sexta-feira, abril 19, 2019

Na disputa tecnológica entre EUA e China, não somos sequer coadjuvantes - PEDRO LUIZ PASSOS

FOLHA DE SP - 19/04

Nessa briga, o Brasil está entrando num quadro de dependência colonial, dado o atraso em que se encontra



A disputa entre os EUA de Donald Trump e a China de Xi Jinping, que na aparência tem caráter comercial, mas possui real motivação na busca por hegemonia em tecnologia de ponta, fará logo um ano sem solução, colocando o mundo em modo de espera.

Com as feridas da grande crise de 2008 não cicatrizadas na maioria dos países, inclusive no Brasil, a apreensão é geral com a perda de ritmo da produção, do investimento e do comércio, conforme o novo cenário do FMI (Fundo Monetário Internacional).

A previsão de crescimento do PIB mundial caiu para 3,3% neste ano, ante 3,6% em 2018. No Brasil, tende a menos de 2%.

O conflito envolvendo nossos dois maiores parceiros nos atinge em duas dimensões. Em palestra em Nova York, o ministro Paulo Guedesse referiu a uma delas, ao dizer que a economia brasileira é tão fechada que “nem ouvimos o barulho da guerra comercial”.

Pode ser, mas depende do curso das negociações. Entre as ofertas de acordo, a China propôs elevar as compras de grãos dos EUA, que são itens-chave na nossa pauta de exportações para o mercado chinês. A reação a isso não seria, digamos, silenciosa no Brasil.

A segunda dimensão da rinha China-EUA é mais sutil. Ou histórica. Até 1978, quando se abriu ao capital externo e abrandou o modelo de economia planificada, a China estava atrás do Brasil em todos os indicadores de desempenho. Hoje, sua economia incomoda os EUA.

A renda per capita da China cresceu ao ritmo de 8% ao ano desde 1998, ante 1% dos EUA e pouco menos no Brasil. E há um dado não desprezível: nosso PIB ganhou tração graças ao boom das commodities compradas pela China, que durou de 1999 a 2011.

O fim desse ciclo expôs a economia brasileira sem competitividade, com a indústria focada no mercado interno, com baixa prioridade dos investimentos, finanças públicas no osso, entre outras mazelas.

Se os EUA lutam para manter o domínio tecnológico, e a China, para se tornar plenamente desenvolvida, a questão que nos afeta é saber pelo que lutamos, afinal. Isso não está claro há muito tempo.

Avista-se um quadro de dependência quase colonial em relação a um e a outro, dada a nossa defasagem nos ramos que marcam o desenvolvimento global, cada vez mais dirigido pela tecnologia da informação, pelos fluxos de dados digitalizados, pela inteligência artificial, pelos artefatos industriais conectados (a chamada internet das coisas), pelas novas energias, pela biomedicina e por um vasto etcetra.

Nessa queda de braço entre dois sócios mutuamente dependentes, não nos cabe tomar partido. A China é o maior investidor em títulos do Tesouro dos EUA.

E grandes multinacionais americanas têm na China fatias expressivas de suas vendas e lucros. Estão mais para casal em crise que para divórcio litigioso, apesar da guerra de nervos.

Trump impôs tarifas punitivas sobre parte das importações, levando a China a retaliar em igual proporção. Parece jogo de truco, em que blefar é legal. Mas, como acidentes acontecem, o mundo vive em suspense desde julho de 2018, quando tudo começou.

Esse é o tamanho da encrenca. China e EUA deverão acertar-se em algum tempo e seguirão medindo forças e discutindo a relação por décadas à frente.

E o Brasil? Bem... Talvez já seja um avanço se, ao menos, esforçar-se em ser coadjuvante dos atores globais. E isso, ainda assim, se abandonar o besteirol da “nova” diplomacia.

Pedro Luiz Passos
Empresário, conselheiro da Natura

A catedral e o banho de loja - GUILHERME FIUZA

FORBES - 

19/04

Os franceses ainda não sabem as causas do incêndio que destruiu a Catedral de Notre-Dame, mas já há pistas de que a tragédia vai continuar – na fogueira das imposturas contemporâneas. O governo Macron lançou um concurso para arquitetos redesenharem um dos maiores símbolos góticos do mundo – ficará “ainda mais bonita!”, disse o presidente – e anunciou que o plano de reconstrução refletirá a moderna e diversificada nação francesa da atualidade.

A França e boa parte da Europa estão queimando nas chamas da demagogia politicamente correta e do populismo migratório – que está ferrando democraticamente nativos e imigrantes. A moda é fingir que o mundo inteiro pode morar em Paris, qual é o problema? Quem discorda disso não tem coração, é xenófobo e sócio da muralha do Trump.

Paris está pegando fogo nessa contemporaneidade arcaica que opõe velhos sindicalistas pendurados no Estado ao contingente de imigrantes não absorvidos devidamente pelo mercado e pela cultura – numa batalha obscura entre o passado morto-vivo e o futuro fantasioso, que as autoridades fingem poder conciliar para manter sua cosmética humanitária.

Paris ficará ainda mais humana, Notre-Dame ficará ainda mais bonita, quem sabe não aproveitamos para dar um upgrade na Monalisa, que está entediada ali no Louvre e também merece refletir a diversidade. E como ninguém segura essa onda criativa, por que não pensar globalmente e dar logo uma quebrada naqueles faraós autoritários e caretas, fazendo um concurso de design para modernizar as pirâmides do Egito? Pra começar, são silenciosas demais, o que simboliza evidentemente as minorias caladas e oprimidas da antiguidade. Um DJ resolve em um segundo esse anacronismo.

O mundo é dos espertos e algum vendedor muito malandro teve a ideia matadora de dizer que qualquer canoa à deriva no Mar Mediterrâneo é culpa do imperialismo europeu. Daí para a conexão com os parasitas de Nova York que vivem da resistência subsidiada ao Grande Satã foi um pulo. E assim vai se dando a transfusão antropológica do planeta, com a riqueza cultural sendo substituída por essa feira de bijuterias salvacionistas, ostentadas pelos emergentes da impostura em meio às chamas da civilização.

Plano de Guedes para gás mais barato enfrenta resistência na Petrobras


Plano de Guedes para gás mais barato enfrenta resistência na Petrobras

Em troca de mensagens flagrada pelo ‘Estado’, ministro é informado de plano da ‘turma do gás’ da Petrobrás para a criação de um ‘gestor de gasoduto’, o que seria considerado intervencionismo.

Por Estadão 19/04/2019 12h25 



Setores da Petrobras resistem ao plano do ministro da Economia, Paulo Guedes, de abrir o mercado de gás e acabar com o monopólio da estatal. A divergência foi explicitada em uma troca de mensagens flagrada pelo Estado entre Guedes e integrantes de um grupo de WhatsApp chamado “Equipe Econômica”. Em uma das mensagens, Guedes diz que o gerente executivo de Gás e Energia da Petrobras, Marcelo Cruz, quer “desvirtuar o projeto”.

O Estado fotografou Guedes conversando no grupo, que tem representantes do ministério e presidentes de bancos públicos, durante a “Cantata de Páscoa” no Palácio do Planalto, promovida pelo presidente Jair Bolsonaro na quarta-feira.

Na conversa, o ministro encaminha ao grupo mensagem que havia recebido do economista Carlos Langoni – que vem atuando como uma espécie de mentor de Guedes na área de gás. “Gde (Grande) PG (Paulo Guedes): O Império contra ataca! Atenção: a turma do gás da PB (Petrobras) – contrária à abertura – quer criar um Gestor de Gasoduto! Coisa de burocrata intervencionista! No sense!”, afirma o economista na mensagem que foi encaminhada ao grupo.

Langoni diz ainda que é preciso alertar “RCB e Luciano”, numa referência ao presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, e a Luciano Irineu de Castro, principal conselheiro da área energética na época da campanha do presidente Jair Bolsonaro e assessor da presidência da Petrobrás. E diz que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) é contra a “ideia maluca” de criação do gestor, que não discutiria o termo de ajuste que é negociado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a agência.

Em seguida, Guedes digita: “Marcelo Cruz... gerente de gás da Petrobrás. Quer desvirtuar o projeto”. Na mesma conversa, uma segunda pessoa, identificada no celular do ministro como sendo o presidente do BNDES, Joaquim Levy, escreve: “liberdade ao gás... Langoni tá certo e temos que acelerar ajuste legislação dos estados. Abertura jah”.

