quarta-feira, maio 24, 2017

Vingancinha contra Reinaldo Azevedo revela pessoas por trás do Estado -LEANDRO NARLOCH

FOLHA DE SP - 25/05

Em "O Mágico de Oz", Dorothy e seus três amigos acreditam que o grande mágico será capaz de resolver todos os seus problemas: dar um coração ao homem de lata, coragem ao leão covarde, um cérebro ao espantalho e mostrar à garota o caminho de casa. Ao encontrar o mágico, o grupo se decepciona. Ele não passa de um velhinho picareta, um ex-artista de circo sem grandes poderes.

Como Dorothy, os brasileiros acreditam que o Estado é capaz de curar todos os males da população. Damos ao Estado nomes pomposos como Procuradoria-Geral da República, Conselho Administrativo de Defesa Econômica e Supremo Tribunal Federal. Mas se olharmos direito vamos descobrir que por trás da fachada do palácio há velhinhos vaidosos e vingativos.

Lembrei dessa metáfora ao ler que o STF tirou o sigilo de uma conversa entre Reinaldo Azevedo e a irmã de Aécio Neves. Mesmo se Reinaldo não fosse jornalista haveria no ato um atentado à privacidade, pois não há na conversa nada que contribua com a investigação.

Mas o Estado são pessoas, e pessoas se ressentem. Gostam de desfrutar a vingança. No caso, foi uma vingancinha bem safada, daquelas de senhoras barraqueiras do núcleo cômico da novela das sete.

Quase diariamente Reinaldo Azevedo reclama da atuação de Rodrigo Janot como procurador-geral. Tem sido crítico aos atropelos da Lava Jato. Dificultou a nomeação de Edson Fachin ao STF mostrando que ele apoiava líderes do MST. Desde a semana passada vem repetindo que os grampos de Joesley são uma mutreta para derrubar Michel Temer.

Diga que você não ficaria tentado a fazer igual. Há anos um jornalista reclama de você e do seu trabalho, a ponto de ridicularizá-lo. As posições políticas e partidárias dele são opostas às suas. De repente cai na sua mesa uma conversa desse jornalista com uma investigada que acabou de ser presa. A conversa tem o poder de constranger o jornalista com a revista em que trabalha e com o público, ao provar o que todo mundo suspeitava —que ele tem relações bem próximas com os tucanos.

Ai, tendo em vista que a liberação da conversa renderia mais um ótimo capítulo do "House of Cards" brasileiro, eu, que sou de carne e osso, não tenho vocação para mágico de Oz, confesso que dificilmente me seguraria.

A delação e a impunidade - EDITORIAL GAZETA DO POVO

Gazeta do Povo - 24/05

Avaliando o que já se tornou público a respeito do acordo de delação premiada, parece-nos que os irmãos Batista saíram em vantagem


O velho clichê do criminoso internacional que vem ao Brasil desfrutar da impunidade é coisa do passado. Agora, o Brasil inteiro se revolta com o fato de Joesley Batista, peça importante em um enorme esquema de corrupção, ver o país pegar fogo instalado confortavelmente em seu apartamento na Quinta Avenida, em Nova York. O detalhe é que o dono da JBS nem precisou de uma fuga espetacular: foram as próprias autoridades brasileiras que permitiram sua viagem, como parte do acordo de delação premiada assinado pelo empresário. O crime compensou?

Não faltam acusações de que a Operação Lava Jato estaria “banalizando” a delação premiada, que permitiria a muitos, inclusive em posições de comando, cumprir penas menores ou passar para a prisão domiciliar, com tornozeleiras eletrônicas. Não nos parece que essa observação proceda. As delações de executivos da Odebrecht, por exemplo, mostram que elucidar totalmente o esquema da empreiteira seria difícil sem informações vindas diretamente da cúpula da empresa. A análise precisa ser feita caso a caso, movida por uma pergunta fundamental: o que o delator pode entregar compensa o benefício pretendido?

