quarta-feira, junho 05, 2019

Agora é diferente? - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

BLOG MÃO VISÍVEL

Houve momentos em que apenas a análise econômica bastava para entender os prováveis rumos do país. Não é o caso hoje: qualquer economista tentando fazer algum sentido acerca dos cenários possíveis e prováveis acaba sendo forçado, de forma mais ou menos constrangedora, a usar um chapéu de cientista político amador, de preferência buscando opiniões entre os melhores neste campo para entender de forma mais profunda as dificuldades que enfrentamos.

Digo isto porque, pelo menos entre os economistas com algum tutano, não há muita diferença no diagnóstico da atual situação. Apesar da permanente busca por soluções fáceis e rápidas (“vamos emitir moeda para financiar novos gastos”, ou “basta vender reservas que resolveremos nosso problema de endividamento”), já se formou certo consenso entre os que pensaram o problema com cuidado que nó mais premente (mas longe de ser o único) é o estado lamentável das contas públicas, cuja contrapartida tem sido a expansão consistente e vigorosa da dívida pública, de cerca de 50% do PIB no começo de 2014, para níveis próximos a 80% do PIB atualmente.

Quem faz conta também conclui que, sem recorrer a ganhos ocasionais, a dívida não cessará de crescer pelo menos até 2022-24, se conseguirmos manter o teto de gastos. Caso contrário, seguirá em expansão até o calote, explícito, ou, mais provavelmente, implícito por meio da inflação.

Engana-se quem imagina que isto não terá custo. Os interessados podem consultar o monumental This Time is Different, obra em que Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart examinaram minuciosamente inúmeros episódios de calote sob variadas formas, seja na dívida externa, seja na dívida interna.

Como notado pelos autores, “a dívida doméstica pode explicar o paradoxo do motivo pelo qual alguns governos parecem escolher taxas de inflação acima de qualquer nível que possa ser explicado pela receita de senhoriagem[1] sobre a base monetária”. A inflação alta é a forma pela qual governos desvalorizam as dívidas denominadas em moeda nacional.

Em nosso contexto, isto significa que, na ausência de um ajuste fiscal que recoloque a dívida em trajetória sustentável, se torna questão de tempo para que a “solução inflacionária” se materialize e, com ela, as consequências usuais em termos de queda de atividade e emprego, além da perda associada a taxas de inflação elevada.

Daí a insistência na questão previdenciária. Só no caso do governo federal, a despesa previdenciária (somados INSS e funcionalismo) representa praticamente 55% do gasto nos últimos 12 meses (quase 60% se incluirmos o BPC). No caso dos estados não faltam exemplos de paralisia das administrações sob o peso das despesas com inativos, que – sem reforma – devem crescer ainda mais.

Isto dito, é possível concluir que as manifestações deste fim de semana tenham elevado as chances de aprovação de uma reforma da previdência mais próxima à proposta pelo governo? (Aqui sai de cena o economista para que fique evidente o amadorismo do cientista político).

Pelo que pude entender das explicações dos entendidos no assunto, a resposta parece ser positiva, mas modesta.

A começar porque, a despeito dos ataques, a liderança do Congresso já se mostrava disposta a avançar nesta área. O vilipendiado presidente da Câmara, por exemplo, tem se movido no sentido de aprovar a reforma, embora sua extensão não esteja clara. Da mesma forma, em entrevista interessante ao Pravda (perdão, Valor Econômico) o presidente da comissão especial que analisa a reforma, embora bastante crítico ao governo, revela desejo de protagonismo na formulação do projeto a ser votado na Câmara.

Estes (e outros) sinais foram ignorados pelo presidente da República, que – de forma pouco sutil – preferiu atiçar a pressão das ruas neste sentido. Obviamente, o fato de algumas lideranças nas manifestações terem defendido mudanças na previdência não significa que este seja um tema de forte apoio popular (provavelmente não é), mas, de qualquer forma, pode ter dado um tanto a mais de conforto para quem estava inclinado a apoiar, mas sentia falta de certo respaldo.

Isto dito, a postura de permanente antagonismo ao Legislativo não se afigura sustentável à luz da história nacional, ainda mais com o mandato todo pela frente e num cenário de baixo crescimento e elevado desemprego (que em algum momento serão atribuídos ao mandatário de plantão).

A demonização da atividade política (apesar de certos políticos terem se esforçado bastante para merecê-la) sempre foi um risco para a democracia e para as reformas, e nada indica que será diferente desta vez.

