quinta-feira, agosto 04, 2016

Dimensão da crise - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 04/08

Há indicadores positivos na economia, como o quarto mês seguido de alta na produção industrial, em junho, mas a indústria deve terminar o ano 6% menor do que 2015, que já havia sido ruim. O saldo comercial é recorde, mas a corrente de comércio, que soma exportação e importação, é US$ 154 bi menor do que 2011. É preciso ver os avanços sem perder de vista o quanto ainda se tem que recuperar.

A retomada pode surpreender e acontecer mais rapidamente. A economia brasileira é resiliente e costuma reagir às crises em curto tempo. Esta, no entanto, tem dimensões inéditas e ocorre no meio de uma vasta crise política. É preciso cautela nas projeções tanto negativas quanto positivas. Desde a saída da presidente Dilma, em maio, houve melhoras em vários indicadores de confiança e até mesmo de atividade, como se vê na produção industrial. Mas a recuperação de tudo o que foi perdido ainda é muito incerta. Há economistas que acham que levará anos, e não meses.

Um dos pontos de melhora tem sido as contas externas, puxadas pelo comércio externo. O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, explica que apesar do recorde do saldo comercial do país este ano, a corrente de comércio desabou nos últimos anos. E esse é o indicador mais importante porque engloba tanto as exportações quanto as importações, que mostram o vigor do consumo, produção e dos investimentos. Em 2011, a corrente de comércio chegou ao recorde de US$ 482 bilhões; este ano, fechará em US$ 328 bi, segundo projeção da AEB. Um tombo de 32%.

— Estamos falando de uma perda de cerca de US$ 154 bilhões este ano. O impacto disso no emprego é muito grande. O Brasil se fechou ao comércio internacional e sente a queda dos preços das commodities. A alta do dólar não ajudou muito os exportadores, e isso tem mostrado que nosso grande problema continua sem solução, que é a falta de competitividade — disse José Augusto de Castro.

O IBGE informou esta semana que a produção industrial está 18% abaixo do pico registrado em junho de 2013, 9% abaixo do ano passado, apesar de ter crescido pelo quarto mês seguido. A produção de bens de capital está em alta desde janeiro, mas acumulou uma queda de 26%. Pelas estimativas da Tendências Consultoria, a indústria brasileira ainda precisará de mais quatro anos para voltar a esses níveis. O economista Rafael Bacciotti explica que as projeções indicam que 2016 fechará com uma retração de 6% na indústria, com um leve crescimento no ano que vem, de 2,7%.

— O crescimento nos últimos meses sugere que há um ponto de inflexão na indústria. Mas há vários riscos. Parte dessa alta aconteceu via substituição de importação, e o real agora está se valorizando. Além disso, houve recomposição de estoques, mas nada indica que o consumo voltará com força, por causa do mercado de trabalho — afirmou.

A perda de empregos formais, segundo os dados do Caged, foi de 1,54 milhão no ano passado, com mais 531 mil no primeiro semestre deste ano. Tendo como base estimativas de crescimento do PIB do Boletim Focus, com a mediana de 100 instituições do mercado financeiro, a Go Associados chegou à conclusão de que, nesse ritmo, apenas em 2020 o país irá recuperar esses empregos, porque até lá 7,8 milhões de jovens estarão entrando no mercado de trabalho.

O Ibre/FGV calcula que o PIB do país já encolheu 7,1% desde o início da atual recessão, que começou, pelos critérios do instituto, no segundo trimestre de 2014. Ontem, falando no Rio, o ministro Henrique Meirelles lembrou que esta é a pior recessão desde que o PIB é calculado, em 1901. Não é fácil sair de um buraco como este.

O governo acredita que a retomada da confiança, que se vê em algumas sondagens de perspectivas econômicas, pode mudar o quadro da economia. Essa confiança é volátil e pode se reverter se o governo não tomar decisões que confirmem essas expectativas. Se houver motivos para a mudança de humor, a economia pode surpreender favoravelmente. Por enquanto, contudo, a incerteza política complica as projeções da economia.

Segurança improvisada - MARCO AURÉLIO CANÔNICO

FOLHA DE SP - 04/08

Organizar a segurança de uma Olimpíada, o mais complexo evento que o Rio já sediou, é um pesadelo logístico.

Exatamente por isso, requer coordenação e planejamento. Duas coisas que claramente faltaram ao governo federal, ao menos na hora de definir quem faria a revista de público na entrada das arenas esportivas.