Segundo o Estadão/Broadcast apurou, o governo identificou que há certa “resistência interna” na Petrobrás, mas que parte de um grupo pequeno, que defende a manutenção do controle estatal no mercado de gás. Isso, porém, não é considerado um obstáculo à implementação da agenda liberal defendida por Guedes.

Langoni tem sido o responsável pelas ideias que vêm sendo desenvolvidas pelo governo para o setor. Também egresso da Universidade de Chicago, como Guedes, ele é amigo do ministro de longa data e um dos expoentes do pensamento liberal no País.

Em nota, a assessoria de Langoni, que é diretor do Centro de Economia Mundial da FGV, disse que ele e Guedes conversam regularmente sobre questões importantes e variadas da agenda econômica. “Langoni não tem qualquer ligação formal com a Petrobrás ou com o governo”, completou.

Procurado para se pronunciar sobre a troca de mensagens fotografada pelo Estado, o Ministério da Economia não se manifestou. Petrobrás e BNDES também não se pronunciaram. Nos últimos dias, Levy tem defendido a “liberdade ao gás” pedida por ele no grupo. Na segunda-feira, em debate organizado pelo Lide, ele disse que há “inúmeras oportunidades”. “A produção do gás no pré-sal só vai crescer mais se você aumentar a demanda. E só vai conseguir fazer isso se a distribuição do gás for mais barata”, completou.

Choque
Nas últimas semanas, Guedes tem prometido dar um “choque de energia barata” com ações que incluem a abertura do mercado de exploração e distribuição de gás natural, acabando com o monopólio da Petrobrás. Chamado de “Novo Mercado de Gás”, o programa quer elevar a competitividade da indústria brasileira a partir da exploração de gás das áreas do pré-sal.

Além de atacar o refino, o programa também quer quebrar o monopólio das distribuidoras estaduais. Como antecipou o Estado, o novo plano do governo federal de socorro aos Estados – batizado por Guedes de Plano Mansueto – terá como uma das contrapartidas de acesso ao auxílio financeiro a abertura do mercado de distribuição de gás pelos governos estaduais.

Hoje, os governos regionais, que têm agências reguladoras próprias, impedem que empresas privadas acessem os dutos de distribuição estaduais. Ao entrar no programa, o Estado terá de aderir à regulação federal e criar a chamada figura do consumidor livre, que desobriga a compra de gás somente da distribuidora local.

Os pobres e os ricos - J.R. GUZZO

REVISTA VEJA, edição nº 2631
Tudo aquilo que prejudica quem está tentando não morrer de fome, e não tem tempo para fazer “articulação política”, passa como foguete da Nasa no Congresso

E então: depois de ouvir durante meses, ou anos, toda essa discussão sobre a “reforma da Previdência”, você está achando que ela é “contra os pobres”? Ou acha que é exatamente o contrário? Ou, ainda, não acha nem uma coisa nem outra, porque não tem mais paciência para continuar ouvindo essa conversa que não acaba mais? Anime-se. O professor gaúcho Fernando Schüler, conferencista e consultor de empresas, tem a solução definitiva para o seu problema. Se a reforma da Previdência fosse contra os pobres, explicou Schüler dias atrás, já teria sido aprovada há muito tempo, e sem a menor dificuldade. Pela mais simples de todas as razões: tudo aquilo que prejudica o pobre-diabo que está tentando não morrer de fome, e não tem tempo para fazer “articulação política”, passa como um foguete da Nasa pelas duas casas do Congresso deste país. Passa tão depressa, na verdade, e com tanto silêncio, que ninguém nem fica sabendo que passou. A reforma proposta pelo governo só está encontrando essa resistência desesperada do PT, dos seus satélites e da massa da politicalha safada porque é, justamente, a favor dos pobres e contra os ricos. Cem por cento contra os ricos — no caso, algumas dezenas de milhares de funcionários públicos com salário-teto na casa dos 40 000 reais por mês, sobretudo nas camadas mais altas do Judiciário e do Legislativo. São esses os únicos que vão perder, e vão perder em favor dos que têm menos ou não têm nada.

Não parece possível, humanamente, eliminar de maneira mais clara as dúvidas sobre a reforma da Previdência. Alguém já viu, em cerca de 200 anos de existência do Congresso Nacional, alguma coisa a favor de rico dar trabalho para ser aprovada? Ainda há pouco, só para ficar em um dos exemplos mais degenerados do estilo de vida dessa gente, deputados e senadores aprovaram o pagamento de 1,7 bilhão de reais para a “campanha eleitoral de 2018” — dinheiro vivo, saído diretamente dos seus impostos e entregue diretamente no bolso dos congressistas. São os mesmos, em grande parte, que agora viram um bando de tigres para “salvar os pobres” da reforma. Poderiam ser mencionados, aí, uns outros 1 000 casos iguais, em benefício exclusivo da manada que tem força para arrancar dinheiro do Erário. No caso da Previdência, a briga é para conservar os privilégios de ministros, desembargadores, procuradores, auditores, ouvidores, marajás da Câmara dos Deputados, sultões do Senado e toda a turma de magnatas que conseguem ganhar ainda mais que o teto e exigem, ao se aposentar, o mesmo salário que ganham na ativa — algo que nenhum outro brasileiro tem.


“O Brasil trava uma guerra enfurecida para manter exatamente como estão todas as desigualdades materiais em favor das castas que mandam no Estado”

Não adianta nada, com certeza, apresentar números, fatos e provas materiais que liquidam qualquer dúvida sobre a injustiça rasteira de um sistema que se utiliza da lei para violar o princípio mais elementar das democracias — o de que todos os cidadãos são iguais em seus direitos e em seus deveres. A Previdência brasileira determina, expressamente, que os cidadãos são desiguais; quem trabalha no setor privado, segundo as regras que se pretende mudar, vale menos que os funcionários do setor público e, portanto, tem de receber aposentadoria menor. Quando se demonstra essa aberração com a aritmética, a esquerda diz que as contas não valem, pois se baseiam em “números ilegais”. Não há, realmente, como continuar uma conversa a partir de um argumento desses — e nem há mesmo utilidade prática em conversar sobre o assunto. Os defensores dos privilégios não estão interessados em discutir número nenhum; estão interessados, apenas, em defender privilégios. Por que raios, então, iriam perder seu tempo aborrecendo-se com fatos?

O que existe, no fundo, é uma questão que vai muito além da Previdência Social. É a guerra enfurecida que se trava no Brasil para manter exatamente como estão todas as desigualdades materiais em favor das castas que mandam no Estado — todas as desigualdades, sem exceção, e não apenas a aposentadoria com salário integral. Sua marca registrada é um prodigioso esforço de propaganda para fazer com que as pessoas acreditem que o agressor está do lado dos agredidos — e que qualquer tentativa séria de defender o pobre é uma monstruosidade que precisa ser queimada em praça pública. Acabamos de viver, justo agora, um dos grandes momentos na história dessa mentira que faz do Brasil um dos países mais injustos — quando o ministro Paulo Guedes foi à Câmara explicar, com paciência de monge beneditino e fatos da lógica elementar, a reforma da Previdência. O PT fez o possível para impedir o ministro de falar. No fim, tentou ganhar pelo insulto. Um deputado de segunda linha faturou seus quinze minutos de fama dizendo que Guedes era bravo com “os aposentados”, mas “tchutchuca quando mexe com a turma mais privilegiada do nosso país”.

A grosseria serviu para três coisas. Em primeiro lugar, fez o deputado ouvir que “tchutchuca é a mãe”. Em segundo, levou o ex-presidente Lula a dizer, da cadeia, que estava “orgulhoso” com a agressão — mais um sinal, entre tantos, do bem que ele fará pelo Brasil se for solto ou premiado com a “prisão domiciliar”. Em terceiro lugar, enfim, abriu mais uma avenida gigante para dizer quem é quem, mesmo, em matéria de “tchutchuca” com os ricos, parasitas e piratas neste país — “tchutchuca” na vida real, como ela é vivida na crueza do seu dia a dia, e não na conversa de deputado petista. Aí não tem jeito: os fatos, e puramente os fatos, mostram que Lula, guiando o bonde geral da esquerda verde-amarela, foi o maior “tchutchuca” de rico que o Brasil já teve em seus 500 anos de história; ninguém chegou perto dele, e nem de forma tão exposta à luz do sol do meio­-dia. Pior: o ex-presidente não foi só a grande mãe gentil dos ricos. Foi também a fada protetora dos empreiteiros de obras bandidos, dos empresários escroques e dos variados tipos de ladrão que tanto prosperam em países subdesenvolvidos — “as criaturas do pântano”, como se diz.


