quarta-feira, dezembro 23, 2015

Sonhos de verão - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 23/12

Assim que voltar das imerecidas férias, esticadas até o Carnaval, meados de fevereiro, o Congresso vai lidar com o impeachment de Dilma Rousseff e com as reformas de Dilma Rousseff.

Até lá, o povo deve estar um tanto mais esfolado pela crise. Até lá, o PT, os movimentos sociais de esquerda e a esquerda do Planalto talvez já se sintam traídos pela nova equipe econômica. Caso não se sintam muito traídos, os donos do dinheiro grosso vão preparar a malhação do Judas. Governo entre cruz e caldeirinha.

O governo prometeu que em janeiro apresenta reformas: 1) aumento da idade mínima para a Previdência; 2) desmonte parcial da CLT; 3) lucro maior ou exigências menores de garantias para empresas nas concessões de infraestrutura; 4) simplificação de impostos; 4) algum petisco na área de financiamento de médio e longo prazos para empresas; 5) item antecipado, Dilma facilitou a vida das empreiteiras da corrupção, que poderão fazer contratos com o governo caso paguem multa, entreguem uns dedos e assinem boletim de bom comportamento futuro.

Os manifestantes que fizeram barulho na rua contra a deposição da presidente não vão gostar nada disso, óbvio. Gostarão menos ainda porque não haverá dinheiro para expandir, quiçá manter, programa social.

Convém lembrar que o ministro do Trabalho e da Previdência Social é Miguel Soldatelli Rossetto, soldado da esquerda do PT. A esquerda do Palácio do Planalto também espera "medidas de estímulo".

Pode bem ser que, entre festas de virada de ano e Carnaval, o povo médio da rua tenha esquecido de impeachment. Mas o que será feito de raiva, estupor, medo do futuro e sofrimento extra? Até setembro, a renda média do trabalho não havia caído pelo Brasil (em relação ao ano passado), nem o número de pessoas empregadas —setembro é o mais recente dado nacional disponível. O consumo caía, mas a renda não.

Nas seis maiores metrópoles, onde a política faz mais barulho, a situação já está bem ruim. Em novembro, a renda caía quase 9% em relação a novembro de 2015. É provável que a situação nacional de emprego e rendimento vá por esse mesmo caminho tenebroso, ainda mais porque a economia ainda encolherá no primeiro trimestre do ano novo. Os serviços sociais, saúde em particular, estarão ainda mais estropiados pela penúria de prefeituras, Estados e União.

Essa Câmara que tem pelo menos 42% de votos pelo impeachment vai aprovar as reformas de Dilma Rousseff? Esse Congresso indizível, quando não facinoroso, que passou a maior parte de 2015 arruinando o país e dinamitando o governo, vai fazer algo que preste e colaborar para aliviar a situação de Dilma Rousseff?

Pressupõe-se que o plano de reformas será algo mais que promessas de Ano Novo, que não virá enxertado de maluquices "desenvolvimentistas", no máximo uma gorjeta para a "esquerda". Também não se está a dizer que o plano seja bom, bastante, bem articulado ou que dê conta de compensar os anos de regressão de Dilma 1. Está se dizendo apenas que as promessas mínimas podem ser dinamitadas.

Caso o pacote pareça um monstrengo malfeito ou ainda um politicamente inviável, o "mercado" vai assar a nova equipe econômica ainda na Quaresma.

A hora do entardecer CELSO MING

O ESTADO DE S.PAULO - 23/12

Embora a maior parte dos analistas entenda que os preços do petróleo podem cair em direção aos US$ 30 por barril, ninguém se atreve a projetar o fundo do poço



Os preços do petróleo continuam mergulhando no mercado global. Nesta semana atingiram seu menor nível em 11 anos (veja o gráfico). As eventuais recuperações marginais de preços não significam nada, porque o mercado continua fraco, altamente estocado e com produção crescente.

Em vez de segurar a oferta, alguns países da Opep estão fazendo o contrário, antecipando-se à reentrada no mercado da produção do Irã, cujas vendas foram liberadas pelo fim do bloqueio comercial que se seguirá ao acordo com os Estados Unidos.





Embora a maior parte dos analistas entenda que os preços podem cair em direção aos US$ 30 por barril, ninguém se atreve a projetar o fundo do poço. O que ainda poderia mudar as coisas seria um aumento substancial do crescimento econômico mundial. Mas as apostas são de que os Estados Unidos seguirão em ritmo moderado; a Europa depende de sua política monetária, que pode pouco; a China continua em desaceleração; e os demais países emergentes seguirão atrás.