A tarefa seria da Força Nacional, mas, num primeiro fiasco, o governo não conseguiu reunir os 9.600 agentes previstos —eles são cedidos pelos Estados e, como o Rio Grande do Norte vem mostrando, são poucos os que podem liberar seus PMs, bombeiros e policiais civis.

Com apenas 6.000 homens disponíveis para a força, armou-se uma licitação às pressas para contratar agentes privados e tentou-se barateá-la ao máximo —ainda assim, custaria R$ 17,3 milhões. Não podia resultar diferente: a empresa vencedora, Artel Recursos Humanos, não tinha experiência nem capacidade de cumprir o contrato.

Não obstante, o governo federal chancelou o bizarro processo de contratação de mão de obra, dando certificados oficiais do Ministério da Justiça a qualquer um que tivesse ensino médio, assistisse a uma palestra e passasse em um teste on-line de 20 questões. Segundo fiasco.

Nem com esse critério elástico de admissão a Artel conseguiu fornecer o total de homens previsto. Com a operação olímpica já funcionando —atletas, equipes e jornalistas ocupando arenas e suas respectivas vilas—, o Comitê Organizador sentiu o drama e precisou chamar uma outra empresa para fazer a revista.

Foi apenas quando faltavam sete dias para a abertura que o governo se deu conta do tamanho do problema e partiu para um novo remendo: chamar 3.400 PMs e bombeiros inativos, que custarão ao menos o dobro do que a licitação previa. Terceiro fiasco e, espera-se, o último.

Tentativas vãs - MERVAL PEREIRA

O Globo - 04/08

À medida que o processo de impeachment caminha no Congresso, a realidade vai demonstrando que a retórica política do golpe não tem base. A cada passo, os parlamentares que defendem a presidente afastada tentam diversos recursos tendentes a protelar o resultado final.

O que está implícito é evidenciado pelos recursos abusivos, que demonstram, por palavras e atos, que o objetivo é adiar o máximo possível a transformação de Michel Temer de interino em presidente completo, que representará o país com plenos poderes na reunião do G-20 na China, em setembro.

Já não há mais a esperança de mudar a tendência do Senado a favor do impeachment da presidente Dilma. O advogado de defesa, ex-ministro José Eduardo Cardozo, chega ao cúmulo de querer convocar mais 20 testemunhas na próxima fase do processo, quando está estabelecido que o máximo é de 5 testemunhas.

Alega que são quatro acusações, num malabarismo jurídico que chega a ser cômico, se não fosse a triste imagem de uma atuação voltada para ações procrastinatórias. Há também os recursos ao Supremo Tribunal Federal, como agora, querendo discutir os prazos que ainda restam para a votação final.

O presidente do Senado, Renan Calheiros, chegou à conclusão de que é possível encerrar o processo ainda em agosto, e não há nada de mais em que esse prazo seja estabelecido com vistas a permitir que o país tenha um presidente em plenos poderes na sua primeira viagem internacional.

Aliás, o interesse do país é que esse assunto seja encerrado o mais rápido possível, e só mesmo com má-fé é possível dizer que o direito de defesa da presidente afastada não foi respeitado. Os diversos recursos protelatórios, sejam à comissão do impeachment, ou ao STF, só fazem validar o processo como um todo, por mais que falem em golpe parlamentar.

A cada apelo que encaminham ao Supremo Tribunal Federal, mais estão validando o processo. Da mesma forma, revela-se apenas uma ação de marketing político a denúncia da defesa do ex-presidente Lula junto à Comissão de Direitos Humanos da ONU.

Só existe a possibilidade de que esse órgão se pronuncie, e mesmo assim sem capacidade de interferir na Justiça local, se todas as instâncias tiverem sido esgotadas, o que no caso de Lula não é verdade. Alegam seus advogados que todo o sistema jurídico brasileiro está contaminado por uma conspiração contra o ex-presidente, inclusive do STF que, por acaso, tem 8 dos 11 ministros nomeados por Lula ou Dilma.

Toda a base da argumentação é a origem proletária de Lula, que é perseguido pela elite brasileira que não se conformaria com um ex-operário ter chegado a presidir o país com apoio popular. Ora, é um raciocínio que não se sustenta, pois Lula não chegaria aonde chegou sem o apoio dessa mesma elite que hoje ele critica, mas que já foi sua aliada.

