sábado, março 23, 2019

Contra a velha política, surge uma nova balbúrdia - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 23/03
Há algo de suicida no comportamento de Jair Bolsonaro. O doutor Paulo Guedes, homem forte da Esplanada, informa que, sem a reforma da Previdência, sobrevirá o Apocalipse. O governo só dará certo, portanto, se entregar a reforma. Na Câmara, exigem-se 308 votos. Para obtê-los, é preciso adotar três providências: dialogar, dialogar e dialogar. Mas Bolsonaro prefere fazer cara de nojo. Se continuar agindo assim, Dilma Rousseff vai acusá-lo de plágio.

Bolsonaro escolheu governar no mundo das redes sociais. É muito parecido com o País das Maravilhas. Ali, quem ousa mostrar o mundo real é acusado de conspirador. É isso o que está acontecendo com Rodrigo Maia. Grão-tuiteiro do reino, Carlos Bolsonaro foi ao país do cristal líquido para instruir os navegadores a cortarem a cabeça do presidente da Câmara. Após intensa refrega, Maia aconselhou Bolsonaro, o pai, a dedicar mais tempo à Previdência do que ao Twitter. Foi como se o deputado ecoasse Alice: "Vocês não passam de um baralho de cartas".

No país de Alice, a honestidade de Bolsonaro tornou-se uma virtude negativa. À medida que seu governo vai penetrando o caos legislativo, o presidente vai enumerando os mandamentos de sua honra. Todos começam com não. Coisas assim: Não colocarei bandido no ministério, não farei o toma-lá-dá-cá, não farei concessões à velha política, não isso, não aquilo.

No gogó, tudo soa muito lindo. Entretanto, no mundo das coisas práticas, um presidente que se escora no vocábulo da negação fica muito parecido com o sujeito que leva a família ao restaurante, acomoda-se numa mesa e, na hora de pedir a comida, enumera para o garçom todos os pratos que não deseja experimentar. A família volta para casa com fome e o filho do meio vai às redes para falar mal do estabelecimento.

Não existe velha nem nova política. Existe a boa política e a cleptopolítica. A Lava Jato demonstrou que, nos últimos anos, o índice de corrupção não aumentou no Brasil. Continua nos mesmos 100%. O presidente faz bem em tomar distância do modelo em que a governabilidade é obtida na base do "uma mão suja a outra". Mas é uma tolice negar a evidência de que não há política sem escambo.

É natural que os congressistas sejam portadores de demandas do seu eleitorado. Bolsonaro dispõe de uma vacina capaz de imunizá-lo contra a radioatividade da formação de consórcios partidários. Basta comunicar aos integrantes da sonhada maioria parlamentar: "Não me peçam nada que subverta o interesse público. No meu governo, não se toma e não se dá nada que não possa ser exposto na vitrine."

Fora disso, a retórica do combate à velha política não serve senão para abrir o caminho que conduz a uma nova balbúrdia. Jair Bolsonaro e sua dinastia sempre poderão correr às redes sociais para acusar o Congresso de bloquear as propostas do governo. Mas já ficou entendido que esse tipo de fuga serve para criar crises, não para evitar o Apocalipse de que fala Paulo Guedes.

