quarta-feira, agosto 21, 2019

Jatinhos: história e histeria - GERALDO SAMOR E MARIANA BARBOSA

BRAZIL JOURNAL - 21/08

O subsídio dado pelo BNDES para a compra de jatos particulares – que hoje escandaliza tanta gente – fez parte de um gigantesco programa para estimular a economia brasileira em meio à catástrofe que se anunciava depois da crise de 2008.

O programa — chamado PSI — acabou se revelando um dos maiores desastres da política econômica dos governos petistas.

Quando começou, em 2009, o PSI fazia algum sentido: com o mundo afundando numa crise de proporções épicas, o Governo separou R$ 44 bilhões para fazer uma injeção de estímulo (contracíclica e transitória) na economia.

Mas em fevereiro de 2010, Brasília já não queria largar a cocaína: o Governo prorrogou e aumentou o programa, que se tornou uma espécie de ‘way of life’ de um Estado já perdulário e com a solvência em declínio.

Quando terminou, em dezembro de 2014, o PSI contabilizava R$ 400 bilhões emprestados pelo Tesouro ao BNDES. Deste total, os subsídios totalizavam R$ 252 bilhões.

A Embraer foi particularmente afetada pela crise global. A empresa tinha filas de cinco anos para entregas do jatinho Phenom até a crise estourar. Em seguida, viu sua produção mergulhar 30% com cancelamentos de pedidos.

O governo Lula ainda falava em marolinha quando a Embraer anunciou a demissão de mais de 4 mil funcionários – 20% do total – em fevereiro de 2009.

Foi aí que o governo se alarmou e decidiu implementar as medidas de estímulo industrial.

O BNDES tinha linhas de crédito para máquinas e equipamentos produzidos por empresas locais, entre elas a Embraer. Esta, por sua vez, fazia sua proposta comercial levando em conta a linha (assim como a Bombardier dava acesso a linhas do banco de fomento canadense).

A linha era oferecida a todos, num regime de absoluta impessoalidade. Não era direcionada para os “amigos".

Subsidiar a compra de jatinhos pode ser questionável como política pública – mas está longe de ser uma jabuticaba brasileira.

Enquanto no Brasil o Presidente Bolsonaro opta por constranger empresários que usaram uma linha de crédito criada por uma política de Estado para estimular a economia, nos EUA o presidente Donald Trump é só agrado para os donos de jatinhos.

Graças ao corte de impostos promovido por Trump, as empresas americanas agora podem abater do IR 100% do valor da compra de um jatinho. A medida vale para aviões novos ou usados, fabricados nos EUA ou importados. (Antes de Trump, o benefício fiscal lá era de "apenas" 50%.)

Os jatinhos 'escandalosos' representaram 0,5% dos desembolsos do PSI de 2009 a 2014 – a maior parte do programa foi para máquinas industriais, ônibus e caminhões, gerando distorções que, anos depois, causaram a greve dos caminhoneiros.

A sociedade tem direito de criticar a política pública – tanto que o partido responsável por ela caiu de podre e depois perdeu uma eleição.

Mas a criminalização de quem fez uso de uma linha de crédito oficial só faz sentido dentro de um contexto onde muita coisa já deixou de fazer sentido.

Por exemplo: o sigilo bancário.

Há dois anos, quando o BNDES começou a responder à pressão por mais transparência, o Banco Central chegou a questionar o banco se não havia risco de quebra de sigilo bancário -- na época, o BNDES estava prestes a publicar a lista de obras que financiou no exterior.

Agora, com a publicação da lista de quem comprou os jatinhos, pelo jeito o tal sigilo bancário foi pela janela. O que mais, no Estado de Direito, vai ser jogado fora?

O uso político do BNDES - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 21/08

Sob pretexto de divulgar a “caixa-preta” do BNDES, governo revelou dados para constranger adversários de Bolsonaro


Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro informou ter tomado conhecimento de que R$ 2 bilhões haviam sido usados pelo BNDES para financiar a compra de aviões particulares a uma taxa de 3% a 4% ao ano. “Parece que não foi legal”, comentou o presidente. Dias depois, o BNDES divulgou uma lista das aeronaves financiadas pelo banco no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que contou com equalização de taxa juros pelo Tesouro. Sob o pretexto de divulgar a “caixa-preta” do BNDES, o governo revelou dados protegidos por sigilo bancário para constranger adversários políticos de Bolsonaro.

