domingo, abril 17, 2016

Veja os 'sete pecados na capital' que levaram Dilma ao inferno político - IGOR GIELOW

Folha de SP - 17/04
Dilma Rousseff (PT) chegou às portas de um inferno político que o Brasil acreditava terem sido cerradas com o impeachment de Fernando Collor de Mello em 1992.

A presidente, que segundo as contas do mundo político poderá ter a abertura do pedido de impedimento aceita neste domingo (17) pela Câmara, costuma colecionar culpados pela debacle de seu governo.

Ora ela culpa a imprensa, ora a oposição. Mais recentemente, seu alvo é o vice-presidente, Michel Temer (PMDB-SP), a quem acusa abertamente de ser golpista, já que vem articulando a formação de um eventual governo caso Dilma seja impedida.

Se adversários se aproveitaram de suas falhas, isso é da dinâmica da política, mas Dilma e o PT de Lula construíram aos poucos os erros que levaram à ruína política sobre a qual se debatem agora.

A tradição católica estabeleceu, quando o papa Gregório 1º organizou em 590 uma lista do monge grego Evágrio do Ponto (345-399), sete pecados capitais que levam a humanidade à danação. Santo Tomás de Aquino e o escritor Dante Alighieri popularizaram o conceito.

A Folha elencou sete aspectos que levaram o governo petista à lona, correlacionados com os pecados mortais dos quais mais se aproximam (veja abaixo a lista).

Acima de todos eles está a soberba, que permeia os demais. O temperamento difícil e a falta de urbanidade política de Dilma cobraram um preço alto ao fim.

Enquanto ela era a "faxineira" da corrupção e a "gerentona" no seu primeiro mandato, imagem que bem ou mal durou até a eleição de 2014, ela colecionou desafetos. Sua inapetência para a política congressual é notória. O troco veio agora.

O fator estrutural mais importante, contudo, é a ruína econômica. Dificilmente estaria sendo discutido o impeachment se o país estivesse bem das pernas. Não está muito por causa do pecado da preguiça do governo em não aceitar a realidade.

Em vez de ouvir alertas, o Planalto acelerou uma política iniciada por Lula em 2010 de populismo econômico.

Erros se sucederam. A "Nova Matriz Econômica" com suas desonerações, juros artificiais e irresponsabilidade fiscal, as pedaladas que geraram o fato frio do impeachment, a política de preços do setor elétrico e a gestão ruinosa da Petrobras –mais que a corrupção, foram ordens erradas que ajudaram a quase quebrar a petroleira e sua enorme cadeia econômi
O ano de 2015 foi perdido com a tentativa malfadada de ajuste fiscal capitaneada por Joaquim Levy. Acabou com o pagamento do "papagaio" das pedaladas, quase uma admissão de culpa. O aumento do desemprego coroou a queda final junto aos poderosos da economia.

Outros pecados são identificáveis: a gula da corrupção identificada pela Operação Lava Jato, a avareza ao se apegar a conceitos antigos em vez de tentar entender o recado das ruas nos protestos de 2013, a luxuriante propaganda eleitoral de 2014.

Por fim, o ex-aliado PMDB está em dois erros mortais. Primeiro, estabelecer uma relação de ira com Eduardo Cunha, o colérico e enrolado presidente da Câmara.

Segundo, a inveja final de ver Michel Temer emergir da condição de "vice decorativo" para a de potencial herdeiro do reino petista.

SOBERBA

A Presidente

A falta de tato político e o temperamento irascível de Dilma fazem parte do folclore de Brasília. Mas o que era quase anedótico virou centro de quase todas as reclamações de aliados, agora tornado inimigos. Além disso, práticas de governo acabaram contaminadas pelo mau humor da chefe, com subordinados agindo de forma burocrática por medo de broncas. A soberba nas relações com aqueles que deviam apoiá-la levou Dilma a um isolamento fatal, tendo de ser socorrida no último momento e sem eficácia certa por Lula

PREGUIÇA
Economia

A falta de vontade de ler a realidade levou o governo a cometer erros fatais na condução da economia. Populismo, gestão falha na Petrobras e outros fatores levaram o país à maior recessão de sua história e a um cenário no qual inflação alta para os padrões pós-real e queda da atividade conviveram. Tudo encabeçado pelo desemprego em alta, enterrando o último ponto de venda do governo junto à população, em especial os estratos menos favorecidos. Com tudo isso, o apoio entre os poderosos do PIB esfarelou-se

LUXÚRIA

Estelionato

A volúpia com a qual o Planalto se lançou à mentira pura e simples na campanha eleitoral de 2014 cobrou o preço. Como no caso da corrupção, não se trata de algo inédito na forma, mas sim na intensidade e sofisticação. Ao demonizar adversários ao extremo, a campanha de Dilma ajudou a lançar as bases para o radicalismo que se vê em manifestações contra o governo. O exemplo mais simples é o da economia: enquanto acusava tucanos de planejar um arrocho, o Planalto teve de adotá-lo
–ainda que só nominalmente

AVAREZA

Cegueira em 2013

Os protestos de junho de 2013 nunca foram lidos corretamente pelo poder estabelecido. A avareza, não só mas principalmente pela União, de se apegar às respostas tradicionais, como o lançamento de pacotes e a sugestão de reforma política nunca plenamente abraçada pelo governo, falhou em compreender o recado das ruas. Se o movimento refluiu depois que elementos radicais como os adeptos do black bloc provocaram distúrbios, a ojeriza da antipolítica estabeleceu-se como parte central das manifestações após 2014

INVEJA

Temer e PMDB

Enquanto tinha poder quase imperial, até junho de 2013, Dilma tratou o PMDB a pão e água. Seu vice acumulou rancores, explicitados na famosa carta de rompimento do fim de 2015, quando assumiu a alcunha de "decorativo". Líderes do partido foram maltratados, e depois da reeleição novos aliados foram adulados, como o PSD. Isso formou um caldo de vingança contra a presidente, de difícil deglutição neste momento. O resultado está aí, com Michel Temer articulando abertamente a sucessão da presidente

IRA

Eduardo Cunha

Dilma apostou tudo contra o peemedebista, com quem já vivia brigando. Lançou um candidato contra Cunha e perdeu a eleição na Câmara, estabelecendo as premissas para o período em que a Casa ditou o ritmo da aprovação de leis no Brasil pela primeira vez em décadas. Após ter sido alvejado pela Lava Jato, Cunha tornou-se ainda mais perigoso para o Planalto, já que comandou com obstinação movimentos para atrapalhar o governo e, agora, para guiar o processo de impeachment da presidente com a oposição a tiracolo

GULA
Corrupção

Se a corrupção é um fenômeno usual da história política brasileira, a magnitude relevada pela Operação Lava Jato a partir de 2014 supera qualquer registro até aqui. A gula foi insaciável. Isso manchou de vez a imagem já conspurcada do PT e do governo –ainda que aliados e até oposicionistas estejam na mira da ação, é o PT que tinha a chave do cofre durante os malfeitos desvendados. Para complicar a vida de Dilma, além de sua campanha estar sob investigação, a Lava Jato chegou também à figura de seu mentor, Lula

O dia ‘D’ - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 17/04

Vença ou não o impeachment – que chega a este domingo como tendência, apesar de tremeliques de última hora –, Dilma Rousseff, Lula e o PT são os grandes derrotados desse processo, que tem uma longa história, desde virar as costas a Tancredo, à Constituinte, a Itamar, ao Plano Real, com um ponto comum em todos esses momentos: o “nós” contra “eles”. Enfim, a realidade se impõe novamente: o “nós” é minoria, o “eles” é a maioria. A maioria da sociedade cansou da arrogância e da beligerância dessa minoria.

Apesar de o governo martelar dentro e fora do País a versão do “golpe”, não foi a oposição (muito menos o PSDB) que articulou o impeachment, redigiu e assinou o pedido de abertura, mobilizou milhões de brasileiros nas ruas, explodiu a base aliada. Em paralelo ao poderoso processo de inclusão social dos anos Lula, os responsáveis por tudo o que se está vendo e vivendo foram Dilma, Lula e o PT.

A presidente, pela incompetência, o destempero e a incrível capacidade de destruir a economia nacional. Lula, por se sentir Deus e dono do País, tomar de assalto a máquina, as estatais, os fundos de pensão e adotar a rotina da provocação à maioria que está em todas as classes de renda e em todas as regiões, estuda, trabalha, mora, produz, compra, vende. O PT, por jogar fora suas bandeiras e sua história pelo poder efêmero, esbaldando-se com adversários históricos e de passado duvidoso, incapaz de cobrar coerência e até decência do seu grande líder.

Na reta final do processo de impeachment, Dilma teve uma mãozinha de governadores camaradas, recebeu o diretor da OEA e reverteu um voto daqui, outro dali, mas os erros demonstram temor: a ida ao Supremo, a decisão e o recuo do pronunciamento pela TV, martelar que Michel Temer acabará com a Bolsa Família (repetição barata do bordão “o PSDB vai privatizar a Petrobrás”, de 2006). Por fim, a ida de Lula ao acampamento do MST. Para quem fala em “união nacional”...

Se conseguir os votos mínimos (1/3 da Câmara) para se segurar na cadeira, Dilma chega ao terceiro mandato como um fantasma, incapaz de incorporar uma presidente capaz de articular um pacto, arregimentar forças políticas, econômicos e sociais para reformas e para recuperar as contas públicas e a economia nacional. O mercado vai desandar. A crise vai explodir. Ela mantém o mandato, mas perde a Presidência para Lula – até onde a Lava Jato e a Zelotes permitirem.

Se der impeachment, Dilma vira mesmo “carta fora do baralho”. Nem PT, PC do B, PSOL e PDT vão bater à sua porta, acenar com uma volta por cima. Se não der, ela insistirá que lutará “até o último minuto”, mas faltarão ouvidos, tropas, armas. Hoje é o dia “D” do impeachment. Se não passar, acabou. Se passar, dificilmente o Senado desautorizará a Câmara, até porque a votação para acatar o pedido é por maioria simples e ninguém considera a hipótese de o plenário trazer Dilma de volta depois de 180 dias fora. Aí, Inês é morta, Dilma também. Quanto a seu legado, a história se encarregará de contar.

A história, porém, não acaba aí. Estará só começando, com as forças políticas se reaglutinando, o PT e seus movimentos discutindo um plano de ação, os agentes econômicos pedindo pressa, os trabalhadores apreensivos, o mundo olhando de esgueira para o Brasil. Tempos difíceis para o Brasil e para Temer.

Se ele assumir, terá de mostrar a que veio e até onde vai, com a obrigação de se livrar de Eduardo Cunha na primeira hora. É do jogo e o próprio Eduardo Cunha, um jogador, sabe que é assim. Como resume realisticamente o deputado Jarbas Vasconcelos, um governo do PMDB tem chance zero. Temer só terá chance com um governo de união. O grito de guerra de muitos que votam hoje no impeachment é “Fora Dilma, Fora Cunha”, para começar do zero. Mas falta o placar...


Sem Dilma, o que vem por aí? - SUELY CALDAS

ESTADÃO - 17/04

O que pode acontecer com a economia se o impeachment passar e o vice, Michel Temer, assumir a Presidência? Provavelmente, nem ele sabe. Ele até pode ter um plano de emergência (como teve Itamar Franco em seu mandato-tampão), um choque econômico para tentar tirar o País do buraco, mas ele não ignora que vai enfrentar um inimigo imponderável que não consegue controlar: o descrédito, a falta de confiança da população em seu partido, o PMDB, que nos últimos 13 anos dividiu com o PT responsabilidades de governo, as benesses da corrupção espalhada pela gestão pública e as decisões erradas que arruinaram a economia do País.