“A esquerda serve os bem-aventurados da elite com a devoção de moleque de senzala”

O desagradável dessa afirmação é que ela tem teores mínimos de opinião; só incomoda, ao contrário, porque sua base é uma lista sem fim de realidades que faz muito tempo estão acima de discussão. Vamos lá, então, coisa por coisa. Não há dúvida nenhuma, já que é preciso começar por algum lugar, de que o maior corruptor da história do Brasil, o empreiteiro Marcelo Odebrecht, passou de mãos dadas com Lula os oito anos de seu governo — noves fora o paraíso que viveu com Dilma Rousseff. Quem diz que Odebrecht é um delinquente em modo extremo não é este artigo; é ele mesmo, que confessou seus crimes, delatou Deus e o mundo e por conta disso está preso até hoje — em prisão domiciliar, certo, mas preso. Também não foi o seu filho, nem cidadão algum que você conheça, quem conseguiu receber 10 milhões de reais da empreiteira Andrade Gutierrez como investimento numa empresa de videogames. Foi o filho de Lula. Os 10 milhões sumiram; a empresa faliu. A Andrade Gutierrez lamenta: o negócio não deu certo, dizem eles, e a gente perdeu todo o dinheiro que deu ao Lulinha. Uma pena, não é? Mas acontece com as melhores empresas do mundo. O empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, réu confesso, delator e hoje presidiário, foi o grande protetor e protegido de quem? De Lula — a quem, por sinal, denunciou no fatal tríplex do Guarujá. Querem mais? É só chamar o Google.

Em treze anos de Lula e Dilma, na verdade, não se conhece um único caso de rico prejudicado pelo governo — a não ser os produtores rurais roubados pelos “movimentos sociais” do PT e outras vítimas da criminalidade oficial. Os banqueiros, por exemplo, jamais ganharam tanto dinheiro na história da economia brasileira como durante o reinado da esquerda. Não apenas foram protegidos contra qualquer espécie de concorrência — liberdade econômica, no lulismo bancário, só vale na hora de deixar que os bancos cobrem os juros mais altos do mundo. Foram os maiores beneficiários da dívida pública alucinante que Lula e o PT tanto se orgulham de ter criado, pois na sua cabeça isso é sinal de que “o governo está se endividando para ajudar os pobres” — quando, na verdade, faz a população pagar 100 bilhões de dólares por ano em juros que vão para o bolso dos “rentistas”, a começar pelos banqueiros. Também não há precedentes de tanta caridade pública para empresários amigos quanto na era Lula-­PT. Quem foi mais “tchutchuca” de Eike Batista, Joesley Batista e outros abençoados do BNDES? Quem inventou a Sete Brasil, uma das aberrações mais espantosas jamais criadas pelo capitalismo de compadres do Brasil? Do começo ao fim, foi apenas uma arapuca para vender sondas imaginárias à Petrobras e “ressuscitar a indústria naval brasileira” — vigarice de terceira categoria que fez com que obras e empregos virassem fumaça quando a ladroagem toda veio abaixo.

A esses bem-aventurados da elite brasileira, de quem a esquerda se diz tão horrorizada, mas a quem serve com a devoção de moleque de senzala, juntam-se os ladrões puros e simples. Em que outra ocasião da história política do Brasil o roubo do Tesouro Nacional viveu dias de tanta glória como nos governos de Lula e seus subúrbios? Basta, provavelmente, citar um nome para entender o processo inteiro: Sérgio Cabral. Precisa mais? O homem soma quase 200 anos de prisão, confessou um caminhão de crimes e tornou-se, possivelmente, o governador mais ladrão que a humanidade já conheceu. Mas foi um dos grandes heróis de Lula — não se esquecerá jamais o mandamento público do ex-presidente, dizendo que votar em Cabral era “um dever moral, ético e político”. E quem foi o grande inventor de Antonio Palocci? Nada mais típico do que Palocci, transformado por Lula em vice-rei da sua Presidência. O cidadão se apresentava como “trotskista”, ou, tecnicamente, como militante da extrema esquerda. Roubou tanto, segundo suas próprias confissões, que jamais se saberá ao certo o prejuízo que deu. Só o apartamento em que mora em São Paulo, e onde cumpre hoje sua “prisão domiciliar”, vale mais que o patrimônio que 99% dos brasileiros vão obter durante toda a sua vida. Isso não é ser rico? E se Palocci não é uma criatura de Lula, de quem seria, então?

A verdade é que durante todo o período em que a esquerda mandou no governo o Brasil continuou sendo um dos países de maior concentração de renda. Em treze anos de lulismo, foi massacrado sem trégua o principal instrumento de melhoria social que pode existir num país — a educação pública. Pelos últimos dados do Banco Mundial, a média da população brasileira só vai atingir o mesmo índice de compreensão da matemática existente nos países desenvolvidos daqui a 75 anos. Essa é a boa notícia; em matéria de leitura, vamos precisar de mais 260 anos para chegar lá. É o resultado direto do abandono da educação dos pobres em benefício da educação dos ricos. Por conta dos programas de “democratização” da universidade de Lula e Dilma, o Brasil gasta quatro vezes mais por ano com um aluno da universidade pública, ou cerca de 21 000 reais, do que com um garoto que está no ensino básico. Queriam o quê, com essa divisão do dinheiro público que se gasta na educação?

Em matéria de ação pró-pobre, houve muita propaganda, muito filminho milionário de João Santana — mais um réu confesso de corrupção — mostrando a clássica “família negra feliz — com mesa farta, carrinho na porta etc. etc.” —, mas essas fantasias quase só existiam na televisão. Dinheiro, que é bom, foi para o bolso dos nababos, dos Marcelos e Eikes e Geddels. Foi para ditadores da África — o filho de um deles, por sinal, é um fugitivo da polícia internacional. Foi para obras em Cuba e na Venezuela. Foi para os “prestadores de serviço”, ONGs amigas e artistas da Lei Rouanet. Foi, num país de 200 milhões de habitantes, para os barões mais bem pagos de um funcionalismo público que já soma quase 12 milhões de pessoas entre União, estados e municípios — 450 000 só nesse Ministério da Educação que produz a catástrofe descrita acima. Para a pobrada sobrou o programa oficial de esmolas do Bolsa Família, ideal para perpetuar a miséria, ou pior que isso — segundo o Banco Mundial, de novo, 7 milhões de brasileiros caíram abaixo da linha da pobreza apenas de 2014 para 2016. Quem gerou essa desgraça? Não foi o governo da Cochinchina nem o ministro Paulo Guedes.

A situação fica definitivamente complicada para os pobres quando quem diz que está cuidando deles serve no exército do inimigo — aqueles que têm como principal razão de sua existência, talvez a única, defender direitos e princípios que são apenas presentes pagos com o dinheiro de todos.

Publicado em VEJA, edição nº 2631

O dono da bola - ENTREVISTA COM MARCELO CLAURE

REVISTA VEJA, edição nº 2631
O CEO da SoftBank Marcelo Claure fala de seus planos de investimentos em startups — e de como o Brasil pode avançar e se tornar menos desigual
Por Filipe Vilicic, de Palo Alto, Califórnia




(C.M. Guerrero/Miami Herald/TNS/Newscom/Fotoarena)

O nome do boliviano Marcelo Claure causa alvoroço entre os empreendedores brasileiros, sobretudo aqueles que se dedicam à indústria da tecnologia e às startups. A razão é bilionária. A SoftBank, empresa japonesa da qual Claure é diretor de operações, criou o maior fundo de investimentos em startups do planeta, cujo capital de 100 bilhões de dólares já está quase integralmente aplicado. Mas acaba de anunciar um novo pacote, agora de 5 bilhões de dólares, destinado exclusivamente à América Latina, com destaque para o Brasil. Aos 48 anos, Claure tem uma invejável trajetória profissional. Em 1997, ele fundou a Brightstar, distribuidora de celulares e de outros serviços. Em 2013, vendeu o controle da empresa, hoje com presença em mais de 100 países, para a SoftBank. O valor: quase 1,3 bilhão de dólares. Encarregou-se, então, de reerguer a Sprint, companhia de telecomunicações dos Estados Unidos, que também acabou sendo controlada pelos japoneses. Nos últimos anos, Claure vem se dedicando mais ao papel na SoftBank, sendo ainda diretor executivo de sua divisão internacional. O conglomerado tem participação em companhias multibilionárias como Alibaba, Yahoo e Uber. Fã de futebol, o executivo, que vive entre Estados Unidos e Japão, é dono do Bolivar, o maior time de seu país, e, em sociedade com o ex-jogador inglês David Beckham, da equipe americana Inter Miami. Na entrevista a seguir, Claure fala dos planos de investimento no Brasil, de sua esperança no governo Bolsonaro e de como o país poderia avançar em inovação — e se tornar menos desigual.