Em primeiro lugar, é muito estranho que Bolsonaro tenha afirmado que esses financiamentos não pareciam ser legais. Em 2009, quando era deputado federal pelo Partido Progressista (PP), legenda que formava a base de apoio do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, Jair Bolsonaro votou a favor do PSI. Nos anais da sessão do plenário da Câmara dos Deputados do dia 3 de novembro de 2009, consta o voto favorável do deputado Jair Bolsonaro à Medida Provisória (MP) 465/2009 – depois convertida na Lei 12.096/2009 –, que instituiu a política do PSI.

É plenamente cabível a discussão se o PSI foi uma política adequada de incentivo à economia. Segundo o BNDES, entre 2009 e 2014, foram financiadas 134 aeronaves da Embraer, no valor total emprestado de R$ 1,9 bilhão. Tendo em vista que o PSI ofereceu juros abaixo da taxa básica (Selic) para a compra das aeronaves, essas operações tiveram um custo para o Tesouro. De acordo com os cálculos do BNDES, tal subsídio custou R$ 693 milhões em valores corrigidos.

Mas o PSI não tem nada de “caixa-preta”. O plano foi uma política pública instituída por lei em 2009, segundo condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, como reconheceu o BNDES. A Lei 12.096/2009, no seu art. 1.º, § 4.º, diz: “Aplica-se o disposto neste artigo à produção ou à aquisição de aeronaves novas por sociedades nacionais e estrangeiras, com sede e administração no Brasil, em conformidade com a respectiva outorga de concessão e autorização para operar pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), nos casos de exploração de serviços públicos de transporte aéreo regular”.

Fica evidente, portanto, que as empresas que utilizaram a linha de crédito do PSI para a compra de aeronaves não praticaram nenhuma ilegalidade com a tomada desse crédito. Elas simplesmente aderiram a um programa público de subsídio para a compra de aviões – um programa que, repita-se, contou com o voto do então deputado Jair Bolsonaro.

O estranho nessa história não é que empresas tenham recorrido a crédito subsidiado para a compra de aviões. O estranho e preocupante é a publicação de informações, escolhidas a dedo e que estão protegidas pelo sigilo bancário, por parte do BNDES, sob o argumento de “se tornar cada vez mais transparente perante a sociedade brasileira”.

A lista de empresas e valores referentes à compra de aeronaves publicada pelo BNDES não traz nenhuma informação relevante para a discussão sobre os efeitos da política do PSI. O que se tem é mais um caso no governo de Jair Bolsonaro da manipulação de órgãos públicos para fins políticos.

Como já ocorreu em outras situações, Bolsonaro admitiu explicitamente o desvio de finalidade do ato do BNDES. Na semana passada, ao falar dos R$ 2 bilhões de financiamento para compra de aviões particulares, Bolsonaro anunciara que a medida tinha alvo certo. “Não fica não arrotando honestidade que o bicho vai pegar”, disse referindo-se ao apresentador Luciano Huck, que dias antes fizera críticas ao governo. “Ele falou que eu sou o último capítulo do caos. Se ele comprou jatinho, ele faz parte do caos”, declarou o presidente.

O uso da máquina pública para fins político-eleitorais foi um dos grandes motivos para a população rejeitar o PT nas urnas. Não faz nenhum sentido que aquele que prometia ser o mais antipetista de todos dê continuidade a essa nefasta prática.

sábado, agosto 17, 2019

O dilema de Bolsonaro - JOÃO DOMINGOS

ESTADÃO - 17/08

Indicação do filho para embaixada nos EUA faz o presidente pisar em ovos


Ao aprovar o projeto de lei que regulamenta o crime de abuso de autoridade, o Congresso pôs o presidente Jair Bolsonaro diante de um dilema. Para não dizer sinuca de bico, uma expressão popular que poderia ser usada aqui. O próprio presidente já percebeu que está numa situação complicada. “Vetando ou sancionando eu vou levar pancada”, disse Bolsonaro ao ser indagado sobre qual destino dará à lei que o Congresso jogou em seu colo e que ali vai queimar até que ele tome uma decisão.

