a usina termoelétrica do Assu, em Alto do Rodrigues), o município de Guamaré passa a abrigar uma mini-refinaria de 85 mil barris/dia com as finanças públicas em escombros. A cidade de 11,7 mil habitantes é um símbolo da má gestão, mesmo recebendo royalties mensais da Petrobras de R$ 2 milhões, segundo maior reparte do Estado, depois de Macau. Candidato a um novo mandato, o prefeito José da Silva Câmara (PMDB), conhecido como "Dedé", ficou oito meses afastado do cargo por decisão judicial.
Dedé atrasou o salário do funcionalismo e teve a luz cortada em prédios públicos por falta de pagamento da concessionária local de energia. Mas criou um programa de transferência de renda que beneficia 1,3 mil moradores, escolhidos pela própria prefeitura. Eles recebem um cartão magnético que permite o gasto na rede de comércio local. O benefício é de R$ 100 mensais. Também criou 300 cargos em comissão, ao invés de promover concursos públicos. A fidelidade dos beneficiados é garantida. "Aqui ninguém gosta de falar sobre política. A gente está sem concurso", afirmou uma das quatro professoras que viajaram de carona no carro do Valor entre um distrito local e a sede do município, em um silêncio que não se quebrou nem sob garantia do anonimato.
Com empregos e benefícios, Dedé consegue 1,6 mil votos cativos, em um universo eleitoral suspeito: Guamaré tem 9,6 mil eleitores, o equivalente a 82% da população. Em Natal, esta relação é de 64%. Em Mossoró, de 65,8%. "Aqui existe o eleitor profissional. São pessoas que vivem em outros municípios e se alistam eleitoralmente aqui, em troca de vantagens dadas por outras lideranças políticas", admite o chefe de gabinete de Câmara, Luiz Antônio de Melo.
"Dedé" é acusado de ter passado 530 cheques sem fundo da conta da prefeitura. Um dos beneficiários, Edinor Melo, que recebeu um cheque de R$ 146 mil, era o tesoureiro da prefeitura. Em depoimento judicial na primeira instância, Melo afirmou que os recursos iriam para pagamento de Carlos Santana, cidadão que costuma fazer empréstimos cobrando "juros de poupança", segundo afirmou. Edinor eximiu o prefeito de responsabilidades. Mas era Dedé Câmara que assinava os cheques. O empréstimo de Santos teria servido para pagamentos de fornecedores sem previsão orçamentária. O responsável pelas finanças afirmou "desconhecer procedimentos licitatórios" e que era normal na gestão de Dedé fazer o empenho orçamentário depois de efetuada a despesa.
Dedé voltou ao cargo por meio de uma liminar concedida pelo Superior Tribunal da Justiça (STJ), em um processo onde teve a ajuda do presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN). "Ele pediu ajuda, a mim e ao partido, para o processo em Brasília, na indicação de advogados. Ele se diz inocente. Não sou juiz para julgá-lo. Confesso não ter condições de aferir a aplicação de recursos. Não vou dizer que usei o critério da ficha suja a proposto pelos magistrados, porque se eu usasse, ele não poderia ser meu candidato. Há muitos casos assim, de condescendência por conta de relações políticas. É lamentável", afirma o senador. "É importante lembrar que Dedé desbancou na cidade o ex-prefeito João Pedro sob quem pesavam acusações graves", acrescenta Garibaldi.
O senador se refere a João Pedro Filho, eleito prefeito em 2000 e destituído em 2004, sob a acusação de uma chuva de irregularidades. João Pedro este ano é candidato a vice na chapa do filho, Mozaniel Rodrigues (PP). Conta com o apoio em sua coligação do PSB da governadora Wilma de Faria. "Não apóio ninguém em Guamaré. Nestas cidades pequenas as composições são dificílimas e a margem de manobra se torna quase impossível", diz a governadora. O terceiro candidato é Auricélio Teixeira (PTB), com o apoio do PT em sua coligação. Vice de Dedé eleito em 2004, Auricélio assumiu durante o afastamento do titular, quando entregou ao Ministério Público documentos que incriminavam o rival. Concorre em desvantagem em relação a seus adversários. Procurado pelo Valor, Dedé Câmara não quis conceder entrevista. Seu advogado, Cleber Cavalcante, alegou que todos os cheques foram compensados em uma apresentação posterior. (CF)
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