O que o delator pode entregar compensa o benefício pretendido por ele? 
No caso da JBS, não há a menor dúvida de que Joesley tinha em mãos material explosivo, capaz de abalar a posição do presidente da República e derrubar um senador que presidia um dos principais partidos políticos do país. Centenas de outros políticos são mencionados, inclusive os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff. Dada a proximidade de Joesley Batista com o poder – foi graças aos generosos empréstimos do BNDES e à política petista de “campeões nacionais” que a JBS se tornou gigante –, era óbvio que ele sabia demais.

A oferta feita pela Procuradoria-Geral da República foi generosa: o não oferecimento de denúncia, imunidade em investigações já existentes e o perdão judicial no caso de denúncias já oferecidas. Em vez de tornozeleira, autorização para viajar e viver no exterior. O “castigo” ficou resumido a uma multa de R$ 110 milhões, valor que já teria sido obtido com o lucro de negociações cambiais feitas pouco antes da divulgação jornalística do conteúdo da delação e que estão sob investigação.

Terá a PGR agido bem? Por um lado, os irmãos Batista nadaram em dinheiro do BNDES, compraram políticos em benefício próprio e de seus padrinhos – como no caso dos deputados que votariam contra o impeachment de Dilma –, tinham na mão procuradores e juízes. Joesley só foi capaz de entregar muito porque a extensão de seus crimes era enorme. Por outro lado, o delator trouxe informações bombásticas – e ainda não se conhece a totalidade do material que ele reuniu –, além de ter sido sua a iniciativa de procurar as autoridades e correr alguns riscos nas chamadas “ações controladas”.

Avaliando o que já se tornou público a respeito do acordo, parece-nos que os irmãos Batista saíram em vantagem. A impunidade total é uma concessão excessiva que tem sérias consequências do ponto de vista moral, e que só se justificaria por circunstâncias absolutamente extraordinárias que, se existirem, ainda não são do conhecimento da opinião pública. Merecem atenção, ainda, aspectos como a velocidade com que o acordo foi fechado (Joesley se dizia ameaçado de morte e tinha pressa; até por isso a PGR tinha condições de impor termos menos lenientes); a divulgação de uma prova fundamental, como a conversa com o presidente Temer, sem que tivesse sido feita uma perícia na gravação; e o fato de um procurador que trabalhava com Rodrigo Janot ter deixado o serviço público e ido, sem quarentena, para o escritório de advocacia que negocia o acordo de leniência da JBS. Esse conjunto faz crer que talvez a PGR não tenha conseguido o melhor acordo possível.

A duras penas a Lava Jato mostrou aos brasileiros que não havia ninguém acima da lei, e essa é uma das causas do enorme apoio popular da operação – um apoio que sai abalado com o que é percebido como impunidade dos irmãos Batista. Apenas novas revelações sobre a negociação do acordo que justifiquem as enormes concessões feitas impedirão a decisão da PGR de ser vista como algo que destoa da condução que tem sido dada à Lava Jato.

A hora é de desprivatizar o país - RICARDO HINGEL

ZERO HORA - 24/05
O Brasil tem sido um laboratório de experimentos econômicos, passando por casos de sucesso como o Plano Real, que acabou com a hiperinflação, até chegar ao desastre atual, onde o desrespeito para com o equilíbrio das contas públicas e uma condução ideológica acabaram por inviabilizar o Brasil no curto prazo. Sob o pano de fundo de bandeiras de avanços sociais, menos visível, um outro país se erguia e que juntou toda a sorte de incompetências e irresponsabilidades com um crescente processo de corrupção.