Ao presidente não interessa arrumar confusão com o Congresso. Ou, melhor dizendo, com os partidos de centro, reunidos em torno do chamado Centrão, responsáveis pela urgência na votação e aprovação do projeto, tudo num só dia, e que são contrários a qualquer tipo de veto. É o Centrão, dono da maioria dos votos na Câmara, que determina o que será aprovado e o que será rejeitado. É o Centrão que põe a agenda positiva para andar. É o Centrão que, quando quer, aprova decreto legislativo rejeitando decisões do governo, como a que aumentava o número de pessoas autorizadas a dizer o que é documento secreto e ultrassecreto. Brigar com os partidos que o integram é apanhar.

A Bolsonaro não interessa também criar um caso com o Senado, onde a proposta nasceu. O autor do projeto é o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ele foi fundamental na arregimentação de votos que levaram à desistência de Renan Calheiros (MDB-AL) de disputar a presidência do Senado em fevereiro, abrindo espaço para que Davi Alcolumbre (DEM-AP) vencesse a eleição. Alcolumbre foi apoiado por Bolsonaro, que jogou tudo para impedir Renan de voltar à presidência do Senado. A improvável aliança entre Randolfe e Bolsonaro deu certo. O presidente se tornou devedor do senador da Rede.

Além do mais, a relação de Bolsonaro com o Senado, hoje, passa por um momento em que o presidente precisa pisar em ovos. Um senador contrariado pode significar um voto a menos na indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para a embaixada do Brasil em Washington. Bolsonaro já disse que uma eventual rejeição da nomeação do filho para a embaixada vai deixá-lo numa situação constrangedora quando for a Nova York fazer o discurso de abertura da assembleia anual da ONU, em setembro. Significa que o presidente acha que dá para ter essa questão resolvida até o mês que vem. Então, nada de arrumar encrenca com qualquer senador.

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, corporações da magistratura e do Ministério Público e bolsonaristas ideológicos defendem o veto à proposta aprovada. O problema é que, se Bolsonaro vetar o projeto, os partidos que integram o Centrão já prometeram que o derrubam rapidamente. O que poderá significar também uma reviravolta nos votos dos senadores quando examinarem a indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada.

Quem manda
Sob o argumento de que não é um presidente banana, pois quem manda é ele, o presidente Jair Bolsonaro acabou por armar para si duas armadilhas dessas difíceis de escapar. Uma está na Polícia Federal, que ameaça implodir se Bolsonaro continuar a interferir na escolha de superintendentes da corporação, como fez com o do Rio. A outra armadilha foi montada na Receita Federal, que ameaça uma rebelião contra o que qualifica de interferência política na superintendência do Rio, agora por parte do Supremo Tribunal Federal, com o apoio do presidente da República.

Comprar briga com a PF e com a Receita não é aconselhável para ninguém. Mesmo que seja alguém que diz rejeitar o rótulo de presidente banana. E que saiba, como Bolsonaro sabe, que quem manda é ele. Numa hora ou noutra alguma coisa vaza.

terça-feira, agosto 13, 2019

Ilhas de prosperidade - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 13/08

Os Tribunais de Contas pairam alheios sobre as dificuldades que afligem os demais órgãos públicos no País


Segundo dados do Banco Central e do Tesouro Nacional, a maioria dos Estados passa por preocupante situação de desequilíbrio fiscal. Sete dos entes federativos – Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Roraima, Mato Grosso e Goiás – decretaram estado de calamidade financeira. À frieza dos números oficiais junte-se a precariedade da prestação de serviços públicos à população, em especial aos mais pobres, os primeiros a sentirem os efeitos da crise, e está pintado o quadro adverso que desafia a responsabilidade fiscal.

Na contramão da penúria, os Tribunais de Contas, que têm por dever constitucional realizar a fiscalização contábil, financeira, operacional, patrimonial e orçamentária da União, dos Estados e municípios, pairam alheios sobre as dificuldades que afligem os demais órgãos públicos. São ilhas de prosperidade em meio à crise fiscal que paralisa o País.

Violando a Constituição e uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), as Cortes de Contas estaduais mantêm pagamentos e benefícios aos conselheiros, auditores e procuradores dos órgãos – os chamados “penduricalhos” –, o que faz com que os salários desses servidores ultrapassem o teto constitucional de R$ 39,2 mil, correspondente ao salário dos ministros do STF. São comuns os casos em que esses servidores ganham mais do que o presidente da República, ministros dos Tribunais Superiores, deputados ou senadores.