As condições no Brasil são confusas. Até há alguns meses, a Petrobrás garantia em documento oficial que seu ponto de equilíbrio seria o petróleo a US$ 45 por barril. É nesse nível que se situariam os custos da empresa no pré-sal. No entanto, quando as cotações internacionais começaram a resvalar para abaixo disso, a conversa tomou outro curso. Tanto a Petrobrás quanto a Agência Nacional do Petróleo passaram a afirmar que foram tantos os ganhos de produtividade que o ponto de equilíbrio também escorregou, mas ninguém diz para que nível migrou, o que sugere desconversa.

É verdade que, nas condições atuais, também os equipamentos de exploração e produção baixaram de preço. Em todo o mundo sobram sondas, plataformas, tubulações para dutos a uma fração dos preços praticados há um ano. Mas a Petrobrás continua presa à armadilha das exigências de conteúdo local, um subsetor superendividado, em franca decomposição, com a agravante de que já não consegue desfazer-se de seus ativos.

Nessas horas sempre aparece quem puxe para prazos mais longos. Nesta semana, por exemplo, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, um dos assessores mais importantes do governo Dilma para assuntos energéticos, fez questão de esticar os prazos. Reconhece que os compromissos assumidos na Conferência do Clima da ONU, a COP-21, apontam para o abandono gradativo do petróleo no mercado mundial. Ainda assim, argumenta que até 2050 o mundo seguirá dependente do petróleo.

Mas a percepção de que o petróleo encolhe depressa na matriz energética mundial não é só de Tolmasquim. É de todos os grandes detentores de reservas. Eles sabem que, se não aproveitarem essa riqueza enquanto ainda houver demanda, estarão condenados a mantê-las definitivamente debaixo da terra. Este é um fator que vai apressar investimentos de prospecção e produção e, em consequência, pode manter os preços do petróleo achatados por mais tempo. Enquanto isso, o governo brasileiro não é capaz nem sequer de mostrar perplexidade diante da gravidade da situação.

CONFIRA:



Aí está a evolução do crédito até novembro. É um avanço apenas moderado, explicável pela baixa demanda provocada pela recessão.

Ainda melhor

O saldo comercial (exportações menos importações) deste ano será ainda melhor do que os mais otimistas projetavam: de pelo menos US$ 17 bilhões. O excelente resultado foi produzido por dois fatores: desvalorização do real diante do dólar em mais de 30% no ano; e recessão econômica, que reduziu o consumo e, portanto, as importações. No ano passado, houve déficit de US$ 3,9 bilhões.


A conta das pedaladas - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 23/12

A forma de pagar as pedaladas tem que ser a mais correta possível do ponto de vista fiscal e o governo precisa aproveitar para fazer um acerto de contas com o passado, mudando o rumo. É a melhor forma de voltar ao respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal. Se for com saque da conta única do Tesouro não vai aparecer na dívida. Se for com aumento de dívida tem que haver contrapartida.

É importante para o novo ministro da Fazenda encerrar o ano com essa conta quitada porque, como ele disse, não se pode levar para 2016 um problema que se arrasta desde 2014 e que tanta celeuma criou. Mas não basta isso, porque são dívidas com três bancos e um fundo públicos que surgiram do pagamento, por estas instituições, de despesa primária do governo. É preciso livrar-se do pecado original que foi a mistura entre entes estatais.

A conta única do Tesouro existe para ajudar a rolar a dívida em caso de necessidade. Sacar da conta única, uma espécie de colchão, para pagar as pedaladas faria com que tudo isso não aparecesse na contabilidade da dívida pública. É pouco transparente. Parecerá uma solução milagrosa, e este assunto tão incômodo vai desaparecer.

Para a conta única vai a arrecadação das contribuições que o governo não usou para o propósito específico. Arrecadou com a Cide, por exemplo, e não usou na melhoria de estradas? Vai para a conta única.

Os recursos ficam em títulos, rendendo. O saldo da conta só pode ser usado para o fim específico para o qual aquele dinheiro foi arrecadado. O rendimento pode ser usado para pagar dívida pública. A pedalada, entretanto, é despesa primária.