[1] “Senhoriagem” é o ganho que o governo tem com a emissão de moeda, isto é, o poder de compra que transfere para si (às expensas dos cidadãos) quando cria moeda lhe dá direito de adquirir bens e serviços sem contrapartida de produção.

Aquele texto em que admito torcer para o Bolsonaro - GUSTAVO NOGY

Gazeta do Povo - 05/06

O economista Pedro Menezes, desta Gazeta, escreveu o seguinte: “Um dos melhores remédios para a democracia brasileira é a reforma da Previdência. Se você tem medo de uma guinada autoritária agora, a história justifica que você triplique seu medo em caso de instabilidade econômica”.

No ponto.

Eis um dos motivos pelos quais, voilà!, não, leitor, eu não torço contra o governo. Pode até parecer que sim, porque sou chato e implico muito. Sou chato porque sou e implico porque nunca acreditei na sinceridade das convicções liberais do Bolsonaro. Ele defende mal as teses boas, e nem adianta ficar bravo comigo: a biografia dele não me desmente. Ao contrário.

De todo modo, reconheço (já reconheci noutros textos) que o Messias se cercou de bons apóstolos. Não sei se são doze, mas bastam. A equipe econômica. A infraestrutura. Alguns dos militares. Bolsonaro lui-même é um apêndice supurado no próprio governo, um penduricalho diversionista, uma oposição à sua situação. Sem ele, até ele estaria melhor.

Por isso que, das medidas urgentes, concordo com o Pedro Menezes: a reforma da Previdência é a Providência até para quem não gosta do governo. É boa para o Bolsonaro e para o inimigo do Bolsonaro. Gostando ou não, torço, rezo e faço votos para que essa graça seja alcançada. Além dela, se não for pedir muito, alguma mexida na legislação tributária; se Papai Noel existir, reforma política e saneamento básico.

Mas, para resumir, sem a reforma da Previdência não teremos nem mesmo um país viável sobre o qual debater. Num país falido a divergência é falida. Num país pobre a discussão é luxo – Venezuela está aí como prova. Para discordar do governo a gente precisa comer, vestir, morar. A pobreza extrema limita as opções e o homem se vê reduzido ao papel de caçador-coletor. Ou caçador-eleitor.

Portanto, que o presidente não atrapalhe tanto a si mesmo e faça o que for possível para que a reforma (mais de uma?) seja aprovada. Nem por isso vou gostar dele, porque sua visão política é neolítica e seus acertos são circunstanciais. “Paulo”, “Guedes” e “liberalismo” são palavrinhas que ele mal sabe pronunciar; aprendeu anteontem e agora vive repetindo. Mas, confesso, eu lhe serei grato e elogiarei o que porventura merecer elogio. Nada pessoal: nem as críticas, muito menos os elogios. Até para continuar a criticá-lo depois."

Mercado baixa juros, BC resiste - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 05/06

Taxas de negócios no atacadão de dinheiro caem; BC espera reforma e inflação menor


A economia ficou ainda mais lerda e tem sintomas de recaída. O Banco Central tem dito que ainda não é motivo suficiente para a redução da taxa básica de juros. Afinal, mesmo com o PIB (Produto Interno Bruto) quase morto de frio, as expectativas de inflação ainda não caíram, diz o pessoal da autoridade monetária.
Hum. Na prática, parece que caíram.

As taxas de juros no mercado estão caindo, parece mais evidente de uma semana para cá, por aí. Trata-se aqui das taxas dos negócios no atacadão de dinheiro, de transações entre bancos e do custo de financiamento da dívida do governo, não de crédito bancário.

Uma semana de juros olhando para baixo é pouco tempo para dizer grande coisa. Pode ser um soluço. Acontece. Mas, pelo jeitão da coisa, dados outros indicadores do mercado financeiro, não parece.

Por algum motivo sempre difícil de cravar, os negociantes de dinheiro grosso e seus economistas estão trabalhando com taxas de juros menores, em contratos de um ano ou mais longos. Seja como for, não devem acreditar que inflação seja um problema, mesmo que seus colegas dos departamentos de pesquisa econômica não tenham (ainda) derrubado suas projeções de inflação, na média. Pelo jeito, ficaram traumatizados com as altas de preços do feijão, do tomate e da batata, no início do ano. Não carecia.