Mas independentemente de ganhar mais ou menos do que outro servidor, ainda que por si só seja um disparate um conselheiro de Tribunal de Contas estadual ganhar mais do que alguém com responsabilidade muito maior, como é o caso de um ministro do STF, a situação é inadmissível porque se trata de um fragoroso desrespeito à Constituição.

Um levantamento feito pelo Estado encontrou exemplos de “penduricalhos” criados por Tribunais de Contas que levam os salários dos servidores desses órgãos para muito além do teto salarial do funcionalismo público definido pela Lei Maior. No Tribunal de Contas de Mato Grosso, por exemplo, um dos Estados que decretaram calamidade financeira, o desrespeito com o contribuinte chega a ponto de se pagar um “vale livro” de R$ 71 mil por ano aos conselheiros.

Os Tribunais de Contas do Distrito Federal e de Goiás, outro Estado em calamidade financeira, incorporaram aos salários benefícios que tinham natureza temporária, prática observada também em outros Tribunais de Contas.

Até junho do ano passado, o Tribunal de Contas de Alagoas ainda mantinha em vigor uma norma que proibia repasses de benefícios que ultrapassassem o teto constitucional. Mas a norma foi derrubada e o texto constitucional virou letra morta. Hoje, todos os conselheiros daquele tribunal recebem acima do teto, de acordo com levantamento do Estado. O único que recebe seus proventos até o limite definido pela Constituição é o conselheiro Cícero Amélio da Silva, mas por um detalhe nada republicano: está afastado por ter sido condenado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) por falsidade ideológica e prevaricação. Ou seja, fora do Tribunal de Contas de Alagoas, ele não tem, por óbvio, como incorporar ao salário os “penduricalhos” que são normalmente pagos aos conselheiros em atividade.

Os Tribunais de Contas dos Estados argumentam que as gratificações se referem ao exercício de atividades “extras” e, portanto, seriam legais. No entanto, as atividades “extras” são, na maioria dos casos, correlatas à atividade principal de conselheiro dos Tribunais de Contas, como as funções de corregedor ou ouvidor. A Lei Maior só permite aos conselheiros acumular o cargo de professor para efeitos de remuneração adicional.

Os Tribunais de Contas dos Estados refletem o patrimonialismo que remonta às nossas origens coloniais. Não raro, a composição das Cortes é um desfile de sobrenomes conhecidos, indicados com base em relações políticas e familiares. Apropriam-se deste naco do Estado e, em seus domínios, vale a vontade de quem detém o poder.

Fique rico com democracia - FERNÃO LARA MESQUITA

ESTADÃO - 13/08

Nela a natureza humana não se altera, mas você só paga pelos erros que insistir em perseverar


Nem mais nem menos corrupto que o resto. O brasileiro é só humanidade. O poder – que corrompe sempre e corrompe absolutamente quando é absoluto – é que é absoluto por aqui. Quanto a isso, aliás, seguimos evoluindo para trás. Tratar o problema exclusivamente com polícia resultou em que o círculo se fechasse ainda mais. De 513 mais estaduais e municipais que nós elegemos pusemo-nos nas mãos de 11 nomeados dos quais, para nos arrancar a pele, bastam 6. Isso se ninguém recorrer à “monocracia”!

Em um único dia de primeiras páginas foi possível colecionar o seguinte. “Gasto com funcionalismo sobe na crise e bate recorde”. “Condenados do mensalão não pagam (nem) multas”. “Verba pública para partidos cresceu 2400% em 24 anos”. “Mortandade de indústrias chega a 2.300 de janeiro a maio”. “Com 42 ações com base em dados do Coaf Toffoli só reagiu à de Flávio Bolsonaro”. “STF impede que Lula seja transferido para cela comum”. “STF impede investigação de Glenn Greenwald”. “STF barra investigações contra o crime organizado”. “STF afasta fiscais e para investigação de ministros e parentes”. “STF quer censura para quem falar mal do STF”...