Somente as benevolências que recebeu das empreiteiras, e seu trabalho a favor delas em vários países do mundo, seriam suficientes para demonstrar que não há nenhuma elite perseguindo Lula. Ou pelo menos que ele tem o apoio de uma boa parte da elite.

Ele mesmo já admitiu diversas vezes que os banqueiros, por exemplo, nunca ganharam tanto dinheiro em seu governo. Não há perseguição alguma. Há, sim, ao contrário, a Justiça agindo sem proteção aos membros da elite brasileira, da qual Lula é um dos maiores símbolos.

Lula reage exatamente como os empresários e políticos que estão sendo atingidos pela Operação Lava Jato. Uma reação natural de pessoas privilegiadas que pensavam estar acima da lei. Como Lula se julga.


Rumo ao pódio - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 04/08

Ao assumir a presidência da Câmara, o deputado Rodrigo Maia prometeu encerrar a novela da cassação de Eduardo Cunha. Ninguém aguenta mais a trama, mas ela deve ganhar novos capítulos. Uma articulação liderada pelo Planalto está prestes a prorrogar a sobrevida do correntista suíço.

Antes do recesso branco, Maia indicou que a cassação seria votada na primeira quinzena de agosto. Nesta semana, ele mudou o tom e sugeriu que o caso pode ficar para setembro. Se a manobra colar, o problema passará a ser a eleição municipal, que costuma deixar Brasília às moscas até o fim de outubro.

O Planalto quer adiar o desfecho do caso para evitar que a cassação seja votada antes do julgamento final do impeachment no Senado. O motivo é simples: Cunha já avisou que vai retaliar quem não demonstrar empenho para salvar seu mandato.

Quem conhece o arsenal do peemedebista sabe que ele tem munição suficiente para atingir o núcleo do governo Temer. Por isso, o governo interino quer mantê-lo calmo e sob controle. Pelo menos até se tornar permanente, com o afastamento definitivo de Dilma Rousseff.

No próximo dia 20, completará um ano a primeira denúncia contra Cunha ao Supremo. Ele já virou réu por corrupção e já foi afastado do cargo. Mesmo assim, continua a ter influência e a receber salário de deputado.

Nesta semana, Rodrigo Maia foi pressionado por vários partidos a marcar data para o fim da novela. Ele só se comprometeu a ler o pedido de cassação do correntista suíço. Isso incluirá o caso na pauta, mas não garante que ele será votado.

Aliados do novo presidente da Câmara já o avisaram de que ele será responsabilizado caso Cunha consiga se salvar. Nesta quarta (3), o deputado teve uma amostra disso. Em tempo de Olimpíada, a pequena bancada do PSOL montou um "pódio da cumplicidade" para protestar contra o novo adiamento da cassação. Maia foi agraciado com o primeiro lugar.

Por que o Rio quebrou? - CID BENJAMIN

O GLOBO - 04/08

Estado deixou de arrecadar R$ 185 bilhões com ICMS, por conta de isenções a grandes empresas


O Estado do Rio está quebrado. A afirmação não é nova. O próprio governador decretou calamidade pública. Mas o Rio não quebrou por algum desastre natural. Quebrou por práticas indefensáveis e inaceitáveis de seus governantes.

Cabral, Pezão e, agora, Dornelles culpam a queda do preço do petróleo, e a consequente diminuição das receitas dos royalties, pela situação. É meia verdade. E, como muitas meias verdades, esconde uma enorme mentira.

Vamos deixar de lado as denúncias das comissões que teriam sido recebidas por autoridades, encarecendo as obras públicas. Afinal, são feitas por empresários confessadamente corruptos que tentam diminuir as penas com “delações premiadas”. É preciso esperar pela manifestação final do Judiciário.

Para explicar a falência do estado, e sem acusar quem quer que seja de corrupção, vamos nos ater ao que está documentado: os favores a grandes empresas e a farra das isenções fiscais.

Antes de tratarmos das concessões mais volumosas, vale a pena fazer registros que são pitorescos. Dentre as empresas agraciadas com isenções fiscais, uma é a Termas Solarium. Outra, os cabeleireiros Werner. Uma terceira, as joalherias H. Stern. Fica a dúvida sobre os critérios para as isenções.

