O diabo mora no detalhe; Deus está no Daniel Dantas
Blog do Josias se Souza -Folha
No Brasil, como se sabe, não há muito em comum entre os habitantes do pedaço miserável e os moradores do país dos ricos.
Ocupam o mesmo espaço por mera fatalidade geográfica. Ainda assim, em bairros diferentes.
Nesse cenário, a prisão de um brasileiro poderoso, por incomum, sempre chama a atenção. Tem-se, por um instante, uma sensação benfazeja.
Surpreendido, o rico sente-se violado nas fronteiras que o separam de um Brasil que não é o dele. É como se acordasse no país dos pobres.
E a alma do miserável é tomada de assalto por uma ilusão. A ilusão de que vive no mesmo Brasil dos bem-nascidos, submetido às mesmas leis.
Logo, porém, o sistema de conveniências tácitas que dirige a apuração dos escândalos volta a dar as caras.
Entre a apuração e a perspectiva de punição há um longo curso de decisões. Entre elas a que manda prender. E outra, invariável: a que manda soltar.
Às vezes, o escândalo é tão escancarado que é impossível não reagir. Mesmo que a contra-reação dê à ação uma aparência de pantomima.
O encrencado rico, quando é pego, tem os seus segundos de má fama. Arrosta um ou outro embaraço. Porém...
Porém, sabe que cadeia não é lugar de rico. Sabe que, no Brasil, acima de um certo nível de renda, nada é tão grave que justifique o desconforto de uma cana longeva.
Mesmo num desenho animado, quando submetidos a um abismo, os personagens só caminham sobre o vazio até certo ponto.
Caem no instante em que se dão conta de que estão pisando o nada. Na animação brasileira, a coisa é diferente.
Só o pobre despenca. O rico não cai em precipício. Não se dá por achado. Não olha pra baixo. Sempre consegue alcançar o outro lado. O seu lado.
Nos últimos anos, o Brasil conseguiu içar alguns patrícios pobres do fundo do poço. Não viraram ricos. Mas trocaram a miséria absoluta pelo mercado consumidor.
O novo desafio é trazer o rico delinqüente para o Brasil miserável. O grande, o maior escândalo do sistema carcerário não são os que estão lá. São os que não estão.
Diz-se que o diabo está nos detalhes. E detalhes não faltam ao escândalo que assedia Daniel Dantas.
Demonstrou-se, por exemplo, em minúcias, a tentativa de aliciamento de um delegado: R$ 1 milhão. Tudo filmado.
Parte da grana desembolsada. O resto apreendido. Depoimento confirmando a origem da pecúnia. Pela lei, coisa bastante para justificar uma prisão preventiva.
Subverteu-se, porém, a máxima. No Brasil, não é o Tinhoso, mas Deus quem mora nos detalhes. Melhor: Deus está no Daniel Dantas.
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