Acreditar que trocando poderes desse calibre de dono vamos acabar com essa corrupção é acreditar que é possível fazer a humanidade deixar de ser a humanidade. O caso não é de polícia, é de política. De instituições políticas, melhor dizendo. Político, aqui, tem existência própria, independente do povo. Mas eles não foram feitos para “ser”, foram feitos para “representar”. Para ser comandados, não para comandar.

Na democracia, o sistema que o Brasil copiou antes de saber do que se tratava, o povo tem os poderes todos, maiores até que os dos reis, e os seus representantes individualmente nenhuns. Tudo em Pindorama sai pelo avesso porque mesmo com a República o poder, agora aumentado, continuou nas mãos dos poucos, não passou para as dos muitos. É ilusão de noiva esperar que funcione sem o comando do povo uma máquina de governar que foi desenhada para funcionar estritamente sob a batuta dele. O povo, só o povo e ninguém mais que o povo pode ter poderes absolutos. Só dividido pela totalidade da população esse excesso de poder se converte de vício em virtude. E como o povo mora é na cidade, no bairro, a hierarquia, na democracia, exerce-se da periferia, que é a realidade, sobre o centro, que é a ficção política.

Não no Brasil. Aqui a ficção é que manda na realidade. O pouco de federalismo que houve, lá nos primeiros dias da República, Getúlio Vargas matou e nunca mais reviveu. Mas o que vai por escrito é que democracia seguimos sendo e as instituições (não importa quais) “estão funcionando”. E como “todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido”, temos, sim, leis e dinheiros “contingenciáveis” empurrados pela periferia que vão todos na direção de garantir educação, saúde e segurança. Só que têm precedência sobre elas as leis e os dinheiros “incontingenciáveis” que regem a vida do centro – a própria Constituição que a isso está reduzida – e desviam tudo o que o outro lado tenta fazer da função para o funcionário, assinando embaixo: “Povo”. Passa então a ser “o brasileiro” – assim difuso – que paga mal ao professor, não cuida da saúde, é violento e irresponsável de um tanto que só não anda matando pelas ruas quem não tem uma arma pra chamar de sua. Liberdade condicional. Vão por aí abaixo as “verdades estabelecidas” que a mídia traga e, sem nenhum filtro, traduz...

E, no entanto, é tão simples. 99% da literatura política do mundo é ininteligível porque não passa de tapeação. Não existe isso de “entender de política”. Meu pai sempre dizia que, quando você lê alguma coisa e não entende, o burro (ou o sacana) é “o outro”. Democracia é coisa de somenos. Como todo bom remédio, exigiu muy especial ilustração para inventar, mas não requer nenhuma para usar. Até o morador de rua analfabeto, lá na cidadezinha dele, sabe se o prefeito asfaltou aquela via pública porque é o que a cidade estava precisando ou porque tinha comprado os terrenos todos. Se o vereador fez aquela lei pra fazer a vida de todo mundo mais fácil ou pra vender a isenção a ela. Se o preço de uma obra está justo ou obeso de roubalheira. Se a dosagem de repressão prescrita é ou não é suficiente para desincentivar o crime. Se o que é exigido do funcionário público deve ou não ser o mesmo que é exigido de todo mundo. Se o salário do político está obsceno de pouco ou de demasia. Se é ou não razoável ele pagar suando o dobro pelo “direito adquirido” a pagar metade dado por um político ao seu vizinho. Se as leis devem ou não ser mudadas assim que se provarem superadas. Quais normas, para além da regra do jogo feita para impedir trapaça na mudança, devem ou não ser “petrificadas” por um complicador adicional de alteração.

Democracia, onde tudo isso se vota, não é mais que isso. E como quem manda é quem demite, para tê-la tudo o que é preciso é inverter a relação hierárquica entre o País Real e o País Oficial. A ligação entre representantes e representados tem de ser concreta para que a marcação se possa dar homem a homem. Só o voto distrital puro com retomada de mandato (recall) permite isso. Qualquer outro entrega o ouro aos bandidos. As regras do jogo têm de ser consensuadas, e não impostas, o que só os direitos de iniciativa e referendo legislativos proporcionam. A Justiça tem de ser tão isenta quanto pode ser a humana, o que requer liberdade absoluta do juiz “enquanto se comportar bem”, critério cuja aferição eleições periódicas de reconfirmação dos seus poderes pelo voto direto do povo tira do céu e traz de volta à Terra. Os poderes do eleitor têm de ser tanto mais absolutos quanto mais próximo se estiver do bairro, a periferia do sistema, e mais contrabalançados na medida em que se aproximarem do centro que muda de lugar com 50% + 1.