A seu favor Temer conta com uma fatalidade: a alternativa Dilma seria pior, o que pode lhe dar um voto de confiança na partida, mas certamente com prazo de validade – dos empresários, mais longo; da população, mais curto. Portanto ele tem pouco tempo para agir, e agora sem direito de errar. Suas chances crescem se ele priorizar temas centrais das manifestações de rua. As reformas política e administrativa, por exemplo. Diferente da previdenciária (necessária, mas mal compreendida), essas reformas têm apoio popular entusiasmado e dariam um bom início para Temer conquistar confiança. Elas têm o mérito de produzir duplo impacto: efeito positivo na economia, ao reduzir o gasto público e o aparato burocrata de governos balofos, e a população ficaria mais protegida de pilantras e enganadores da política, sobretudo em época eleitoral.

O Brasil é campeão mundial em ministérios (32) e partidos políticos (também 32). Eles custam bilhões de reais ao contribuinte brasileiro e a maioria serve para abrigar políticos aparelhados no governo, para receber dinheiro público do Fundo Partidário, vender espaço na TV em época de eleições e espalhar corrupção pela gestão pública. O toma lá dá cá, que Lula institucionalizou e exagerou e Dilma escancara, agora, em troca de votos contra o impeachment, explica a profusão de partidos e ministérios e reclama urgência nas reformas política e administrativa.

Em Brasília poucos acreditam que chegará o dia em que essa realidade vai mudar, que deputados e senadores aceitarão abrir mão de poder e aprovar reformas e regras que eliminem ou contenham seus privilégios. Muito menos que isso se dará pelas mãos de um peemedebista. Porém, se aprovado o impeachment de Dilma, é a chance de Temer e do PMDB sobreviverem nestes dois anos e oito meses de mandato. Propor ao Congresso reformas estruturais sérias (também da previdência, tributária e trabalhista) é o primeiro e imprescindível passo para o novo governo ganhar credibilidade e dar sustentação a um programa econômico que convença o investidor a investir e a população a apoiar e acreditar em que o crescimento econômico pode demorar, mas o País marcha na sua direção.

Nesse choque de credibilidade é fundamental garantir continuidade à Operação Lava Jato. O desmantelamento de esquemas de corrupção no governo, em empresas estatais e fundos de pensão não pode ser desativado ou mascarado para proteger lideranças políticas influentes, como o presidente do Senado, Renan Calheiros.

Temer vai encontrar um país despedaçado: as contas públicas em frangalhos; receita tributária desabando; investimento público zerado e o privado, assustado; desemprego disparando; população perdendo quase 10% de sua renda em apenas dois anos de recessão; a dívida pública passando de 70% do PIB, podendo chegar a 90% em 2020; a corrupção presente por onde circula dinheiro público; programas sociais retrocedendo; pobreza em expansão; Estados falidos e funcionários sem salários. E por aí vai.

São muitas as frentes de ação do novo governo. Um programa de emergência é bem-vindo para perseguir resultados rápidos, mas é indispensável abandonar o ritmo desarvorado de apagar incêndios, que predominou sob Dilma e tanto mal fez ao País. É fundamental pensar o Brasil no longo prazo, arrancar do Congresso a aprovação das reformas, tantas vezes adiadas, planejar ações, construir e perseguir metas.

Hora da decisão - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 17/04

Se a tendência detectada nas pesquisas feitas de diversas maneiras - consulta direta aos interessados ou projeções baseadas em sofisticados cálculos matemáticos - for confirmada, começa hoje uma transição que poderia ter sido iniciada na eleição presidencial de 2014.

Sabe-se hoje que essa alternância, que não se realizou por uma diferença de 3% dos votos, foi evitada por motivos que vão além das razões políticas: dinheiro transferido diretamente de esquemas corruptos irrigaram a campanha petista, permitindo uma atuação muito mais efetiva do grupo vencedor, traduzindo-se num abuso de poder econômico que a legislação pune até mesmo com a cassação da chapa. Poder econômico que está sendo largamente utilizado mais uma vez neste momento para, à margem da lei, evitar a aprovação do impeachment na Câmara.

A esse abuso de poder econômico somou-se o abuso do poder político, transgredindo a legislação em vigor no país e quebrando o equilíbrio fiscal, com trágicas consequências. Afirmar que uma presidente honesta está sendo condenada por políticos corruptos é apenas uma simplificação benevolente da situação, ou a visão distorcida de quem procura uma narrativa que justifique sua derrocada.

De nada adiantará, no entanto, essa tentativa de reescrever a História, pois as investigações em andamento no Supremo Tribunal Federal e na Justiça de Curitiba acabarão demonstrando cabalmente que a presidente não esteve alheia a todos os passos do esquema corrupto montado pelos petistas nesses 14 anos de poder.

Soa quase afrontoso o argumento de que Dilma nada roubou para si que se tenha provado, e por isso não merece ser punida, numa tentativa de opor sua situação à de Collor, como se o impeachment político ocorresse apenas quando comprovada a corrupção pessoal, desculpada a corrupção "pela causa" 


Também Collor usou essa desculpa esfarrapada, baseado no fato de que o STF não encontrou provas que pudessem incriminá-lo. As evidências de corrupção, nos dois casos, no entanto, estão fartamente documentadas, e Dilma não terá a vantagem de Collor, que foi julgado em um momento em que a sociedade brasileira não estava aparelhada para uma investigação ajudada por tecnologia hoje à disposição da Justiça e apoiada por acordos internacionais que localizem dinheiro desviado no exterior.

Sem falar na delação premiada, instrumento fundamental para desvendar esquemas criminosos do tipo. Embolsar o dinheiro da corrupção, ou se beneficiar dele para fins políticos, tem a mesma gravidade para a democracia.

Os dois processos de impeachment que acontecem na nossa História com uma diferença de 24 anos mostram que nosso sistema político-partidário não se regenerou a ponto de evitar que aventureiros como Collor e Dilma chegassem à presidência da República.

Foram dois presidentes eleitos por fenômenos semelhantes, consequências de um populismo demagógico que permitiu que um salvador da pátria fosse criado por campanha de marketing, e que uma burocrata inepta fosse apresentada à população por outro salvador da pátria como sua sucessora.

A "mulher do Lula" como Dilma era conhecida nos grotões, passou a ser a "mãe dos pobres" numa farsa política tupiniquim que já havia sido encenada duas vezes na Argentina, sem final feliz.

Saídos do meio de uma coligação partidária montada pelo PT desde o governo Lula, os políticos, hoje considerados traidores e corruptos, já foram ministros, secretários e aliados importantes dos governos Lula e Dilma. E quem escolheu Michel Temer para candidato a vice foi a própria presidente Dilma, ou seu tutor Lula, o mesmo que governou com boa parte dos 300 picaretas que havia identificado depois de sua curta experiência no Congresso.

Descobrir agora que esses mesmos políticos não servem ao país é patético, e mais ainda é a tentativa de mantê-los presos a compromissos através da compra de votos, criando uma situação paradoxal de querer se mostrar uma defensora da democracia usando os mesmos métodos que nos levaram a essa situação caótica.

Um voto em Brasília está valendo ouro, disse outro dia um político. Pena que não seja simples metáfora.

A soma das tempestades - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 17/04

A soma das tempestades que atingiram Dilma. O que nos trouxe até aqui foi a economia. A luta contra a corrupção não explica o que se passa no país, já que dos dois lados que se enfrentam no plenário da Câmara há envolvidos na Operação Lava-Jato. Não há na lei do impeachment nada que puna a má gestão econômica, mas nenhum governo resiste ao trio inflação alta, recessão profunda e colapso fiscal.

Collor não caiu porque mentiu na campanha, nem pelo plano que aprisionou as finanças das empresas e famílias, mas sim porque essa violência extrema não entregou inflação baixa e produziu recessão severa. As denúncias naquela época de desvio de dinheiro, inclusive para proveito pessoal do presidente, deram o motivo final para o impeachment.

Este domingo, em que a presidente Dilma estará sob ataque político de adversários e antigos aliados, começou no primeiro trimestre do segundo mandato. O tarifaço de energia fez a inflação dar um salto e a popularidade despencar. Ao final de março de 2015, o percentual de ruim e péssimo pelo CNI/Ibope havia atingido 64% e se igualava ao pior momento do governo Sarney. Em dezembro, já havia batido o recorde de rejeição entre todos os presidentes da era democrática, com 70%. Em março deste ano, mantinha o patamar porque o PIB continuou afundando, impedindo a recuperação.

As pedaladas aconteceram principalmente no primeiro mandato. Elas foram um atentado à Lei de Responsabilidade Fiscal e explicam a desordem econômica em que o país está. Dilma desrespeitou, com seu ministro da Fazenda e secretário do Tesouro do primeiro mandato, inúmeras regras contábeis. A crônica econômica está repleta de decisões que atentaram contra o ordenamento monetário e fiscal do país. É justo que ela tenha que responder pelos abusos e absurdos que cometeu. Foram tantos que transbordaram para o segundo mandato. Foram tantos que ameaçaram a estabilidade.

A crise econômica produzida pela gestão de Dilma levou ao enfraquecimento político da presidente. Ela foi inábil ao gerir a crise, mas no primeiro mandato já havia demonstrado a mesma inabilidade de administrar a coalizão. O que a atingiu agora foi a soma de tudo: a crise econômica corroeu o apoio popular ao governo, os políticos começaram a se afastar, ela não teve sabedoria para agir. O fator externo que acelerou a dinâmica da crise foi a Lava-Jato. Nas investigações, não há indícios de proveito pessoal da presidente Dilma — apesar de haver contra vários do seu grupo, inclusive o ex-presidente Lula — mas sobram indícios de que houve dinheiro dos contratos da Petrobras no financiamento da campanha presidencial, que, é bom lembrar, elegeu Dilma Rousseff e Michel Temer. O fator Eduardo Cunha foi o gatilho. Atingido diretamente pelas denúncias de corrupção, ele preferiu atirar. Se Cunha sobreviver a tudo isso, o país estará encrencado.

O Brasil vive neste domingo um dia dramático sobre o qual será preciso continuar pensando. Estamos no tempo da traição, o que nunca é um espetáculo bonito de se ver, mas é fácil de explicar. Quando os políticos começam a fugir de um líder impopular, há um momento em que o movimento se acelera. Foi o que se viu nos últimos dias. Na época de Collor, até seu amigo de primeira hora, Renan Calheiros, o traiu. Todos tentam escapar do navio que afunda e mandam mensagens para as suas bases. Ainda mais em ano de eleição municipal, quando se formam as alianças e apoios para a renovação dos mandatos federais.

É tempo de complexidades. Nada é simples. Qualquer que seja o resultado da votação de hoje, o preço que o país pagará será alto. Se a presidente vencer, ela terá perdido a capacidade de governar; se o processo for adiante, serão meses de sofrimento em que a família brasileira permanecerá dolorosamente fraturada.


Política faliu mais que economia - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 17/04

É mais fácil estimar o que será da economia daqui até a eleição de 2018 do que pensar o futuro próximo da política e do "sistema partidário", essa barafunda gelatinosa mutante e despedaçada que há no Congresso.

PSDB e PT lideraram os anos politicamente mais estáveis da República, 1994-2012. Representavam projetos claros de mudança. Tinham âncoras sociais consideráveis.

Estabilidade não há desde 2013. PT e PSDB estão quase aos pedaços, literalmente. Perderam articulações sociais, entre outros desgastes graves. O resto dos partidos é ainda pior ou nanico.

O PSDB se reduziu a um triunvirato de candidatos hiperindividualistas a presidente com um departamento de bons economistas liberais. O ex-clube de elites econômicas mais esclarecidas racha em três partes carcomidas, uma delas um grupo de direita retrógrada.

Há rumores de que o PT pode rachar com uma debandada de parlamentares. Movimentos sociais ligados ao petismo, históricos ou novos, devaneiam com outras paragens políticas. A grande cola do PT é Lula.

Os dois partidos perderam peso no Congresso, dada a fragmentação crescente desde 1998. Aliás, a fragmentação cresceu tanto de 2010 para 2014 quanto de 1998 a 2010.