Nas outras soluções que estão sendo arquitetadas também há problemas, por isso é preciso que haja uma estratégia fiscal para pagar as pedaladas, antes que elas virem aquela poeira varrida para debaixo do tapete. O risco é entenderem a ampliação da meta de 2015 para um déficit de R$ 120 bilhões como se fosse uma anistia fiscal.

Na engenharia da solução da pedalada é preciso criar as condições para que os erros não se repitam. O que houve em relação ao BNDES foi uma farra absurda, em que o Tesouro se endividou em nome dos brasileiros para transferir dinheiro para o banco que emprestou a juros subsidiados. Por outro lado, houve também as pedaladas em que o governo deixou de pagar o que deve ao banco. As transferências para que o BNDES emprestasse chegaram a R$ 500 bilhões. Os atrasos das pedaladas, um pouco mais de R$ 20 bilhões. Se agora vai haver um acerto de contas, então deve ser com o governo se comprometendo a reduzir a farra do dinheiro barato para empresários. Sobrou recursos do Programa de Sustentação do Investimento, em torno de R$ 30 bilhões, porque há pouca segurança para investir neste momento. Então, esse montante não pode simplesmente continuar no banco, precisa voltar ao governo.

Há vários programas de bandeira meritória, como o Minha Casa, Minha Vida, e de execução duvidosa. E em todos eles houve gastança, porque esta é a natureza deste governo. Portanto agora é a hora de pagar, trancar a porta para novos gastos, e aumentar a transparência da despesa. Do contrário, continuarão os erros que arruinaram as contas públicas, e continuará a ciranda do gasto descontrolado. Isso é verdade tanto no FI-FGTS, no Plano Safra, no Minha Casa, Minha Vida. O pagamento das pedaladas não pode ser um “cala boca", tem que ser uma mudança de rumo fiscal num governo que já provou ser desnorteado. Do contrário, o buraco continuará aumentando. É preciso ficar claro que o Brasil já está num atoleiro com o déficit nominal em 9% do PIB, déficit primário por dois anos seguidos e uma dívida crescente.

A falta de um fiscalista no governo é o mesmo que ficar sem o grilo falante cutucando as consciências. No Ministério da Fazenda é preciso alguém que sempre mostre os riscos de determinadas soluções que parecem fáceis. Se todos no governo pensarem que é possível acomodar, encontrar uma forma engenhosa para resolver o problema, o país caminhará mais cedo para o descalabro.

O ministro Nelson Barbosa não é conhecido pela sua preocupação fiscal, e o ministro do Planejamento Valdir Simão nem conhecido é. Isso alimenta os temores sobre o risco de se fazer do pagamento das pedaladas uma “neopedalada”.


Barbooosa (ou O ministro irrelevante) - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 23/12

A ascensão e a queda de Joaquim Levy são prova eloquente de que até mesmo um ministro da Fazenda bem-intencionado e tecnicamente preparado está longe de ser suficiente para levar a cabo o ajuste requerido pela economia brasileira após anos de maus-tratos (dos quais Barbosa participou ativamente, mas deixemos isso de lado por um instante).

Se sua trajetória à frente da Fazenda teve algum propósito, foi o de demonstrar que nenhum economista sério teria como aceitar o cargo em circunstâncias semelhantes.

A verdade é que faltam condições objetivas para produzir o ajuste, que não se resume ao Orçamento do ano que vem nem às necessárias reformas fiscais (previdência e vinculações, por exemplo), mas se estende a temas como tributação, relações trabalhistas e integração comercial entre outros.

Não há, para começar, convicção por parte da presidente, um tanto pelo seu parco entendimento do problema, outro tanto por uma ideologia profundamente enraizada. Sempre noto que este não é um governo novo; trata-se da continuação de um governo que em momento algum buscou avançar na direção da reforma.

Pelo contrário, foi uma administração que, apesar de vários alertas a respeito, seguiu expandindo o gasto público ("gasto corrente é vida"), descuidou da inflação e, pior, produziu uma sequência de intervenções das mais desastradas da história do país: aumento de protecionismo, expansão desmesura- da de créditos para "campeões nacionais", controle de preços, rebaixamento forçado das tarifas de energia e, não fosse o espaço restrito, a lista poderia seguir indefinidamente.

Houvesse, porém, convicção, ainda assim faltariam as condições políticas para avançar qualquer agenda neste sentido. A base parlamentar do governo, que custa caríssimo para o país, na prática não passa de 200 deputados entre os 513, suficiente para barrar o impedimento da presidente, mas fica devendo no quesito reformas. Diga-se de passagem, aliás, essas reformas também não são particularmente queridas pelo partido do governo, o que reduz consideravelmente sua chance de aprovação.