A natureza humana não se altera sob a democracia. Mas nela você só paga pelos erros que insistir em perseverar. Dá pra ficar rico!

JORNALISTA

segunda-feira, agosto 12, 2019

Deltan e Onyx, o investigado de estimação. Ou: Será a honra ou a vergonha? REINALDO AZEVEDO

UOL - 12/08

O site The Intercept Brasil publicou no Twitter aquele que entendo ser o diálogo mais importante e mais devastador para a Lava Jato e para o Ministério Público Federal. É este:



Transcrevo para que possa ser passado adiante como texto também e explico o seu significado:

11 de abril de 2017

Fabio Oliveira – 21:30:21
– Viu que saiu o nome de Onyx na lista do Fachin hoje?
Deltan Dallagnol – 21:33:25 – Vi…(já sabia, mas tinha que fingir que não sabia, o que foi na verdade bom, rsrsrs)
Dallagnol – 21:33:41 – Não que não quisesse falar, mas se falasse seria até crime, rs.

Quem é Fábio Oliveira? É o líder de um troço chamado "Mude – Chega de Corrupção", criado para defender as tais "10 Medidas de Combate à Corrupção", inventadas por Dallagnol. O coordenador da Lava Jato chegou a atuar, como informa The Intercept Brasil, como diretor informal da entidade, instrumentalizada por ele depois para pressionar o Supremo.

O que é a tal "Lista de Fachin"? Em abril de 2017, o relator do petrolão no Supremo autorizou a abertura de inquéritos de um grupo grande de políticos que tinham direito a foro especial — entre eles, estava o então deputado Onyx Lorenzoni. No caso, ele foi citado por um delator da Odebrecht pelo suposto recebimento, em 2006, de R$ 175 mil pelo caixa dois.

Qual é o contexto da conversa? Quando a Lava Jato apresentou as tais "10 Medidas Contra a Corrupção", na forma de projeto de lei de iniciativa popular — era tudo picaretagem: o texto era de Deltan —, Onyx foi escolhido pela Câmara como relator da matéria.

Já de olho no futuro, o deputado, hoje ministro da Casa Civil, se comportou como mero esbirro do Ministério Público Federal, condescendendo com todas as aberrações do texto, muito especialmente quatro propostas de cunho fascistoide: virtual fim do habeas corpus, teste de honestidade, admissão de provas ilegais em juízo e discricionariedade para prisões preventivas.

Quem estava trabalhando com Onyx por baixo dos panos? Como o diálogo deixa claro, lá estava o onipresente Dallagnol. Sim, esse inquérito contra o agora ministro foi arquivado em junho do ano passado. Mas Dallagnol não sabia, em abril de 2017, que isso aconteceria.

O fato é que Onyx estava na lista e que Dallagnol deixa claro saber da acusação, mas fez questão de se omitir porque, afinal, aquele era um investigado que servia a seus interesses. E outro não é o comportamento do tal Fábio Oliveira, não é mesmo? Notem o tom de deboche da resposta de procurador.

Ainda voltarei a Onyx daqui a pouco.

E AGORA?

O Conselho Nacional do Ministério Público e a Procuradoria-Geral da República têm de decidir agora, não depois, como querem entrar para a história: como defensores da lei e da ordem democrática ou como chicaneiros que condescendem com bandalheira desde que seus protagonistas pertençam à corporação.

Vamos à questão de fundo? Temos de nos perguntar agora, não depois, se o Ministério Público pode continuar como um ente que a todos regula, investiga e submete, mas que, se não quiser, não é investigado por ninguém, regulado por ninguém, contido por ninguém.

Se o Ministério Público se oferece como o remédio da democracia, da lei e da ordem, quem remedeia os remédios? A pergunta é de Padre Vieira.

Quem vai ter a coragem de propor uma emenda constitucional que defina, com clareza, as funções do Ministério Público?

Quem vai ter a coragem de defender, enfim, a aprovação de uma lei que combata o abuso de autoridade dessa e de outras turmas?