O Pensamento de Frédéric Bastiat - JOÃO LUIZ MAUAD

O Pensamento de Frédéric Bastiat

INSTITUTO LIBERAL
Claude Frédéric Bastiat (30/06/1801 — 24/12/1850) foi um economista, jornalista e parlamentar francês. A maior parte de sua obra foi escrita durante os anos que antecederam e que imediatamente sucederam a Revolução de 1848. Nessa época, eram grandes as discussões em torno do socialismo, para o qual a França pendia fortemente. Como deputado, teve a oportunidade de se opor vivamente às ideias socialistas, fazendo-o através de seus discursos e panfletos, vazados em estilo cheio de humor e sátira.
“Quando o saque se torna um modo de vida, os homens criam para si um sistema legal que o autoriza e um código moral que o glorifica.”
“Quando a opinião pública equivocada honra o que é desprezível e despreza o que é honroso, pune a virtude e recompensa o vício, encoraja o que é prejudicial e desencoraja o que é útil, aplaude a falsidade e sufoca a verdade sob indiferença ou insulto, uma nação vira as costas para o progresso, que só pode ser restaurado pelas terríveis lições de catástrofe.”
“O socialismo, como as idéias antigas das quais ele brota, confunde governo e sociedade. Como resultado disso, toda vez que nos opomos a uma coisa que está sendo feita pelo governo, os socialistas concluem que nos opomos a que isso seja feito. . . . É como se os socialistas nos acusassem de não querer que as pessoas comam porque não queremos que o estado plante grãos”.
“Se as tendências naturais da humanidade são tão ruins que não é seguro permitir que as pessoas sejam livres, como as tendências desses governantes são sempre boas? Os legisladores e seus agentes nomeados também não pertencem à raça humana? Ou eles acreditam que eles mesmos são feitos de argila mais fina do que o resto da humanidade?”
“A pilhagem legal pode ser cometida de um número infinito de maneiras; portanto, há um número infinito de planos para organizá-lo: tarifas, proteção, bônus, subsídios, incentivos, imposto de renda progressivo, educação gratuita, o direito ao emprego, o direito ao lucro, o direito a salários, o direito ao alívio , o direito às ferramentas de produção, crédito isento de juros, etc., etc. E é o agregado de todos esses planos, em relação ao que eles têm em comum – a pilhagem legal -, que passa sob o nome de socialismo.”
“Esta questão do saque legal deve ser resolvida de uma vez por todas, e existem apenas três maneiras de resolvê-lo: (1) Os poucos saqueiam muitos. (2) Todo mundo rouba todo mundo. (3) Ninguém rouba ninguém.”
“Nada é mais sem sentido do que basear tantas expectativas sobre o estado, isto é, assumir a existência de sabedoria e previsão coletivas, depois de tomar por certo a existência de imbecilidade e imprevidência individuais.”
“Existe em todos uma forte disposição para acreditar que qualquer coisa legal também é legítima. Essa crença é tão difundida que muitas pessoas têm erroneamente sustentado que as coisas são “justas” porque a lei as faz assim.”
“Eu acredito que minha teoria está correta; seja qual for a questão sobre a qual estou argumentando, seja religiosa, filosófica, política ou econômica; se isso afeta o bem-estar, moralidade, igualdade, direito, justiça, progresso, responsabilidade, propriedade, trabalho, troca, capital, salários, impostos, população, crédito ou governo; em qualquer ponto do horizonte científico de onde parti, invariavelmente chego à mesma conclusão – a solução do problema social está na liberdade.”
“O custo real do Estado é a prosperidade que não temos, os empregos que não existem, as tecnologias a que não temos acesso, os negócios que não existem e o futuro brilhante que nos é roubado.”
“Deve-se admitir que a tendência da raça humana para a liberdade é em grande parte frustrada, especialmente na França. Isso se deve em grande parte a um desejo fatal – aprendido com os ensinamentos da antiguidade: desejam se colocar acima da humanidade para organizá-la, governá-la e regulá-la de acordo com sua fantasia.”
“Ou a fraternidade é espontânea ou não existe. Decretá-la é aniquilá-la. A lei pode realmente forçar os homens a permanecerem justos; não pode forçá-los a se sacrificarem.”
“Quando, sob o pretexto de fraternidade, o código legal impõe sacrifícios mútuos aos cidadãos, a natureza humana não é revogada. Todos, então, dirigirão seus esforços para contribuir o mínimo para o fundo comum de sacrifícios e dele retirar o máximo. Agora, é o mais fraco que ganha com essa luta? Certamente não, mas sim o mais influente e calculista.”
"Eles seriam os pastores sobre nós, suas ovelhas. Certamente, tal arranjo pressupõe que eles são naturalmente superiores ao resto de nós. E certamente é plenamente justificado exigir dos legisladores e organizadores prova dessa superioridade natural.”
“E o que é liberdade, cujo nome faz o coração bater mais rápido e sacudir o mundo? Não é a união de todas as liberdades – liberdade de consciência, de educação, de associação, de imprensa, de viagem, de trabalho ou comércio?”
“… a declaração “O propósito da lei é fazer com que a justiça reine” não é uma declaração rigorosamente precisa. Deve-se afirmar que o propósito da lei é impedir que a injustiça reine. De fato, é a injustiça, e não a justiça, que tem existência própria. A justiça só é alcançada quando a injustiça está ausente.”
“Mas como esse saque legal pode ser identificado? Muito simples. Veja se a lei retira de algumas pessoas o que lhes pertence e a dá a outras pessoas a quem não pertence. Veja se a lei beneficia um cidadão em detrimento de outro, fazendo o que o próprio cidadão não pode fazer sem cometer um crime.”
“A necessidade mais urgente não é que o Estado ensine, mas que permita a educação. Todos os monopólios são detestáveis, mas o pior de todos é o monopólio da educação.”
“O estado é uma grande entidade fictícia, pela qual todos buscam viver à custa de todos os outros.”
“Vida, faculdades, produção – em outras palavras, individualidade, liberdade, propriedade -, isto é o homem. E apesar da astúcia de líderes políticos engenhosos, esses três dons de Deus precedem toda a legislação humana e são superiores a ela.”
“Não é verdade que o legislador tenha poder absoluto sobre nossas pessoas e propriedades. A existência de pessoas e bens precedeu a existência do legislador, e sua função é apenas garantir sua segurança.”
“Às vezes a lei defende a pilhagem e participa dela. Às vezes, a lei coloca todo o aparato de juízes, policiais, prisões e gendarmes a serviço dos saqueadores, e trata a vítima, quando esta se defende, como um criminoso.”
“A lei é a organização coletiva do direito do indivíduo à legítima defesa de sua vida, liberdade e propriedade. Quando é usado para qualquer outra coisa, não importa quão nobre seja a causa, ela se torna pervertida e a justiça é enfraquecida.”
“Todo mundo quer viver às custas do estado. O que esquecem é que o estado vive à custa de todos.”
“Aqui eu encontro a falácia mais popular dos nossos tempos. Não é considerado suficiente que a lei garanta a todo cidadão o uso livre e inofensivo de suas faculdades para o auto-aperfeiçoamento físico, intelectual e moral. Em vez disso, exige-se que a lei garanta diretamente o bem-estar, a educação e a moralidade em todo o país. Essa é a atração sedutora do socialismo.”
“Os homens naturalmente se rebelam contra a injustiça de que são vítimas. Assim, quando o saque é organizado por lei para o lucro daqueles que fazem a lei, todas as classes saqueadas tentam de alguma forma entrar, por meios pacíficos ou revolucionários, na elaboração de leis. De acordo com seu grau de esclarecimento, essas classes saqueadas podem propor um de dois propósitos completamente diferentes ao alcançar o poder político: ou podem querer impedir o saque legal, ou talvez desejem compartilhar nele.”
“Nenhuma sociedade pode existir se o respeito pela lei não prevalecer em alguma medida; mas a maneira mais certa de respeitar as leis é torná-las respeitáveis. Quando a lei e a moralidade estão em contradição, o cidadão se vê no cruel dilema de perder seu senso moral ou de perder o respeito pela lei.”
“Trate todas as questões econômicas do ponto de vista do consumidor, pois os interesses do consumidor são os interesses da raça humana.”
“Se a filantropia não é voluntária, ela destrói a liberdade e a justiça. A lei não pode dar nada que não tenha sido primeiro tirado de seu dono.”
“Cada um de nós tem um direito natural, de Deus, de defender sua pessoa, sua liberdade e sua propriedade.”
“Barreiras comerciais constituem isolamento; o isolamento dá origem ao ódio, o ódio à guerra e a guerra à invasão.”
“Se as mercadorias não cruzarem fronteiras, os exércitos o farão.”