Há uma expectativa entre empreendedores brasileiros: o que o senhor fará com os 5 bilhões de dólares que a SoftBank destinará para a América Latina? 

O objetivo é procurar unicórnios (as startups que alcançam 1 bilhão de dólares em valor de mercado) em formação ou servir de impulso para aqueles que acabaram de chegar ao patamar de unicórnio. Temos vinte anos de experiência no ramo de investimentos, dois dos quais foram dedicados a investir nesse tipo de empresa nascente. Sabemos como investir no ecossistema, de forma que as apostas se convertam em companhias altamente disruptivas, capazes de transformar as indústrias nas quais atuam.

Quanto desse esforço será direcionado para o Brasil?

 Nossa estratégia não é investir capital de acordo com o país. Procuramos as melhores empresas em toda a região e analisamos como uma injeção pode ajudá-las. Isso seja na Colômbia, seja no México, seja no Brasil. Agora, por lógica, é natural que a maior parte dos 5 bilhões vá para o maior mercado latino-americano, que é o Brasil. Acrescenta-se a isso que o país está hoje em uma posição mais avançada em termos de investimentos. Há fundos que já apoiam empresas logo no início de suas atividades, quando estão germinando ideias, como fazem o Redpoint, o Canary e o Valor. Esse round inicial de apostas é o mais arriscado. Tanto que devemos fazer parcerias com esses outros jogadores no campo. O trabalho da SoftBank fica assim menos arriscado, pois investimos nos vencedores. Dessa forma, podemos ter segurança de assinar cheques gordos, destinados a empresas que, mesmo já sendo um sucesso, ainda estão em estágios iniciais.

O senhor pode dar exemplos concretos de empresas com tamanho potencial?

Stone, Nubank, Rappi, iFood, Gympass. São startups que hoje valem acima de 1 bilhão de dólares. Só que podem ir muito além. Os 5 bilhões podem soar muito, mas não chegam a ser tanto dinheiro. Nos últimos dois anos lançamos um fundo global de 100 bilhões de dólares para startups, e muitos diziam que éramos loucos, que não haveria onde colocar tanto dinheiro. Pois já demos destino a quase todo o montante. Quando observo o Brasil, não vejo motivos para não assinar um cheque de 1 bilhão de dólares para alguma empresa do país.


“O governo brasileiro sempre parte do pressuposto de que as pessoas são malandras. Isso é errado. Não se pode penalizar todos apenas porque há 5% de empresários ruins”


Como os empreendedores brasileiros receberam sua chegada? 

De braços abertos. Há um vácuo enorme no Brasil. Executivos gastam um tempo demasiado implorando por alguma reunião com investidores no Vale do Silício, visto que suas empresas são pequenas demais para os padrões californianos. Agora levarei o capital até eles.

O Brasil é tido, em todos os rankings do gênero, como um dos piores países para investir. Por que, então, essa aposta? 

Os países com maiores ineficiências são aqueles nos quais os empreendedores têm maior chance de provocar mudanças. Se há um sistema de saúde pública que já funcione, por exemplo, o espaço é menor para a inovação. No Brasil, o cenário é o oposto, o sistema de saúde pública precisa de ajuda, que virá da aplicação de tecnologias. A malha de transporte nacional também necessita de auxílio. Quando visitei o país, fiz questão de conversar com caminhoneiros. O negócio deles está quebrado, por vezes um profissional espera quatro, cinco dias pela próxima carga. Novas tecnologias poderão solucionar 90% dos problemas relacionados a isso. Há muita coisa que não funciona no Brasil e que pode ser consertada.

O que poderia ser reparado para melhorar o cenário brasileiro para os empreendedores? 

É preciso lidar com o básico do básico. Deve-se diminuir a quantidade de regulações. Tornar fácil a abertura de empresas. Facilitar a venda de bens entre estados, assim como a importação e a construção de cadeias de suprimentos.

Entre essas medidas, o que o senhor considera fundamental? 

Cruzo meus dedos para que sejam aprovadas a reforma da Previdência e a fiscal. Se isso não ocorrer, o governo brasileiro entrará em falência. É necessário ainda simplificar contratos, pois o modelo hoje é completamente louco. Para enviar produtos de um estado a outro, por exemplo, tem-se de emitir mais e mais notas fiscais. O básico seria simplificar e criar uma única taxa nacional. Contratam-se empregados só para lidar com burocracias inúteis. Ainda é preciso abrir as fronteiras, principalmente para o e-commerce. É absurda essa demora de vinte a trinta dias para enviar algo para o Brasil. Muitos ficam cansados só de pensar em investir no país. Pensam algo como “Meu Deus, como é difícil abrir uma empresa lá”. Nos Estados Unidos, gastam-se cinco minutos para isso. No Brasil, são trinta dias assinando centenas de documentos.

Por que o senhor acha que é assim? 

O governo brasileiro sempre parte do pressuposto de que as pessoas são malandras. Isso é errado. É essencial confiar nos cidadãos. Não se pode incentivar uma cultura que penaliza todos apenas porque há 5% de empresários ruins. Tem de ser o oposto. Beneficiar os que fazem direito e empenhar-se em detectar e penalizar quem fere as leis. Mas estou confiante em que o novo governo está atento e com vontade de transformar a situação.

O que o faz ter esperanças no novo governo? 

Tive uma reunião produtiva com o ministro Paulo Guedes. Ele tem trajetória na área de investimentos, como conselheiro financeiro, e entende o que tem de ser feito e o papel da tecnologia nessa mudança. Hoje o Brasil está entre as dez maiores economias do planeta. Com essa dimensão, é possível realizar transformações significativas. Basta vontade para tanto.

E se não houver vontade do governo? 

Será impossível parar as transformações digitais. Seria melhor, e mais rápido, se os políticos as apoiassem, facilitando o caminho para os empreendedores. No entanto, mesmo se eles não colaborarem, nada vai parar o crescimento da nova economia. Os últimos três anos servem de prova. A economia brasileira esteve em crise. Mesmo assim, as empresas da área digital cresceram na região, como a Uber e o iFood. O governo não tem força suficiente para enfrentar as novidades tecnológicas. Tome a Uber como exemplo. Quantas prefeituras tentaram torná-la ilegal? De nada adiantou. Ou então veja o caso do Spotify. Pode-se tentar regular, resistir, mas nada fará com que os clientes voltem a comprar discos, CDs, e deixem de assinar serviços que permitem que se ouça a música que se quer, mais barato, em qualquer lugar. Entretanto, repito, seria melhor o governo colaborar, em vez de jogar contra. Darei outro exemplo. Não há razão, hoje, para proteger os poucos bancos que dominam o Brasil. Tem-se de emitir licenças que permitam a atuação dos bancos exclusivamente on-line, para quebrar a atual lógica protecionista. Isso seria o melhor para a economia. Até porque essa mudança vai ocorrer, os políticos queiram ou não. São tendências impulsionadas pela inovação, impossíveis de ser impedidas, e que vão transformar quase tudo em nossa vida. Em dez anos, utilizaremos carros autônomos, teremos atendimento médico remoto e guiado por inteligência artificial, entre outros progressos. Quer o presidente goste, quer não. Os brasileiros estão famintos de absorver os produtos digitais, tanto que se encontram entre os maiores usuários de redes sociais, da Uber etc.


“Sempre haverá questões políticas para contornar. O essencial é entender que um governante ruim pode no máximo diminuir o ritmo das inovações que vêm para ficar. Não pará-las”

Em geral, são conglomerados internacionais que dominam esse mercado. Não seria melhor ter mais lideranças locais? 