Sim, esse inquérito acabou arquivado, mas é evidente que a condescendência de Dallagnol com Onyx nada tinha a ver com a existência ou não de provas da acusação feita pelo diretor da Odebrecht. O que ele está dizendo a seu interlocutor é o seguinte: "Nesse caso, fingi não ver nada porque não me interessa essa acusação; melhor ignorar; como se diz por aí, ele é meu parça".

Quando, no entanto, Deltan não gosta deste ou daquele, já vimos também, ele pode recorrer a métodos ilegais para submeter as pessoas a investigações também ilegais, a exemplo do que sugerem outros diálogos sobre os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

IMORALIDADE CONFESSA

Onyx já foi objeto de outras declarações imorais oriundas do lava-jatismo.

Também delatores da JBS dizem ter feito duas doações a ele, de R$ 100 mil cada. pelo caixa dois: uma em 2012 e outra em 2014. A primeira, o agora ministro admite e, ora vejam!, por ela pediu desculpas. Da outra, diz não se lembrar. Nesse caso, Fachin pediu a abertura de um procedimento preliminar a um inquérito.

Há uma história asquerosamente saborosa nesse caso. Indagado sobre a sua futura convivência com um colega de ministério que é investigado, Moro afirmou o seguinte em dezembro do ano passado, antes de assumir a pasta da Justiça:

"O que eu tenho, a presente, do ministro Onyx, e isso eu assisti de perto, foi o grande esforço que ele realizou para aprovar as dez medidas do Ministério Público, ocasião na qual ele foi abandonado pela grande maioria dos seus pares, por razões que não vêm aqui ao caso. Mas ele demonstrou naquela oportunidade o comprometimento pessoal, com custo político significativo, para a causa anticorrupção. Então, ele tem a minha confiança pessoal".

Entenderam? Para Dallagnol e Moro, existem "os nossos" (deles) investigados e os dos outros". A máxima da turma poderia ser resumida assim: "Para os nossos amigos, tudo, menos a lei; para os nossos inimigos, nada, nem a lei".

Curioso! Cravei essa frase para criticar os petistas quando o PT no poder parecia mais eterno do que os diamantes. Ela passou a servir de divisa para a lava-jatismo e o bolsonarismo.

Com a palavra, o Conselho Nacional do Ministério Público e a Procuradoria-Geral da República.

Vai ser o quê? A honra a ou vergonha?

Chatos não vão à Lua - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 12/08

Quantas etnias e orientações sexuais teriam que estar no projeto Apollo millennial?


Vivemos num mundo de chatos. Basta você ver alguém fazer o pedido num restaurante para ver a chatice em ação nos detalhes da alimentação. E se o restaurante não tiver aquele prato especialmente saudável, com a última moda da nutrição vietnamita para pessoas espiritualizadas?

Mas, infelizmente, as coisas não são simples assim. Hoje em dia, nem achar algo idiota está livre de ser, em si, um ato idiota ou míope. O mundo é chato, inclusive, porque temos informação o suficiente para saber que ele é muito mais complicado do que pensava nossa vã filosofia.

Num excelente artigo escrito no LA Times, e replicado no Jerusalem Post, de Israel, no dia 21 de julho, assinado por Ralph Vartabedian e Samantha Masunaga, vemos um painel social, político, econômico e psicológico do que tornou possível Neil Armstrong e Buzz Aldrin pisarem na Lua no dia 20 de julho de 1969. Este texto é um excelente ponto de partida para pensarmos em algumas coisas que mudaram muito dos anos 1960 para cá.

Alguns dos entrevistados, pessoas que estiveram envolvidas diretamente no projeto Apollo ou trabalham na Nasa hoje em dia, na sua maioria, acham que não conseguiríamos realizar o mesmo feito nos dias atuais.

Por quê? Resumindo o argumento: porque o mundo de agora, apesar de ter mais repertório técnico e tê-lo tornado mais barato do que então, não tolera riscos, gestões violentas ou úlceras e ataques cardíacos “em nome de uma boa causa”. Além de não vivermos mais a Guerra Fria nem termos a União Soviética ameaçando a hegemonia americana. Pensemos a partir do artigo em algumas fronteiras do argumento em questão.

O enorme investimento econômico realizado dependia, por exemplo, de um grau de confiança nas pessoas que já não temos: não confiamos em ninguém.