“Em virtude da troca, a prosperidade de um homem é benéfica para todos os outros.”
“A solução do problema social está na liberdade.”
“É sempre tentador fazer o bem à custa de outra pessoa”.
“E foi isso que aconteceu. A ilusão do dia é enriquecer todas as classes à custa umas das outras; é generalizar o saque sob pretexto de organizá-lo.”
“Há pessoas que pensam que o saque perde toda a sua imoralidade assim que se torna legal. Pessoalmente, não consigo imaginar uma situação mais alarmante.”
“Propriedade: o direito de desfrutar dos frutos do próprio trabalho, o direito de trabalhar, de desenvolver, de exercer as próprias faculdades, de acordo com o próprio entendimento, sem que o Estado intervenha senão por sua ação protetora; é isso que significa liberdade”.
“Se toda pessoa tem o direito de defender – mesmo pela força – sua pessoa, sua liberdade e sua propriedade, segue-se que um grupo de homens tem o direito de organizar e apoiar uma força comum para proteger esses direitos permanentemente. Assim, uma vez que um indivíduo não pode legitimamente usar a força contra a pessoa, liberdade ou propriedade de outro indivíduo, então a força comum – pela mesma razão – não pode legalmente ser usada para destruir a pessoa, liberdade ou propriedade de indivíduos ou grupos.”
“Quem, então, não gostaria de ver tantos benefícios fluírem para o mundo a partir da lei, como uma fonte inesgotável? Mas isso é possível? De onde o Estado tira os recursos que se exige para dar benefícios aos indivíduos? Não é dos próprios indivíduos? Como, então, esses recursos podem ser aumentados passando pelas mãos de um intermediário parasitário e voraz?”
“Os socialistas alegam que rejeitamos a fraternidade, solidariedade, organização e associação; e eles nos marcam com o nome de individualistas. Podemos assegurar-lhes que o que repudiamos não é organização natural, mas organização forçada. Não é a livre associação, mas as formas de associação que eles nos imporiam. Não é uma fraternidade espontânea, mas uma fraternidade legal. Não é solidariedade providencial, mas solidariedade artificial, que é apenas um deslocamento injusto da responsabilidade.”
“O estado tende a expandir-se proporcionalmente aos seus meios de existência e a viver além de seus meios, e estes são, em última análise, nada mais que a substância do povo. Ai das pessoas que não podem limitar a esfera de ação do estado! Liberdade, iniciativa privada, riqueza, felicidade, independência, dignidade pessoal, tudo desaparece.”
“Se você deseja prosperar, deixe seu cliente prosperar. Quando as pessoas aprenderam essa lição, todos buscarão seu bem-estar individual no bem-estar geral. Então, invejas entre homem e homem, cidade e cidade, província e província, nação e nação, não mais incomodarão o mundo.”
“O tipo de dependência que resulta da troca, isto é, das transações comerciais, é uma dependência recíproca. Não podemos depender de um estrangeiro sem que ele seja dependente de nós. Agora, isso é o que constitui a própria essência da sociedade. Romper as interrelações naturais não é tornar-se independente, mas isolar-se completamente.”
“Acho difícil entender por que aqueles que demandam Educação exclusiva pelo Estado também não exigem uma Imprensa exclusiva do Estado … Ou o Estado é infalível, caso em que não poderíamos fazer melhor do que submeter a ele todo o domínio do pensamento inteligente, ou não é, caso em que não é mais racional entregar a educação a ele do que a imprensa.”
“Ah, suas criaturas miseráveis! Você que pensa que é tão grande! Você que julga a humanidade tão pequena! Você que deseja reformar tudo! Por que vocês não se reformam? Essa tarefa seria suficiente.”
“Escravidão, proteção e monopólio encontram defensores não apenas naqueles que lucram com eles, mas também naqueles que sofrem por eles.”
“Os planos diferem; os planejadores são todos iguais.”
“Numa economia, um ato, um hábito, uma instituição ou uma lei geram não apenas um efeito, mas uma série de efeitos. Destes efeitos, o primeiro apenas é imediato; manifesta-se simultaneamente com sua causa – é visto. Os outros se desdobram em sucessão – eles não são vistos. Agora, essa diferença é enorme, pois muitas vezes é verdade que, quando a conseqüência imediata é favorável, as conseqüências finais são fatais. Há apenas uma diferença entre um economista ruim e um bom: o mau economista se limita ao efeito visível; o bom economista leva em conta tanto o efeito que pode ser visto, como os efeitos que devem ser previstos.”
“Muitas vezes, as massas são saqueadas e nem se dão conta disso.”
“Tente imaginar um sistema de trabalho imposto pela força que não seja uma violação da liberdade; uma transferência de riqueza imposta pela força que não é uma violação dos direitos de propriedade. Se você não pode fazê-lo, então você deve concordar que a lei não pode organizar o trabalho e a indústria sem organizar a injustiça.”
“Não é verdade que o legislador tenha poder absoluto sobre nossas pessoas e propriedades, uma vez que eles preexistem, e seu trabalho é apenas protegê-los de danos. Não é verdade que a missão da lei é regular nossas consciências, nossas idéias, nossa vontade, nossa educação, nossos sentimentos, nossas obras, nossas trocas, nossos dons, nossos prazeres. Sua missão é impedir que os direitos de um interfiram nos de outro, em qualquer uma dessas coisas.”
“E agora, que os legisladores e benfeitores infligiram inutilmente tantos sistemas à sociedade, que eles finalmente terminem por onde deviam ter começado: que rejeitem todos os sistemas e tentem a liberdade; pois a liberdade é um reconhecimento da fé em Deus e em Suas obras”.
“A missão da lei não é oprimir as pessoas e saquear suas propriedades, mesmo que a lei esteja agindo em um espírito filantrópico. Seu propósito é proteger pessoas e propriedades … Se você exceder esse limite – se você tentar tornar a lei religiosa, fraterna, equalizadora, filantrópica, industrial ou artística -, então você se perderá em um território não mapeado, em imprecisão e incerteza, em uma utopia forçada ou, pior ainda, em uma infinidade de utopias, cada uma lutando para assumir a lei e impô-la a você.”
“Agora, uma vez que o homem está naturalmente inclinado a evitar a dor – e visto que o trabalho é uma dor em si -, segue-se que os homens recorrerão à pilhagem sempre que a pilhagem for mais fácil que o trabalho. A história mostra isso claramente. E sob estas condições, nem a religião nem a moralidade podem pará-lo. Quando, então, o saque para? Quando se torna mais doloroso e mais perigoso que o trabalho. É evidente, então, que o propósito apropriado da lei é usar o poder de sua força coletiva para parar essa tendência fatal de saquear em vez de trabalhar. Todas as medidas da lei devem proteger a propriedade e punir a pilhagem.”
“A proteção comercial acumula em um único ponto o bem que ela produz, enquanto o mal infligido é infundido em toda a massa. O primeiro chama a atenção à primeira vista, enquanto o outro torna-se perceptível somente depois de minuciosa investigação.”
“As pessoas que, durante a eleição, eram tão sábias, tão morais, tão perfeitas, agora não têm tendências; ou se tiverem alguma, são tendências que levam à degradação. . . . Se as pessoas são tão incapazes, tão imorais e tão ignorantes quanto os políticos indicam, então por que o direito dessas mesmas pessoas de votar é defendido com tanta insistência apaixonada?”
“Quais países contêm as pessoas mais pacíficas, mais morais e mais felizes? Essas pessoas são encontradas nos países onde a lei menos interfere nos assuntos privados; onde o governo é menos sentido; onde o indivíduo tem o maior escopo e a livre opinião a maior influência; onde os poderes administrativos são menores e mais simples; onde os impostos são mais leves e quase iguais”.
“Mas a vida não pode se manter sozinha. O Criador da vida nos confiou a responsabilidade de preservá-la, desenvolvê-la e aperfeiçoá-la. Para que possamos realizar isso, Ele nos forneceu uma coleção de maravilhosas faculdades. E Ele nos colocou no meio de uma variedade de recursos naturais. Pela aplicação de nossas faculdades a esses recursos naturais, os convertemos em produtos e os utilizamos. O processo é necessário para que a vida possa seguir seu curso indicado.”
“Não podemos duvidar que o interesse próprio é a principal fonte da natureza humana. Deve ser claramente entendido que essa palavra é usada aqui para designar um fato universal e incontestável, resultante da natureza do homem, e não um julgamento adverso, como seria a palavra egoísmo.”
“Se todos desfrutassem do uso irrestrito de suas faculdades e da livre disposição dos frutos de seu trabalho, o progresso social seria incessante, ininterrupto.