Esse é o meu papel. Quero colocar dinheiro em campeões nacionais do empreendedorismo. Estudo participação em 140 empresas brasileiras. Já há exemplos de sucesso, como a Nubank e a Stone. A ideia é garantir que surjam vários outros. Tenho observado setores como os de finanças, imobiliário, transportes, hospitalidade, mobilidade digital. Consigo fechar alguns dos negócios em trinta dias e outros estudarei anos antes de firmá-los. Aposto ainda que, nos anos vindouros, devem surgir no Brasil exemplos de empreendedores que virão de baixo, não da elite, e assim servirão de inspiração. Tecnologias como a internet têm democratizado o ato de empreender, ainda que o governo possa ajudar mais nisso também. Hoje em dia, as ferramentas para fazer um negócio estão na mão de qualquer um, em um smartphone. Ao se dar essa diversificação do perfil do empresário, incentiva-se a igualdade social.

O senhor enxerga boas perspectivas para o governo Bolsonaro, ainda que pesem as divisões políticas internas? 

Sempre existirão questões políticas para contornar. Uns veem em Bolsonaro um grande salvador. Outros o acham incapaz de tocar o país. Esse tipo de divisão extrema é, sim, ruim para o mercado. Nos Estados Unidos ocorre algo similar, com a rixa entre republicanos e democratas e o Congresso sem consenso. No Brasil, é claro, tudo se dá em outro nível. Enquanto se trocam ofensas no Congresso americano, trocam-se socos no Congresso brasileiro. Agora, o essencial é entender que um governante ruim pode no máximo diminuir o ritmo das inovações que vêm para ficar. Não pará-las. A SoftBank cresce com a certeza de que tudo mudará em nossa vida, com transformações protagonizadas por empresas, e logo nos tornaremos a companhia mais valiosa do planeta por ter incentivado essas inovações.

Publicado em VEJA, edição nº 2631

Casa de intolerância e do vale-tudo - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de S. Paulo - 19/04

Líderes do país promovem conflitos irresponsáveis; baderna institucional aumenta


O Brasil vive uma era de possibilidades ilimitadas, no mau sentido. A falta de modos políticos essenciais para a democracia não vem de hoje, mas a incivilidade ganha ares de nova etiqueta da elite deste país degradado.

Poucas lideranças parecem preocupadas ou capazes de medir a consequência de seus atos. Conflito institucional é nome elegante demais para o que se passa.

É melhor dar nome a alguns desses bois, antes de passar a mais abstrações.

O então juiz Sergio Moro pulava cercas legais a fim de dar impulso político a seus processos e juízos, como no caso do vazamento do grampo de Dilma Rousseff, mas não apenas.

Ministros do Supremo tomam decisões ou instituem inquéritos de legalidade avacalhada a fim de contra-atacar, com bons ou péssimos motivos, a militância politizada de procuradores, por exemplo. No meio da zorra, censuram a imprensa, como no caso da revista Crusoé.

Parte do Congresso (por revanche) e parte do bolsonarismo (em sua guerrilha antiestablishment) querem assediar, depor ou aposentar ministros do STF e controlar o Supremo.

O presidente da República e a falange da ala antissistema do bolsonarismo hostilizam o Congresso. Por atos e omissões, Bolsonaro ataca a ideia de governo articulado e organizado, a começar pelo seu próprio.

Parte relevante da elite econômica acredita que vale quase tudo a fim de implementar um programa econômico, sendo corresponsável pela degradação.

Por omissão, colaboração cúmplice ou mesmo militância feroz, aceita arreganhos autoritários e o envenenamento do convívio democrático. Despreza as ideias de que o país precisa de paz social mínima e a de que um governo precisa de líderes com um mínimo de capacidade administrativa, política e intelectual.

O vale-tudo começa com o laceamento da lei, a tentativa de passar do limite da responsabilidade para o território da irresponsabilidade, onde o folgado institucional tenta manipular o jogo político e legal.

Dão jeitinhos, burlam normas, “se colar, colou”, extrapolam seus poderes, interpretam liberalmente as regras, de acordo com sua conveniência e seu particularismo atrozes. Nesse terreno se constrói a casa de tolerância do malandro com aspirações autocráticas.

Dessas feitorias pioneiras do arbítrio, várias lideranças do país, públicas e privadas, lançam ataques umas contra as outras e contra direitos em geral.

Essa mesquinharia temperada de autoritarismo faz com que a desordem política e econômica seja cada vez maior, assim como o risco de um acidente ou atentado institucional mais grave.

Dessas feitorias pioneiras do arbítrio, várias lideranças do país, públicas e privadas, lançam ataques umas contra as outras e contra direitos em geral. Essa mesquinharia temperada de autoritarismo faz com que a desordem política e econômica seja cada vez maior, assim como o risco de um acidente ou atentado institucional mais grave.

Essa descrição sumária vale para aspectos do governo Dilma Rousseff, em que a corrupção ainda mais sistemática e o esbulho mais ou menos legal, mas imenso, das contas públicas se tornaram instrumento político básico.

Vale para aspectos da Lava Jato, do juizado Moro, das monocracias tumultuárias do Supremo. Vale para o governo Bolsonaro e para os jacobinos reacionários e iletrados do bolsonarismo. Vale para empresários que pagam para ver qualquer reforma e cobram qualquer preço deste país de democracia periclitante.

Trata-se apenas de um esboço preliminar de descrição da crise. Como chegamos a esse ponto é assunto para outras colunas, as quais, no entanto, talvez tenham de imediato de se ocupar do risco de chegarmos a um ponto sem volta. Acontece. Nem é preciso falar de Venezuela. Há exemplos mais próximos, do Rio à Argentina.

Os amigos do amigo - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S.Paulo - 19/04

Os apoios à investigação do STF ruíram quando Toffoli e Moraes a usaram para fazer censura


Ao sair da defesa para o ataque contra as fake news e os aloprados da internet, o Supremo virou uma metralhadora giratória que mistura, no mesmo alvo, notícia com fake news, jornalismo com linchamento das redes sociais. Nesse tiroteio, as balas ricocheteiam e atingem o próprio Supremo e diretamente seu presidente, Dias Toffoli.

Ao abrir de ofício uma investigação contra autores de fake news e de ataques que atingem a honra e a paz de ministros e seus familiares, Dias Toffoli selou uma aliança com o ministro Alexandre de Moraes que, num primeiro momento, teve a seu favor a justificativa da autodefesa e o apoio de diferentes setores também exaustos com a agressividade e a falta de limites das redes sociais. Alguém precisava dar um basta nessa escalada.

A justificativa ruiu e os apoios evaporaram quando Toffoli e Moraes usaram o inquérito não só para defender o Supremo e atacar fake news, mas para determinar uma ação incompatível com a Constituição, a democracia e, portanto, o Supremo: a censura da revista Crusoé e do site O Antagonista. E por quê? Por uma reportagem com base em documentos oficiais.

Foi assim que emergiram todas as críticas ao inquérito, aberto de ofício (sem consulta ao plenário), com um relator escolhido sem sorteio, com alvos indefinidos e burlando uma regra óbvia: quem investiga é a polícia e o Ministério Público. Nesse caso, o Supremo embolou tudo e é, ao mesmo tempo, vítima, investigador, acusador e julgador. Logo, lhe falta uma condição essencial à justiça: isenção.

A instituição se dividiu, com ministros acusando Toffoli e Moraes de usar o regimento interno a seu bel-prazer, porque o artigo 43 confere poder ao presidente de abrir inquérito de ofício quando a agressão é nas dependências do STF, o que não é o caso, certo? Mas o que detonou o bombardeio de críticas foi a censura, contrariando a Constituição e a liberdade de imprensa em favor do presidente da Corte.

Em meio a manifestações pela democracia, contra a censura, veio a operação de busca e apreensão da PF contra quem faz ameaças ao Supremo e a seus membros pelas redes, inclusive contra o general Paulo Chagas, ex-candidato ao governo do DF, que reagiu com ironia e insinuações.

O ápice da guerra, porém, foi quando a procuradora Raquel Dodge desautorizou a investigação do Supremo contra fake news, anulando todas as consequências resultantes dela, e o ministro Moraes negou. Criado o impasse, os dois lados tiveram de negociar e ceder. Moraes revogou ontem a censura aos sites, mas mantendo a investigação contra fake news e ataques ao STF. Tenta, assim, recuperar o discurso da autodefesa.