Isso não quer dizer, claro, que o Banco Central deva reagir de pronto e chancelar essa que parece ser a opinião prática do mercado sobre preços e riscos: a queda recente das taxas de juros de seus negócios.

Além do mais, francamente, não faria grande diferença, se alguma, o BC cortar a Selic agora em sua próxima reunião, 19 de junho, ou na seguinte, 31 de julho, mesmo porque a operação será a conta-gotas, uma lasca que levaria a taxa básica de 6,5% ao ano para 6%, no primeiro momento, sendo muito otimista.

Mais importante, além de a queda das taxas no mercado ser recente, o BC ainda não terá remota ideia do que será feito da reforma da Previdência lá pelo dia 19 de junho. Está todo o mundo farto dessa história, mas mesmo assim é preciso ressaltar enfaticamente que, sem reforma, irá tudo para o vinagre: juros, dólar, o resto mínimo de atividade econômica e sabe-se lá mais o quê, o céu que nos proteja. Logo, parece muito improvável que o BC corte as unhas grandes de Selic neste mês.

Pode ser que, no fim de julho, a reforma esteja bem encaminhada ou, sendo otimista, até votada em primeiro turno na Câmara.

É bem provável que a perspectiva de inflação seja então de baixa; que juros e crescimento decresçam pelo mundo (inclusive nos EUA, convém prestar atenção). O risco Brasil baixa, e o dólar retornou da viagem recente às alturas, o que, no entanto, mal bulira com as taxas de juros, note-se.

Menos importante para o Banco Central, é provável que então tenhamos mais evidências de catatonia hipotérmica da atividade econômica. Se as taxas na praça financeira continuarem caídas ou caindo e a Selic ficar na mesma, o BC terá de contrariar o mercado no grito, o que vai ser muito estranho, para recorrer a uma palavra cortês.

Baixar os juros vai fazer diferença na vida real, no Pibinho, ao menos? Talvez um tico, no ano que vem, se o governo for adestrado e parar de fazer bagunça, se não houver problemas na finança e na economia do mundo lá fora etc.

Melhor do que nada e, de quebra, contribui para diminuir o custo da dívida pública. É um troco, mas estamos na miséria. Não convém desprezar.

Previdência Direta - FABIO GIAMBIAGI

O Estado de S.Paulo - 05/06

Para um idêntico esforço financeiro, ela geraria uma renda em média 67% maior que a do INSS


O tema da capitalização parece ter sido incorporado à discussão nacional sobre a Previdência. Esse debate é positivo, ainda que muito mais complexo do que em geral se imagina. Quando o assunto surgiu, no ano passado, o frisson associado às suposições acerca do que o novo governo a ser empossado em janeiro iria fazer levava a acreditar que a capitalização seria uma espécie de cura definitiva para a nossa combalida Previdência Social. Com o amadurecimento da matéria, ficou claro que a reforma teria fatalmente de envolver como ingrediente fundamental uma mudança dos parâmetros que regem as regras de aposentadoria e que o tema da capitalização iria muito além dessa questão, não devendo ser encarado como a solução para o atual déficit.

Por outro lado, o debate foi muito bom porque serviu como um elemento catalisador que fez “cair a ficha” de muita gente que, tendo rendimentos superiores ao teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), não estava se preparando adequadamente para a chegada da chamada “terceira idade”.

Anos atrás, quando eu dava aulas de Finanças Públicas, ao passar pela parte da ementa do curso relacionada com a Previdência, costumava dizer que “o ser humano, lá pelos 10 anos, aprende que um dia pode morrer; lá pelos 40, descobre que um dia irá se aposentar; e, na altura dos 60, percebe que poderá viver mais do que imaginava”. São momentos extremos com a sua carga de angústia na vida da pessoa: na infância, quando aos poucos a criança começa a perceber que haverá um futuro no qual ela não estará mais no mundo; e, em torno de quatro a cinco décadas depois, quando o fim da vida ativa começa aos poucos a se desenhar confusamente no horizonte da pessoa já adulta e ela toma nota de que deixou passar boa parte dela sem ter feito absolutamente nada para o momento em que não puder mais trabalhar e sua renda for cair abruptamente – com a agravante de que poderá precisar dessa renda não durante mais duas décadas, e sim durante três ou quatro. É

por isso que Trotski – não é o tipo de frase que costumamos ver associada a ele, mas foi quem cunhou a sentença – disse certa vez, com certa dose de ironia, que “a velhice é a mais inesperada de todas as coisas que acontecem a um homem”.