Além de Dilma Rousseff, algo mais grave aconteceu ou se revelou entre 2010 e 2014. Houve o Junho de 2013. Renasceu a polarização "ideológica" odienta, que amainava desde meados dos 1990.

Apodreceu o sistema de relações entre governo e Congresso. Regras eleitorais, entre outras, reforçaram incentivos para a fragmentação partidária, nome bonito para a formação de grupos que vão de tropas de barganha a bandos de extorsão.

Sim, a coisa vinha de longe. FHC formou a maioria mais sólida do período, mas adquiria apoio com ministérios (preservando os essenciais) e com emendas parlamentares; houve a compra de votos da emenda da reeleição.

Lula, mais minoritário e de início avesso ao PMDB, pagou mais caro. Inflou o número de ministérios (em 60%) para acomodar a barganha e facções petistas irritadas com a "virada à direita" de 2002. Teve mensalão e petrolão.

Nos anos da estabilidade, 1994-2012, politólogos dedicaram-se a um debate de tamanho bíblico sobre a governabilidade. Parecia prevalecer a ideia de que um sistema presidencialista com "n" partidos, o brasileiro, era "governável". Isto é, os poderes do presidente e de uma cúpula centralizada no Congresso eram capazes de organizar maiorias estáveis de partidos que votavam de modo relativamente previsível, "fiel", produzindo a legislação de interesse, em vez de impasses e tumultos.

Pois então. Algo deu errado (já dava, mas não cabe aqui).

Não se prestou atenção nas relações dos partidos com a sociedade nem a contextos sociais e econômicos que produziram essa governabilidade.

Não se atentou para a qualidade desse processo. À corrupção progressiva (escassa prestação de contas). À substância dos partidos (propõem o quê? para quem?). Ao caos do troca-troca partidário. Ao resultado da "governabilidade", às políticas aprovadas: Dilma Rousseff produziu desastre com anuência ou conivência parlamentar e social.

É uma descrição parcial do problema. Mas talvez a política esteja mais quebrada do que a economia.

Jogo de profissional - DORA KRAMER

ESTADÃO - 17/04

A história é professora. Há 30 anos, quando Tancredo Neves vislumbrou a possibilidade concreta de se eleger pelo Colégio Eleitoral e com isso dar fim ao regime militar pela via da legalidade, o então candidato da oposição declarou: “O jogo agora é para profissionais.”.

Paulo Maluf, em tese um bamba na matéria, imbatível na arte de cooptar adeptos a título de quaisquer métodos _ notadamente aqueles materialmente objetivos _ perdeu de lavada a eleição no colégio eleitoral de 1985. Não propriamente por falha na metodologia, mas por ausência da percepção do momento.

Tancredo não era um esquerdista, um radical, muito menos um revolucionário. Ministro de Getúlio Vargas, primeiro ministro da tentativa parlamentarista de João Goulart, deputado eleito de 1958 a 1956, primeiro-ministro no breve período do parlamentarismo brasileiro entre setembro de 1961 e julho de 1962.

Escolhido governador de Minas Gerais na primeira eleição direta pós-ditadura, em 1982, renunciou dois anos depois para se jogar naquela que parecia uma aventura de recuperar a esperança nacional na volta da democracia, golpeada pela queda da emenda Dante de Oliveira que, não por falta de votos, mas por ausência de quorum no Congresso em 25 de abril de 1984. Isso a despeito das pesquisas indicarem apoio de 84% da população às Diretas-Já.

Ato contínuo, a oposição, na voz do então governador de São Paulo Franco Montoro deu a palavra de ordem: “Não vamos nos dispersar”. Um chamamento à continuidade da luta. No caso, em prol da retomada da democracia. Sem invocação à violência nem convocação às ruas.

Apenas o reconhecimento da responsabilidade das forças políticas na reconstrução do que havia sido destruído pelo esforço do poder autoritário. Pela via do arbítrio ou por intermédio da propaganda enganosa. Cumpre lembrar que a maioria da população brasileira já havia saudado o governo dos militares por ocasião de período bem sucedido na economia. De onde se vê que, pelo bolso, é fácil tergiversar e iludir.

Findo esse período negro, estabelecido que o valor da liberdade e do exercício da política como fator essencial para o avanço da sociedade, o País aderiu à possibilidade de sair das trevas e retomar o caminho da luz, expresso na retomada total da democracia.

Pelo visto recuperamos o estado de direito, mas não soubemos dar a ele o uso mais eficaz. Em princípio, é verdade. Olhando melhor pode ser que não seja esse o problema, partindo da premissa de Tancredo Neves de que o jogo da democracia, sobretudo quanto complicado, dispensa os amadores e requer a atuação de profissionais.

Justamente o que ocorre com o atual governo que se debate em reações erráticas frente a um adversário frio e experiente como o PMDB. O partido esperou do PT “na esquina” e, na oportunidade certa, valeu-se de seus erros. Vários e, sobretudo, primários: não levar em conta a opinião do público, apostar todas as fichas na divisão dos pemedebistas e acreditar que o velho truque de distribuir cargos seria suficiente para capturar parte da base parlamentar e, com isso, conseguir virar o jogo.

Base esta de lealdade fluida, cujos desejos, circunstâncias e apelos o PMDB conhece muito melhor que o PT, um amador na matéria. Jogador de competência que só se expressa quando as condições são completamente favoráveis. Na adversidade, não conseguem atuar de modo estrategicamente eficaz e a fábula da celebrada habilidade política cai por terra.

Isso ocorre porque os petistas são profissionais da agitação propagandística, mas completamente amadores da arte de fazer política. Tarefa em que o PMBD em geral, Michel Temer em particular, cursou especialização, pós-graduação, mestrado e doutorado até a conquista do posto de catedráticos.


Os dois lados da história - ANA DUBEUX

CORREIO BRAZILIENSE - 17/04

Somos acostumados, desde a mais tenra idade, à ideia de divisão. Norte e Sul, certo e errado, pobre e rico, branco e preto, verdade e mentira. Na política, esquerda e direita; governo e oposição. Em algum momento, acabamos por nos enquadrar num canto ou noutro; nos identificar com um ou outro viés e nos acolchoar naquele grupo que nos mantém aquecido e confortável neste mundo cruel e conflitante. Nos últimos tempos, não há ninho que nos devolva o sentimento de total adequação. São muitas as contradições a vencer antes de escolher lados. E ainda que se escolha, as inquietações persistem.

Hoje, por exemplo, quando a Esplanada dos Ministérios for tomada aos milhares por espectadores da votação do processo de impeachment, na Câmara dos Deputados, da presidente Dilma, será preciso escolher um lado, ainda que as posições sejam fluidas, tendo vírgulas e senões por toda parte. Toda a subjetividade a que temos direito foi surrupiada pela intolerância, que não deixa alternativa a não ser separar em dois lados, por um alambrado gigante, os manifestantes brasileiros. De um lado, os contrários ao impeachment; de outro, os favoráveis. Simples assim.

Na verdade, nem tanto assim. O muro da discórdia virou por si só um símbolo. Ainda que provisório, é incômodo, menos ao patrimônio, que nos é tão caro; mais à verve democrática, que prega o respeito ao contraditório sempre - o que, convenhamos, não tem existido, nem mesmo entre famílias, tampouco no ambiente virtual. Dificilmente saberemos se a decisão de instalar as cercas foi ou não acertada. Afinal, elas já estão lá. Se a paz prevalecer, terá cumprindo a função, que foi garantir a segurança de todos. Se der confusão, também não saberemos como teria sido sem as grades, pior, talvez.

A decisão de impor o muro ao cartão-postal foi, no mínimo, corajosa, pois colocou o governador Rodrigo Rollemberg na desconfortável posição de ter erguido um monumento à intolerância - ainda que justificável como estratégia de segurança. Também levantou uma discussão sobre a violência dos protestos e levou a manifestações sobre o desejo de paz, com bem-humoradas fotos, charges e memes, que ressignificaram as cercas. Já ficou para a história. Um triste retrato da Esplanada. O muro, que roubou o centro das atenções por uns dias, é uma discussão simbólica, mas no fundo é secundária. Diante da magnitude e da complexidade do momento político brasileiro, diria que beira a desimportância. Independentemente de que lado estamos ou estaremos, será preciso escolher um caminho que todos possam trilhar juntos. A votação de hoje, qualquer que seja o resultado, está longe de encerrar um processo doloroso que nos arrasta há dois anos.

Tirando ou não a presidente, os problemas estão longe de acabar. Também espero que a Lava-Jato não esteja com os dias contados, como o juiz Sérgio Moro insinuou. Que ela dure o tempo necessário para que não sobre um único político corrupto fora da cadeia. Se tudo o que estamos vivendo, incluindo todo o processo para tirar do poder uma presidente eleita de forma legítima, não servir para mudar de uma vez por todas os rumos da política brasileira, toda a luta e o esforço pela democracia brasileira terão sido em vão.

Um dia decisivo - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 17/04

A Câmara dos Deputados reúne-se hoje para decidir sobre a admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. É oportuno reiterar, nesta oportunidade, os termos da nota publicada neste espaço na quinta-feira, 7 de abril, sob o título Impeachment é o melhor caminho: “Este governo, inviabilizado por uma presidente da República inábil e inepta, se deslegitimou de facto por decisão da maioria absoluta dos brasileiros e precisa ser afastado o mais rapidamente possível para permitir que se dê início à reconstrução nacional”. Esta é a dura realidade dos fatos e o País espera que seus representantes não a percam de vista no momento em que, diante dos olhos daqueles aos quais devem seus mandatos, se dirigirem ao microfone do plenário da Câmara para declarar “sim” ou “não” à admissibilidade do processo de impeachment.

A deposição de uma chefe de Estado eleita pelo voto popular é certamente uma medida traumática que, se não fosse conduzida dentro dos limites estritamente constitucionais, constituiria grave ofensa – “golpe”, como preferem os petistas – aos fundamentos institucionais do País. Mas a democracia brasileira, embora jovem e carecendo de aprimoramentos, tem sabido reagir adequadamente às crises surgidas nos últimos trinta e tantos anos. O processo de impeachment de Dilma Rousseff não fugiu à regra.

Existem fundamentos jurídicos em abundância para respaldar o pedido de impeachment. A eles se soma a avassaladora razão de natureza política que se traduz, em resumo, pela traição aos reais interesses do País, patente a partir do momento em que o governo petista escancarou a opção por seu projeto de perpetuação no poder com a prática de um populismo irresponsável que mergulhou o Brasil na mais grave crise moral e econômica do último quarto de século.

Dilma deverá ter seu mandato cassado não apenas pelas “pedaladas” que efetivamente praticou, desrespeitando normas fiscais, ou por ter criminosamente autorizado despesas públicas à revelia do Parlamento. Dilma também será apeada do poder porque a esmagadora maioria dos brasileiros está revoltada com a corrupção endêmica na gestão da coisa pública, estimulada por um ex-presidente que se apresenta como defensor dos fracos e oprimidos enquanto confraterniza com empresários poderosos e corruptos; com as deslavadas mentiras eleitorais de 2014; com a arrogante e desastrada tentativa de impor, na marra, a hegemonia do lulopetismo ao Parlamento logo no início do segundo mandato; com a exacerbação do nefasto toma lá dá cá que transformou a Esplanada dos Ministérios num balcão de compra e venda de diplomas de representação popular.

Dilma deverá ser afastada da Presidência da República porque sua gerência arrogante e inepta resultou na inflação que corrói os rendimentos da população de baixa renda e na recessão que rouba os empregos, igualmente, de chefes de família e de jovens. A perversa combinação de inflação e recessão resultou na absoluta falta de confiança no governo central por parte dos agentes econômicos, sem cujo concurso é simplesmente impossível promover o crescimento econômico e a criação de riquezas que beneficiem o conjunto da sociedade.