O fã e o ídolo - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO - REVISTA VEJA

REVISTA VEJA

Na carta em que convidou o barão do Rio Branco para ser seu chanceler, o então presidente eleito Rodrigues Alves argumentou: “A pasta do Exterior não pode estar subordinada a influências partidárias, mas convém que seja prestigiada com um nome de valor, que inspire confiança à opinião pública, impedindo que ela se apaixone ou se desvaire”. “Pasta do Exterior” equivale no caso a “política exterior”. A visita do presidente Jair Bolsonaro a Washington esteve distante do conceito de Rodrigues Alves. Poucas vezes se viu conferência de cúpula tão partidária. Duas facções, não dois Estados, reu­niam-se e, mais do que negociar, confraternizavam.

Releve-se que, nos acordos anunciados, o Brasil tenha trocado concessões concretas por meras promessas. A marca do encontro foram as manifestações de deslumbramento, raiando a sabujice, da parte brasileira. “Sempre fui um grande admirador dos Estados Unidos, e essa admiração aumentou com a chegada de Vossa Excelência à Presidência”, disse Bolsonaro, na Casa Branca. Mais adiante, quando um repórter lhe perguntou como ficaria se o Partido Democrata ganhasse a próxima eleição, respondeu que acreditava “piamente” na vitória de Trump. Nos movimentos corporais ao lado do anfitrião, o presidente brasileiro traía o embevecimento do fã diante do ídolo.

Estreitar a relação com os Estados Unidos é medida oportuna, depois das empreitadas terceiro-mundistas e bolivarianas do PT, mas não se precisava chegar a tanto. O embevecimento desceu a perigosa vassalagem quando Bolsonaro, duas vezes, ao ser confrontado a respeito, deixou no ar que o Brasil poderia acompanhar Trump numa intervenção militar na Venezuela. O modo de fazê-lo foi dizer não dizendo; argumentou que não podia revelar o combinado com Trump porque significaria revelar a “estratégia”.


A marca do encontro com Trump foi o deslumbramento da parte brasileira

Ao barão do Rio Branco é atribuído o início da aliança não escrita que, com intervalos, teria caracterizado a relação Brasil-EUA. Luís Cláudio Villafañe G. Santos, autor da recente biografia Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco, explica que o patrono da diplomacia brasileira via nos EUA um fator de dissuasão de eventuais pretensões europeias na América do Sul. Não esquecer que, na época, as Guianas francesa e inglesa assinalavam a presença de duas potências do Velho Mundo em nossa fronteira norte. Em 1906 Rio Branco recebeu no Rio, com honras, o secretário de Estado Elihu Root, para a III Conferência Pan-Americana (foi a primeira missão de um secretário de Estado no exterior). O embaixador brasileiro em Washington, Joaquim Nabuco, instou Rio Branco a, em retribuição, visitar Washington. O barão recusou. “Não penso que tenhamos o dever de retribuir uma visita feita (…) no interesse do desenvolvimento da influência americana, e não por atenção ao Brasil”, respondeu.


