quinta-feira, dezembro 26, 2019

Papai Noel do PT - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 23/12

Para o partido, país é um galinheiro de vez em quando, ele vem e mata uns frangos



O PT quer de dar um presente de Natal para o Brasil: caos social que ajude a derrubar a economia e, com isso, aumentar as chances de ele voltar ao poder. Seu Papai Noel Lula livre afirmou que o projeto do PT é retomar o poder em nome da democracia.

Coitada, a democracia é a famosa casa da mãe Joana: todo mundo mete a mão.

O PT revelou-se uma gangue. Tendo parte da sua origem no movimento sindical, erguido nos escombros da ditadura, só se podia esperar isso mesmo. Grande parte dos sindicatos, no mundo inteiro, é máfia com metafísica política: a ideia é tirar dinheiro de quem trabalha.

Ao revelar-se uma gangue, o PT nunca fez autocrítica. Não precisa. Santos não precisam rever seu passado, dizem até os intelectuais orgânicos que trabalham para a causa. O PT nunca foi sério no sentido que esperavam dele. Para o PT, o Brasil é um galinheiro —de vez em quando ele vem e mata uns frangos. O único projeto do PT sempre foi fazer do Brasil o seu quintal, mesmo que para isso tivesse que matar muitos frangos “resistentes”. Associar o PT à democracia é para gente de má-fé.

Eu sei, eu sei. O governo Bolsonaro desfila atos e gestos simpáticos à ditadura. Voltaremos a isso já. Mas o PT tem sofisticação intelectual suficiente a seu serviço pra montar um projeto totalitário silencioso, e com “verniz”, com palmas da “comunidade internacional”, em que ninguém perceba de bate pronto. E isso estava em curso. Basta você ter a seu favor as pessoas certas, você cria um sistema autoritário em “nome da democracia”. Quem lê história do século 20 sabe disso de cor.

A bola da vez é tentar criar caos social (“fazer um Chile aqui”) para derrubar a sensação de que alguma normalidade econômica começa a se instalar. Preste atenção e verá todos os economistas orgânicos do partido trabalhando para pôr em dúvida a ideia de “austeridade”. Engraçado: existem dois tipos de dinheiro, o meu e o dos outros. Com o meu prático austeridade, se não quebro. Com o dos outros proponho o socialismo e torro. Austeridade nada mais é do que gastar menos do que você ganha.

Não quero com isso propor que o mercado cuide de bebês. O mercado nunca resolveu tudo. Petistas fazerem crítica econômica depois de terem destruído a economia do país? Isso, sim, é entregar o galinheiro na mão da raposa.

Quero dizer apenas que aquela economia pequenininha que faz as pessoas sorrirem, que talvez comece a melhorar por aqui, precisa ser destruída pelo exército de asseclas do PT para impedir que os liberais continuem a ter alguma chance de administrar o país depois de “séculos” de mitos econômicos. Se a economia melhorar, fica mais difícil derrubar o Bolsonaro, claro, porque o bolso é o órgão mais sensível do homem e da mulher (para não me acusarem de sexista em cima do Natal).

Se o PT tiver de destruir o cotidiano do “povo brasileiro”, o fará sem cerimonia, porque o único povo brasileiro que jamais importou ao PT foi o “seu povo brasileiro”. E aí vem as bobagens faladas por membros do governo Bolsonaro, quando não ele mesmo.

Ficar ameaçando o país com um “novo AI-5” é coisa de ignorante histórico, geopolítico e moral. Cada vez que alguém fala uma idiotice dessa, o PT fica de pau duro. A ideia de gerar desordem visa fazer com o que todo mundo que não concorde com o PT e seus asseclas caia na categoria de fascistas, além de derrubar a economia e pôr as pessoas em pânico. A pequena utopia próxima dessa turma é caos nas ruas, polícia batendo e matando, e Brasília falando horrores e elogiando ferramentas violentas do passado.

Imediatamente a “comunidade internacional” e seus intelectuais (e Greta Thunberg!) gritarão que o Brasil é uma ditadura. O engraçado é que você pode destruir o cotidiano das pessoas e ainda assim dizer que você está a favor delas. Basta ler história do século 20 pra ver isso.

A verdade é que a melhoria possível da economia em 2020 pode complicar ainda mais para os antigos donos do galinheiro. E eles farão qualquer coisa pra isso não acontecer. Querem retomar o poder e voltar a roubar livremente.

Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

terça-feira, dezembro 17, 2019

Boris e Fidel - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 17/02

Tradicionalismo combinado a progressismo é ameaça que a esquerda enfrenta

1. Como vencer Donald Trump em 2020? A pergunta inquieta os espíritos progressistas, que vão perdendo a fé no processo de impeachment.

Além disso, olhando para os candidatos à indicação democrata, o cenário é desolador (para dizer o mínimo). Será que a ciência pode ajudar?

Talvez. No New York Times, os cientistas políticos Christopher Ellis e James Stimson partilharam os resultados de uma experiência ideológica.

Basicamente, criaram um candidato fictício —Scott Miller— e depois confrontaram os inquiridos com duas versões desse mesmo candidato.

Na versão mais moderada, o nosso Scott defendia posições economicamente progressistas (aumento do salário mínimo, seguro de saúde mais abrangente para a população etc.) e valores tipicamente “liberais” (justiça social, solidariedade, tolerância etc.).

Na versão mais extremada, Scott Miller era ainda mais progressista em matéria econômica —mas, em termos de valores, defendia posições mais “conservadoras” (patriotismo, família, o sonho americano etc.). Moral da história?

Um candidato democrata que seja progressista em economia e conservador em valores é aquele que tem mais sucesso junto dos eleitores.

Mas onde está esse candidato?

A minha resposta aos autores é simples: do outro lado do Atlântico. No Reino Unido, para sermos precisos, e com uma vitória fresca para mostrar.

O nome é Boris Johnson e, nas análises sobre o bicho, tudo é resumido à questão do brexit: ao batalhar por ele, Boris foi premiado pelos britânicos que já estavam cansados dessa interminável novela.

Existe uma parte de verdade nisso. Mas não é toda a verdade. Olhando para Boris e para o seu programa eleitoral, ele quase encarna as qualidades fundamentais do imaginário Scott Miller.

Sim, os valores conservadores estão lá. Mas Boris também abandonou, pelo menos na retórica, os últimos resquícios neoliberais do partido conservador, prometendo um ponto final nas políticas de austeridade, maior atenção às classes trabalhadoras e ao precarizado e um investimento generoso nos serviços públicos.

Não é de espantar que bastiões tradicionalmente trabalhistas no norte do país tenham comprado o “conservadorismo social” de Boris Johnson, decidindo a eleição a seu favor.

Saber se Boris vai cumprir o que promete, eis a dúvida que fica para o futuro. Mas, no presente, esta combinação de tradicionalismo com progressismo é a maior ameaça eleitoral que a esquerda contemporânea enfrenta.

2. Passei anos procurando o filme “Cuba e o Cameraman”. A literatura crítica era elogiosa e a minha curiosidade crescia com os aplausos.

Felizmente, a Netflix escutou as minhas preces. É um documento soberbo —e documento é a palavra. Durante cinco décadas, o jornalista Jon Alpert foi visitando e filmando a ilha de Fidel, traçando a sua evolução pela vida do povo cubano.

No início, tudo é promessa —e Jon Alpert, ele próprio um idealista da revolução, vê em Cuba tudo aquilo que deseja para o seu estado de Nova York. Educação grátis, saúde para todos, habitação idem. O paraíso na Terra.

É essa identificação ideológica que o leva a conhecer Fidel, a viajar com ele em 1979 para os Estados Unidos quando o ditador discursou na ONU e até a conhecer os seus hábitos mais cotidianos.

Fidel, por quem tenho simpatia nula, revela nas conversas e nos gestos um sentido de humor bastante atípico entre ditadores. Mas depois chega 1989. O Muro de Berlim cai. A União Soviética segue ladeira abaixo. E o paraíso, que nunca verdadeiramente existiu, mostra as suas garras.

As prateleiras dos supermercados enchem-se de pó. As famílias amontoam-se em cubículos imundos. Os hospitais são açougues, com instrumentos médicos medievais e fármacos inexistentes.

Só o mercado negro permite aos cubanos uma vida ligeiramente acima da sobrevivência. Aos cubanos que não conseguem fugir, entenda-se.

Mais: quando o dinheiro soviético desaparece, o estado de natureza se instala. Fome, pilhagem, destruição —a natureza humana como ela é em plena selva.

A tudo isso, os cubanos respondem com um estoicismo que chega a ser cômico —e o filme é, primeiro que tudo, uma homenagem a esse povo admirável.

Se existe algum defeito no documentário, ele só chega no final, quando Jon Alpert consegue uma última conversa com o nonagenário Fidel. Não sabemos do que falam, a câmera fica à porta.