A vitória do “sim” ao impeachment na votação de hoje na Câmara, sugerida pela debandada dos antigos apoiadores da presidente que se seguiu à aprovação do relatório da Comissão Especial, será apenas mais um passo no processo de afastamento definitivo de Dilma. A partir daí, a responsabilidade será do Senado Federal, onde já se prevê que a votação, por maioria simples, da admissibilidade do impeachment será realizada dentro de pouco mais de um mês. Começará, então, a contar o prazo de até 180 dias, durante o qual Dilma ficará afastada da Presidência, para a decisão final do Senado.

Todo esse rito deverá ser conduzido com serenidade de espírito e rigoroso respeito à Constituição e às leis do País. E o resultado deverá ser acatado por todos os brasileiros, independentemente de simpatias e ideologias. Pois, após passar pelas incertezas dos últimos meses, a Nação precisa se reagrupar para superar a crise. Esse é um dever patriótico ao qual nenhum cidadão poderá faltar.

Não vai mesmo ter golpe - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 17/04

Importante é que, seja ou não aprovada a admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma, tudo transcorre sem quebra da ordem institucional

Depois de 24 anos, o país volta a se encontrar, pela segunda vez na História, com a situação limite do impeachment de um presidente da República. No caso de Fernando Collor, em 1992, estava em questão a honradez, o decoro do cargo manchado pela corrupção; com Dilma Rousseff, um crime tipificado de responsabilidade, devido ao notório desprezo da presidente pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) — registrado por analistas, denunciado pela imprensa profissional pelo menos desde 2013 —, reforçado pela realização de despesas sem a aprovação do Congresso, um ato monárquico. Não se trata de “questão contábil”, como procura minimizar o advogado-geral da União, ministro José Eduardo Cardozo, defensor de Dilma no Congresso e perante o Supremo Tribunal Federal.

Entre os dois casos, há uma importante diferença: Collor, um desconhecido do eleitorado, governador de Alagoas, favorecido por um desses momentos perigosos em que a degradação da imagem da política dá chances a oportunistas que se transvestem em “salvadores” do Brasil, não contava com o suporte de qualquer partido forte. Teve de se abrigar no nanico PRN, para registrar a candidatura.

Já Dilma, brizolista, depois filiada ao PT, criatura de Lula, tem o apoio do bloco de esquerda, minoritário entre os eleitores, porém organizado. Durante os 13 anos no Planalto, ainda soube cooptar movimentos ditos sociais e organizações em geral, entre as quais se destacam sindicatos, com benevolente distribuição de dinheiro do Tesouro.

Além disso, o PT foi beneficiado pela decisão do primeiro governo Lula de manter as bases de uma política econômica sensata, ajudada pela sorte de haver um ciclo importante de alta de cotações de commodities. O governo aproveitou e expandiu programas sociais herdados dos tucanos, e assim Lula turbinou a popularidade. Já Collor não tinha esse apoio, nem contou com a sorte de um ciclo mundial de crescimento.

Pesquisa mostra que 61% dos brasileiros querem o impeachment, mas os 33% do lado contrário, segundo o Datafolha, contam com máquinas — nos aparelhos encravados em segmentos da burocracia pública, em sindicatos e em movimentos ditos sociais cevados com dinheiro público. Não deverá ser uma tramitação tranquila a do impeachment, em todas as etapas. Se aprovado hoje.

O ponto comum entre os processos de Collor e Dilma são as instituições republicanas. Ministério Público, Polícia Federal, Judiciário e Legislativo deram, no escândalo de Collor, o primeiro exemplo de atuação, desde a redemocratização, à margem de pressões de poderosos. E dariam demonstração mais forte ainda nestes 13 anos de PT e Lula em Brasília.

Primeiro, no mensalão, e, desde 2014, com a Lava-Jato, no petrolão. Houve incontestável assalto ao dinheiro público por meio do controle de estatais (Banco do Brasil, Petrobras, Eletrobras etc.). Chegando ao ápice no petrolão, escândalo de corrupção dos maiores do planeta.

O mesmo instrumento institucional mobilizado contra Collor, este visto como das “elites”, tem sido acionado pelo Estado, também sem qualquer deslize inconstitucional, desta vez contra Dilma e companheiros, Lula incluso, num governo “popular”. As instituições precisam ser impessoais, e têm sido.

Assim como não houve golpe contra Collor, não há também contra Dilma, seja a admissibilidade do pedido de julgamento do seu impeachment aprovada hoje ou não. Não importa o resultado da votação, a democracia representativa brasileira sairá mais forte.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

DILMA FORA, MINISTROS CAIRÃO NAS MÃOS DE MORO

Várias autoridades do governo Lula estão insones porque a destituição da presidente Dilma Rousseff ocasionará perda dos seus cargos e, principalmente, de prerrogativas preciosas. Sem foro privilegiado, Lula e os ministros Jaques Wagner, Aloizio Mercadante e Edinho Silva, citados em delações premiadas da Operação Lava Jato, ficarão sujeitos ao juiz federal Sergio Moro, implacável contra a corrupção.

LULA, O INIMPUTÁVEL
Dilma decidiu nomear Lula ministro, conforme denunciou a Procuradoria Geral da República, para livrá-lo do juiz Sergio Moro.

OLHO DA RUA
O que tira o sono desses ministros enrolados é a certeza de que serão demitidos, caso Michel Temer assuma o lugar de Dilma.

NO LIMBO
Sendo afastada do cargo, Dilma terá de coçar o bolso para pagar sua própria defesa. A Advocacia-Geral da União deve defender a União.

MEDO DE CADEIA
Apesar de receber metade do salário se for mesmo afastada, Dilma poderá usar uma residência oficial do Alvorada ou da Granja do Torto.

LULA FEZ VISITA A CRIMINALISTA ÀS 6H DA MANHÃ
O ex-presidente Lula manteve reunião secreta com José Gerardo Grossi, ex-ministro de Tribunal Superior Eleitoral e um dos mais requisitados criminalistas de Brasília. O caráter sigiloso e urgente do encontro pode ser avaliado pela hora que Lula chegou ao escritório do advogado, no Lago Sul, em Brasília: antes das 6h da manhã. Os escritórios de Lula e de Grossi não informaram o motivo da reunião.

FORA DA LISTA
José Gerardo Grossi não consta da lista de advogados oficialmente contratados para promover a defesa de Lula, na Lava Jato.

MÃO AMIGA
Grossi ajudou José Dirceu quando o ex-ministro de Lula precisava de carteira assinada para se habilitar ao regime semiaberto, na Papuda.

EX-PRESIDENTE INVESTIGADO
Lula é investigado por corrupção na Lava Jato, até foi conduzido para depor pela PF sob vara, e seu filho Luiz Claudio é alvo da Zelotes.

O BRASIL REAL QUEBROU
Enquanto Dilma paralisa seu governo há semanas, para tentar escapar do impeachment, comerciantes decidem fechar lojas aos domingos, inclusive nos shoppings, em razão da crise e dos custos insuportáveis.

QUEIMA DE ESTOQUE
A oposição está de olho na “queima de estoque” de cargos, em curso no governo, para tentar barrar o impeachment de Dilma. Há suspeitas de que, além de cargos, governistas têm oferecido malas de dinheiro.

AMEAÇA VELADA
Em conversas reservadas, Lula diz estar “preocupado” com a reação de sindicatos e movimentos sociais, que a rigor ele controla, no caso de impeachment de Dilma. Mas foi ele quem convocou seguranças para “bater em coxinhas”, na rua onde mora, em São Bernardo.

TUDO POR DINHEIRO
Deputados aliados do governo estão aproveitando o momento de fragilidade de Dilma para empenhar emendas parlamentares, mas se comprometem com a oposição a votar pelo impeachment.

MORTADELAS ILEGAIS
O governo Dilma e o PT ignoraram a Lei 6.815, que proíbe estrangeiros participando de protestos políticos em território nacional. Governos da Bolívia, Venezuela e outros, mandaram manifestantes “mortadelas”, para fazer número nas manifestações deste domingo, em Brasília.

DIAS MELHORES
Pré-candidato a presidente pelo Partido Verde, em 2018, o senador Alvaro Dias (PR) já tem slogan, aliás, muito pouco criativo: “Dias melhores virão”. Sua turma de criação precisa se esforçar mais.

CENOURA ALICIANTE
O deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) protagonizou um vexame. Aceitou a cenoura que o governo acenou e indicou um aliado para ser ministro da Integração. Ficou menos de 24 horas no cargo.

#FORADILMA
Contra o discurso do governo de que impeachment é golpe, o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) garante que não trabalha para Temer ser presidente: “Estou trabalhando pelo impedimento de Dilma”, diz.

PENSANDO BEM…
…tudo começou com 20 centavos, quando o povo foi às ruas, em junho de 2013, sem ainda saber das “pedaladas” bilionárias de Dilma.

sábado, abril 16, 2016

O dia D - SACHA CALMON

ESTADO DE MINAS - 16/04

O Brasil viveu uma semana decisiva de sua história. O que for decidido determinará o futuro da nação para as próximas gerações. Muitos acham pouco tirar do poder o PT, Dilma e Lula. Querem mais: mil reformas, fim de todos os partidos, a prisão em massa de todos os políticos e eleições gerais. A tanto chegaram pelo desencanto com os 13 anos de poder do "lulopetismo" e suas alianças.

É de se perguntar se toda essa gente está unida e com programas coerentes de governo. Se os seus respectivos partidos estão formados. Uma coisa é a revolta justa e difusa de parte do nosso povo e, outra, bem diversa, um projeto organizado de nação. Foi por não tê-lo, alegando o contrário, que Lula, com a sua ignorância, lábia, má-fé e falta de caráter, enganou muita gente o tempo todo. Não fez as reformas estruturais e nos trouxe ao desastre ético e econômico atual, dividindo o país. E já se prepara para fazer uma oposição ferrenha ao futuro governo, brandindo a tese de que seu partido teria sido vítima de um golpe de Estado antidemocrático, "esquecido" de que patrocinou oito pedidos semelhantes contra FHC.

O primeiro requisito das mudanças radicais em nosso país passa pelo respeito à Constituição, sem delírios, utopias, casuísmos, conjecturas sem lastro legal e na realidade. Cada coisa a seu tempo e cada dia com a sua agonia.

Existem três caminhos postos: o impeachment (assume o vice, a pôr em prática um governo de transição na tentativa de evitar o desastre econômico e social em curso); a renúncia da presidente, ao que parece, descartada; e o remoto julgamento da chapa Dilma-Temer pelo TSE, com a convocação de eleições em 90 dias. Cada dia perdido, porém, são mais desempregados no mercado, fechamento de estabelecimentos, aumento do déficit na contas do governo e agravamento da recessão. Cálculos realistas nos dão conta de um déficit de R$ 300 bilhões em 2016 (ao revés de R$ 130 bilhões) caso Dilma continue no poder; e uma recessão de 4% na economia. Em qualquer circunstancia, em 2017, se houver crescimento, não será mais do que 0,2%.

Enquanto isso, temos que seguir o calendário eleitoral: as eleições municipais deste ano e gerais em 2018, reorganização das forças políticas de acordo com as correntes de pensamento exibidas pela sociedade durante a crise e depois dela.

Na hipótese de não haver impeachment será o caos. Havendo - enquanto o país discutirá as muitas reformas necessárias e configuradoras de uma nação democrática e economicamente viável, a ser decidida em 2018 -, a tarefa mais urgente é a econômica. A simples notícia de êxito no impeachment faz a bolsa subir, o dólar e o euro caírem e aumenta o afluxo de capitais externos, além das consultas para aquisição de empresas no Brasil. O mundo aguarda o fim do populismo no Brasil.

As reformas da Previdência, trabalhista e tributária (simplificadora) precisam ser encaminhadas. É preciso cortar gastos, diminuir o Estado e impulsionar as concessões de ferrovias, portos, aeroportos, estradas, saneamento, linhas de transmissão, além do plano nacional de desestatização e eliminação da burocracia. Se o governo não tem como investir, que se chame o setor privado. Ao governo cabe parar de gastar mais do que arrecada e fazer o ajuste fiscal, com sangue, suor e lágrimas. Acredito que os brasileiros deviam dar um voto de confiança ao vice-presidente - que bem pode surpreender nossa sociedade descrente e desorientada.