O encontro na Casa Branca teve como aperitivo uma recepção na embaixada brasileira a personalidades direitistas de ambos os países. Além de Bolsonaro e ministros, marcaram presença Steve Bannon e Olavo de Carvalho. O primeiro, ex-assessor e formulador-chefe do pensamento trumpista; o segundo, guru e formulador-chefe do bolsonarismo. Esses dois são um perigo. Fazem guerra à China, restringindo-se por enquanto, mas só por enquanto, a incentivá-la no plano comercial. Ao Brasil sobraria renunciar a vendas de mais de 60 bilhões de dólares no ano passado (contra menos de 30 bilhões aos EUA) — risco de que nos salvou (por enquanto) Paulo Guedes. Disse ele a empresários que, na valsa do comércio, quer dançar com os americanos mas também com a China (“E ela dança bem”, acrescentou). Desamparado do ministro da Economia, não há garantias de que Bolsonaro resistiria a um apertão, como nas perguntas sobre a Venezuela.

Falta mencionar os filhos do presidente. Olavo de Carvalho e os filhos, um de longe, no papel do oráculo de Richmond, os outros de perto, na mesa ou no cangote do pai, constituem a faceta mais bizarra do atual governo. Olavo na véspera havia dito que não confia no governo e chamado o vice Hamilton Mourão de “imbecil”. No entanto lá estava, inteiro e festejado, na celebração direitista da embaixada. Os filhos provocaram suas próprias devastações. Eduardo, o mais novo, ao participar da reunião a portas fechadas no Salão Oval, demitiu simbolicamente o chanceler Eduardo Araújo. Carlos, o do meio, ao bandear-se para Brasília quando o pai viajou, com o fim declarado de “desenvolver linhas de produção (sic) solicitadas pelo presidente”, demitiu o general Mourão. E la nave va.

Publicado em VEJA edição nº 2627

Para Paulo entender Olavo - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 23/03
A 'revolução' do guru fuzilaria os liberais junto com os comunistas, se pudesse

"Por que o líder dispara contra a revolução que inspirou?", perguntou um inconformado Paulo Guedes a Olavo de Carvalho no jantar em homenagem a Bolsonaro, em Washington. Na véspera, o Bruxo da Virgínia atirara um petardo contra Hamilton Mourão, responsabilizando-o pela virtual dissolução do governo no horizonte de seis meses. Paulo merece resposta. Ofereço-lhe duas, complementares.

A primeira: a "revolução" de Olavo não é a de Paulo, e uma conflita com a outra.

Paulo acalenta a doutrina do liberalismo econômico radical: o Estado Mínimo. Já Olavo interessa-se apenas marginalmente por economia. A "revolução" dele também é um retorno, mas não ao Estado liberal do século 19 e sim a um passado mítico de soberanias estatais absolutas, hierarquias patriarcais fundadas na tradição e respeito às "liberdades naturais" do colono armado. Numa síntese rápida, a fusão do conservadorismo romântico europeu com o nativismo individualista americano.

Olavo não é original. Logo após a Primeira Guerra Mundial, Oswald Spengler anunciou o "declínio do Ocidente", fruto de um longo envenenamento cultural provocado pelas bactérias do Iluminismo. Do nacionalismo conservador e autoritário spengleriano nasceu essa contrafação pós-moderna: o mingau "filosófico" servido pelo Bruxo da Virgínia e, de modo geral, pela alt-right (direita nacionalista) americana. Paulo talvez não se interesse por esse labirinto ideológico, mas deveria prestar atenção à sua implicação.

A alt-right difunde a tese de que os "liberais globalistas" estão associados aos "marxistas" numa conspiração mundial contra os povos. Nessa aliança fantasiosa, Paulo figura no primeiro grupo. A "revolução" de Olavo fuzilaria os liberais junto com os comunistas, se pudesse.

No dia seguinte ao célebre jantar, Bolsonaro prostrou-se aos pés de Trump. Cito, com autorização, a incisão cirúrgica realizada pelo embaixador Marcos Azambuja num debate fechado: "O produto que Bolsonaro tentou vender não tem demanda na Casa Branca. Trump despreza os que o bajulam; ele gosta de Putin e Kim Jong-un, que o confrontam." Acrescento: a "revolução" de Olavo é uma ideia fora de lugar, a importação de um discurso populista estranho aos dilemas brasileiros.

A segunda resposta: a "revolução" de Olavo é uma "revolução permanente", uma guerra sem fim contra moinhos de vento.

O Bruxo da Virgínia precisa conservar seu estatuto de bruxo —ou seja, a condição de guru de uma seita. Para reter a lealdade total de seus seguidores, deve evitar que eles sejam contaminados pelos intercâmbios de interesses e conciliações políticas inerentes a qualquer governo. Por meio da "revolução permanente", o líder impede que seus liderados cedam à tentação de oscilar entre os comandos de dois senhores.

Olavo não é tonto como seus "alunos" que colonizam o Itamaraty e o MEC. Ele sabe que clama por uma utopia: a volta dos ponteiros da História a uma Idade de Ouro imaginária. Sabe, portanto, que qualquer governo está destinado ao fracasso, se a medida do sucesso for a régua maximalista da sua utopia. O líder que não pretende ser desmascarado pela inevitável falência de sua "revolução" precisa identificar e denunciar, previamente, os traidores da causa. Daí, o recurso à "revolução permanente": o líder dispara contra a revolução que inspirou.

A consequência da "revolução permanente" é a perene ingovernabilidade. Sacudido por crônicas guerras intestinas, o governo carece da coesão, da autoridade e da força persuasiva para formar maiorias parlamentares sólidas. O projeto da reforma previdenciária, ato inaugural da "revolução" de Paulo, corre o risco de ser tragado no vórtice da "revolução" de Olavo.

Há algo mais. Entre os "alunos" do Bruxo da Virgínia, contam-se ao menos dois dos filhos do presidente. A "revolução" de Olavo é a de Jair. Anote isso, Paulo.