Esse diagnóstico não é, óbvio, exclusividade minha, mas uma visão suficientemente difundida para dissuadir economistas sérios quanto à possibilidade de avançar nesses temas. Estariam, como Joaquim, apenas emprestando seu prestígio a um governo, sofrendo um risco considerável de não recebê-lo de volta no fim do período.

Restou, portanto, Barbosa, cujas traquinagens na formulação da chamada "Nova Matriz Econômica" são bem conhecidas. (A propósito, a "nova matriz" anda tão enjeitada que nem apoiadores e formuladores de primeira hora têm coragem de reconhecê-la, valentemente chamando-a agora de "tentativa de prolongar o ciclo de consumo e só")

É dele a afirmação em 2010: "A opção estratégica fundamental em apostar no crescimento ao invés de radicalizar a incerta proposta de ajuste fiscal contracionista, baseada nos cânones neoliberais, terminou sendo validada com base em resultados imediatos".

São palavras de triunfo de quem se acreditava dono da verdade, mas os resultados de hoje, recessão, inflação e desemprego, revelam sem sombra de dúvida quem tinha razão no debate.

Nelson Barbosa não tem mesmo a menor importância.

O fato e o processo - ROBERTO DAMATTA

O GLOBO - 23/12

Na intimidade, traía-se o reino, e barões e duques eram vistos recebendo e dando o que Jurubeba chamava de pixuleco. Apurou-se que era tudo verdade!

Os especialistas em sexualidade dizem que quanto mais preocupação com a técnica, menos prazer.

Dito isto, vou à minha história.

O reino de Jurubeba era enorme e, talvez por isso, tivesse o gosto de acasalar opostos. Daí a adoção de um regime republicano em meio a uma semimonarquia. Para muitos foi um avanço, para outros, um passo em falso. Como conciliar ideais monárquicos com valores republicanos? Estes queriam distribuir renda pela necessidade e pelo mérito, aqueles pelo mérito e pela necessidade. O novo regime tinha afeição pela ambiguidade, sempre resolvida com muito formalismo jurídico e bate-boca.

Um dia ficaram sabendo que a mais fina realeza jurubebiana era traidora. Em público a nobreza dominante dizia ser contra Corrução, um reino inimigo, pequeno, mas forte, que fazia a fronteira esquerda com Jurubeba. Mas na intimidade, traía-se o reino, e barões e duques eram vistos recebendo e dando o que Jurubeba chamava de pixuleco.

Apurou-se que era tudo verdade!

Agentes secretos de Corrução infiltraram-se em Jurubeba, disseminando o roubo e a traição. Desonravam-se títulos imortais de nobreza pelas propinas que compravam um “green-card”, ao passo que bilhões de pixulecos davam plena cidadania em Corrução.

Muitos nobres de Jurubeba eram canalhas, mas protegidos por velhos privilégios de casta. E como os privilégios impediam condenações drásticas, o Direito era uma matéria básica em Jurubeba. De fato, num reino onde tudo, até o real, era regulado e poderia ser criado e corrigido por lei, todos — de sapateiros aos sacros magistrados do Tribunal de Suplicação — entendiam de regimentos, constituições, códigos e regras. Mas, mesmo assim e talvez por isso mesmo, todo dia alguém era acusado de grave delito. Passado, entretanto, o susto da denúncia, as coisas voltavam ao normal e a casta dos acusados e delinquentes tornava-se a maior, a mais poderosa e a mais escandalosa do reino.

Alguns diziam que, para ser uma democracia, o reino de Jurubeba tinha que mudar suas atitudes aristocráticas, mas os ladrões e traidores achavam que ser uma república com procedimentos e hábitos monarquistas era normal e até mesmo ideal. Enquanto isso, Corrução criava seus adeptos e ampliava sua lista de quinta-colunas.

Traição e ladroagem em alta escala, ao lado de um rei grosseiro e incompetente, incapaz de falar porque era mais gago do que o George da Inglaterra, culminaram com os escândalos das minas.

A vida estava dura. A cada manhã anunciava-se um novo crime; mas cada delito tinha o seu processo legal, de modo que tudo continuava na mesma. O ritual sagrado e longo neutralizava o crime e este procedimento engendrava novas acrobacias legais. Um dado juiz que se meteu a romper com essa lógica foi tido como traidor pela nobreza republicana da terra. As batalhas jurídicas imobilizaram o reino, preso por suas próprias leis e valores — todos legais e ilegais ao mesmo tempo.

