FOLHA DE SP - 13/12
A moderação do consumo por causa do endividamento e a elevação do juros do BC são alguns dos disjuntores
Já refleti várias vezes neste espaço sobre o que chamo de "disjuntores de uma economia de mercado".
Disjuntores são pequenas peças de engenharia cujo objetivo é sempre o de provocar uma interrupção no funcionamento de equipamentos mecânicos ou elétricos, quando alguma anormalidade ocorre. Desculpem-me meus colegas engenheiros por essa explicação singela, mas, para construir a imagem desses mecanismos de segurança no campo da economia, ela é suficiente.
Nas economias de mercado, há vários mecanismos que funcionam da mesma forma que os disjuntores citados acima. Sua função é esfriar a atividade econômica quando algum mal funcionamento nos mercados ameaça criar um desequilíbrio muito forte na economia.
Essa minha imagem tem inspiração no pensamento de Lord Keynes, que foi um dos primeiros economistas a questionar a ideia --ainda dominante em setores liberais mais radicais-- de que no sistema capitalista esse tipo de disfunção não poderia acontecer.
Na prática temos dois grandes grupos de disjuntores em uma economia como a brasileira.
O primeiro agrega os mecanismos de defesa que se desenvolvem de forma natural e autônoma em uma economia de mercado.
O outro grupo é formado por disjuntores acionados pela regulação externa ao sistema e que são construídos pelo próprio homem. O maior número de elementos desse grupo foi criado no passado para enfrentar situações em que a inflação representava o grande desafio a enfrentar.
Apenas muito raramente esses mecanismos externos de intervenção visavam combater a situação oposta que pode ocorrer, ou seja, a deflação e a depressão econômica.
Nos últimos cinco anos, em que vivemos de forma intensa essa patologia, acompanhamos a criação de novas formas "ad hoc" de intervenção externa. Os chamados instrumentos de expansão monetária quantitativa --QE, na expressão inglesa--, no caso de ameaça de deflação mais séria, são os exemplos mais marcantes dessa busca.
No Brasil de hoje vivemos um momento em que alguns desses disjuntores mais tradicionais, tanto os naturais como os criados pelo homem, entraram em funcionamento após um longo período de expansão da economia e o aparecimento normal de gargalos importantes no lado da oferta. Um dos mais importantes tem sido a redução do endividamento do consumidor em razão de dificuldades de solvência. O outro, colocado em funcionamento autonomamente pelo BC, é o aumento da Selic.
Na euforia dos últimos anos, o comprometimento da renda do consumidor com o pagamento de dívidas passou do limite natural e começou a provocar desequilíbrios em seus orçamentos domésticos.
Em um país em que somos monitorados implacavelmente pelo Big Brother Serasa, não restou outra saída para a nova classe média senão moderar o consumo. Esse processo de ajuste foi reforçado pelo disjuntor representado pelo Copom e por sua decisão de impor juros bem mais elevados aos tomadores de crédito.
As estatísticas divulgadas pelo próprio BC mostram que os gastos com juros e amortizações passaram de mais 16% da renda das famílias, no início de 2006, para mais de 22% na euforia do consumo no ano eleitoral de 2010. Agora, em novembro, em tempos mais bicudos de crescimento, o BC informa que estamos abaixo do nível crítico de 20% da renda familiar.
Além desses, outros disjuntores também estão agindo sobre o crescimento econômico e moderando sua intensidade. Um deles --a queda dos termos de troca do comércio exterior brasileiro-- está sendo acionado por forças totalmente externas a nós, como a redução da demanda chinesa e, principalmente, a valorização do dólar no mercado internacional.
Criado em razão das expectativas de mudanças na política monetária do Fed, esse disjuntor poderá ser o grande fator negativo em 2014, caso as projeções de parte do mercado se confirmem.
É o funcionamento desses disjuntores que, para mim, explicam de forma mais clara essa nova velocidade de cruzeiro da economia brasileira. E essa velocidade não pode ser alterada sem que uma terapia mais adequada, para enfrentar os desequilíbrios de oferta que enfrentamos hoje, seja implementada pelo governo.
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