Bolsonaro sem noção - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 23/03

Para Maia, presidente não tem noção, nem da gravidade da situação, nem da importância de governar com o Congresso


Movem-se as placas tectônicas da política brasileira, e pode vir daí um terremoto de vastas proporções. A reforma está com problemas pela desarticulação do governo, e o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, que é (ou era) o grande aliado para dar andamento à aprovação da reforma da Previdência, acha que essa desarticulação faz parte de uma estratégia do próprio Bolsonaro, que só sabe governar na base da confrontação.

Para o presidente da Câmara, o presidente Jair Bolsonaro “não tem noção, nem da gravidade da situação, nem da importância de governar com o Congresso numa democracia”. Há uma diferença entre governar como o PT fazia e como a Angela Merkel (chanceler alemã) faz, destaca Rodrigo Maia. “Eu vou continuar atuando a favor da reforma da Previdência, mas não em nome do governo”. Maia diz que quem tem que atuar dentro do Congresso é o articulador político do governo, Onyx Lorenzoni. E, especialmente, o próprio presidente Bolsonaro.

“Eu não tenho capacidade para conseguir os votos necessários para aprovar a reforma. Posso até, pelo meu convencimento, arranjar uns 50, 60 votos. Mas faltarão mais cerca de 250, que o governo vai ter que buscar”. Para tanto, ressalta Maia, tem que fazer política, e isso eles não querem fazer. “Querem ficar com o bônus de serem os protetores do povo, e o Congresso assumirá o ônus de ter aprovado uma matéria impopular, embora necessária”. O governo Bolsonaro, desde o início, tenta se desvencilhar da dependência do Congresso, o que é um contrassenso num regime necessariamente de coalizão, em que o presidente nunca tem a maioria parlamentar, mesmo que tenha a maioria popular. Nos Estados Unidos, o candidato, como Trump, pode ser eleito pelo Colégio Eleitoral e perder na votação popular. Em regimes como o nosso, nem sempre acontece que um presidente popular tenha o apoio da maioria no Congresso, mas não consegue governar sem ele. Aconteceu com Collor, com Dilma e está acontecendo com Bolsonaro.

Com a agravante, para Bolsonaro, de que sua popularidade está em decadência muito antes de terminar o período de graça dos governos. Nos cem primeiros dias, o presidente eleito historicamente conseguia tudo no Congresso. Não mais. Além disso, o governo, em campanha permanente, queima suas pontes com potenciais aliados porque só se interessa em cultivar a parte do eleitorado que o elegeu, a que fala mais diretamente a seus valores conservadores. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, que se dispunha a ajudar na aprovação da reforma da Previdência, está recuando sua defesa para fazer frente a uma série de ataques, uns provocados por inexperiência, como o do ministro Sergio Moro; outros, propositais para incensar os radicais bolsominions nas redes sociais. O vereador Carlos, o filho 02, que se distrai fazendo política no Twitter, publicou no Instagram, no dia da prisão de Moreira Franco, sogro de Rodrigo Maia: “Por que o presidente da Câmara está tão nervoso?”, numa clara insinuação irônica. E retuitou uma mensagem do ministro Sergio Moro com críticas indiretas a Maia.

Moro enviara de Washington uma mensagem pelo WhatsApp reclamando que Rodrigo Maia havia criado uma comissão para analisar o projeto anticrime do governo juntamente com outros projetos já em tramitação na Câmara, inclusive um que foi coordenado pelo atual ministro do Supremo Alexandre de Moraes. Considerou isso o descumprimento de um suposto acordo.

Rodrigo Maia, de fato, deixou o projeto para entrar na pauta no segundo semestre, pois acha que discutir os dois, este e o da Previdência, ao mesmo tempo, vai dispersar os votos. E combinou a estratégia com Bolsonaro. O presidente da Câmara mandou a resposta, exigindo que Moro o respeitasse como presidente do Poder Legislativo.

O ministro da Justiça, Sergio Moro, retrucou no Twitter, que foi replicado por Carlos Bolsonaro: “Talvez alguns entendam que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais.”

Maia desabafa: “Se o filho do presidente me ataca publicamente, e ele não faz nada, quer dizer que pensa como o filho”. O governo não quer a reforma da Previdência, especula Rodrigo Maia. “Ou melhor, quer, mas jogando a responsabilidade para o Congresso. Bolsonaro posa de bonzinho, e nós somos os contra o povo.”


‘O governo é um deserto de ideias’ - ENTREVISTA DE RODRIGO MAIA NO ESTADÃO

ESTADÃO 23/03

‘O governo é um deserto de ideias’, afirma Maia
Presidente da Câmara dos Deputados cobra ‘liderança’ e diz que Jair Bolsonaro precisa ser mais ‘proativo’



Vera Rosa, Naira Trindade e Renata Agostini, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ao Estado que o governo não tem projeto para o País além da reforma da Previdência. Um dia após ameaçar deixar a articulação política para a aprovação das mudanças na aposentadoria, por causa dos ataques recebidos nas redes sociais pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), Maia calibrou o discurso e assegurou a continuidade do trabalho. Fez, porém, várias críticas e advertiu que o presidente precisa deixar o Twitter de lado, além da “disputa do mal contra o bem”, e se empenhar para melhorar a vida da população.

“O governo é um deserto de ideias”, declarou Maia. “Se tem propostas, eu não as conheço. Qual é o projeto do governo Bolsonaro fora a Previdência? Não se sabe”. Na avaliação do presidente da Câmara, o ministro da Economia, Paulo Guedes, é “uma ilha” dentro do Executivo.


Ao ser lembrado de que Bolsonaro comparou possíveis dificuldades no relacionamento às brigas de um namoro, Maia disse que, se o presidente ficar sem conversar com ele até o fim do mandato, não haverá problema. "Não preciso falar com ele. O problema é que ele tem de conseguir várias namoradas no Congresso. São os outros 307 votos que ele precisa conseguir. Eu já sou a favor. Ele pode me deixar para o fim da fila", argumentou.

Por que o sr. decidiu abandonar a articulação da reforma da Previdência?