Outro fato inusitado: em dezembro de 2015, tomando uma decisão a que não estava obrigado, Pezão resolveu pagar a conta de luz da subsidiária da Odebrecht que opera os trens da SuperVia, no valor de R$ 38 milhões. A justificativa? As tarifas de energia subiram mais do que o previsto e, por isso, a margem de lucro da empresa foi menor do que o esperado. Ora, as tarifas subiram para todos os consumidores. Por que o presente de Natal para a Odebrecht?

Mas — é forçoso reconhecer — embora isso tudo seja grotesco, não foi o que quebrou o estado.

Vamos, então, ao cerne da questão, com números do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Entre 2005 e 2015, o governo arrecadou R$ 236 bilhões com o ICMS — a sua segunda fonte de receita, logo depois dos royalties do petróleo. Mas — pasmem! — deixou de arrecadar R$ 185 bilhões com o mesmo imposto, por conta de isenções a grandes empresas. É estarrecedor.

Para cada real que arrecadou de ICMS, o estado isentou R$ 0,78.

Mesmo em 2015, já em declarado estado de crise, com os salários de servidores em atraso, hospitais fechados e a Uerj inviabilizada, foram mais de R$ 36 bilhões em renúncia do ICMS. Esse valor é superior ao que foi arrecadado com o imposto (R$ 35 bilhões). Como isso se explica?

Até mesmo as empresas que estão na dívida ativa do estado, que hoje alcança R$ 66 bilhões, foram agraciadas com favores no ICMS. Das 11 maiores devedoras, seis receberam isenções, duas têm sedes fantasmas e três faliram. Sabendo-se disso, fica claro por que o estado está quebrado.

É preciso que a população tenha ciência desse quadro para que possa avaliar as gestões do PMDB. E para que possa cobrar, não só daquele partido, mas de outros — como PT e PCdoB — que lhe deram sustentação ao longo desse tempo.

Cid Benjamin é jornalista

Falta pouco - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 04/08

O relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) encerra mais uma etapa na longa crise do impeachment. Acentuam-se as pressões para que chegue logo ao fim.

Com hesitações e tropeços, a Presidência interina de Michel Temer (PMDB) logrou recuperar certa estabilidade, para o que terá contribuído sua cautela em submeter, desde já, projetos de grande carga polêmica ao Congresso.

Um mesmo compasso de espera, embalado por expectativas mais otimistas na sociedade, caracteriza o ambiente econômico. Ainda que persistam as fragilidades de origem do atual governo, previsões catastrofistas parecem estar descartadas.

Um quadro de ingovernabilidade, protestos exacerbados e corrosão da equipe no poder em decorrência da Lava Jato não se verificou –ainda que as investigações de corrupção em curso se caracterizem por notória imprevisibilidade.

O governo Dilma Rousseff (PT) acabou há bom tempo, e as últimas tentativas do petismo para reverter esse quadro no Senado se revelam débeis. Não se revestem de consequência prática, com efeito, propostas como a de realizar um plebiscito sobre antecipação das eleições presidenciais.

Dificilmente os setores afastados do poder teriam condições de aprovar proposta de emenda constitucional em tal direção. Mesmo nessa hipótese, a mudança estaria sujeita a fundadas contestações no Supremo Tribunal Federal (STF), dado que a preservação do calendário eleitoral já em curso é cláusula pétrea da Carta.

Causado por irresistível pressão popular, um ato conjunto de renúncia da presidente e do vice teria sido a melhor solução para superar a grave crise econômica, política e judicial em que o país mergulhou desde 2014. A decorrência, conforme o estrito figurino constitucional, seria um novo pleito que conferisse a legitimidade do voto direto ao principal mandatário.

Era o que propunha a Folha em editoriais publicados em abril, no auge da crise. Mas a história não anda para trás, e as circunstâncias da política real, que às vezes se afiguram inexoráveis, tornaram aquela alternativa no mínimo remota.

Ressalte-se que o afastamento legal de um presidente da República comporta duas dimensões, a jurídica e a política. Conceda-se a Dilma Rousseff, em benefício da dúvida, que tenha agido de boa-fé quando praticou fraude orçamentária; ainda assim, seu calamitoso governo foi repudiado por dois terços da população e deposto em processo que seguiu os devidos trâmites constitucionais.

É quase certa a aprovação do relatório Anastasia no Senado. Dilma Rousseff teve fartas oportunidades de defesa. Agora, cabe-lhe sair de cena e esperar que o julgamento da história não venha a ser tão implacável como se prenuncia.