Em economia, a cena política pode se sobrepor a quaisquer planejamentos econômicos e comprometer prognósticos e previsibilidades. A saída de Dilma do poder representou, no aspecto econômico, o fim de um modelo que fracassou e resultou na maior recessão de nossa história. A chegada de Temer foi lida pelo mercado e por parte da sociedade como uma possibilidade de correção do desastroso conjunto de equívocos cometidos e a possibilidade de encaminhar mudanças estruturais, algumas ainda que duras, para viabilizar novamente nossa economia. Nesse sentido, já se verificava uma sensível melhoria nas expectativas, e a consistente queda da inflação permitiu o início da redução da taxa de juros, fundamental para a retomada econômica. Porém, para o equilíbrio de longo prazo, uma reforma da Previdência, mesmo que recortada como vinha sendo negociada, seria fundamental para o equilíbrio fiscal.

O recente envolvimento do presidente Temer nas denúncias da JBS mais uma vez faz a cena política se sobrepor à condução econômica, ao praticamente abortar projetos em andamento, que sustentavam a moderada melhoria das expectativas quanto a nossos rumos futuros.

A Operação Lava-Jato vem mostrando, em seus desdobramentos, que a pirataria instaurada no país era muito maior do que se imaginava. As denúncias de empresas como Odebrecht e OAS, e mais recentemente da JBS, demonstram que parte do Brasil foi privatizada, quando foram comprados políticos, contratos e mercados. Essa última é um case mundial; o grupo, no início dos governos Lula e Dilma, faturava aproximadamente R$ 4 bilhões e, em 2016, chegou a R$ 170 bilhões, viabilizado pelo fornecimento quase ilimitado de recursos públicos favorecidos e bem se viu como, através dos depoimentos de seu proprietário, pródigo pagador de "pedágios".

Após tudo que se tem visto, a tolerância brasileira permite que esses empresários sigam livres, empresas paguem multas irrisórias em relação ao que amealharam indevidamente e políticos denunciados tentem voltar com seus discursos messiânicos e negando até a cor do céu. É o paraíso da impunidade!

Agulha no palheiro - MERVAL PEREIRA

O Globo - 24/05

A confusão ocorrida ontem no Congresso só demonstra que é necessário que as forças políticas que apoiam as reformas cheguem a um acordo sobre o futuro, sem o presidente Michel Temer, o mais rápido possível. O país não pode esperar uma definição espontânea do próprio presidente, pois ele já não tem condições políticas para liderar o governo, e a essa altura, necessariamente, está pensando mais em safar-se e aos seus mais próximos do que em governar.

O que aconteceu ontem foi o resultado de uma ação descoordenada de partidos que formam a maioria momentânea no Congresso para tocar em frente um plano de governo que corresponde ao anseio majoritário, mas que perdeu o timoneiro que, bem ou mal, conduzia o barco. O rumo está sendo mantido, mas não o será por muito tempo se não for encontrada uma solução de consenso que permita seguir em frente sem os obstáculos que agora se apresentam.

Assim que as forças preponderantes no Congresso estiverem de acordo sobre quem estará na Presidência durante o período de transição até 2018, a realidade política se imporá e o presidente Michel Temer ficará sem condições de se manter agarrado na cadeira presidencial.

Se nas próximas duas semanas esse acordo não for atingido, ganhará espaço uma campanha, ainda incipiente, pelas eleições diretas antecipadas, que terá a vantagem de parecer uma solução mágica para todos os nossos problemas, quando na verdade é mais um complicador do quadro político nacional.

Cumprir a Constituição sempre é a melhor solução, mesmo quando leva a uma situação de impasse como agora. Michel Temer foi vice-presidente de Dilma Rousseff eleito para dois mandatos, escolhido pelos petistas para ser o principal aliado do governo. Sua chegada à Presidência, em substituição a Dilma, não pode nem de longe ser entendida como um golpe, por menos qualificado que seus antigos companheiros o considerem agora.

Um presidente para um mandato tampão de pouco mais de um ano, como prevê a Constituição, é a saída menos traumática para o momento político, mas para isso é preciso que as forças políticas que detém a maioria hoje se entendam, da mesma maneira que estão de acordo em dar continuidade à pauta reformista que os une.

O julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) poderá ser uma saída também constitucional, caso Temer teime em permanecer à frente do governo sem as condições mínimas de atuação. Ela tem a vantagem para Temer de transformar sua saída do governo em consequência de abuso de poder econômico do PT, e não por acusação direta de corrupção contra ele, embora existam a esta altura relatos de que também ele participou da divisão de propinas durante as campanhas de 2010 e 2014.

Mas a perda do foro privilegiado é um risco do mesmo jeito. A dificuldade para se chegar a um acordo é que, para manter a unidade entre PSDB, PMDB e DEM, é preciso encontrar um nome de consenso que, além da experiência política e o bom-senso, não tenha ligação, direta ou indireta, com as investigações da Operação Lava-Jato. E não está fácil achar essa agulha no palheiro.


Tentativas do acordão da renúncia - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 24/05

NINGUÉM RELEVANTE no PSDB trabalha com a hipótese de permanência de Michel Temer.

Isso não significa que os tucanos trabalhem para derrubar o presidente, mas a fim de fazer o acordão da renúncia.

Quer dizer que o PSDB se tornou um pivô em torno do qual se articulam negociações com o governo, com outros partidos, com o Judiciário e com donos do dinheiro mais opinionados politicamente.

No conjunto, o plano não parece ser diferente daquele que transparecia na sexta-feira (19). Isto é, tentar arrumar algum salvo-conduto para Temer e ministros à beira da perda de foro privilegiado, tocar o Congresso, as reformas e reduzir danos à economia.

Consideram o caso de Temer difícil não só pelo que se sabe do inquérito detonado por Joesley Batista mas porque dizem ter indícios de que investigações vão atingir mais gente ligada ao presidente, ontem e hoje.

A estratégia cantada pelos tucanos parece tanto óbvia como de sucesso difícil. Como fazer o acordo para eleger o presidente-tampão e, ao mesmo tempo, ter maioria para reformas e dar salvos-condutos aos ameaçados de cadeia?

Cada facção tem seu candidato a presidente indireto, claro, como legiões lançavam seus generais ao posto de imperador em dias de tumulto selvagem no Império Romano.

No Império Banana em que mais e mais nos degradamos, se passa algo assim.

A conversa organizada do acordo ainda é pouca, há muita desconfiança. Lançam-se nomes que jamais foram seriamente cogitados antes como presidenciáveis e que não tenham muita chance em 2018.

O PSDB tenta o senador Tasso Jereissati, nome que agrada aos donos do dinheiro, ainda mais depois do boato de que a "chapa" tucana teria Armínio Fraga no Ministério da Fazenda.

No fim da manhã desta terça-feira (23), tal rumor corria animadamente entre o "PFL", o "Partido da Faria Lima", um apelido sarcástico da finança paulistana, baseado no nome da avenida que é um dos centros financeiros da cidade.

Vários partidos, tucanos inclusive, ainda falam de Nelson Jobim, ex-ministro do Supremo, ex-ministro de FHC e Lula, ex-deputado.

Há pouca ênfase em FHC, estranho.

Parte do DEM e falanges do baixo clero tentam o nome de Rodrigo Maia, presidente da Câmara, vetado por muito tucano.

Temer não tem recebido apoio de ninguém no mundo exterior à cripta do Planalto, mas pouca gente na elite se aventura a dá-lo como decapitado ou a pedir o cadafalso.

Associações empresariais que se manifestam em público pedem o óbvio básico: tanto faz o governo, o programa de "reformas" tem de ser mantido. No fundo, porém, continua a revolta quase muda contra a irrupção deste tumulto que vai fazer algum ou muito estrago em uma economia já arruinada.

Há uns tiros nesse concerto, variantes dessa tentativa de acordão político com salvo-conduto para lavados a jato e outros caídos, tal como a pregada por Renan Calheiros, que desde o início do ano fazia campanha contra Temer.

