Uma novidade atrás da outra
ponto de vista
João Ubaldo Ribeiro
Não que eu goste tanto atualmente, embora seja viciado, mas todo dia me vejo na obrigação de ler uma porção de jornais, catando assunto sobre o qual lançar a luz do meu entendimento, ou - hélas! - no ver de muitos, as trevas de minha burrice. Mas hoje não. Hoje tem uma pilha de jornais virgens aqui na mesinha atrás de mim. Como metaforizaria um mestre qualquer da nossa prosa cotidiana, não é que me falte o Viagra da curiosidade e do interesse pelo que se passa no mundo, mas me sobeja vasto harém de fatos notáveis, momentosos, assombrosos e semelhantemente adjetiváveis, de maneira que se requer grande virilidade cívico-jornalística de minha parte e, já no avançado de minha idade, sou forçado a obedecer a naturais limitações.
Nariz-de-cera mais cretino, hão de comentar os leitores, não pode ser perpetrado, e concordo. É cacoete velho, no tempo em que enganchava o telex na Bahia e a gente tinha que encher uma bela lingüiça. No caso, porém, é mero cacoete pelo qual peço desculpas. Porque a verdade é que há muito a comentar e me vejo na condição de fazer escolhas dolorosas, palavra, aliás, indicada na primeira notícia (como ainda estou no começo do texto, não sei se acabará por ser a única, sou um escritor desrespeitado a todo instante por textos que insistem e conseguem impor-me sua vontade) que vou mencionar.
Valdemir, genro de Toinho Sabacu, festejado e premiado mestre de boa parte da juventude itaparicana, me falou pelo Skype (isso mesmo, Itaparica tem Skype - como sempre não devemos nada a São Paulo e ainda temos praia) que houve um dia momentoso na ilha, o Dia Oficial da Dedada, o respeitado e temido DOD. O pessoal, como, aliás, em toda parte, não aprecia muito esse negócio de exame de próstata, mas o itaparicano é muito prático. Então, me contou Michelzinho, sobrinho de Zecamunista (que, aliás, parece estar metido numa alta jogada de pôquer internacional e anda sumido), que o comparecimento foi maciço. Acho que a Secretaria ou o Ministério da Saúde (viva! olhem o governo mostrando serviço - bem verdade que, como sempre, é enfiar o dedo no subilatório do contribuinte, mas ninguém pode negar que é serviço) mandou um equipe de urologistas ou digitadores de fiofó, conforme o ânimo de quem os qualifica, e realizou o grande dia.
Houve diversos que botaram paletó e gravata e passaram antes na igreja. Outros chegaram a levar terço ou Bíblia, conforme a profissão religiosa. Alguns tiveram que ser amparados pelas suas santas esposas no caminho, outros passaram a noite anterior em jejum, ainda outros tiveram que tomar doses industriais de Maracugina e chá de camomila e assim mesmo tremiam. Enfim, casos individuais marcantes há diversos e tenho certeza de que não me contaram tudo. Dizem que Magno, do Bar e Restaurante Pandélis, sito no Largo da Quitanda e antes de propriedade de meu finado amigo Zé de Honorina, chegou pálido ao Mercado, com uma lata de cerveja na mão.
- O negócio foi feio! - disse ele. - Dessa vez eu peguei um desgraçado que não tinha pena do toba de ninguém! Desnaturado, filho de uma égua! Foi chegando e carcando, não quis nem saber se eu já tinha feito minhas orações! E o dedo dele era mais ou menos do tope desse salame pendurado aí. Ganhei uma licença-prêmio no Purgatório, meu irmão, vou passar o dia de resguardo, não vou nem abrir o bar.
Posso imaginar o desconforto de meu amigo Magno, bem como o de vários outros concidadãos. A transação de fato era meio heterodoxa, pois, afinal, se qualquer cidadão brasileiro pode obter o mesmíssimo tratamento que o presidente da República, como disse ele, há uma certa dificuldade no deslocamento para o Incor ou o Albert Einstein, nada neste mundo é perfeito, só chega perto da perfeição, como disse também ele. Aí, por falta de infra-estrutura adequada para atender à sempre crescente demanda, o exame era feito em pé. Se é mentira, não é minha, foi o que me contaram. Mas acredito que sim, porque o Homem, um dia destes, precisa fazer outro discurso sobre a saúde no Brasil e afirmar que nunca antes um presidente mandou enfiar o dedo em tantos brasileiros, em tão pouco tempo
.Todo mundo ali empezinho, quase perfilado e dizem que, apesar da tradição de educação sempre zelada pelo itaparicano, nunca se viu tanta gentileza, era só "por favor, pode passar na minha frente", "que é isso, o seu primeiro", "você é mais velho, tem mais direito" e assim por diante. Em pé, mas sem perder a dignidade. E ninguém podia sair de cara alegre. Me falaram que Luiz Olegarino, dono do famoso jegue Suspiro, foi dar uma risada e levou vaia, até conseguir explicar que era de alívio, mesmo porque tinha pegado o dedista mais miudinho, um careca que todo mundo disputava para ver se caía nele.
Enfim, só lamento ter estado ausente em ocasião tão rica porque, na minha condição de itaparicano, eu provavelmente teria de mostrar fibra e participar, mas, aqui para nós, que isto não passe daqui, exame como os que tenho feito aqui, tudo bem, vamos dizer. Mas em pé requer um condicionamento que temo não ostentar. Se bem que, embora eu saiba que ele vai desmentir, também me disseram que Toinho Sabacu fez questão de passar por cinco médicos, porque adorava ouvir elogios à sua próstata, para depois botar banca no Mercado de que a melhor próstata da ilha, na categoria quase setentinha, é a dele.
Pronto, acabou o espaço. E eu que ainda queria falar na idéia turística que tiveram, de promover anualmente o concurso Mister Próstata e Miss Colo do Útero. Mas, pensando bem, isso já está me cheirando a descaração, deve ser bolação de Beto Atlântico e Gugu Galo Ruço. Não, daqui a pouco inventam o Bolsa Dedada, há um limite para tudo.
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