É para ajudar neste esforço individual de preparação para o futuro que passou a ser discutida no meio previdenciário uma proposta consistente de criar um produto previdenciário em moldes similares ao Tesouro Direto, ideia concebida originalmente por Abraham Weintraub e outros autores, num artigo de 2017 (Poupança Individual de Aposentadoria – PIÁ, Revista Brasileira de Previdência).

Tendo este contexto como pano de fundo, com o objetivo de desenvolver o tema e colaborar no enriquecimento do debate sobre o assunto, em coautoria com Felipe Amaral analisamos recentemente em bases puramente técnicas os desdobramentos do lançamento de tal produto no mercado brasileiro, no artigo Previdência Direta: o Tesouro Direto para a Previdência (texto para discussão do BNDES n.º 138, maio de 2019, disponível em www.bndes.gov.br). Os resultados foram muito positivos. A ideia é procurar adaptar o Tesouro Direto para o que denominamos Previdência Direta, levando até o usuário a possibilidade de poupar com objetivos de longo prazo, para ter direito a uma renda vitalícia a partir de certa idade. Esta será tanto maior quanto maiores forem as suas contribuições, o período de duração da fase contributiva e o rendimento da aplicação.

Em nossa configuração para a operacionalização do produto, simulamos os valores previstos para a aposentadoria em comparação com uma gama de alternativas existentes para a obtenção de uma aposentadoria complementar, o que abarcou a previsão da renda gerada pelo próprio INSS – para efeitos comparativos – e pelo investimento em imóveis, fundos de investimento, no Tesouro Direto e em planos previdenciários de fundos de pensão e do mercado segurador (PGBL e VGBL). A Previdência Direta revelouse um instrumento claramente superior, em nossa análise. Para um esforço financeiro idêntico, previmos que ela geraria uma renda em média 67% maior que a gerada pelo INSS.

Comparada com as alternativas do mercado privado, a relação custo-benefício da Previdência Direta foi ainda mais interessante. Particularmente notável foi a constatação de que a expectativa de renda de aposentadoria gerada pela aplicação no Tesouro Direto é superior àquela gerada em planos do mercado segurador aberto, mesmo considerando o reinvestimento dos benefícios tributários. Na lanterna das projeções ficaram os fundos de investimento tradicionais, a poupança e os imóveis. Nestes casos, as rendas de aposentadoria foram menores por causa da inexistência de benefícios tributários, em alguns casos; ou das altas taxas de administração, da baixa rentabilidade ou da impossibilidade de consumir o principal durante a aposentadoria, em outros.

Sob a ótica do governo federal, a criação de um produto do gênero seria uma oportunidade de ouro. Primeiro, por ser um produto de adesão facultativa, não haveria resistência de nenhum setor da população para seu lançamento. Segundo, o produto não acarretaria na concessão de nenhum outro tipo de benefício tributário que já não esteja vigente para o mercado. E terceiro – e mais importante –, tendo um mercado potencial na casa dos trilhões de reais, o Tesouro Nacional conseguiria uma fonte abundante, estável e de longo prazo para a rolagem da dívida pública. Tal fato pode ajudar a baratear o custo desta e fornecer uma excelente fonte de financiamento de investimentos de longo prazo, como os investimentos em infraestrutura.

Vale a pena pensar no assunto.

Nota: agradeço a Felipe Amaral, que colaborou na elaboração da versão final do presente artigo.

É possível fazer boa política - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 05/06

Com o exercício da boa política, o governo conseguiu aprovar no Senado a MP 871. Assim deve ser numa democracia.


O governo do presidente Jair Bolsonaro fez política e conseguiu aprovar no Senado a Medida Provisória (MP) 871, que determina uma auditoria nos benefícios pagos pelo INSS e modifica as regras de concessão de aposentadorias rurais, entre outras mudanças.

A aprovação da MP, faltando apenas três horas para o fim do prazo de sua vigência, exigiu do governo um esforço de articulação política com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e com líderes partidários, incluindo os da oposição. Integrantes da equipe econômica, incluindo o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, passaram o dia negociando com os senadores, muitos deles antecipando sua volta a Brasília para votar.

O esforço surtiu resultado. O placar da votação, 55 votos a favor e 12 contrários, surpreende por ser acima do quórum qualificado de 49 votos – 3/5 dos senadores – e por ter sido obtido numa segunda-feira, dia em que normalmente não há sessão plenária e tampouco este número de senadores na capital. O texto agora segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro.