Quem deve estar soltando fogos é o presidente Jair Bolsonaro, que sai da linha de fogo, defende a liberdade de expressão e deixa o Supremo e seus ministros na mira da opinião pública. Ambos, presidente e STF, se autossabotam, com uma diferença: Bolsonaro faz um monte de bobagens, mas tem generais e economistas para apagar os incêndios, já o Supremo faz um monte de bobagens e os 11 ministros se limitam a jogar as culpas e labaredas uns para os outros.

Toffoli, aliás, cometeu um erro espetacular. A reportagem “O amigo do amigo do meu pai” só ganhou repercussão e teve impacto depois da censura, pois contém uma mera insinuação, com Marcelo Odebrecht confirmando que Toffoli – amigo de Lula, que é amigo de Emílio Odebrecht –, é o tal “amigo” da delação. Mas era acusado de quê?

Só depois da censura a coisa mudou de patamar: todos correram para ler a reportagem e as insinuações passaram a pairar como suspeitas. O “amigo” era só uma citação, agora virou suspeito. E as instituições é que pagam o pato.

O mal do populismo econômico - EDITORIAL GAZETA DO POVO

GAZETA DO POVO - PR - 19/04


Em 2016, o economista Nicolás Cachanosky, professor na Metropolitan State University em Denver (EUA), escreveu um ensaio sobre quatro etapas do populismo econômico, no qual ele fala do caminho que o populismo percorre desde a indignação com a pobreza até as consequências das soluções aparentemente humanas, porém, desastrosas em relação à pobreza. Tomando dados da realidade e estudos antes feitos por outros economistas, ele diz que os programas populistas em geral incluem forte intervenção do estado na economia, incentivo desordenado ao consumismo, descaso com os investimentos de longo prazo, excesso de gastos, déficits públicos e endividamento do governo.

As receitas populistas prometem dar mais aos pobres – dinheiro, assistência social, mercadorias, etc. –, sob o argumento de que isso é mais importante do que a preocupação com déficit do orçamento governamental. Cachanosky lembra que a história tem demonstrado que, além de ser um modelo insustentável no longo prazo, o populismo econômico percorre vários estágios desde sua implantação até o fracasso inevitável. Como prova, o economista toma o exemplo de vários países, entre eles a Argentina, a Venezuela e, ainda que em grau diferente, o Brasil.

A expressão “os quatros estágios universais inerentes ao populismo” já estava presente em artigo publicado no ano de 1990, sob o título Macroeconomic Populism, por dois renomados economistas, Rudiger Dornbusch e Sebastián Edwards, no qual eles explicam o percurso das políticas populistas até produzirem resultado oposto ao pretendido, ou seja, piorando a vida das pessoas. O populismo tem, entre outras, a característica de prometer soluções simples para problemas complexos, em geral tentando mostrar que o governo pode tudo e que os problemas somente existem porque os governos adversários foram incompetentes.


O populismo econômico percorre vários estágios desde sua implantação até o fracasso inevitável
Governantes populistas costumam lançar a culpa de todos os males aos governos que lhes foram adversários e, ao mesmo tempo, se apresentam como os salvadores da pátria. Os quatro estágios do populismo são os seguintes: Estágio 1. O populista dá ênfase a tudo que vai mal na economia e na vida social, em seguida ele cria programas assistencialistas e paternalistas que atacam os sintomas, sem resolver as causas reais dos problemas, e a sequência é sempre a mesma: aumento dos gastos, inchaço da máquina pública, mecanismos de financiamento para o consumismo e, por óbvio, estouro das contas do governo.

Inicialmente, tais medidas parecem funcionar, a população sem conhecimento da complexidade do funcionamento da economia acredita no “milagre”, e o populista posa de pai dos pobres. Isso já ocorreu no Brasil, na Argentina, na Venezuela e em vários países latino-americanos. Quando produtos básicos como energia, combustíveis, telecomunicações e transportes são fornecidos por empresas estatais, os populistas passam a controlar preços – como fez Dilma com a energia e os combustíveis –, as empresas caem nos prejuízos, entram em dívida e, mais à frente, caminham rumo à insolvência, que somente não ocorre porque o povo é chamado a pagar a conta via aumento dos tributos.

Estágio 2. Depois de uma fase inicial de euforia – como aconteceu em 1986, com o Plano Cruzado do governo Sarney –, problemas começam a aparecer: inflação, desorganização do sistema de preços, escassez de produtos, a produção nacional se desacelera, o desemprego aumenta e a dívida pública explode. Nesse momento, os demônios de plantão, segundo a propaganda do governo, passam a ser os empresários, os especuladores, os investidores financeiros e os capitalistas. Claro, a estratégia do governo é criar inimigos para não assumir que o erro é o programa populista em si. Todos, rigorosamente todos, os governos populistas deixam um rastro de inflação, desemprego e retorno da pobreza agravada.

Estágio 3. Neste estágio, com a queda da produção, o desemprego, a inflação e crises de abastecimento – receita que a Venezuela está assistindo há muito tempo –, o resto do mundo deixa de acreditar na capacidade de o país sair do atoleiro, os investidores internacionais retiram seus capitais, os bancos estrangeiros negam novos financiamentos, o balanço com o resto do mundo entra em déficits, o preço do dólar explode e a fuga de capitais começa – como ocorreu na Argentina –, e aí a crise geral se agrava, com diminuição de produto, renda e emprego. Nesse ponto, apesar da crise, o setor estatal aumenta impostos e torna-se ele próprio agente concentrador de renda em favor dos políticos e dos funcionários públicos, já que para estes não há desemprego.

Estágio 4. Se o país for democrático, o governo populista é posto fora por meio de eleições, e o novo governo tem de enfrentar as distorções e adotar medidas duras e impopulares, pois os ajustes, embora duros, se tornam necessários para recolocar o país no rumo certo, aumentar a produção e reduzir o desemprego. Uma regra é implacável em economia: um povo somente consome o que ele próprio produz, logo, os governos sucessores dos populistas não escapam de amargar impopularidade para consertar a confusão e o empobrecimento da nação.

As lições da história estão aí, o populismo é um mal, cujo exemplo atual mais visível é a Venezuela, que agregou um componente criminoso: o crescente número de pessoas assassinadas por causa dos confrontos políticos causados por um governo populista que destruiu a economia e empobreceu a população.

Em busca da coalizão - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 19/04

O presidente Bolsonaro está em busca de um modelo de negociação com os partidos que pressupõe o fim do chamado de “tomada-lá-dá-cá”, mas não tem proposta para viabilizar uma relação que permita ao governo ter uma base política sólida. Por isso até agora não conseguiu grandes avanços nas negociações da reforma da Providência.

Ele tem a intenção de fazer maiorias eventuais, dependendo de cada projeto que o governo apresente. Mas o que parece uma boa ideia pode sair muito mais caro, e não apenas na barganha de votos por vantagens indevidas. Pode sair mais caro do que negociar um programa de governo que inclua todos os projetos importantes.

Sabe-se, por exemplo, que o superministro da Economia Paulo Guedes tem uma série de reformas engatilhadas: tributária, pacto federativo, e por aí vai. Por que não reunir os partidos que podem compor a base, além dos que eventualmente o apoiarão pontualmente, como DEM ou o PSDB, e não negociar um programa de governo, pelo menos na área econômica?

Maiorias eventuais são incertas e obrigarão o governo a negociar a cada reforma, e por isso pode sair mais caro, mesmo quando exista uma negociação republicana. Governar com minoria é possível, mas não quando se precisa mudar a Constituição, o que exige maioria qualificada, ou seja, 60% dos votos de cada Casa do Congresso, em duas votações.

O presidente Bolsonaro iniciou seu governo pensando em negociar com o que definiu como “bancadas temáticas”: segurança, saúde, evangélica, corporativas, do agro-negócio, e assim por diante. Não deu certo.

Sem perceber, estava formalizando o lobby parlamentar ilegal, pois ele hoje não está regulamentado. E estimulando reivindicações especificas de cada setor, sem que uns se adequem aos interesses dos outros, e muito menos aos do país.

As “bancadas temáticas”, que perpassam os diversos partidos com representação no Congresso, não influem no seu funcionamento cotidiano, que está subordinado às hierarquias partidárias. São as direções dos partidos que disputam o comando das comissões mais importantes, como a de Constituição e Justiça que está analisando agora a reforma da Previdência, e escolhem seus representantes nelas.