Não podemos inventar saídas, nem teses, nem soluções não previstas na Constituição nem rejeitar tampouco as saídas nela radicadas para a resolução dos conflitos políticos que venham a ocorrer na República, mormente envolvendo o processo de impedimento do presidente da República.

Por último, uma advertência. O PT, na linha dos partidos sectários vermelhos, durante e depois do processo de impeachment, bem-sucedido, desencadeará ações legais e ilegais para enevoar o ambiente político e mobilizar suas quintas-colunas, como o MST e quejandos, como sempre fez, enquanto foi oposição. Não aprovou nem a Constituição de 1988, nem o Plano Real, para se ter uma ideia de sua indecorosa atuação no passado.

Cabe relembrar Ulysses Guimarães: "A democracia é o regime em que os governados mudam os governantes e, sem violência, fazem mudanças com ou mesmo contra a vontade dos governantes".

Advogado, coordenador da especialização em direito tributário das faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ

Que seja apenas o começo - PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA

CORREIO BRAZILIENSE - 16/04
O PT colhe hoje o que plantou. Quando oposição, o partido se insurgia contra a corrupção, contra acordos com a direita e a elite financeira e prometia ética na política. Ao deixar a planície e se instalar no Planalto, sofreu metamorfose estupenda. Logo no primeiro governo Lula, o mensalão escandalizou o Brasil. Até hoje, cenas de Jefferson denunciando a maracutaia - "Sai daí, Zé!" - estão frescas na memória dos brasileiros que acompanharam o desenrolar do escândalo. À época, em pronunciamento, Lula se disse traído e afirmou que o PT devia desculpas à nação.

Até hoje, o país aguarda o mea-culpa petista. Em vez disso, o que todos viram e veem é que, na prática, os condenados do mensalão foram saudados pelos bons companheiros como "guerreiros do povo brasileiro". Além disso, o partido aprofundou a guinada à direita, aliando-se a todos que acusava de corruptos e culpava pelo atraso do país. Nessa lista, encabeçada pela elite financeira, estão banqueiros, empreiteiros, Collor, Maluf, Sarney, Renan, Jucá, Jader Barbalho, Temer, Cunha e toda a banda podre do PMDB, sem exceção.

Veio, então, a descoberta do bilionário esquema de desvio de dinheiro da Petrobras e de outras estatais, de venda de medidas provisórias, de Belo Monte, de obras da Copa, da transposição do São Francisco etc., evidenciando que o assalto aos cofres públicos deixou de ser mero ponto fora da curva. Tornou-se método. Investigações apontam que a ladroagem, além de servir para enriquecimento pessoal, passou a financiar a perpetuação do partido no poder.

Tradução: quem votou no PT esperando ética na política acabou vítima de estelionato eleitoral. Falando em português claro: acabou vítima de um golpe. Mas, numa total inversão de valores, quem anda sendo chamado de golpista pelo PT são os cidadãos a favor do impeachment de Dilma. Não cola. O Brasil que exige o impedimento dela tampouco avaliza Temer ou Cunha. Sabe que são apenas sócios que brigaram e agora estão em lados opostos. O sujo e o mal lavado. Quer uma prova? Veja: pesquisa Datafolha apontou que 58% da população é igualmente a favor do afastamento de Temer. E que 80% defendem a cassação de Cunha. Ou seja: se depender dos brasileiros, a lista dos políticos a serem defenestrados é longa. Dilma figura apenas como a primeira da fila.

Entre Dilma e a lógica - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 16/04

SÃO PAULO - Como pensamos? Um modelo popular entre neurocientistas é o das redes neurais. Neurônios que disparam juntos formam uma conexão que se liga a outros neurônios e conexões, formando redes que podem ser ativadas por contiguidade. Se eu gosto de uma pessoa ou de uma ideia, elas integrarão um circuito em meu cérebro que, quando disparado, produzirá sentimentos positivos e inibirá o acionamento de redes concorrentes.

Isso explica por que o militante tem dificuldade em dissociar fatos de sentimentos. Numa ilustração do fenômeno, muitos comunistas se recusaram a acreditar nos crimes de Stálin, mesmo quando denunciados "de dentro" por Khrushchov. Entre uma verdade dolorosa e o investimento emocional e social que haviam feito na ideia de uma sociedade mais justa, ficaram com o segundo.

Algo parecido acontece com o impeachment. Simpatizantes do PT não conseguem ver as acusações contra Dilma como graves o bastante ou suficientemente provadas para justificar o afastamento. É uma posição compreensível do ponto de vista psicológico. Eu diria até legítima. O problema é que é difícil conciliá-la com a atitude que esses mesmos militantes adotaram em situações análogas.

Tomemos o caso Collor. Seu impeachment teve o apoio maciço da esquerda, que não parecia muito preocupada com os aspectos jurídicos do processo. Quando o caso foi avaliado de forma mais técnica pelo STF, o ex-mandatário foi absolvido por insuficiência de provas. Ora, se a lógica formalista que o PT defende hoje é a correta, então o partido participou em 1992 de um golpe contra um governo legitimamente eleito.

Se, como sustento, o impeachment é essencialmente um processo político, então o PT não precisa desculpar-se pelo que fez em 92 e, de novo, em 93 e 99, quando integrantes do partido pediram o impeachment de Itamar Franco e FHC. Entre Dilma e a lógica, fico com a lógica.

Fim de caso - IGOR GIELOW

Folha de SP - 16/04
É improvável, mas Dilma Rousseff pode até sobreviver ao voto deste domingo (17) na Câmara. Ninguém, contudo, crê na subsistência de seu ex-governo.

Lula anunciou que assumiria na prática em caso de vitória, enquanto a presidente fugia de um estapafúrdio pronunciamento de TV e bolava a próxima judicialização do inevitável. Na prática, já vivemos o pós-Dilma.

Há muita gente com boas intenções que denega as pedaladas como motivo de impedimento. Fosse o processo de degola um juízo penal, a dosimetria da pena talvez não entregasse a cabeça da soberana; as mãos bastariam, digamos.

Mas impeachment é julgamento político embasado por uma lei segundo a qual quase qualquer coisa é motivo de deposição; essas são as regras hoje. Dilma só chegou onde está por encabeçar um governo nulo e uma recessão. Fim de caso.

Outro ponto dos adversários do impeachment é o ético. Argumenta-se que Eduardo Cunha é o anticristo, que as hienas famintas do PMDB e dos PPs da vida irão refestelar-se e que a Lava Jato morrerá.

O mérito sobre os atores está correto, isso é óbvio. Mas era diferente com o PT e esses mesmíssimos aliados? Mensalão e petrolão, sofisticações agigantadas de esquemas atávicos de corrupção, são invenções exógenas? A lógica do "todos são iguais" legitima Dilma na cadeira?

Mais: a Lava Jato já está sob ameaça, e pelo governo, mas sobrevive e trabalha numa rodada fatal de delações. É um trem sem freios que Temer não teria como parar, se quisesse, isso se não acabar atropelado por ele.

Se assumir, o vice terá de usar a janela que ele mesmo citou, de três ou quatro meses, para viabilizar-se. Como isso implica melhoria de expectativas econômicas, ajuste, manutenção de apoio entre carniceiros, acenos ao social, liberdade para a Lava Jato e suportar Lula e o PT, falamos de um cenário quase intangível.
Ruim, sim. A alternativa é melhor?

O bom senso interrompido - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 16/04

O Supremo Tribunal Federal (STF) é a instância máxima do Judiciário, mas, malgrado seu nome, não é o poder supremo do País, acima dos demais. Por essa razão – e não é preciso ser constitucionalista para saber disso –, o Supremo não pode discutir decisões soberanas do Legislativo, como o impeachment de um presidente, se estas forem adotadas segundo o mandamento constitucional. Mas não é bem isso o que pensam alguns dos ministros do STF.

Mesmo depois que a Corte concluiu, na sessão extraordinária de quinta-feira, que o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff caminha totalmente dentro da legalidade, descartando-se de vez a tese petista do “golpe”, o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, informou ao País que, sim, Dilma poderá recorrer àquele tribunal caso queira refutar a decisão do Congresso de destituí-la.

“Não fechamos a porta para uma eventual contestação no que diz respeito à tipificação dos atos imputados à senhora presidente no momento adequado”, afirmou Lewandowski, ao final de mais de sete horas de sessão, durante as quais os ministros do STF decidiram manter o rito de votação do impeachment estabelecido pela Câmara e também descartaram ter havido cerceamento da defesa, como alegavam os defensores de Dilma.

Ou seja, no mesmo dia em que o Supremo atestou a lisura e a constitucionalidade de todos os procedimentos relativos ao processo de impeachment até aqui, recusando-se a dar guarida às chicanas do advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, e de parlamentares governistas, o presidente escancarou as portas da Corte para quem quiser usar as faculdades do Judiciário para questionar, tumultuando o País, a decisão do Congresso.

Tal admissão torna-se ainda mais patética quando se observa que o julgamento de Dilma no Senado será presidido pelo próprio Lewandowski, conforme manda o rito constitucional. Ou seja: o ministro considera que mesmo uma decisão do Congresso da qual ele pessoalmente tomará parte pode vir a ser alterada no Supremo. Trata-se de evidente despautério, que reforça, por meio de um falso formalismo, uma tradição de insegurança jurídica que tanto mal causa ao País.

Até aqui, o Supremo vinha se deixando enredar pelo ativismo de alguns de seus ministros, cujas decisões mais confundiam que esclareciam. Anteontem, a Corte resolveu que, nesta hora tão dramática, era fundamental realizar uma sessão plenária para dar caráter institucional e terminativo à sua decisão. O resultado, até a infeliz intervenção do presidente Lewandowski, incentivado pela dissidência do sempre discordante Marco Aurélio Mello, foi o bom senso.

Em primeiro lugar, o Supremo entendeu que não lhe cabe decidir sobre o regimento de outros Poderes. Depois, demonstrou que não procedia a reclamação de cerceamento do direito de defesa de Dilma, porque o processo de impeachment ainda está na fase de admissibilidade.

É claro que não se chegou a esses resultados sem percalços. Dois dos ministros – o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, e Marco Aurélio Mello – tudo fizeram para embaraçar a Corte. Marco Aurélio, por exemplo, sustentou que houve, sim, cerceamento do direito de defesa de Dilma. Foi também de sua lavra o argumento de que a ordem de votação do impeachment poderia desvirtuar a neutralidade do julgamento. Em resposta, teve de ouvir do ministro Gilmar Mendes o óbvio: que não se pode esperar neutralidade dos deputados, partidários por definição, e que cabia ao Supremo apenas observar se estava sendo respeitado o devido processo legal – e, sobre isso, não há até aqui nenhuma dúvida.

Coube a Lewandowski, porém, a mais preocupante intervenção. Ao mandar constar da ata a possibilidade de “reexame” da tipificação dos atos imputados a Dilma, o presidente do Supremo abriu caminho para que eventualmente se tumultue o processo de cassação, permitindo que se questione decisão soberana do Congresso.

A judicialização da crise política é um estímulo para que Dilma e os petistas coloquem em execução o único recurso que lhes resta numa disputa perdida: a procrastinação ad infinitum do processo. Essa ignomínia submeteria a Nação a uma angústia e a sofrimentos que acabariam por solapar os fundamentos sobre os quais repousa uma democracia.

Em defesa do Estado - DORA KRAMER

ESTADÃO - 16/04

De alguns dias para cá entrou no radar da oposição a hipótese de a presidente Dilma Rousseff e seus conselheiros avaliarem a decretação de Estado de Defesa no País se o resultado de amanhã na Câmara for pelo impeachment e isso provocar graves conflitos de rua. A alegação, ameaça à ordem pública, à paz social ou à estabilidade institucional.