Foi nesse contexto que, depois de instigar traições, Corrução declarou guerra e, ato contínuo, invadiu Jurubeba.

Diante da violência, o governo reagiu. Uma declaração de guerra era urgente. Mas entre a guerra (o fato) e a ação, havia o danado do processo legal que havia de ser impecável. Instalou-se um sério e denso debate sobre como seria a declaração. Depois de muito deliberar, a Suprema Corte anunciou as condições para tal rito. Ei-las:

Determinava-se a formação de uma Comissão de Guerra de mil membros para investigar se havia mesmo uma guerra. Dava-se um prazo de 30 dias para uma pré-declaração a ser avaliada pelo Real Conselho de Guerra, o qual, em terceiro lugar, teria o poder de rejeitá-la — o que, aliás ocorreu, com base num antigo decreto inspirado nas guerras Púnicas e bem lembrado pelo mais culto membro do Sacro Conselho Supremo, o qual só se comunicava em Latim. E, finalmente, seria preciso uma consulta popular para que todo reino manifestasse sua vontade soberana!

O procedimento estava em debate quando Jurubeba rendeu-se ao solerte inimigo. Muitos nobres, acusados de ser “reais-realistas”, disseram que foi bom porque afinal Corrupção já era mesmo a potência dominante. Outros choraram de indignação. Mas poucos, muito poucos, atinaram que a pátria fora morta pelo processo.

Isso ocorreu num Natal.

PS: Qualquer semelhança desta fábula com algum grupo ou pessoas, vivas, semivivas, sonâmbulas ou mortas é mera coincidência. Feliz Natal, amados leitores que fazem o cronista.

Roberto DaMatta é antropólogo

Desmonte do populismo - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO 23/12

Embora o histórico recente do relacionamento entre Brasil e Argentina recomende prudência na avaliação de mudanças nas políticas comercial e de relações exteriores do governo de Buenos Aires, deve-se reconhecer que soam alentadoras para o nosso país as medidas anunciadas pelo novo presidente argentino, Mauricio Macri, e por seus principais auxiliares da área econômica. Em telefonema à presidente Dilma Rousseff pouco depois de reconhecida sua vitória eleitoral no fim de novembro, Macri disse pretender, em seu governo, dar “nova vitalidade” ao Mercosul e tornar “mais fluida e dinâmica” a relação com o Brasil. Até agora suas palavras, seus gestos e as decisões tomadas por seu governo confirmam o que disse.

Está em curso na Argentina um processo de desmontagem da estrutura econômica populista erguida pelo kirchnerismo que dominou o país por mais de 12 anos. Foi eliminado, por exemplo, o rigoroso sistema de controle administrativo das importações por meio de exigência de autorização prévia para a entrada de produtos estrangeiros no país, medida destinada a inibir as compras externas – para reduzir as despesas em moeda estrangeira, cada vez mais escassa – e proteger a produção local. O Brasil, por ser o principal fornecedor da Argentina, foi, por isso, o maior prejudicado pela política kirchnerista que, não obstante as perdas que impôs ao País, foi tolerada pelo governo Dilma Rousseff.

Em seguida, foi eliminado o controle sobre operações de câmbio, o que levou à desvalorização imediata de quase 30% do peso, que passará a flutuar como ocorre com as moedas de países integrados à economia mundial e, assim, facilitar as exportações do país. O fim do imposto sobre todas as exportações agropecuárias – com exceção das de soja – igualmente estimulará as vendas externas do país. Com a taxação das exportações, o governo anterior, chefiado por Cristina Kirchner, pretendia assegurar o abastecimento do mercado interno. Para tentar frear o impacto da desvalorização cambial sobre os preços, o governo elevou em 8 pontos porcentuais, para 38% ao ano, a taxa de juros para depósitos de curto prazo.

Como decorrência da liberação das operações de câmbio, começam a ser regularizados os pagamentos devidos pelos importadores, e que vinham sendo protelados por causa do controle que o governo exercia sobre as operações com moeda estrangeira. No governo anterior de Cristina Kirchner, a Argentina enfrentou forte escassez de divisas, razão pela qual o Banco Central (BC) argentino vinha retardando a liberação de recursos para o pagamento de importações, tornando os importadores do país inadimplentes.