O senador sugere renúncia, indiretas, Constituinte e adiamento de reformas. Calheiros pode ser minoritário, mas não fala sozinho.

Em suma, o PSDB toureia o PMDB e vice-versa. O governismo escandaloso e Maia tentam preservar Temer.

Todos sabem que não podem demorar, sob risco de "a rua" despertar. Mas a coisa está enrolada.

A profissão do momento - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 24/05

RIO DE JANEIRO - Não sei como é hoje, mas, no passado, os pais se metiam para valer no futuro profissional dos filhos. Não importava que o garoto levasse jeito para o boxe, a taxidermia ou mesmo o corte e costura —a possibilidade de abraçar alguma dessas especialidades era mínima. Num país sem opções, o normal era que ele se voltasse para uma das três grandes carreiras: medicina, engenharia e direito. Talvez ainda seja assim.

Só temo que a crise brasileira esteja atingindo até essas profissões tradicionais. Qual é o estímulo para que um brasileirinho opte hoje pela medicina? Com a saúde pública falida, os hospitais à míngua até de gaze e a própria prática privada sofrendo os efeitos da quebradeira, por que um estudante passaria seis anos numa faculdade em tempo integral e o resto da vida buscando manter-se em dia com uma disciplina que não para de evoluir?

A engenharia, por sua vez, também não vive seus melhores dias. Depois de um boom de décadas pago com nossos recursos para alimentar um projeto de poder, envolvendo inclusive obras em distantes ditaduras, a bolha de bilhões estourou. A descoberta de que tudo isso foi feito com superfaturamentos, compra de políticos e propinas descomunais pegou as grandes empreiteiras com as calças na mão —e estas podem se dar por felizes se, depois de tudo apurado, ainda lhes restarem as calças.

Já a área do direito está com tudo. Se quiser garantir o futuro do seu filho, mande-o para a advocacia. Com as denúncias expondo um corrupto por minuto, nunca no Brasil os serviços dos advogados foram tão disputados.

Claro, nem todos terão o desafio de defender os indefensáveis —Temer, Lula, Dilma, Aécio, Cunha, Cabral (alguns deles contratam até 20 defensores)—, mas sempre lhes sobrará um Renan, uma Gleisi, um Palocci, também suculentos.

Sem rumo - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 24/05

Alguns de seus membros estão deixando de lado o trabalho que lhes cabe para se ocuparem primordialmente de uma causa política, a demonstração de que todas as instituições, exceto o Ministério Público, estão podres



São um insulto aos brasileiros de bem e um escárnio da Justiça os termos da colaboração premiada assinada entre o sr. Joesley Mendonça Batista e a Procuradoria-Geral da República (PGR), já que acintosa e escandalosamente benéficos ao delator. Depois de ter praticado graves e inúmeros crimes, o sr. Joesley recebeu tão somente uma multa de R$ 110 milhões, que, diante do seu patrimônio, é irrisória.

Atônito ficou o País ao saber que o Ministério Público (MP) se comprometeu a não oferecer denúncia contra o sr. Joesley em relação a qualquer dos crimes delatados, em frontal desobediência à lei, que veda esse tipo de benefício aos que são líderes de uma organização criminosa (Lei 12.850/2013, art. 4.º, § 4.º, I). Não era necessária especial sagacidade à Procuradoria para atinar que o sr. Joesley era, de fato e de direito, o líder da organização criminosa. Nos vídeos gravados pela PGR, a fala do sr. Joesley é explícita a respeito de quem tinha a voz de comando na operação, definindo o que fazer e o que não fazer.

Ainda mais grave que a colaboração premiada foi a reação do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, diante dos questionamentos a respeito da lisura e da conveniência de uma delação tão benéfica a um criminoso da laia do sr. Joesley. Evidencia que o País tem hoje um procurador-geral da República desnorteado, que parece desconhecer o seu papel e a sua responsabilidade.