O resultado foi uma inegável vitória política para o governo federal, que considerava a MP 871, a chamada MP antifraude, “um dos alicerces” da reforma da Previdência em tramitação na Câmara dos Deputados.

De fato, a MP convertida em lei introduz uma série de regras saneadoras no processo de concessão dos benefícios previdenciários. As três mais importantes são a suspensão preventiva de benefícios, que permite ao INSS interromper o pagamento de pensões e aposentadorias suspeitas de irregularidade até que o beneficiário apresente defesa; a auditoria nos benefícios concedidos por incapacidade que estão sem perícia há mais de seis meses e nos Benefícios de Prestação Continuada (BPC) sem avaliação há mais de dois anos; e a criação de um cadastro de segurados especiais por meio do qual será feito o registro do tempo de trabalho rural sem contribuição, dispensando-se a participação dos sindicatos neste processo.

A aprovação do cadastro especial de segurados rurais e pescadores foi possível graças à negociação entre a equipe econômica do governo e senadores da oposição. Para garantir o quórum necessário, este grupo pediu em troca que o governo inclua uma emenda no projeto de reforma da Previdência a fim de instituir um gatilho para renovar o prazo de cadastramento daqueles beneficiários de acordo com o novo modelo caso, ao fim de 2023, 50% desses profissionais ainda não estejam registrados.

Até agora, o registro do tempo de serviço dos profissionais do campo e pescadores era feito por meio de sindicatos, dando azo a grande descontrole e fraude. A partir da aprovação da MP, transfere-se a responsabilidade por essa contagem dos sindicatos para os técnicos do Ministério da Economia.

“O gatilho é bem-vindo e muito pertinente. É esse tipo de correção que nós (do governo) esperamos do Parlamento brasileiro”, disse, por sua vez, o secretário especial Rogério Marinho.

Embora tenha transcorrido sob desnecessária pressão sobre os senadores, dado o exíguo tempo que tiveram para deliberar sobre o texto antes que caducasse, a negociação política para a aprovação da MP 871 deve servir como exemplo para o presidente Jair Bolsonaro e tantos outros em seu entorno de que a boa política é mais do que possível – é imprescindível para que projetos de interesse do País sejam aprovados.

O Congresso Nacional não é um mero receptáculo dos projetos do Poder Executivo. É parte fundamental da teia de relações institucionais sadias que marcam uma democracia pujante. Desqualificar a política significa não ver na democracia a melhor forma de uma sociedade se organizar e definir seus rumos.

Não se tem notícia de trocas espúrias havidas entre os Poderes Executivo e Legislativo para que o texto da MP 871 fosse aprovado da forma como foi. Tudo se pautou por intensos diálogos e negociações, por convencimento. Em suma, por exercício da política. Da boa política. Assim deve ser numa democracia.

Conflitos com o passado - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 05/06

Eleito contra o establishment parlamentar, de cujo setor mais irrelevante fez parte por 28 anos, o presidente Bolsonaro encontra dificuldade de desvincular seu passado da realidade presente que enfrenta no cotidiano do Palácio do Planalto.

Estatista convicto, transformou-se em liberal para contar com Paulo Guedes no ministério. Por causa dele, conseguiu convencer uma boa parcela dos eleitores a dar seu voto, na presunção de que seguiria as instruções do Posto Ipiranga.

Hoje, às vezes esquece-se de consultá-lo. Autoritário, tem que negociar com o Congresso, como manda o pragmatismo político, mas também tem que manter a imagem de um político que não se coaduna com o ambiente parlamentar corrompido.

O qual, diferentemente do que diz, sempre freqüentou, sem denunciá-lo nem rejeitá-lo. Pelo contrário, o presidente que hoje defende a redução do número de deputados na Câmara Federal de 513 para 400, e uma reforma política onde está implícita a cláusula de barreira para enxugar a máquina partidária, freqüentou nada menos que nove partidos:PDC (1989-1993);PP (1993–1993);PPR (1993–1995);PPB (1995–2003);PTB (2003–2005);PFL (2005–2005);PP (2005–2016);PSC (2016–2018) e PSL (2018–presente).

Quase foi para o PEN (Patriotas), mas na última hora achou que não teria a legenda para disputar a presidência da República e fechou com o PSL. Que não deve ser a última legenda do presidente, pois ele já revelou em conversas com aliados, que anda descontente com o partido e pretende trocar mais uma vez.