Mas a admiração que Jon Alpert ainda sente pelo “símbolo” da revolução é indisfarçável.

Há doenças que não têm cura.

João Pereira Coutinho
Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

segunda-feira, dezembro 02, 2019

O gordo Natal rubro-negro - RENATO MAURÍCIO PRADO

UOL - 02/12

Quando eu era bem pequeno, as crianças mandavam cartinhas para Papai Noel, pedindo os presentes que sonhavam ganhar no Natal. A ilusão não durava muitos anos, é verdade, mas lembro-me ainda do dia em que escrevi, implorando ao bom velhinho que me trouxesse um autorama e meu avô Darcy (uma ótima pessoa, mas conhecido por ser "seguro", leia-se, um tanto quanto pão duro) reagiu de imediato — por cima de meu ombro, estava de olho no que eu rabiscava:


— Alemão (de vez em quando ele usava também o apelido que meu pai me dera), isso é muito caro! — questionou.

E eu, na inocência típica da infância, ainda retruquei, zangado:

— Mas o dinheiro não é seu, vovô! É do Papai Noel!

Bem, não ganhei o autorama naquele natal — só fui ter um, bem mais adiante, quando pude vender o lindo trem elétrico que papai trouxera da "América" e cuja locomotiva pifou após certo tempo de uso. O brinquedo era tão sofisticado (meu pai mal me deixava brincar sozinho com ele) que os trilhos, os inúmeros vagões, as estações, as belas paisagens, todo o resto, enfim, ainda valiam uma nota e foi assim que consegui comprar o meu primeiro autorama. Estrela, claro.

Lembrei-me dessa história ao imaginar o velho Noel recebendo uma carta singular na metade desse ano. Sentado diante de sua lareira, na Lapônia, surpreendeu-se com a antecedência e com o volume dos pedidos:

— Olhem só, que curioso — comentou com seus duendes, que logo se aproximaram para ouvir o que dizia a tal cartinha.

Cartinha, modo de dizer, na verdade eram várias folhas e muitos pedidos.

— Esse aqui quer dirigir um grande time no Brasil! O maior de todos, pede ele... — leu, divertido, o bom velhinho.

— Só isso? — repetiram, em coro irônico, os duendes.

— Não! Ele quer também ganhar os títulos mais importantes que disputar por lá!

— Kkkkkkkkkkkk. Só isso? — gargalharam as renas, que também se aproximaram, curiosas

— Não! Pede também para quebrar todos os recordes da história do campeonato.

— Kkkkkkkkkkkk. Só isso? — provocou o conjunto de elfos e caribus.

— Não! Faz questão também de derrotar categoricamente os últimos campeões e passar por cima de todos os medalhões de lá que cruzarem seu caminho.

— Mas que menino pidão! Kkkkkkkk. Só isso? — seguiu o jogral dos ajudantes.

— Ainda não! Quer que o seu time encante até os torcedores rivais, pelo futebol ofensivo, envolvente e avassalador.

— Kkkkkkk, era só o que faltava! De onde é esse guri? — perguntaram os duendes.

— Nem é um guri! — explicou Papai Noel.

— Mas, então, como tem a ousadia de escrever pra cá? — questionaram os duendes e as renas.

— É um senhor! Mas acredita na gente. E, quer saber, vai ganhar tudo o que está pedindo! — foi a resposta surpreendente do bom velhinho.

— Como assim, Nicolau? Por acaso, hoje é Black Friday? — perguntou a Mamãe Noel, que estava na cozinha e resolveu aparecer diante de tamanho alarido.

— Mulher, olha o nome de quem assina a carta! — respondeu o senhor barrigudo e de longas barbas longas.

— JESUS!!! — espantou-se a senhora.

— É tão grave assim? — quiseram saber duendes e renas, espantadíssimos com a reação de Mamãe Noel ao ler o nome do missivista.

À essa altura, o bom velhinho já largara a carta na mesa e procurava freneticamente alguma coisa em seu enorme baú de brinquedos.

— O que você quer, homem de Deus?

— Minhas chuteiras, mulher, onde estão minhas chuteiras?

— E por que você quer chuteiras? As botas não são mais confortáveis?

— Leia o último pedido, meu amor. O último pedido...

— Quer o Mundial também, JESUS!

— Aí não basta levar os presentes e as taças que posso colocar na árvore de Natal. Terei que entrar em campo e jogar também... E jogar muita bola, querida. Já ouviu falar em Mané, Firmino e Salah? Valha-me, Deus!