Shakespeare, Lula e seu ovo de serpente, Dilma - ROBERTO MACEDO

ESTADÃO - 04/08

O ex-presidente se disse jararaca e tribom; se voltasse, seria trimau



Explico o porquê dessa combinação, começando por Shakespeare. Este ano marca os 400 anos da sua morte e lhe foram prestadas muitas homenagens. Muitas foram também as reapresentações de suas peças teatrais. Algumas no teatro circular a céu aberto, em Londres, construído em 1996 de maneira similar ao que foi destruído por incêndio em 1613 e no qual foram apresentadas peças de Shakespeare durante sua vida.

Ele merece a louvação que recebe há séculos, pois sua obra, além de rica em termos literários, popularizou-se e foi acolhida internacionalmente. Numa reportagem no site do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, em 23/4, sobre uma das celebrações, foi dito que ele foi capaz de escrever sobre cada um de nós. Como ao abordar sentimentos humanos como ciúme (em Otelo), dúvidas (em Hamlet) e ambição (em Macbeth). Lições suas, algumas delas sintetizadas em frases ou versos, integraram-se ao uso corrente em outros idiomas. “Ser ou não ser, eis a questão” , de Hamlet, é uma das mais conhecidas.

Também quis homenagear sua memória e optei por recorrer a uma de suas lições, a do ovo da serpente, da peça Júlio César, e procurando situá-la no contexto do nosso país. Aí entram Lula e Dilma. Quanto ao primeiro, todo mundo já o conhece bem por aqui, tem um quê de teatral e é também candidato a servir de enredo a filmes e peças no futuro. Do tipo ascensão e queda? Há quem veja a segunda como irreversível, mas eleitoralmente permanece muito popular.

Lula serpente? Foi ele mesmo quem se disse uma. Logo após depor na Polícia Federal em São Paulo, à qual foi conduzido coercitivamente na manhã do dia 4 de março deste ano, declarou: “Se quiseram matar a jararaca, não fizeram direito, pois não bateram na cabeça, bateram no rabo, porque a jararaca está viva”. Um ovo dela foi chocado anos antes e deu em Dilma.

Voltando a Shakespeare, num dos diálogos da citada peça, Brutus, senador romano, discorre sobre a lógica de participar da conspiração que depois levaria ao assassinato do imperador romano Júlio César. Tomando este pela dimensão política que já então tinha, Brutus argumenta que se César crescesse mais seria ainda mais ameaçador. E conclui: “Imagine-o como o ovo de uma serpente/ Do qual após chocado cresceria algo deliberadamente problemático/ e mate-o ainda na casca” (tradução do texto emenotes.com/shakespeare-quotes/serpents-egg).

No meu enredo não há assassinato. Só entram esses dois personagens políticos, e apenas na vida deles como tal, no momento desastrosa para ambos. E muitíssimo pior para o Brasil, por eles levado a um dos maiores desastres econômicos, políticos e sociais da nossa História.

Lula, presidente por dois mandatos, foi obra da soberana vontade dos eleitores. No governo encantou-se com Dilma, na qual viu uma gerentona, ainda que então atuando num período em que predominaram os bons ventos soprados da China. Comandada por Lula, temia-o, e não aprontou como o fez ao substituí-lo.

Perto de deixar o governo, Lula continuou recebendo a confiança do povo e elegeu-a em 2010. Cobra criada, Dilma passou a picar aqui e ali, revelando-se administrativamente não uma gerentona, mas uma trapalhona voluntário-venenosa. Demonstrou não fazer jus a seu diploma de economista, intervindo equivocadamente em mercados como os de petróleo, energia e etanol, e mergulhando de corpo e alma na irresponsabilidade fiscal.

Foi como se alguém lhe houvesse lido um manual bolivariano-chavista e ela, ouvido mal, como sendo de economista. Em 2014 quase perdeu a eleição para Aécio, e só ganhou com base na propaganda veneno-enganosa com que iludiu eleitores ao alardear resultados que não eram seus, promessas que não poderia cumprir e malfeitos como se fossem benfeitos.