São também os líderes partidários que negociam com os governadores a nível regional, com reflexos na atuação das bancadas estaduais no Congresso. Dessa troca de apoios e interesses é que nascem a aprovação a este ou àquele projeto, e de maneira mais ampla, o apoio ao governo federal, indispensável para governar.

Por isso é importante que o presidente da República receba os líderes e, sobretudo, tenha uma relação de confiança com eles. Ou isso, ou a base será formada a partir de trocas não confiáveis. Imaginar que esta última é a única fórmula de lidar com o Congresso é negar a política como instrumento de ação pública.

Não há dúvida de que foi esse o sistema em vigor nos governos petistas, e Bolsonaro conhece bem as entranhas do Congresso, embora fosse do baixo clero. O presidencialismo de coalizão foi se deteriorando com a adoção desse atalho, e a cada governo foi piorando, até que chegássemos à situação atual.

Para retomarmos a boa pratica política, é preciso que ambos os lados tenham confiança mútua, e isso ainda está para ser provado neste governo. Bolsonaro age com desconfiança e passa esse sentimento para os políticos com quem negocia.

Os políticos sérios, e os há, por sua vez, não aceitam que os interesses regionais que defendem sejam confundidos com barganhas inconfessáveis.

Vitória da democracia

A revogação da censura decretada pelo ministro Alexandre de Moraes ao site O Antagonista e sua revista Crusoé é a vitória da democracia no que ela tem de mais representativo: a pressão da opinião pública, apoiada em sua legítima representante, a imprensa livre.

Nunca é demais repetir que, no sistema democrático, a representação é fundamental, e a legitimidade da representação depende muito da informação. Os jornais nasceram no começo do século XIX, com a Revolução Industrial e a democracia representativa.

Formam parte das instituições da democracia moderna. A “opinião pública” surgiu através principalmente da difusão da imprensa, como maneira de a sociedade civil nascente se contrapor à força do Estado absolutista e legitimar suas reivindicações.

Não é à toa, portanto, que o surgimento da “opinião pública” está ligado à formação do Estado moderno.

Aceno de paz - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 19/04

É de reconhecer que o aceno de paz feito por Jair Bolsonaro para a imprensa é uma grata – e importante – surpresa


O presidente Jair Bolsonaro fez um gesto que, dadas as atuais circunstâncias de polarização do País, merece o devido registro. Em discurso durante a cerimônia de comemoração do Dia do Exército, no Comando Militar do Sudeste, em São Paulo, ontem, Bolsonaro fez um aceno à imprensa, afirmando que, apesar de “alguns percalços entre nós, nós precisamos de vocês (profissionais da comunicação) para que a chama da democracia não se apague”.

Noutras circunstâncias, talvez essas palavras pudessem soar corriqueiras, quase banais, frente aos princípios que regem um Estado Democrático de Direito. No entanto, diante do histórico do presidente Jair Bolsonaro, elas adquirem relevância especial.

Levantamento feito pelo Estado mostrou que, nos primeiros dois meses e meio de governo, o presidente Jair Bolsonaro usou 29 vezes sua conta no Twitter para publicar ou compartilhar mensagens nas quais criticava, questionava ou ironizava o trabalho da imprensa brasileira.

No discurso que pronunciou no Comando Militar do Sudeste, utilizou um tom muito diferente. “Precisamos de vocês (profissionais da comunicação) cada vez mais. Palavras, letras e imagens que estejam perfeitamente irmanadas com a verdade. Nós, juntos, trabalhando com esse objetivo, faremos um Brasil maior, grande e reconhecido em todo o cenário mundial”, afirmou o presidente.

Ao reconhecer a importância do trabalho da imprensa para a democracia, o presidente Jair Bolsonaro está igualmente reconhecendo a importância de um jornalismo livre e independente. Não há possibilidade de a imprensa realizar seu trabalho – não há jornalismo – se essa imprensa estiver, de algum modo, atrelada ou submetida aos interesses do governo. Só existe imprensa digna desse nome se, de fato, for uma imprensa livre, sem amarras políticas ou ideológicas.

A referência à imprensa feita pelo presidente Jair Bolsonaro na quinta-feira passada terminou com um voto de que “as pequenas diferenças fiquem para trás”. Com esse gesto, é de esperar que a atuação do presidente, especialmente nas redes sociais, ganhe novos contornos. Não faz nenhum sentido que o presidente da República reconheça a importância do trabalho de uma imprensa livre para a democracia e depois, nas redes sociais, transforme essa mesma imprensa no seu grande inimigo. Como disse o presidente Bolsonaro, as palavras devem estar “perfeitamente irmanadas com a verdade”.

De igual modo, é possível ver no gesto de conciliação do presidente Jair Bolsonaro com a imprensa mais do que um aceno aos meios de comunicação. Nas palavras amenizadoras do chefe do Executivo, também se pode vislumbrar uma tentativa de arrefecer as tensões entre os Três Poderes, o que é uma urgente prioridade.

É extremamente prejudicial ao País esse clima de beligerância envolvendo Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público. O Estado deve tender a uma atuação harmoniosa, congraçando esforços em prol do interesse público. É absolutamente normal que haja tensões e atritos. Não é normal, no entanto, um clima de contínua desconfiança entre os órgãos estatais, com agentes públicos partindo do pressuposto de que o outro ente público atua de forma ilegal.

Não há dúvida de que o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe têm responsabilidade na formação e consolidação desse clima de beligerância que se instalou no País. Esperava-se que, depois das eleições e principalmente depois da posse, Bolsonaro fosse descer do palanque e assumir o cargo com uma atitude de reconciliação e unidade nacional. Nos primeiros 100 dias de governo, não se viu tal disposição. Ao contrário, o presidente e seus familiares se envolveram diretamente em várias situações de recrudescimento da polarização. Tal modo de proceder repercutiu nas redes sociais, com bolsonaristas promovendo um inflamado embate contra lideranças do Congresso e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Frente a isso, é de reconhecer que o aceno de paz feito pelo presidente Jair Bolsonaro na quinta-feira passada é uma grata – e importante – surpresa. Seria irresponsável desperdiçar essa oportunidade de recomeço.

Reclamar do técnico quando time está perdendo é "jogar contra"? RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR - 19/04

A eleição de Bolsonaro despertou muita expectativa positiva na direita em geral, apesar do ceticismo dos liberais por conta de seu passado estatizante e de uma base militante reacionária. Com a equipe montada por Paulo Guedes, porém, a esperança se justificou. Mas faço uma constatação de um fato inegável: desde então, em poucos meses, o clima azedou e muitas trapalhadas explicam maior desconfiança ou pessimismo.

Diante disso, os liberais e também muitos conservadores passaram a tecer mais críticas ao governo, tentando reverter o quadro, consertar o rumo. Perceberam um foco equivocado do presidente, em pautas mais ideológicas num momento em que é crucial aprovar a reforma previdenciária – até para permitir mudanças nas outras áreas. Ficaram assustados com o grau de intransigência da ala ideológica. E cada vez mais gente passa a concordar com Janaina Paschoal: muitos bolsonaristas são petistas com sinal trocado, usando os mesmos métodos.

Quando você entra no jogo cheio de esperança, torcendo para “seu time”, e começa a ver a derrota iminente, um risco até de goleada, o que fazer? Por experiência sabemos: todos passam a criticar o técnico, cobrar mudanças de atitude, substituições. Alguns até passam a xingar o técnico de burro para baixo, às vezes de forma injusta e depositando no técnico um poder miraculoso que ele não possui. Mas eis o ponto: critica-lo nessa ocasião não é torcer contra o time. Ao contrário: é tentar salva-lo!

Muitos bolsonaristas, porém, não conseguem compreender essa lógica. Passaram a enxergar toda crítica, mesmo da direita, como coisa de inimigo mortal, de oposição, de quem torce contra o governo. Quem torce contra o governo não quer ver a reforma previdenciária passar! Quem, ao contrário, faz de tudo para mostrar que, sem mudança de postura, a reforma não passa e a conta cairá diretamente sobre o “técnico”, está tentando ajudar.