Os exportadores brasileiros estão entre os que os ganham com a medida. Há pouco, o presidente do Banco Central argentino, Federico Sturzenegger, confirmou que até julho deverão estar regularizados todos os pagamentos devidos pelos importadores argentinos. Estima-se que o atraso totalize US$ 5 bilhões, dos quais 80% são devidos a empresas brasileiras.

No plano regional, a expectativa é a de que o novo governo argentino tenha uma postura mais favorável à facilitação das trocas comerciais dentro do Mercosul e de que o bloco, afinal, rompa seu isolamento e busque acordos comerciais com outros países e blocos. Há mais de 15 anos o Mercosul negocia um acordo de livre-comércio com a União Europeia (UE), mas a resistência do kirchnerismo à maior abertura do mercado argentino vinha emperrando as discussões.

A reunião dos presidentes dos países do Mercosul realizada há pouco em Assunção, Paraguai, decidiu, com o apoio de Macri, que é urgente a conclusão das negociações com o bloco europeu. Também decidiu solicitar reunião com o bloco dos países latino-americanos que integram a Aliança do Pacífico (Chile, Peru, Colômbia, México e Costa Rica). Antes tarde do que nunca. Ao contrário dos países do Mercosul, essas nações latino-americanas não se submeteram a governos populistas e, por isso, puderam buscar a melhor forma de defender seus interesses.

Dilma aderiu aos oligarcas - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 23/12

Ao assinar a Medida Provisória que facilitou as operações das grandes empresas apanhadas em roubalheiras, a doutora Dilma abandonou a posição de neutralidade antipática que mantinha em relação à Lava Jato. Ela alterou uma lei de seu próprio governo e alistou-se na artilharia dos oligarcas que, pela primeira vez na história do país, estão ameaçados por um braço do Estado.

O mimo permitirá que empreiteiras cujos diretores foram encarcerados negociem novos contratos e obras com a Viúva. No mais puro dilmês, ela disse que "devemos penalizar os CPFs (as pessoas físicas), os responsáveis pelos atos ilícitos. Não necessariamente penalização de CPFs significa a destruição dos CNPJs (as pessoas jurídicas). Aliás, acreditamos que não exige". A frase de pouco nexo escamoteia o conceito de que as roubalheiras podem ter mais a ver com malfeitorias de pessoas do que de empresas.

As roubalheiras não eram dos executivos, eram da oligarquia empresarial. Prova disso está no fato de que nenhuma empreiteira queixou-se de seus executivos.

Os defensores do abrandamento dos acordos de leniência sustentam que a Lava Jato abala negócios, desemprega trabalhadores e inibe a economia. É um argumento parecido com aquele usado pelos defensores do tráfico negreiro no século 19, mas essa é outra discussão.

Até hoje nenhuma grande empreiteira pediu desculpas à população pelas mentiras que repetiu tentando proteger-se da Lava Jato. O papa Francisco pediu desculpas pelos casos de pedofilia na Igreja. A Volkswagen desculpou-se pelas fraudes ambientais. Os oligarcas brasileiros mentiram para a população e nada.

Fulanizando os casos das três maiores empreiteiras do país:

A Odebrecht sustenta que nada fez de errado. Em outubro de 2014, Marcelo Odebrecht, disse o seguinte: "como diretor-presidente da Odebrecht S.A. venho a público manifestar minha indignação, e de toda a organização, com informações inverídicas veiculadas na imprensa, em prejuízo de nossa imagem".

Também em outubro de 2014, a Camargo Corrêa disse que não havia "qualquer procedência" nas acusações feitas pelo Tribunal de Contas da União a respeito de obras superfaturadas na refinaria Abreu e Lima. Um mês depois, a Lava Jato encarcerou seu então presidente (Dalton Avancini) e então vice (Eduardo Leite). Neste ano, ambos passaram a colaborar com o Estado e a Camargo Corrêa aceitou uma multa de R$ 700 milhões.

A Andrade Gutierrez informou, em dezembro de 2014, que "todos os contratos da empresa com a Petrobras foram realizados dentro dos processos legais de contratação". Seu presidente (Otavio Azevedo) vendera uma lancha a Fernando Baiano por R$ 1,5 milhão, mas tratava-se de uma operação de CPF para CPF. Em junho, Azevedo foi preso e, em novembro, a Andrade Gutierrez passou a colaborar com o Estado e aceitou uma multa de R$ 1 bilhão.