Para picadas de serpentes desse tipo nossas instituições ainda não criaram soros eficazes. Precisamos de políticos, legisladores e instituições inspiradas na vocação antiofídica do cientista Vital Brazil (1865-1950) para socorrer eficazmente o País contra semelhantes desmandos administrativos e enganações. Na área fiscal já ressaltei neste espaço a imperiosa necessidade de aprimorar sensores, alarmes e mecanismos de correção existentes, pois se revelaram inadequados (Estratégia – Controles fiscais, 17/12/2015).

O desastre dilmista mostrou-se imenso e de corpo inteiro logo após a reeleição. Seus crimes de irresponsabilidade fiscal vieram à tona, ainda que com enorme lentidão institucional. Hoje, majoritária e ansiosamente, o País aguarda o “Dilmexit”. Economicamente, 2015 e 2016 são mais dois anos perdidos. E os ajustes nas contas governamentais se estenderão pelo fim desta década, que também já pinta como perdida e como mancha nos currículos da presidente afastada e do seu mentor.

Volto a Lula, que na mesma ocasião citada também se disse tribom. Conforme suas palavras: “Presidente bom é aquele que se reelege. E bibom é aquele que faz sucessor. Eu já me considerava bibom, e fiquei tribom quando reelegemos a Dilma”. No meio acadêmico, afirmações como essa costumam ser chamadas de apoteose mental.

Na minha avaliação, e com alguma concessão, troco o bom por razoável, pois o sortudo Lula não aproveitou as benesses econômicas com que foi premiado. E de tal forma que o País também poupasse e investisse mais, e dessas e de outras formas fosse fortalecido para crescer com maior vigor, ou mesmo enfrentar melhor os períodos de vacas magras. Depois, Lula foi mau e bimau ao eleger e reeleger Dilma.

Hoje a jararaca já tem em gestação outro ovo, a sua ideia de voltar à Presidência. Espero que seja abortado antes da eleição de 2018. Se chegar à chocadeira das urnas eleitorais, que o povo siga as recomendações de Brutus, matando com seus votos esse projeto, pois o risco de um Lula trimau é assustador.

* ROBERTO MACEDO É ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

O preço da interinidade - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 04/08

Qualquer decisão do Congresso que acelere a conclusão do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff será muito bem-vinda



Qualquer decisão do Congresso que acelere a conclusão do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff será muito bem-vinda. A esta altura, importa muito pouco se a disposição do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de abreviar esse suplício em uma semana, conforme se noticiou, tende a favorecer politicamente fulano ou sicrano. O que importa é que o País não pode mais quedar-se paralisado, situação que excita o oportunismo dos que não têm outros interesses senão os próprios e pretendem explorar a interinidade de Michel Temer na Presidência para arrancar-lhe concessões as mais diversas, como as que ameaçam desfigurar o importante projeto que visa a acabar com a farra dos gastos nos Estados.

O Projeto de Lei Complementar (PLC) 257/2016, apresentado pelo governo, formaliza a renegociação das dívidas dos Estados com a União, rolando-as por até 20 anos e com carência até o final deste ano, além de dar desconto nas parcelas nos próximos 2 anos. Em troca desse benefício, o projeto determina que os Estados providenciem uma série de cortes em seus gastos e limitem o crescimento nominal das despesas à variação da inflação do ano anterior – o mesmo modelo previsto em Proposta de Emenda Constitucional que valerá para o governo federal.

O governo pretendia votar o PLC 257 anteontem na Câmara, mas os deputados, inclusive da base aliada, trataram de desfigurá-lo e obrigaram o Planalto a recuar. Foram retirados do texto os artigos que impediam os Estados de conceder reajustes salariais e de contratar servidores por dois anos. Além disso, a versão do projeto alterada pelos parlamentares deixou de mandar contabilizar como despesa com pessoal os gastos com terceirizados, medida que fecharia a brecha por meio da qual muitos Estados contratam servidores sem contrariar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Do mesmo modo, o PLC 257 previa originalmente que penduricalhos pagos aos funcionários, como auxílio-moradia, teriam de ser incluídos como gastos de pessoal, o que obrigaria vários governos a reduzi-los para não violar a LRF. Por pressão dos sindicatos de servidores, os deputados suprimiram também essa determinação.