Em entrevista recente, disse que botou “qualquer um” para formar o PSL. Agora está incomodado com os problemas que o PSL lhe traz, especialmente a questão dos “laranjas”. Mas não demite o ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antonio, que comandava o partido em Minas e é acusado de ter usado várias candidatas para desviar dinheiro de campanha.

Ontem, desmanchou-se em elogios ao presidente da Câmara Rodrigo Maia, a quem chamou de “nosso presidente”. O mesmo que, nas manifestações bolsonaristas apareceu com os bolsos cheios de dinheiro e referências a delações de supostos crimes eleitorais.

Cenas de críticas explícitas a Rodrigo Maia foram enviadas a ele por meio das redes sociais controladas pelo vereador Carlos Bolsonaro.

O presidente tem uma vantagem, pelo menos: fala mal na frente do aliado, assim como fala por trás. Mas às vezes elogia pela frente e fala mal por trás, como é o costume em Brasília.

Bolsonaro ontem se dedicou a uma sessão nostálgica na Câmara, afirmando “ter saudades” de seu tempo de deputado federal: “Fiquei por 28 anos (na Câmara), tive momentos muito felizes aqui dentro, e (tenho) saudades de vocês. [Essa relação] fortalece a nossa democracia. Agradeço a recepção e aproveito para dizer que o Parlamento é meu e a Presidência é de vocês.”.

Bolsonaro foi à Câmara levar pessoalmente o projeto que anistia multas de trânsito e amplia os limites para multas e perda de pontos na carteira. Falta de cadeirinha de bebê, por exemplo, não merece mais multa, apenas uma observação por escrito. Com o intuito de educar o motorista, alegam.

Fora os projetos defendidos arduamente no Congresso pelos ministros Paulo Guedes e Moro, que dão rumo a esse governo, o presidente gasta seu tempo defendendo questões laterais, que agradam a seus nichos eleitorais.

O fim dos radares, a flexibilização das leis de proteção ao meio-ambiente, a ampliação da posse e porte de armas, tudo é cumprimento de promessas de campanha eleitoral.

A Câmara está se aliando a Paulo Guedes para aprovar uma agenda que devolva ao país a capacidade de crescimento econômico. Relação que está provocando ciúmes em Bolsonaro. E fazendo com que o presidente se aproxime de Rodrigo Maia.

Importar é o que exporta - HELIO BELTRÃO

FOLHA DE SP - 05/06

Importações reduzem os preços e melhoram o produto do exportador


É formidável o pleito de que o Brasil se torne membro da OCDE, o clube dos 36 países que se comprometem a adotar as melhores práticas de políticas econômicas. Caso tenhamos êxito, é de esperar que nos tornemos menos protecionistas.

Segundo o International Chamber of Commerce (ICC), entre as 75 economias mais relevantes, o Brasil se encontra em 69º em abertura comercial, só à frente de Bangladesh, Nigéria, Paquistão, Etiópia, Sudão e Venezuela. Se tomarmos a corrente comercial (exportações mais importações) como proporção do PIB, o Brasil é o penúltimo entre 143 países.

O governo defende o interesse do brasileiro ao praticar o protecionismo? Não!

Há mais de 200 anos a esmagadora maioria dos economistas defende que o comércio deve ser desimpedido. Quando Adam Smith escreveu “A Riqueza das Nações”, em 1776, vigorava um paradigma mercantilista não muito distinto do que prevalece hoje.

O Zeitgeist do século 18 se resumia em: “exportar é bom”, “importar é ruim”, “acumular reservas é sinônimo de riqueza”. A falácia reside em crer que o comércio é um “jogo de soma zero”, ou seja, uma parte ganha, a outra perde.

O comércio é “ganha-ganha”. Não fosse, jamais ocorreria a troca. Não se mexe um único músculo para trocar seis por meia dúzia. A cada troca, ambas as partes percebem um ganho, e, quanto mais trocas, mais ganhos.

Caso tivéssemos que produzir em nossa comunidade familiar tudo que necessitamos para sobreviver, teríamos uma vida desafortunada. Não produzimos nossa comida nem nossa roupa. Especializamo-nos em um trabalho e usamos nossa renda para adquirir dezenas de produtos que nos permitem produzir para o mercado e ter uma vida mais confortável.