Empresas desse tamanho não brincam com dinheiro. A teoria do CPF x CNPJ da doutora é empulhação. Se a Camargo Corrêa e a Andrade Gutierrez resolveram desembolsar R$ 1,7 bilhão, elas sabem que os delitos não foram cometidos por pessoas físicas.

A colaboração da Camargo e da Andrade é uma boa notícia. Não se pede muito, apenas que peçam desculpas por terem mentido, pois foi exatamente a arrogância e o faço-porque-posso que arruinou seus CNPJs e levou seus marqueses para a cadeia.

O governo reage - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 23/12

A presidente Dilma termina o ano com boas perspectivas de resistir no cargo, diante da demonstração de apoio que o presidente do Senado, Renan Calheiros, vem lhe dando, e da divisão da oposição, que muda de estratégia a todo instante, transmitindo à opinião pública a ideia de que está atrás apenas de retomar o poder.

O voto do relator das contas presidenciais de 2014, senador Acir Gurgacz, aprovando-as "com ressalvas",' rejeitando a recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU), tem valor apenas simbólico para o impeachment, já que a denúncia da oposição só foi aceita na parte referente a 2015.

Mas, mesmo assim, abre caminho para a alegação da presidente de que suas contas objeto da denúncia nem foram julgadas ainda, e de que as de 2014 estão em discussão no Congresso já com voto favorável do relator. Será preciso uma rebelião na Comissão Mista do Orçamento, e depois no Congresso, para condenar Dilma.

A avaliação do gesto de apoio pode ser feita pelo papelão a que o senador do PDT se submeteu, citando como "ressalvas" os crimes de responsabilidade de que Dilma é acusada pelo TCU: falta de aderência do cenário econômico-fiscal com o que de fato ocorria na economia; compromissos vencidos e não pagos; e restos a pagar em soma vultosa.

A oposição, em suas idas e vindas, a cada momento em que o impeachment parece mais difícil, joga suas fichas na anulação da eleição pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas nada impede que retorne à tese inicial se os ventos melhorarem. Mas seus líderes não fazem nada para mudar as condições políticas para o impeachment; ao contrário, jogaram o vice Michel Temer ao mar na primeira análise superficial da decisão do Supremo.

Mesmo com todas as dificuldades decorrentes da crise econômica, e estando neste momento em minoria na Câmara, o governo vem conseguindo ter uma atuação política mais consistente na defesa do mandato da presidente Dilma. Não acredito que tenha sucesso ao final, mesmo que supere o impeachment, pois nada indica que a economia se recuperará nestes próximos três anos, fazendo com que a pressão política permaneça forte.

Mas, abandonando o caminho do impeachment, por considerá-lo "mais estreito" depois da decisão do STF, a oposição já dá por perdida a batalha e abre mão de tentar manter a maioria na formação da Comissão Especial da Câmara, que será eleita pelo voto aberto. E reconhece que o governo esta readquirindo poder de barganha.

Também não participa do debate em torno das decisões do Supremo, permitindo que o senador Renan Calheiros atue como se tivesse poderes de barrar liminarmente o processo.

O ex-presidente do STF Ayres Britto, que sempre defendeu a tese de que o Senado não tem essa prerrogativa, acha que nos embargos de declaração o Supremo poderá recolocar a discussão nos trilhos, ressaltando que a Constituição, em seus artigos 51 e 52, define que compete "privativamente" à Câmara "autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o presidente e o vice-presidente da República" e ao Senado, também "privativamente" processar e julgar.

Portanto, cada uma das Casas tem suas funções definidas como "exclusivas" pela Constituição, sendo impossível ao Senado assumir a tarefa de autorizar ou não o processo, assim como a Câmara não julga o presidente da República.

Também o advogado criminalista Cosmo Ferreira ressalta que o artigo 38 da lei 1.079 de 10 de abril de 1950 define que, no processo e no julgamento do presidente da República e dos ministros de Estado, serão subsidiários, naquilo em que lhes forem aplicáveis, "os regimentos internos da Câmara e do Senado, como o Código de Processo Penal"

No juízo de admissibilidade a cargo da Comissão, tal qual ocorre no processo criminal, Cosmo Ferreira confirma que "não há espaço para a valoração da prova" Se ela é robusta ou não, é matéria pertinente ao mérito, a ser enfrentada pelo plenário do Senado, que fará um julgamento, aí, sim, político.


COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

‘PEDALADA’ NO BB CONVERTEU DÍVIDA EM PATRIMÔNIO

O Banco do Brasil ignorou ordem do Banco Central para contabilizar como dívida e não como “patrimônio líquido” R$ 8,1 bilhões que tomou emprestados ao Tesouro Nacional. O BB divulgou que havia feito a “reclassificação” contábil exibida pelo BC, mas não é o que mostra o seu Balanço Patrimonial Passivo. Manobra idêntica à do BB foi adotada nos demais bancos federais. A “pedalada” objetiva maquiar dificuldades e aumentar artificialmente a capacidade de conceder empréstimos.

CUIDANDO DAS APARÊNCIAS
Segundo fonte do BB, a reclassificação ordenada pelo BC foi ignorada para não reduzir o patrimônio líquido e, claro, sua carteira de crédito.

SAFRA VERÃO EM JOGO
O Banco do Brasil dá sinais de que faz água, e não quis perder as operações de crédito da iminente safra verão.

PEDALADA IN NATURA
No Balanço Patrimonial Passivo de setembro de 2014 a setembro de 2015, os R$ 8,1 bilhões aparecem como “patrimônio líquido” do BB.

COLARINHO BRANCO
Especialistas advertem que a manobra malandra dos bancos oficiais é tipificada como crime financeiro, o famoso “crime do colarinho branco”.

DILMA PARECE IGNORAR O QUE ACONTECE À SUA VOLTA
Ao afirmar ontem em Salvador que “não há nada” contra ela que justifique o impeachment, nem mesmo uma denúncia “consistente” de crime de responsabilidade, Dilma mostrou outra vez que não faz ideia do que ocorre à sua volta e até que nem sequer leu sua condenação por unanimidade no Tribunal de Contas da União (TCU). A presidente está fora da casinha ou não se importa de ser chamada de mentirosa.

A LISTA DO TCU
Em condenação unânime, reiterada depois, o TCU listou os crimes pelos quais Dilma pode ser responsabilizada criminalmente.

PEDALADA É CRIME
Proibidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, as chamadas “pedaladas” são apenas um dos crimes atribuídos a Dilma.

USURPAÇÃO DO LEGISLATIVO
Decretos ilegais, não numerados, e atos de usurpação de prerrogativas do Legislativo, inclusive para abrir crédito, também configuram crime.

A BANCA DO DISTINTO
Responde a mais de 200 ações na Justiça, de fraude em empréstimo de banco público a estelionato, o senador Acir Gurgacz (PDT-RO), aquele que acha que o Senado deve ignorar o julgamento do Tribunal de Contas da União, que rejeitou as contas de Dilma por unanimidade.

VALE PARA TUDO?
Eduardo Cunha pediu ao Supremo que apresse o acórdão sobre a decisão do rito do impeachment. Ele acredita que o regimento da Câmara está em risco após o tribunal alterar regras do impeachment.

TROPA A POSTOS
Aliados de Dilma querem fazer Eduardo Cunha sangrar. Cerca de 40 deputados governistas estavam na CCJ prontos para votar contra o recurso dele, mas não registraram presença e tudo ficou para fevereiro.

NÃO É MAIS GOLPE?
Com organização e sincronia nunca antes presenciadas no governo Dilma, tanto ela quanto o ministro Jaques Wagner (Casa Civil) usaram a mesma frase ontem: “O impeachment, em si, não é golpe.”

INIMIGO NADA OCULTO
Michel Temer não deve participar do amigo oculto do Palácio do Planalto. O vice-presidente está em São Paulo e deve ficar por lá até passarem as festividades de fim de ano.

CONVERSA COM O ESPELHO
O discurso de Dilma, ontem, parecia tirado de livro de autoajuda ou parte de tentativa de autoconvencimento. Ela abusou de expressões como “somos capazes” e “vamos conseguir”. Poucos acreditaram.

CLIMA DE DESCONFIANÇA
A interferência escancarada do Palácio do Planalto na liderança do PMDB da Câmara repercutiu em outros partidos aliados. A avaliação é que o governo começará ainda pior 2016. Aumentou a desconfiança.

VELHINHO DE TAUBATÉ
“A gente pode se surpreender positivamente”, prevê Humberto Costa (PT-PE) sobre os rumos da economia, em 2016. Ele conta com novas concessões de hidrelétricas e com o projeto de repatriação de recurso.

PENSANDO BEM...
...ciclismo foi o esporte do ano na Brasília de Dilma.