Apenas entendo que o governo eleito não pode terceirizar sua responsabilidade. O presidente precisa assumir a liderança, ser mais proativo. O discurso dele é: sou contra a reforma, mas fui obrigado a mandá-la ou o Brasil quebra. Ele dá sinalização de insegurança ao Parlamento. Ele tem que assumir o discurso que faz o ministro Paulo Guedes. Hoje, o governo não tem base. Não sou eu que vou organizar a base. O presidente da Câmara sozinho, em uma matéria como a reforma da Previdência, não tem capacidade de conseguir 308 votos.

Mas o sr. continua à frente da articulação?

Dentro do meu quadrado, sim. Agora, acho que quanto mais eles tentam trazer para mim a responsabilidade do governo, mais está piorando a relação do governo com o Parlamento. O governo precisa vir a público de forma mais objetiva, com mais clareza, com mais energia na votação da reforma.

O que o presidente Bolsonaro precisa fazer?

Ele precisa construir um diálogo com o Parlamento, com os líderes, com os partidos. Não pode ficar a informação de que o meu diálogo é pelo toma lá, dá cá. A gente tem que parar com essa conversa. Como o presidente vê a política? O que é a nova política para ele? Ele precisa colocar em prática a nova política. Tanto é verdade que ele não colocou que tem (apenas) 50 deputados na base. Faço o alerta: se o governo não organizar sua base, se não construir o diálogo com os deputados, vai ser muito difícil aprovar a reforma da Previdência. O ciclo dos últimos 30 anos acabou e agora se abre um novo ciclo. Ele precisa saber o que colocar no lugar. O Executivo precisa ser um ator ativo nesse processo político.

E não está sendo?

De forma nenhuma. Ele está transferindo para a presidência da Câmara e do Senado uma responsabilidade que é dele. Então, ele fica só com o bônus e eu fico com o ônus de ganhar ou perder. Se ganhar, ganhei com eles. Se perder, perdi sozinho. Isso, para uma matéria como a Previdência, é muito grave. Porque não é qualquer votação. É a votação que vai dizer o que o Brasil quer. Se é reduzir o número de desempregados, reduzir o número de pobres no Brasil. Se o Brasil quer voltar a poder investir em saúde e educação ou se o Brasil vai ter hiperinflação. Não é uma votação qualquer, para você falar "leva que o filho é teu". Não é assim. É uma matéria que será um divisor de águas inclusive para o governo Bolsonaro. Então, ele precisa assumir protagonismo. Foi isso o que eu falei. Não vou deixar de defender as coisas sobre as quais tenho convicção porque brigo com A, B ou C. Meu papel institucional não é usar a presidência da Câmara para ameaçar o governo.

Mas o sr. ficou bastante contrariado com os ataques da rede bolsonarista na internet...

Não é que eu fiquei incomodado. O que acontece é que o Brasil viveu sua maior recessão no governo Dilma, melhorou um pouco no último governo, só que a vida das pessoas continua indo muito mal. Então, na hora em que a gente está trabalhando uma matéria tão importante como a Previdência, e a rede próxima ao presidente é instrumento de ataque a pessoas que estão ajudando nessa reforma, eu posso chegar à conclusão de que, por trás disso, está a vontade do governo de não votar a Previdência. Não fui só eu que fui criticado. Todo mundo que de alguma forma fez alguma crítica ao governo recebe os maiores "elogios" da rede dos Bolsonaro. Isso é ruim porque você não respeitar e não receber com reflexão uma crítica não é um sinal de espírito democrático correto.

O posicionamento do vereador Carlos Bolsonaro nas redes sociais atrapalha o governo?

O Brasil precisa sair do Twitter e ir para a vida real. Ninguém consegue emprego, vaga na escola, creche, hospital por causa do Twitter. Precisamos que o País volte a ter projeto. Qual é o projeto do governo Bolsonaro, fora a Previdência? Fora o projeto do ministro (Sérgio) Moro? Não se sabe. Qual é o projeto de um partido de direita para acabar com a extrema pobreza? Criticaram tanto o Bolsa Família e não propuseram nada até agora no lugar. Criticaram tanto a evasão escolar de jovens e agora a gente não sabe o que o governo pensa para os jovens e para as crianças de zero a três anos. O governo é um deserto de ideias.

O sr. está dizendo que o governo não tem proposta?

Se tem propostas, eu não as conheço.

Há uma nova versão do 'nós contra eles'?

Eles construíram nos últimos anos o 'nós contra eles'. Nós, liberais, contra os comunistas. O discurso de Bolsonaro foi esse. Para eles, essa disputa do mal contra o bem, do sim contra o não, do quente contra o frio é o que alimenta a relação com parte da sociedade. Só que agora eles venceram as eleições. E, em um país democrático, não é essa ruptura proposta que vai resolver o problema. O Brasil não ganha nada trabalhando nos extremos.

Temos um desgoverno?

As pessoas precisam da reforma da Previdência e, também, que o governo volte a funcionar. Nós temos uma ilha de governo com o Paulo Guedes. Tirando ali, você tem pouca coisa. Ou pouca coisa pública. Nós sabemos onde estão os problemas. Um governo de direita deveria estar fazendo não apenas o enfrentamento nas redes sociais sobre se o comunismo acabou ou não, mas deveria dizer: "No lugar do Minha Casa, Minha Vida, para habitação popular nós estamos pensando isso; para saneamento, nós estamos pensando aquilo".

O presidente minimizou a crise dizendo que vai conversar com o sr. e que tudo é como uma briga no namoro. O que achou?

Se o presidente não falar comigo até o fim do mandato, não tem problema. Não preciso falar com ele. O problema é que ele precisa conseguir várias namoradas no Congresso, são os outros 307 votos que ele precisa conseguir. Eu já sou a favor. Ele pode me deixar para o fim da fila.

E por que o sr. entrou em um embate com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, por causa do pacote anticrime?