O tema foi posto na mesa do presidente do Senado, Renan Calheiros, por um grupo de parlamentares que se reuniu com ele na última quarta-feira. O encontro teve dois momentos: um ampliado, quando se tratou do rito na Casa caso o processo venha a ser aberto; no outro, mais reservado e com compromisso de sigilo, a preocupação foi transmitida a Calheiros e pedido a ele que “prestasse atenção” à possibilidade.

A suspeita se baseia em alguns indícios. O mais forte deles, a informação transmitida por um ministro do Supremo Tribunal Federal com acesso à cúpula do PT. Segundo ele, a edição do decreto estaria sendo cogitada como uma maneira de fortalecer o discurso do “golpe” e estratégia de fazer da presidente e do partido vítimas políticas do processo, com o olhar já voltado para o cenário da deposição.

Outro dado que alimenta a desconfiança é o teor radical do discurso petista, de ameaça de incendiar as ruas, de inviabilizar eventual governo Michel Temer, do aviso do Planalto que não vai parar de lutar (a despeito das derrotas sofridas na Justiça), de montar um “bunker” de resistência no Palácio da Alvorada _ usando a residência presidencial como aparelho partidário. O silêncio do ex-presidente Luiz Inácio da Silva nos últimos dias é também motivo de estranheza.

Um terceiro sinal passou a ser considerado a partir de recentes impressões dos ministros relatores no STF das ações decorrentes das operações Zelotes e Lava Jato, Carmen Lúcia e Teori Zavaski, a um interlocutor da área militar, segundo as quais o Brasil “não imagina a gravidade” do que está por ser revelado. Gravidade esta que estaria relacionada às circunstâncias penais de Lula e Dilma quando da perda de foro especial de Justiça decorrente da queda do atual governo. Nessa perspectiva, a eles reataria a luta no âmbito político. Não que uma eventual decretação de Estado de Defesa proporcionasse imunidade.

O que é o Estado de Defesa? Instrumento previsto na Constituição por intermédio do qual o presidente da República busca preservar, “em locais restritos e determinados, reestabelecer a ordem pública, a paz social, a iminente instabilidade institucional ou a alcançar áreas atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”. Ato que obrigatoriamente precisa ter o aval do Congresso.

Se decretado, implica restrições de direitos de reunião, de sigilo de correspondência, de sigilo de comunicação (telegráfica e telefônica). Pela lei, o Executivo deve consultar os conselhos de Defesa e da República, ambos atualmente inativos. Ainda assim, se o ato for de mera propaganda sem a preocupação da aprovação do embasamento jurídico, Dilma pode editar o decreto e mandá-lo diretamente ao Parlamento, onde obviamente seria derrubado.

Mas reforçaria a argumentação de que o governo recorreu a todas às ferramentas legais e, ainda assim, foi “golpeado”. Objetivamente, trata-se de um esperneio. E por que não o Estado de Sítio? Porque não tem vigência imediata e depende de aprovação prévia (não referendo, como no Estado de Defesa) no Parlamento, onde a presidente não está numa situação que se possa considerar confortável.

As três fases de Lula - DEMÉTRIO MAGNOLI

Folha de SP - 16/04


Lula informa que, consumado o impeachment, "não sairá das ruas", comandando uma campanha por "Diretas Já!". Desde a inauguração do segundo mandato de Dilma, essa será a terceira fase de Lula. Tanto quanto nas duas anteriores, suas finalidades reais ocultam-se sob as motivações proclamadas.

A primeira fase, que se estendeu ao longo do ano passado, foi a da ruptura informal com o governo. Dilma 1 –de fato, o terceiro mandato de Lula– consagrou a "matriz econômica" do PT, destruindo o equilíbrio fiscal e as finanças da Petrobras e da Eletrobras. Dilma 2 tinha que consertar o estrago –ou rumar em linha reta para um "abismo argentino". O giro ortodoxo, expresso pela nomeação de Joaquim Levy, contou com o respaldo de Lula, que não divergia sobre política, mas apenas sobre nomes, preferindo Henrique Meirelles. Contudo, a ruptura nasceu ali: o capo di tutti capi seguia o impulso de se preservar das consequências do estelionato eleitoral e da política de ajuste das contas públicas.

Na saída "pela esquerda", Lula restaurou seu controle sobre a área de influência de sindicatos e "movimentos sociais", extinguindo a chama de uma oposição de esquerda ao lulopetismo. À luz do dia, o capo fustigou a casamata da Fazenda, até a queda de Levy. Na calada da noite, orientou a rebelião da bancada petista contra as medidas do ajuste fiscal. A hipótese do impedimento de Dilma foi inscrita na equação lulista como uma solução positiva da crise –desde que pudesse ser narrada como um "golpe das elites" contra o "governo popular". No fim das contas, um impeachment amparado na justificativa arcana das pedaladas fiscais transferiria para o novo governo o fardo da limpeza das estrebarias econômicas legadas por Dilma 1.

A segunda fase, que chega ao epílogo, é a da ruptura da ruptura. Do ponto de vista de Lula, o impeachment converteu-se de solução positiva em perspectiva assustadora desde que a Lava Jato avançou sobre o cipoal de suas nebulosas relações com as empreiteiras e o BNDES. A brusca correção de rota obedeceu ao impulso de buscar no Planalto um escudo de proteção contra as investigações judiciais. Sem abdicar do ataque aos andrajos da política de ajuste fiscal, o capo reatou com Dilma, tramando sua elevação ao posto de ministro plenipotenciário do governo agonizante.

Nessa fase, a fábula do "golpe" tornou-se a ferramenta vital para a subordinação das correntes de esquerda recalcitrantes à liderança lulista. A operação ilusionista alcançou o sucesso possível, disciplinando o PSOL e o MTST, que aceitaram perfilar-se ao lado do declinante "exército de Stédile". Lula dificilmente triunfará na batalha do impeachment, mas recuperou uma hegemonia ameaçada: a melancólica esquerda brasileira reunificou-se em torno do lobista das empreiteiras.

A terceira fase inicia-se amanhã e ganha tração na hora da posse de Temer. De volta à oposição, liberto da necessidade de encenar um engajamento com a governabilidade, Lula extrairá as implicações da narrativa do "golpe", clamando pela derrubada do "governo ilegítimo". À frente do cortejo das esquerdas, empunhará a bandeira das "Diretas Já!", tomando cuidado para que sua exigência não seja vitoriosa. O capo não deseja, realmente, submeter-se ao tribunal das urnas antes de colher os frutos do desgaste de um governo de "salvação nacional" enredado na dupla teia do desastre econômico e das investigações da Lava Jato.

A razão política de Lula é ditada pelo imperativo categórico do interesse pessoal.

Na primeira fase, cortejou veladamente a hipótese de um impeachment carente de fundamento político sólido. Na segunda, combate um impeachment indispensável para preservar a autonomia do sistema de justiça. Na terceira, simulará reivindicar eleições imediatas. A democracia triunfará se o TSE entregar o que, de fato, ele não quer.

Manobras - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 16/04

O Supremo Tribunal Federal (STF), na reunião extraordinária que entrou pela madrugada de ontem, assumiu uma postura classificada pelo ministro Luis Roberto Barroso como “deferente” às decisões do Congresso, tendo negado todos os recursos apresentados pela Advocacia-Geral da União e por membros de partidos governistas.
Mas dois ministros destacaram-se na tentativa de defender teses favoráveis ao governo: o presidente do Tribunal, Ricardo Lewandowski, e Marco Aurélio Mello. A tal ponto que Leandowski induziu, já na madrugada, a inclusão na ata de uma decisão que não fora votada, já que não estava em julgamento: “O Tribunal firmou entendimento no sentido de que a autorização advinda da votação havida na comissão especial é para o prosseguimento sob o teor da denúncia, na forma recebida pelo Presidente da Câmara dos Deputados, escoimando-se, para o efeito de apreciação ulterior em plenário da Câmara dos Deputados, o que for estranho à referida denúncia recebida”.
Ao fim da sessão, mesmo o ministro Fachin deixando claro que não cabe ao Supremo analisar a tipificação das condutas imputadas à presidente Dilma “neste momento”, Lewandowski ainda chamou atenção para a possibilidade de que a Corte volte a analisar o tema no momento adequado.
"Então isso fica proclamado o resultado, com essa explicitação, de maneira que não fechamos a porta para uma eventual contestação no que diz respeito à tipificação dos atos imputados à senhora presidente no momento adequado". Essas manobras de Lewandowski dificilmente terão conseqüência, mas certamente abriram espaço para novas contestações do governo.
Se um deputado votar pelo impeachment se referindo no microfone à Operação Lava-Jato, por exemplo, poderá servir de pretexto para uma ação da AGU. Embora ontem, no julgamento, essa tese do Advogado-Geral da União José Eduardo Cardozo já tenha sido derrotada, pois os ministros consideraram que os comentários do relator além dos pontos acatados no pedido de impeachment – pedaladas fiscais e decretos sem autorização do Congresso – foram palavras “in obiter dicta”, comentários laterais para efeito de retórica.
O momento mais extravagante da sessão foi quando o ministro Marco Aurélio detectou um empate que não houvera, e pediu que o presidente Lewandowski exercesse seu direito ao “voto de qualidade”, já que havia apenas 10 ministros no plenário, pois o ministro Dias Toffoli está no exterior em missão do TSE.
As liminares em discussão foram indeferidas sob a argumentação de que a decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, determinando a alternância da chamada nominal dos deputados por bancadas de estados, começando pelo Norte, estava de acordo com o Regimento Interno da Câmara.
Mas cinco dos ministros acataram em parte, maior ou menor, detalhes da liminar, e Marco Aurélio viu aí um “empate”, cinco a favor e cinco contra a liminar. O que provocou uma reação do ministro Teori Zavascki, que ponderou: “Primeiro temos que ver se houve mesmo empate”. A seguir o ministro Celso de Mello lembrou que não há voto de minerva em mandado de segurança, pois o empate é a favor da presunção de legalidade do ato impugnado. O ministro Marco Aurélio abespinhou-se e perguntou: quando haverá o voto de minerva então?
O presidente Lewandowski declarou-se pronto a usar a prerrogativa que julgava ter, e declarou: “Tenho coragem de usá-lo”. Mas a intervenção do ministro Luis Roberto Barroso foi decisiva: “Deixa eu dizer com franqueza. Embora seja contrário o meu ponto de vista, acho que em mandado de segurança, o empate significará a preservação do ato”.
Ao que a ministra Carmem Lucia aditou: “Até pela presunção da validade dos atos administrativos”. Barroso complementou: “Acho que tecnicamente, enfim. (...) eu não quero ganhar, eu quero fazer o que é certo”.

Correção
Na coluna do dia 14 escrevi que “Lula, além disso, terá que se dividir entre Dilma e a sua própria sobrevivência nos processos a que responde”. Há nessa frase um erro factual, pois Lula não responde a nenhuma ação penal.
Os Procuradores de São Paulo denunciaram Lula no processo do triplex do Guarujá, pedindo inclusive sua prisão preventiva, mas o juiz Sérgio Moro, a quem o caso foi transferido, não se pronunciou. No momento, todos os processos relativos a Lula estão com o ministro Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal.

quarta-feira, abril 13, 2016

Os responsáveis - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 13/04

Dilma, Mantega, Barbosa e Arno: os nomes da pior crise

A economia brasileira enfrenta, no biênio 2015-2016, aquela que já é considerada a mais longa recessão de sua história. Na verdade, segundo o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da Fundação Getulio Vargas, a recessão começou no segundo trimestre de 2014, ano em que o Produto Interno Bruto (PIB) avançou 0,1%.

O PIB caminha para encolher 8% nestes dois anos. A renda per capita deve contrair 10%. E a recuperação, mesmo que o atual governo sobreviva ao impeachment e dê uma guinada ortodoxa na política econômica ou que um novo governo, com capital político, assuma e decida fazer tudo certinho, será bem lenta porque a desarrumação na área fiscal é grande. O país deve levar alguns anos para colocar a casa em ordem. A década atual está perdida.