Em artigo publicado no portal UOL, Janot reclama que “o foco do debate foi surpreendentemente deturpado. Da questão central – o estado de putrefação de nosso sistema de representação política – foi a sociedade conduzida para ponto secundário do problema – os benefícios concedidos aos colaboradores”. Ora, o debate não foi deturpado. É plenamente legítimo que a sociedade questione a razão para se conceder um ilegal benefício ao sr. Joesley. O procurador-geral, no entanto, não está disposto a debater essa questão, e prefere simplesmente reafirmar sua querida tese: “O estado de putrefação de nosso sistema de representação política”.

Eis aí uma deficiência séria que se observa na atuação do Ministério Público. Alguns de seus membros estão deixando de lado o trabalho que lhes cabe – a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, como diz a Constituição – para se ocuparem primordialmente de uma causa política, a demonstração de que todas as instituições, exceto o Ministério Público, estão podres.

Tal visão das coisas não encontra respaldo nos fatos. O sr. Joesley garantiu que não comprava apenas políticos, mas também procurador. Ou seja, o MP não é incorruptível e exige, como qualquer instância pública, controle e acompanhamento.

Com toda essa história, ficou claro que o sr. Joesley conseguiu engambelar perfeitamente o procurador-geral. “Em abril deste ano, fui procurado pelos irmãos Batista”, narra Rodrigo Janot no artigo que publicou em sua defesa. “Trouxeram eles indícios consistentes de crimes em andamento – vou repetir: crimes graves em execução –, praticados em tese por um senador da República e por um deputado federal.” Como se saberia depois, ele não resistiu aos encantos dos dois irmãos e deu-lhes remissão da pena em troca das preciosas informações que eles tinham para contar. Das quais, por sinal, não verificou a veracidade antes de dar-lhes publicidade.

Melhor seria que o MP não estivesse tão desejoso de receber com facilidade delações e denúncias, e se dedicasse à investigação propriamente dita. Trabalhasse da forma como deveria, sem entrar em choques tão frequentes com a Polícia Federal, o procurador-geral da República não teria tanta certeza, mencionada no artigo, “de que o sistema de justiça criminal jamais chegaria a todos esses fatos (narrados pelos irmãos Batista) pelos caminhos convencionais de investigação”. É perigoso para um País quando o procurador-geral da República confere mais crédito aos caminhos não convencionais que aos caminhos convencionais de investigação. Como se vê, há mais que indícios de que o sr. Janot já não sabe onde se situa o norte firme da lei e da Constituição. Se excessos ou omissões há de sua parte, a Constituição prevê caminhos para sua substituição. Afinal, numa República, sempre deve prevalecer a lei e a ela também se sujeita aquele que deve guardá-la.

Prêmio à JBS leva Janot a subverter o brocardo - JOSIAS DE SOUZA

BLOG DO JOSIAS DE SOUZA 24/05

É louvável a disposição do procurador-geral da República Rodrigo Janot de tentar explicar o refresco servido ao delator Joesley Batista e Cia.. Mas o objetivo não foi alcançado no artigo veiculado pelo UOL nesta terça-feira.

Janot anotou a certa altura: “Embora os benefícios possam agora parecer excessivos, a alternativa teria sido muito mais lesiva aos interesses do país, pois jamais saberíamos dos crimes que continuariam a prejudicar os honrados cidadãos brasileiros…”

Uma das belezas da Lava Jato é a quebra de velhos paradigmas. Noutros tempos, nenhuma revelação conseguia abalar o prestígio das eminências empresariais brasileiras. Não havia crime que justificasse uma reprimenda. Curitiba virou o jogo. Fez isso com método.

Tome-se o exemplo da Odebrecht. Dizia-se que a investigação não chegaria à maior empreiteira do país. Chegou. Alardeava-se que o príncipe herdeiro Marcelo Odebrecht não iria em cana. Foi. Jurava-se que ele não abriria o bico. Abriu. E continua preso. Seu pai, Emílio Odebrecht, está em casa. Mas arrasta uma tornozeleira eletrônica.