Certamente, conheço a Câmara muito melhor do que o ministro Moro. E sei como eu posso ajudar o projeto sem atrapalhar a Previdência. O que me incomodou? O ministro passou da fronteira. Até acho que em uma palavra ou outra me excedi, mas, na média, coloquei a posição da Câmara. O governo quer fazer a nova política. Nós queremos participar da nova política.

Há quem diga que a Câmara não quer dar protagonismo a Moro porque ele foi juiz da Lava Jato, algoz de políticos...

Ele foi um ótimo juiz, teve um papel fundamental. Foi um juiz que se preparou para investigar corrupção e lavagem de dinheiro. E fez isso muito bem. Agora, o protagonismo é dos deputados. Isso é óbvio. Nós é que vamos votar.

A prisão do ex- presidente Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco serviu para tumultuar ainda mais o ambiente político para a votação da reforma?

Eu não acho. Agora, quando você tem um problema desse, ele (Bolsonaro) vincula logo à política, ao desgaste do Parlamento. Isso é ruim. As instituições precisam funcionar. Uns gostam da decisão, outros não. Mas ela precisa ser respeitada e aquele que se sentir prejudicado por uma decisão da Justiça tem o poder de recorrer.

Deputados e senadores do PSL, partido do presidente, comemoraram a prisão e atacaram o MDB. Isso também pode ser um problema?

O PSL saiu do zero, foi ao topo muito rápido e acho que ainda falta uma capacidade de articulação interna. Na hora de votar, eles vão ver que precisam do voto do MDB. O problema do ex-presidente é do ex-presidente. É óbvio que contamina o MDB de alguma forma, mas não vamos transformar isso num problema de todos. Vamos deixá-lo responder porque ninguém pode ser pré-condenado. Vamos ter paciência. Não se pode abrir mão de nenhum partido para aprovar a reforma da Previdência. Uma reforma, para ser aprovada, precisa ter uma margem de 350 votos.

E ainda há muita resistência em relação à proposta enviada para os militares...

Os militares têm razão quando falam que foram muitos prejudicados desde os anos 2000. O momento não é simples. Na hora que acalmar essa semana política vai se começar um debate do que é o projeto de lei dos militares. Acho que vai ter mais conflito que a emenda constitucional, mas a gente vai precisar enfrentar porque eles garantem a soberania nacional. Vai ter resistência, mas não podemos jogar no mar a proposta.

Por que o DEM, com três ministérios no governo, até hoje não entrou formalmente na base aliada?

É porque, para o DEM, como para todos os partidos, mais do que essa política que o presidente acha que é prioridade, que são as nomeações, a prioridade é conhecer qual é o projeto do governo. E aí você vai projetar 2022 ou 2032, dizendo "esse projeto para o Brasil vai dar certo, vai reduzir a extrema pobreza de 15 milhões para 5 milhões, o desemprego vai cair de 12 milhões para 5 milhões, a economia vai crescer 5% nos próximos anos". Tirando algumas ilhas, como o Paulo Guedes, a Tereza Cristina(ministra da Agricultura, filiada ao DEM), está faltando, de fato, a gente compreender qual é a política.

O deputado Eduardo Bolsonaro disse que em algum momento será necessário o uso da força para tirar o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, do poder. O sr. concorda?

Respeito o deputado Eduardo Bolsonaro, que é presidente da Comissão de Relações Exteriores, mas acho que a interferência de outros países na Venezuela não é o melhor caminho e que essa não é a posição dos ministros militares do governo. Nós estamos com a estrutura das Forças Armadas desabastecida. Vamos dizer que alguns concordem com isso. O Brasil não tem nem condições de segurar 24 horas de confronto com a Venezuela.

O sr. acha que Bolsonaro deve enquadrar os filhos?

Tenho dificuldade de falar como o presidente deve tratar os filhos dele. Eu sei como tratar os meus.

Bolsonaro usa gasolina para apagar fogo de Maia - JOSIAS DE SOUZA

JOSIAS DE SOUZA - UOL

22/03/2019


Submetido à crise provocada pelas caneladas virtuais de Carlos Bolsonaro em Rodrigo Maia, o presidente da República poderia fazer um telefonema para o presidente da Câmara. Poderia também mandar que seu 'Pitbull', como se refere ao filho, fizesse a ligação. Mas Jair Bolsonaro não quis fazer nem mandar fazer. Preferiu se fingir de desentendido.

"Queria saber o motivo pelo qual o Rodrigo Maia está saindo, estou aberto ao diálogo, qual o motivo?", perguntou o presidente, desde o Chile. "Eu não dei motivo para ele sair." Fazer um filho, como se sabe, é relativamente fácil. O comportamento de Bolsonaro revela que difícil mesmo é ser pai. Mais difícil ainda é ser presidente tendo que administrar um filho expansivo.

No último sábado, Rodrigo Maia convidou Jair Bolsonaro para um churrasco íntimo. Iriam à mesa, além do anfitrião e do inquilino do Planalto, os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e do Supremo, Dias Toffoli. Bolsonaro levou a tiracolo 20 ministros. Horas depois, o capitão dedicou-se a malhar no Twitter a "velha política" e sua fome por cargos. Maia levou o pé atrás.

Nos dias seguintes, Carlos Bolsonaro pôs-se a alfinetar a articulação de Maia ao redor da proposta da Previdência. Na quinta-feira, Carlos tomou as dores de Sergio Moro na queda-de-braço que trava com o presidente da Câmara para colocar seu pacote anticrime e anticorrupção na pauta. "Por que o presidente da Câmara anda tão nervoso?", fustigou o 'Zero Dois'.

Rodrigo Maia retirou-se da articulação pró-reforma. Ao responder ao gesto com uma interrogação —"Qual o motivo?"—, Bolsonaro exagera na dissimulação e desrespeita a inteligência alheia. É como se tentasse apagar com gasolina o fogo que consome a paciência do presidente da Câmara. A tática faz sucesso nas redes. Mas não rende um mísero voto na Câmara.

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