No momento em que é consensual a necessidade de colocar a casa em ordem, depois da desastrosa passagem de Dilma Rousseff pela Presidência, não é aceitável que interesses paroquiais se sobreponham à urgência da contenção de gastos. Argumenta-se que estamos em ano eleitoral e que, por isso, nenhum deputado ou governador se dispõe a avalizar medidas duras para reorganizar as contas públicas, impopulares por definição. Eis aí um dos aspectos centrais do atraso nacional: todas as decisões são tomadas tendo em vista somente seu impacto eleitoral, e não seus efeitos para além das campanhas. Não se pensa no País, somente no cargo a ser ganho, no benefício a ser obtido, na boquinha a ser conquistada. Os cidadãos comuns, que não integram nenhum lobby nem estão organizados em sindicatos, dependem da sorte para que suas demandas, em algum momento, coincidam com os interesses dos que lotearam o Congresso. E hoje a maior demanda dos brasileiros que trabalham é o saneamento da economia para propiciar seu crescimento, o que só será possível com medidas duras de austeridade.

Nesse contexto, a faxina nas finanças estaduais não é um capricho. A Lei de Responsabilidade Fiscal, um dos pilares da estabilidade econômica, resultou justamente da necessidade de obrigar os Estados a adequar seus gastos às suas receitas, debelando um dos principais focos de desequilíbrio nas contas nacionais.

A atual situação de penúria dos Estados mostra que a imprudência voltou a prevalecer, o que tornou necessárias as providências previstas no projeto encaminhado pelo governo. O problema é que Michel Temer, ainda na condição de interino, não parece dispor de trunfos suficientes para convencer deputados e governadores de que chegou a hora de deixar a mesquinharia política de lado. Pelo contrário: os oportunistas, pelo visto, vão explorar a fragilidade de Temer até o último segundo de sua interinidade. E o Brasil que se lixe.

Apressar impeachment não fere direito de defesa - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 04/08


Há base jurídica para apressar o calendário do julgamento final de Dilma, não bastasse a necessidade de se votarem com urgência as reformas do ajuste fiscal


Da aceitação do pedido de impeachment de Dilma, em dezembro do ano passado, pelo ainda presidente da Câmara Eduardo Cunha, até hoje passaram-se oito meses.

Neste meio tempo, já houve duas votações em plenário — uma na Câmara e a outra no Senado —, transcorreram incontáveis debates, foram ouvidas testemunhas de lado a lado, ocorreram demonstrações de boa oratória do advogado da presidente afastada, ex-ministro José Eduardo Cardozo, tudo dentro dos limites legais, com absoluto respeito ao direito de defesa. Apressar o rito final do processo é, portanto, proposta razoável.

Depois de encontro com o presidente interino, Michel Temer, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), teria passado a trabalhar também por uma antecipação deste rito final, do dia 29 para 25 ou 26.

Consta que o presidente do Supremo, ministro Ricardo Lewandowski, a autoridade máxima no julgamento de Dilma pelos senadores, não se oporia a esta mudança.

Não haveria empecilho jurídico pelo lado da garantia dos direitos da defesa. O Supremo, afinal, definiu o rito da tramitação do processo, obedecido até agora pelo Congresso. E todas as dúvidas têm sido levadas à Corte, resolvidas por ela com presteza. Portanto, o que não tem faltado na tramitação deste processo de impeachment é respeito aos direitos legais da presidente afastada.

A Corte barrou tentativa de PT e aliados de sustar e retardar o processo, enquanto, depois da Câmara, o Senado tem feito o mesmo, sempre dentro de leis e regimentos.

O que existe é uma estratégia de PT e aliados, a nova oposição, de, por meio de chicanas parlamentares, tentar alongar ao máximo a tramitação do processo. Por exemplo, com pedidos descabidos para se ouvir testemunhas já citadas na defesa feita na comissão do impeachment por Cardozo.

As manobras, desesperadas, são para ganhar tempo, à espera de algo que prejudique o governo. Como uma citação de Temer em alguma delação na Lava-Jato e/ou uma vingança de Eduardo Cunha, por se sentir talvez abandonado pelo presidente interino, na contagem regressiva para a cassação.

Ora, enquanto isso, o sopro de otimismo com o afastamento de Dilma, expresso em alguns índices econômicos, tende a se esvair, à medida que o governo interino, sem resistir a pressões políticas e de corporações, cede no ajuste fiscal, o que degrada as expectativas e ameaça colocar o país de volta à estaca zero do final da gestão Dilma.

Não importa se virão ou não denúncias que comprometam Temer. Não se pode é barrar o processo de impedimento de Dilma em nome disso. Apressar-se o desfecho do impeachment é o melhor para o país.