Os negócios da JBS foram à alça de mira de cinco operações: Sépsis, Greenfield, Cui Bono, Carne Fraca e Bullish. Ao afirmar que sem o superprêmio concedido aos irmãos Joesley e Wesley Batista “jamais saberíamos dos crimes que continuariam a prejudicar os honrados cidadãos brasileiros”, Janot como que emite um injusto atestado de incompetência da corporação que representa.

Janot diz ter sido “procurado pelos irmãos Batista.” Informa que “trouxeram indícios consistentes de crimes em andamento”. Delitos “praticados em tese por um senador da República (Aécio Neves) e por um deputado federal (Rodrigo Rocha Loures). Mais: “Corromperam um procurador no Ministério Público Federal.”

Pior: “Apresentaram gravações de conversas com o presidente da República (Michel Temer), em uma das quais se narravam diversos crimes supostamente destinados a turbar as investigações da Lava Jato.”

Não é só: “Além desses fatos aterradores, foram apresentadas dezenas de documentos e informações concretas sobre contas bancárias no exterior e pagamento de propinas envolvendo quase duas mil figuras políticas.”

Pois bem, os Batista não bateriam à porta de Janot oferecendo tão alentada matéria-prima se não estivessem sentindo na nuca o calor do hálito dos investigadores das cinco operações que iluminam seus calcanhares de vidro. O ser humano é feito de pó, vaidade e medo. E o medo da turma da JBS era grande.

Janot sustenta: “Como procurador-geral da República, não tive outra alternativa senão conceder o benefício da imunidade penal aos colaboradores.” Será? É evidente que as informações delatadas valem um prêmio. Mas a benevolência de Janot, homologada por Edson Fachin, do STF, roçou as fronteiras do escárnio.

A coisa descambou para o deboche depois que as autoridades permitiram que os delatores fossem desfrutar de sua imunidade na 5ª Avenida de Nova York. Desbordou para o acinte quando se descobriu que a JBS, valendo-se dos segredos de sua própria delação, foi ao mercado para lucrar com câmbio e ações. Injetou-se um crime dentro de outro.

Sobre isso, tudo o que Janot tem a dizer é o seguinte: “No que se refere às operações suspeitas no mercado de câmbio, não estão elas abrangidas pelo acordo e os colaboradores permanecem sujeitos à integral responsabilização penal.” Ora, ora, ora.

A plateia esperava que procurador-geral dissesse algo assim: “Não temos compromisso com a delinquência. Se ficar comprovado que faturaram com a própria delação, a premiação será anulada e as confissões serão usadas contra os delatores.”

No caso da Odebrecht, a força-tarefa de Curitiba suou a camisa para tornar os poderosos impotentes. Os investigadores chegaram a uma funcionária humilde de um tal setor de Operações Estruturadas. Ouvindo-a, descobriram que sob o nome pomposo escondia-se um Departamento de Propinas. Ao se dar conta de que sua casa caíra, os Odebrecht ajoelharam no milho.

No caso dos Batista, escreveu Janot, “tivesse o acordo sido recusado, os colaboradores, no mundo real, continuariam circulando pelas ruas de Nova York, até que os crimes prescrevessem, sem pagar um tostão a ninguém e sem nada revelar, o que, aliás, era o usual no Brasil até pouco tempo.”

Até colegas de Janot afirmam, em privado, que o chefe do Ministério Público Federal foi concessivo demais. Sustentam que ele chegaria ao mesmo resultado negociando premiação menos indigesta. Com a vantagem de não ofender os brasileiros com a ideia de que certos negócios podem ser trançados no Brasil à beira da escroqueria sem que seus operadores sofram nenhum tipo de embaraço.

A delação premiadíssima da turma da JBS subverteu até o brocardo. Restou a seguinte impressão: não é que o crime não compensa. A questão é que, quando compensa, ele muda de nome. Passa a se chamar colaboração judicial.