Em 25 anos de redemocratização - 1985-2010 -, o Brasil estabilizou a política e a economia depois de passar por experimentos fracassados de controle de preços, decretar a moratória da dívida externa e tornar-se um pária no sistema de crédito internacional, confiscar os depósitos e a poupança da população, assistir à falência do Estado e conviver com inflação crônica e hiperinflação. Não resolver todos os problemas estruturais, mas criou as condições para crescer de forma mais rápida e, assim, começar a combater a pobreza e a diminuir as desigualdades sociais, chagas seculares de sua história.

Mas eis que, quando tudo parecia caminhar bem, um governo eleito democraticamente decidiu mudar o rumo das coisas, apenas porque suas convicções não estavam de acordo com uma política que, apesar de bem-sucedida, considerava "neoliberal". Em apenas quatro anos, a nova administração demoliu a solidez fiscal, âncora do razoável sucesso obtido nos 12 anos anteriores e esteio da confiança de empresários e consumidores na economia.

O Brasil não entrou em crise por causa de fatores externos. A ruína, que em grande medida explica a instabilidade política, foi produzida aqui mesmo. Os principais responsáveis por isso são os seguintes cidadãos:

1. DILMA ROUSSEFF: ainda ministra das Minas e Energia, não se conformou com as opções feitas por Lula na economia. De tanto ouvir suas críticas, o chefe lhe pediu um plano alternativo, que nunca apareceu. Em 2005, promovida à chefe da Casa Civil, rejeitou proposta da área econômica para zerar o déficit público. No segundo mandato de Lula (2007-2010), criou um programa (o PAC) para aumentar a participação do Tesouro e das estatais em investimentos públicos. Incentivou o BNDES a adotar a política de campeãs nacionais, que consistia em escolher e financiar grandes empresas, com dinheiro subsidiado, para que elas se tornassem líderes mundiais. Foi a principal artífice da mudança do regime de exploração de petróleo, de concessão para partilha; da decisão que tornou a Petrobras a operadora única do pré-sal, com presença mínima em 30% do capital dos consórcios; e da política de conteúdo nacional, medidas que, combinadas, quebraram a estatal e paralisaram o setor no país. Em seu primeiro mandato, superindexou o salário mínimo à inflação e ao PIB; suspendeu a autonomia informal do Banco Central; admitiu inflação mais alta; fez intervenção desastrada no setor energético; congelou os preços dos combustíveis e abandonou a disciplina fiscal.

2. GUIDO MANTEGA: ministro da Fazenda mais longevo da história, emitiu os primeiros sinais de mudança em junho de 2007, quando operou para Lula fixar em 4,5% a meta de inflação de 2009, relevando o fato de o IPCA do ano anterior ter ficado em 3,6%, abaixo do alvo oficial. O mercado entendeu que o processo de desinflação terminara ali e que, portanto, não haveria espaço nos anos seguintes para redução dos juros. O ministro trabalhou intensamente nos bastidores para derrubar Henrique Meirelles do comando do BC e aproveitou a crise mundial de 2008 para expandir a oferta de crédito dos bancos estatais e reduzir, na marra, os spreads bancários. No primeiro mandato de Dilma, mesmo perdendo influência para Nelson Barbosa e Arno Augustin, pôs em prática medidas que solaparam de vez a disciplina fiscal, como o fim da exigência de que Estados e municípios cumprissem a meta fiscal e a concessão de desonerações tributárias para estimular o consumo a qualquer preço. Saiu do governo apontado como principal responsável pelo fracasso, a ponto de ser vaiado em locais públicos.

3. NELSON BARBOSA: foi o principal mentor da Nova Matriz Econômica, o conjunto de medidas concebido para relativizar o tripé de política econômica (superávit primário, câmbio flutuante e metas de inflação) e criar um "novo equilíbrio" - câmbio desvalorizado e juros baixos, no lugar de câmbio apreciado e juros altos. Crítico mordaz do ajuste realizado no primeiro mandato de Lula e adversário aberto da política monetária conduzida pelo BC, tirou proveito da crise de 2008 para pôr em prática a ideia que lhe é mais cara: a de que a expansão dos gastos públicos, com a consequente redução do superávit primário, faz o setor privado investir e acelerar a taxa de crescimento. Principal assessor de Dilma, esperou Lula deixar o governo para implodir a política "neoliberal". À medida que a Nova Matriz dava errado, sugeria a diminuição do esforço fiscal. Quando o navio começou a emborcar, pulou fora, alegando divergência com o capitão, mas retornou um ano e meio depois. Como ministro do Planejamento, conspirou para tirar Joaquim Levy da Fazenda, o que acabou logrando um ano depois. Antes, entregou-lhe um corte no orçamento de R$ 69,9 bilhões para não dar R$ 70 bilhões; reduziu a meta de superávit; mandou ao Congresso proposta de orçamento deficitário - medidas que fizeram o país perder o selo de bom pagador de dívidas, obtido sete anos antes -; abriu a porteira para os Estados reduzirem o pagamento do que devem à União etc.

4. ARNO AUGUSTIN: passou despercebido no segundo mandato de Lula, mas, próximo de Dilma, assumiu enorme importância depois, ocupando o mesmo cargo (o de secretário do Tesouro). Nas reuniões com empresários e técnicos, defendeu de forma intransigente a fixação de taxas internas de retorno incompatíveis com o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. É responsabilizado pela "contabilidade criativa", manobra adotada para forjar o cumprimento da meta de superávit primário em 2012, e pelas "pedaladas fiscais", a retenção de repasses de programas federais a bancos estatais, que se viram obrigados a bancar o gasto, descumprindo a Constituição, que veda o financiamento do Tesouro pelas estatais - o objetivo foi o mesmo: mascarar o esforço fiscal.

Algo se mexe na Câmara - ROSÂNGELA BITTAR

VALOR ECONÔMICO - 13/04

Com o governo em acelerada decomposição e a ideia do impeachment avançando, seria de estranhar que o vice-presidente Michel Temer, que deve assumir as funções de presidente caso a titular seja impedida, não tivesse uma equipe forte e uma palavra já pensada para um discurso à Nação, além de um plano formulado para gerir a crise econômica, política e moral do Brasil. Como também a presidente Dilma Rousseff tem, muito mais que seu vice, um plano de medidas que acha lhe irão possibilitar a volta por cima na política, a recomposição de sua base parlamentar, as novas equipes que assumirão especialmente para compor o governo de duplo comando Dilma 2 e Lula 3, e medidas, muitas, já formuladas e prontas para adoção imediata.

É uma disputa eleitoral simples, em que um candidato precisa de 342 votos de deputados federais para ser eleito, e o outro precisa que não se chegue a esses 342 votos para ficar no cargo. Michel Temer, se foi intencional ou não o vazamento de seu rascunho de discurso caso vencesse a disputa (é difícil acreditar que um lance desses tenha saído dos ladinos do PMDB por acaso) não fez nada diferente do vice-presidente Itamar Franco, que assumiu o cargo titular com o impeachment de Fernando Collor.

A sociedade quer segurança, os apoiadores também querem, todos querem saber se haverá um líder capaz de tentar fazer algo imediatamente, e é isso que Temer tentou mostrar com suas duas cartas aos brasileiros, uma escrita e outra oral. Dilma também tem mostrado, especialmente por intermédio do ministroJaques Wagner, uma vez que ela não dá entrevista, não formula programas, não responde a denúncias e críticas, apenas não as aceita e gasta suas energias em discursos políticos vazios de ideias e cheios de slogans de palanque, que sua equipe está trabalhando em medidas caso vença a votação do domingo próximo. Seu discurso de vitória, é claro, está pronto, e os ministros têm salpicado algumas ideias sobre a peça em pronunciamentos recentes.

A diferença de Itamar Franco é que nos idos de 1992, do impeachment do Collor, a tecnologia do celular não existia, e o que o Temer gravou agora ele mandou falar com cada um. O recado era o meio. Evidentemente para dar garantias de que não faria o que a propaganda negativa dizia que ia fazer (como hoje no caso dos programas sociais) e para mostrar que tinha equipe forte e ação de governo já preparada.

Não há mistério no cenário de domingo, e as agonias do momento se devem à propaganda eleitoral negativa. Mas também definido não está.

A incerteza sobre o resultado tem muitas explicações, e uma delas é a própria composição da Câmara dos Deputados. Quem se vendeu, se é que está havendo esse tipo de barganha, já se vendeu, o comércio foi feito. Quanto à votação, várias questões podem definir seu rumo, uma delas diz respeito a uma influência que passou a ser notada esta semana: a das famílias.

Os deputados brasileiros aceitam a liderança do ex-presidente Lula e da presidente Dilma?

São cerca de 250 deputados com menos de 50 anos. Com exceção do PT e do PCdoB, cuja posição a sociedade entende, por ser óbvia, os parlamentares examinarão se vale a pena ou não seguir essas lideranças. Alguns estão em primeiro mandato, há um número grande com dois mandatos apenas, e, segundo levantamentos recentes, uma maioria com menos de 50 anos e menos de três mandatos.

Mais suscetíveis, portanto, às pressões da família, dos amigos, do público de restaurantes e da rua, com uma carreira política pela frente, do que dos esquemas das eleições municipais ou das ordens partidárias. Muito se falou que a pesquisa que coloca Lula em primeiro lugar na disputa eleitoral de 2018 sensibilizaria esses políticos pela perspectiva de continuidade de poder, mas logo se viu discussões, entre novatos, que Lula, presidente, foi colocado numa lista em confronto com candidatos sem recall de governo. Lula vai ser comparado com o quê? Se 20% dos parlamentares conhecerem o governo Juscelino, são muitos; se 10% souberem como foi o de Getúlio, são demais. É um presidente, em ação, contra uns nomes que não estão em campanha.

Lula, que não pode ser investigado por um juiz de primeira instância, negocia o apoio à presidente Dilma, que não tem compromisso com nada. Mas ambos estão no comando, e podem ficar agora e a partir de 2018.

Portanto, é uma questão de querer ou não prosseguir sob a liderança desse grupo.

Algo se mexe esta semana no sentido de abalar posições que se imaginavam conquistadas para o governo, e pode ser o casamento entre a jovialidade do grupo que vai votar o impeachment com um certo destemor de mudar os líderes do processo de recuperação da crise do país. Antecipá-la para agora, e não esperar 2018 até chegar um novo governo para mudar tudo.

A negociação do apoio a Dilma, conduzida especialmente por Lula, estava, até a semana passada, dada como eficaz. Houve uma mudança, porém, a certeza evaporou, e o comportamento do governo tem sido o de perder votos, não de ganhar.

Centrar a tese de defesa no slogan do golpe, a esta altura do processo constitucional que se desenrola com acompanhamento atento do Supremo Tribunal Federal, não tem justificativa. Menos ainda comove o discurso político que tenta atribuir o impeachment a uma vingança de Eduardo Cunha, presidente da Câmara. Se foi, ele não saiu um milímetro do rito por causa desse sentimento. Cunha pode e já foi acusado de muitos crimes, e deverá pagar por eles no momento de seu devido processo, mas nenhum relacionado à função de presidente da Câmara e à condução da denúncia do impeachment. Ele nada está fazendo, também, diferente do que fez o presidente da Câmara de 1992, Ibsen Pinheiro.

E ainda se quer fazer crer que o impeachment está muito embolado, o que não é verdade. Melhor fará o governo se correr para buscar argumentos e defesa consistentes para recuperar o prejuízo desta semana.

O impeachment está avançando apesar da propalada tese de que está tudo uma bagunça. Já se viu que essa é uma ideia da predileção de quem não quer o impeachment. Voltando à síntese: se os deputados quiserem a liderança de Lula e da Dilma, não terá impeachment. Se perceberem que é uma roubada, haverá impeachment.