O que vale para nós, indivíduos, vale também para o país. As empresas brasileiras precisam adquirir insumos bons e baratos se quiserem fabricar produtos com qualidade e preço adequados.

O empresário brasileiro costuma ser competitivo dentro dos portões de suas fábricas. Em razão das barreiras comerciais, não pode jamais ser competitivo contra o chinês que desembolsa a metade por computadores, plásticos, maquinário e demais insumos.

Nos anos 1980, o governo fez campanha com o slogan mercantilista “exportar é o que importa”. Mas é o contrário: importar é o que exporta! As importações reduzem os preços e melhoram o produto do exportador, permitindo que seja competitivo internacionalmente e exporte mais. Ademais, reduz preços e aumenta o padrão de vida do consumidor brasileiro.

A Secretaria de Comércio Exterior compreende essas lições, ao contrário dos desastrosos governos anteriores, e tem defendido uma maior abertura comercial como vetor de aumento da produtividade e renda.

O governo está em negociações de acordos comerciais com países desenvolvidos e busca abrir o mercado para serviços estrangeiros. Serviços como transporte, produtos bancários, e TI compõem 32% do custo do produto manufaturado brasileiro. Se forem importados, no entanto, pagam 47% de impostos. O produto manufaturado será tão mais competitivo quanto menor forem os impostos na importação de serviços.

O maior problema é o Mercosul, por meio do qual o Brasil está obrigado a negociar acordos de comércio. A atual tarifa externa comum, que nos isola das cadeias internacionais de produção, é muito alta. Se não for reduzida drasticamente, será melhor que o Brasil implemente o “braxit”.

A reforma de maior impacto de longo prazo na renda do brasileiro é a abertura comercial. Esperemos que a lógica econômica vença os interesses concentrados.

Helio Beltrão
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.

STF julga foco de insegurança jurídica - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 05/06

Se a Corte aceitar pedidos para criar empecilhos a privatizações, investimentos serão desestimulados


O reinício, marcado para hoje, do julgamento no Supremo da legalidade das privatizações traz ameaças ao próprio ajuste fiscal, cujo símbolo é a reforma da Previdência. Também afeta a retomada do crescimento, que mais rápida e consistente será quanto mais recursos para investimentos o país mobilizar.

Estancar negócios de privatização por decisões judiciais também abala a intenção do governo de reduzir a elevada dívida pública por meio da venda de empresas públicas. Cria insuperável insegurança jurídica e, assim, espanta os investimentos.

O julgamento tratará de liminares concedidas pelos ministros Ricardo Lewandowski e Edson Fachin. A primeira estabeleceu, de forma genérica, que venda de estatais e subsidiárias precisa de autorização do Congresso. Cada operação. A segunda suspendeu especificamente a venda pela Petrobras de 90% da sua subsidiária Transportadora Associada de Gás (TAG), acertada por US$ 8,6 bilhões.

São recursos importantes dentro do programa de venda de ativos da estatal, que, embalada nos delírios estatistas dos governos Lula e Dilma, chegou a acumular a maior dívida corporativa do mundo, de meio trilhão de reais. Sem falar na corrupção.

É evidente a necessidade de privatizações de subsidiárias não só para a empresa continuar a reduzir sua dívida, mas também redirecionar investimentos para a exploração estratégica do pré-sal, em que terá uma taxa de retorno maior que em outros segmentos. Além do mais, o programa de venda de empresas do grupo, em parte ou totalmente, tem o aval do Tribunal de Contas da União (TCU).

À margem de qualquer discussão jurídica, é paradoxal que ninguém ou qualquer organismo tenha reclamado quando a Petrobras estatizou a refinaria texana de Pasadena, um negócio suspeito, envolto em denúncias de corrupção. A refinaria foi depois vendida, também sem reclamações.

Na abertura do julgamento, na semana passada, o advogado-geral da União, André Luiz de Almeida Mendonça, defendeu a venda da TAG, e, em nome do Ministério Público Federal, o vice-procurador- geral da República Luciano Maris Maia concordou com Lewandowski, em que o país “precisa ter controle de seus bens”. Confia-se na sensatez da maioria do plenário da Corte.

As implicações do julgamento são preocupantes. Por isso, o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, visitou na semana passada vários ministros.

A discussão da reforma da Previdência avança na Câmara, onde será votada em dois turnos, o mesmo acontecendo depois no Senado. Há chances de aprovação, necessária para a retomada da economia. Mas uma decisão negativa do STF sobre privatizações funcionará contra.