Carlos Alberto Sardenberg fez um bom resumo da perda gradual de confiança no governo:

Tudo considerado, as expectativas estão piorando. Estavam bastante elevadas logo após a eleição de Bolsonaro e subiram ainda mais quando se formou a equipe de Paulo Guedes. Mais ainda com as juras de reformas macro e micro e privatizações em massa, além de autonomia das estatais e agências.

Aí surgem os “pequenos” problemas. Algumas péssimas escolhas ministeriais, brigalhada dentro do governo, lideranças ineficientes no Congresso, caneladas nos políticos, os da velha e da nova, ataques a Rodrigo Maia, o grande defensor das reformas econômicas, o caso Petrobras, as derrotas na Câmara.

Tudo coisa que pode ser consertada, mas a sequência certamente reduz a crença na capacidade do governo (e de Guedes) de entregar a política econômica tão apoiada. Não é por acaso que as expectativas de crescimento para este ano são cada vez menores.


O mercado vai ajustando as expectativas, pois o sucesso dos investidores depende de resultados concretos, não de expectativas vazias. Já a militância virtual, cada vez mais fanática e “casada” com seu “mito”, não importa o que ele faça, segue fechada na bolha, atacando todos os críticos, toda a imprensa, como se quem fizesse críticas ao presidente quisesse seu fracasso.

“Estão armando para o presidente, querem derruba-lo de qualquer forma”, escreveu uma leitora. Ora, ele vai cair justamente se a reforma não for aprovada! Um impeachment é muito mais provável se o dólar for para R$ 5 e o desemprego subir para 15 milhões do que se a economia voltar a crescer – o que depende da aprovação da reforma.

“Você posta alguma coisa positiva sobre o governo?”, perguntou outro leitor. Basta acompanhar meu blog para saber que sim. Mas se percebo que há cada vez mais erros e trapalhadas, colocando em risco as reformas e o próprio governo, como não apontar para essas falhas?

“O fato de retratar outros assuntos infere, automaticamente, em não se importar com a reforma da previdência?”, questionou outro leitor “decepcionado” comigo. Questão de foco e prioridade! A reforma previdenciária subiu no telhado e o presidente faz “live” sobre índios? Qual mensagem isso transmite?

Resumo da ópera: alguns de nós, liberais e conservadores, percebemos equívocos graves do governo, que colocam em xeque o sucesso das reformas. Vendo a coisa com risco de degringolar bem diante de nossos olhos, e sabendo do perigo disso para a volta da esquerda, subimos o tom das críticas, gritamos até, para ver se cai a ficha do presidente e se ele se afasta da base mais fanática para priorizar as reformas e focar nos resultados concretos.

Mas tais críticas são vistas pela militância como “traição”, pois o importante, para essa turma, é sempre aplaudir o “mito”, mesmo que o time leve de goleada. “Você queria Ciro Gomes no poder?”, pergunta um militante irritado com minhas críticas. Cruzes! E é justamente esse o meu ponto: se o governo naufragar, o que vai acontecer sem reformas, vem aí um Ciro Gomes da vida!

Os bolsonaristas vão acusar tudo e todos, a imprensa, o Congresso, o STF e até o vice-presidente Mourão, alegando que seu “capitão” foi abandonado, traído. Mas isso em nada ajudará. Será tarde demais. Manter a aura de purista vítima de uma conspiração de bordel pode gerar uma satisfação psicológica, mas não vai reduzir o desemprego, tampouco impedir a volta da esquerda ao poder.

Entenderam a necessidade das críticas, meus caros? Inimigo e traidor é aquele que finge que tudo vai muito bem, que o time está ótimo, enquanto a zaga bate cabeça, os laterais não correm e o goleiro começa a levar frango atrás de frango.

Rodrigo Constantino

Porque a liberdade de expressão existe, nem tudo é permitido - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 19/04

Enquanto a lei for a lei, que se siga a lei, ou restam paus, pedras e balas


O Supremo fez o certo ao levantar a interdição a textos publicados por um site e uma revista digital. Tratava-se de um erro. Foi o que escrevi de imediato no meu blog e o que afirmei em meu programa de rádio. Ainda volto ao ponto.

Dito isso, vamos ver: estão misturando por aí alhos e bugalhos. A liberdade de expressão está acima de qualquer outro valor? Se está, então é Deus, e tudo é permitido. Se não é —apologia da pedofilia, por exemplo, do racismo ou do extermínio de míopes ou de consumidores de Chicabon—, é preciso ver se crimes são cometidos sob o seu manto.

No Brasil, as pessoas podem falar e escrever o que lhes der na telha. Inexiste censura prévia, e é isso o que a Constituição repudia. Mas não quer dizer que estejam imunes a consequências legais. Nem devem estar. O artigo 5º, que veda a interdição à livre manifestação do pensamento, também protege a honra, e os crimes cometidos contra ela estão tipificados nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal. Valem ou não?

Está aí o Sergio Moro para toda obra. Ele poderia apensar a seu pacote anticrime —aquele que concede licença para matar e, se aprovado, transformará miliciano em herói dos direitos humanos— a extinção, na esfera penal, dos crimes de calúnia, difamação e injúria. Aí teremos também os milicianos da reputação alheia! Todo o resto se resolveria na esfera cível. E, ainda assim, na proteção de caluniadores profissionais, alguém haveria de pedir que o caluniado provasse a sua inocência, como virou moda na Lavajatolândia.

Enquanto a lei for a lei, que se siga a... lei. Ou restam paus, pedras e balas. Chamar publicamente, por exemplo, uma deputada ou outra mulher qualquer de “puta”, entre outras delicadezas, é crime? Sim. Não estou dando uma opinião. Eu acho que deve continuar a ser crime? Sim. E isso é uma opinião.

Haver uma sanção penal decorrente do ataque à honra sufoca a liberdade de expressão, agredindo um direito fundamental? Não. Parece-me só um desagravo a outro direito fundamental. Até porque escolher o caminho do ataque criminoso à honra alheia continuará a ser uma escolha.

E, ainda que tudo fosse permitido, restaria São Paulo, o apóstolo: “Posso tudo, mas nem tudo me convém”. Só nas tiranias algumas pessoas podem tudo. A democracia é o regime em que nem tudo é permitido justamente porque ela garante direitos. “Mas chamar uma pessoa de ‘puta’ deve render cadeia?” Sou um bom leitor de “Dos Delitos e das Penas”, de Cesare Beccaria. A sanção tem de ser proporcional ao crime. A minha resposta é “não”.

Entendo, no outro caso momentoso, que o presidente do Supremo, nas circunstâncias dadas, seguiu o artigo 43 do Regimento Interno, recepcionado com força de lei pela Constituição, quando determinou a abertura de um inquérito para apurar fake news e outras agressões industriadas contra o tribunal.

Aí se deu um vazamento ilegal de peça que nem ainda integrava o processo. O crime foi cometido pelo servidor a quem cabia guardar o sigilo. Tem de ser investigado. Ainda que não se tratasse de censura prévia, foi uma boa ideia mandar retirar do ar os textos que têm como objeto o tal vazamento? Não.

A propósito: quando Luiz Fux impediu a colunista Mônica Bergamo de entrevistar Lula —impondo ao jornal, aí sim, censura prévia—, onde estavam alguns dos mais entusiasmados e supostos críticos do que agora chamam “censura”? Ora, aplaudindo a decisão —e isso inclui os veículos que foram alvos da interdição. Embora um caso ofenda o valor constitucionalmente protegido (a decisão de Fux), e o outro não —basta ler a Carta—, a minha opinião foi a mesma em ambos: publique-se!

Os dias não andam fáceis. Defensores da ditadura e do golpe se fazem agora de paladinos da liberdade de expressão. Em alguns casos, são os mesmos que mandam recados aos ministros do Supremo: “Não ousem soltar Lula ou...”. Sabem como é: liberdade de expressão...

Sempre tomo muito cuidado com oportunistas que se aproveitam das prerrogativas da democracia para lhe mudar os códigos, de sorte que as garantias que o regime oferece se transformam em armas para solapá-lo. Em nome dos meus valores, não posso conceder a falanges a licença para destruí-los.

Até porque estas mesmas, em nome de sua própria e peculiar moral, não hesitariam em fazê-lo, mesmo sem a minha complacência. Acho que os artigos 138, 139 e 140 do Código Penal e o combate a vazamentos criminosos protegem a democracia. Não por acaso, “nunca antes na história deste país” tantos fascistoides defenderam a liberdade de expressão.

Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.