O efeito manada - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 13/04

Efeito manada leva partidos inteiros para o impeachment. O que mais o governo temia está acontecendo: o efeito manada está levando partidos inteiros para o impeachment, tornando inúteis os ministérios, as diretorias, todas as miçangas que o cacique Lula está oferecendo em cena aberta em Brasília.

Já não acreditam que haverá governo na segunda-feira próxima para cumprir o prometido, e mais do que isso, não acreditam que, havendo governo, o prometido será cumprido. Essa desconfiança básica do PT e, sobretudo, da presidente Dilma, é o que move o xadrez em Brasília contra o governo.

Com a decisão do PP de sair do governo, e a tendência do PMDB de fechar questão a favor do impeachment, forma-se a maioria de 342 votos necessários para aprovar o impeachment na Câmara. Isso sem contar com a debandada que pode ocorrer no PSD e no PR, que já liberaram suas bancadas para a votação.

A prisão do ex-senador Gim Argello, companheiro de caminhadas matinais da presidente, e o veto de uma juíza federal a que seu novo ministro da Justiça permaneça no cargo foram duas pedras de bom tamanho surgidas ontem no caminho tortuoso da presidente Dilma.

Indicado com apoio do Palácio do Planalto para uma vaga do Tribunal de Contas da União (TCU), Argello sofreu um boicote silencioso dos ministros, que ameaçaram nos bastidores rejeitá-lo. Seu nome teve que ser retirado às pressas, num acontecimento inusitado em Brasília.

É claro que, faltando algumas horas para a votação final, tudo pode acontecer, numa terra em que tanto vazam gravações feitas para incriminar quanto as que incriminam sem que essa fosse a vontade expressa, embora possa ser a expressão de um ato falho de um vice ansioso para assumir seu lugar na História.

A reação da presidente Dilma, tentando transformar a gafe de Temer em ato de alta traição, é apenas parte da luta política que os petistas cismam de travar, embora a disputa pareça estar se decidindo contra eles.

Nada indica que a população se indignará com a revelação de que o vice-presidente já se prepara para assumir o cargo, mesmo porque já se sabia que ele estava operando nos bastidores.

Numa eleição direta, é possível que a atitude pudesse mudar votos, mas esse eleitorado segregado aos partidos obedece a critérios mais pragmáticos. A pressão das bases é pela saída de Dilma, e poucos são os que, como Marina, se batem por "nem Dilma, nem Temer".

A realidade se impõe, tanto que a própria Marina tentou levar seu partido para a admissibilidade do impeachment na comissão, e foi boicotada pelo deputado Alessandro Molon, que pressionou o único delegado do partido a votar contra.

Se fosse verdade que os eleitores preferem Dilma a Temer, por causa do histórico fisiológico do PMDB e, sobretudo, devido à ação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, as pesquisas de opinião mostrariam isso com clareza, e não indicariam que 60% da população quer o afastamento de Dilma.

A tentativa de colocar Cunha como o potencial vice-presidente de Temer parece uma boa sacada, mas é muito rocambolesca para ser levada a sério, mesmo porque, caso Temer venha a ser atingido pela ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), provavelmente Cunha já estará fora da presidência da Câmara, porque o resultado deve acontecer só em 2017, ou foi derrubado pelas diversas ações que correm no Supremo contra ele.


Por fim, as teorias da conspiração dominam Brasília. A falta de garra dos petistas e associados no plenário da Comissão pareceu a muitos sinal de que jogaram a toalha. Gritaram muito, mas não trabalharam para obstruir a votação, coisas em que eram especialistas nos seus bons tempos.

Muitos estranham também que no dia em que começava a ser decidida a sorte do governo na Câmara, Lula tenha ido ao Rio receber as homenagens de artistas e populares na Lapa. Parece já preparado para o pós-impeachment.


Espaço público e lei - ROBERTO DAMATTA

O GLOBO - 13/04

A meu ver, magistrados deveriam manter a velha postura de renunciantes do mundo e evitar a celebrização


Somos alérgicos ao igualitarismo. Se um guarda nos detém por alguma coisa, ficamos injuriados. As filas nos ofendem e esperar é um insulto. Preferimos ajuntamentos nos quais podemos encontrar um conhecido e um balcão a nos dividir das pessoas comuns.

A iconografia do século XIX mostra à exaustão a ocupação “caseira” do espaço público. Escravos em torno das fontes que congregavam os não-cidadãos. Os “pobres”, como até hoje os chamamos numa categorização cultural segmentada na qual todos nos encaixamos e que se repete de modo segmentar, não existem sem os ricos. Há, pois “pobres” entre os “ricos”, e “ricos” entre os “pobres”. Eis uma divisão perene, já que em todo lugar nos hierarquizamos. A igualdade produz a desigualdade e há rua na casa e casa na rua. Até mesmo o Congresso Nacional, onde todos são “excelências”, há um “alto” e um “baixo” clero!

A escravidão combinada com a aristocracia branca revela como o trabalho também se segmentava pela identificação do trabalhador com o seu ofício. Assim, eram o verdureiro, o padeiro, o pedreiro, o marceneiro, a costureira, o sapateiro e o açougueiro quem trabalhava com essas mercadorias. Vale lembrar que “brasileiro” era quem extraia pau-brasil.

O trabalho só virou categoria quando criamos um mercado livre da escravidão e a consciência de um “serviço público". Foi, provavelmente, a gramática do socialismo que condensou essas profissões no papel de “trabalhador”. Passamos então a ler a sociedade como constituída de “classes sociais" tentando colocar no fundo, as velhas categorias. Agora, “senhores” eram “patrões”, “chefes” e “diretores” num mundo republicano mais individualizado.

Mas até hoje temos empregados domésticos que passam de pai para filho e são membros ativos, se não queridos, da casa, embora não sejam da família.

Alguns chamam isso de “paternalismo” mas nenhuma categoria define exclusivamente um sistema. No caso do escravismo brasileiro, o regime republicano fundiu ex-escravos com assalariados e com instituições políticas que tanto entraram na casa, quanto saíram da casa para a rua.

Criou-se uma “ética relacional" fundada num sicofantismo desenfreado. Práticas capitalistas impessoais e desumanizadoras foram adotadas mas não se pode imaginar uma separação radical entre o patriarcalismo hierarquizado da casa e as compulsões igualitárias e impessoais da rua e do mercado. O resultado tem sido o populismo e a mentira como parte da “política”.

Chamei isso de “dilema brasileiro". O viés aristocrático foi reprimido mas não entramos no universo capitalista que impessoaliza as relações de trabalho (coisa má) e a igualdade perante a lei (coisa boa). A crise brasileira tem como eixo essa recusa a aceitar o igualitarismo competitivo do mercado, realizando-o debaixo de velhos compadrios de família e, hoje em dia, de incompetência ideológica, e recusando com veemência a igualdade. Não percebemos como um lado neutraliza o outro!

O capitalismo não tem epifanias, mas a regra da lei as promove. Seguir a lei é, como ensinou um insuspeito E. P. Thompson, capital. Regra da lei?, perguntaria um marxista ignorante. Como, se a lei já nasce tendo um lado? Mas onde, cara-pálida, não há lado?

Numa democracia liberal a regra da lei é o abrangente que equilibra fortes e fracos. No nosso caso, um governo imoral e uma população incestuosamente assaltada. Sem a lei, é impossível punir e caminhar. A excepcionalidade da Lava-Jato é fazer com que a lei seja realmente igual para todos, num país onde abundam recursos e leniência para os poderosos.

Não é preciso acentuar que a lei é feita para realizar a Justiça, a qual, por seu turno, exige o contraditório, o que não é fácil num sistema marcado pelo esperado perdão dos superiores que canibalizam seus cargos. Dai o imperativo da institucionalização que garante legitimidade por meio da imparcialidade. A regra da lei jaz na busca verdadeira dessa distância que, por sua vez, não pode estar sujeita ao tempo. A Justiça não pode tardar num país onde governar transformou-se num dispositivo de poder e de enriquecimento ilícito.

A meu ver, magistrados deveriam manter a velha postura de renunciantes do mundo e evitar a celebrização. Eles só deveriam aparecer “togados” — esse símbolo de uma difícil isenção. Algo admirável num sistema marcado por interesses, mas esperançoso de uma rara vitória da Justiça.

De caso bem pensado - DORA KRAMER

ESTADÃO - 13/04

À primeira vista, o vice-presidente da República fez uma bobagem ao gravar o ensaio do discurso que faria (fará?) no caso de aprovação do impeachment da presidente Dilma Rousseff. O áudio se tornou público e o “vacilo” de Michel Temer virou o assunto do dia e motivação para o ataque frontal de Dilma a Temer, ontem. Presidente e vice estão em guerra aberta.

Ao contrário do que disse logo ao saber do áudio e repetiu no discurso presidencial, não houve queda alguma de máscara, uma vez que não havia mascarados entre ambos os contendores. O jogo contra e a favor do impeachment ocorre à frente de todos e o espetáculo não é bonito de se ver.

Voltando ao episódio que rivalizou com a aprovação do pedido de impedimento na comissão especial, uma segunda leitura – menos apressada e levando em conta o tipo de político que é o vice – mostra com toda clareza que a divulgação foi intencional. Mais ou menos como ocorreu com aquela carta dirigida à presidente em que, entre outras queixas, reclama de ser mera peça de decoração, de não privar da confiança de Dilma e do fato de nem ele nem ministros do PMDB terem acesso a decisões de governo.

Na época Michel Temer disse que a mensagem não era para ter sido divulgada e seus aliados chegaram a responsabilizar o Palácio do Planalto. Assim como agora, inicialmente o texto foi visto como um erro de cálculo de Temer que, segundo interpretações, teria ficado na posição de menino-chorão. A assessoria da presidente tratou logo de disseminar essa versão e o vice foi ironizado.

De modo precipitado. A precipitação é má conselheira, pois pode produzir o equívoco. Na vida, muitas vezes; na política, sempre. Se há uma característica que não está no “chip” de Temer é a afobação. Cuidadoso ao extremo às vezes da omissão, é frio feito peixe. Não diz uma palavra a mais do que aquilo que realmente está querendo dizer e faz seu jogo mexendo as peças de olho no efeito do lance seguinte.

Hoje pode perfeitamente alegar que a já famosa carta é indicador claro de que não pode ser responsabilizado junto com Dilma por possíveis atos ilícitos do governo. Afinal, um vice apenas não influi nem contribui. Se não priva da confiança da presidente, é claro que ela não dividiu com ele suas decisões. Se o PMDB foi alijado do núcleo de poder, o partido em tese não tem nada a ver com “isso tudo que está aí”.

Tudo muito bem pesado e medido antes de ser escrito. Note-se que o elenco de recados certeiros também esteve presente no áudio: mostra-se um homem ponderado em momento conturbado, propõe o diálogo, a pacificação dos ânimos, toca em todos os pontos passíveis de correção no governo e fala aos setores interessados. Ou seja, todos, empresários, trabalhadores, movimentos sociais, pobres e ricos.

Não se esqueceu de nada. Disse o que as pessoas (ao menos a maioria) querem ouvir. Se ele vai ter oportunidade de fazer são outros quinhentos a serem contabilizados a partir de domingo próximo. Se efetivamente vai fazer, tampouco é possível saber. Mas, a intenção era fazer aquele discurso a fim de se mostrar preparado para o que der e vier. Como se propôs oficialmente a se preservar, Temer estava impedido de convocar uma entrevista coletiva para anunciar suas pretensões.

Ora, então um político que foi três vezes presidente da Câmara, tem mais de 70 anos de idade e décadas dedicadas ao ofício, iria gravar a prova do crime? E mais: apertar uma tecla de telefone por engano? Coincidências existem, mas na área de trabalho das raposas elas são raríssimas exceções. E vejam o caro leitor e a prezada leitora que o grupo de WhatsApp onde o vice-presidente cometeu a “gafe” havia sido criado na véspera.

Seria de acrescentar, com finalidade específica.