Essa confiança aparecia na parceria entre políticos dos partidos democrata e republicano, hoje inexistente em consequência da polarização político-ideológica; na relação entre governo e iniciativa privada, atualmente refém de uma enorme burocracia; na opinião pública, agora enraivecida nas mídias sociais e infernalmente volátil.

Mas a confiança também existia nos vínculos profissionais: jovens engenheiros desconhecidos recebiam responsabilidades gigantescas. Nos dias de hoje, os jovens são millennials que querem apenas comida saudável, praias do Vietnã e patinetes.

Um millennial faria xixi na calça se dissessem a ele que um erro seu explodiria três homens num foguete, como ocorreu com a Apollo 1 em 27 de janeiro 1967. Ele diria que isso seria injusto com ele, millennial, afinal, tanta responsabilidade para uma pessoa assim, seria muito injusto!

Como afirma um dos entrevistados, hoje é muito mais difícil montar uma equipe de trabalho. O tipo de liderança que assimilava graus distintos de violência e coragem na tolerância dos riscos que realizou o projeto Apollo hoje morreria nas mãos de alguma polêmica politicamente correta. Quantas etnias e orientações sexuais teriam que integrar a elaboração de um projeto Apollo millennial?

O desaparecimento da confiança em nome do controle de riscos é um fato do mundo contemporâneo, seja na Nasa, nos relacionamentos afetivos, na geração de filhos ou nos campos do trabalho e da criação artística e conceitual. O mundo ficou, como diziam as avós, “amofinado”. Olhe no Google se você não sabe o que é.

Se pensarmos na tripulação morta na Apollo 1, formada por Gus Grissom, Edward White e Roger Chaffee, e no suicídio desesperado da esposa de Chaffee na sequência, num cenário atual, o projeto Apollo seria afogado na viralização de pessoas indignadas com o ocorrido.

Os líderes olhariam para suas redes sociais para decidir o que fazer. A tolerância para os riscos e erros era muito maior. Acusariam o projeto Apollo de machismo, seguramente. Famílias foram destruídas devido ao estresse e às horas de trabalho sem fim que toda a equipe envolvida experimentava no seu dia a dia. A solidão das esposas e dos filhos era enorme.

Talvez, a Lua não valesse aquela grana toda. Melhor investir no desaquecimento global do que na conquista espacial. Talvez o turismo espacial refaça as viagens lunares, quem sabe. Tem praia na Lua?

Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

O clima da resistência - FERNANDO GABEIRA

O Globo - 12/08

Noruega e Alemanha se interessam pela Amazônia porque estão investindo ali e precisam dar satisfação a seus contribuintes



Às vezes, tenho uma fantasia de deixar tudo por um tempo: escrever um livro numa pequena cidade costeira de Portugal ou me internar na Mata Atlântica, para fotografar bichos e plantas nas horas vagas. Apenas uma fantasia, fruto dos ásperos tempos em que vivemos. Não consigo deixar o Brasil, seguir as tramas, ainda que nem sempre on-line.

Entre outros, o tema que me preocupa é a política ambiental. Não especialmente as frases provocativas de Bolsonaro. Sei distinguir a retórica da realidade.

Nas últimas semanas, sinto crescer no governo, inclusive entre generais, uma forma de tratar a Amazônia com um tom nacionalista e até mesmo agressivo que, certamente, terá consequências.

A Noruega, no discurso desses setores militares, é a vilã do momento. O discurso do governo é de que a Noruega não pode criticar o Brasil, porque extrai petróleo no Ártico, mata baleias e uma empresa norueguesa provocou um desastre ambiental em Barcarena, no Pará.

Tudo isso é reação à tentativa da Noruega e da Alemanha de manterem o espírito do Fundo Amazônia, que financia projetos sustentáveis na região. Creio que está se perdendo o sentido do problema ambiental em escala planetária, que demanda muito mais a cooperação entre os países do que a troca de farpas.

A Noruega e a Alemanha se interessam pela Amazônia porque estão investindo ali e precisam dar satisfação aos seus contribuintes.

Num quadro tão delicado como o do aquecimento global, não se devem suprimir críticas entre países: existem canais próprios para isso. A tática de se defender apontando os erros dos outros não funciona. A França fez explosões nucleares na Polinésia, a Inglaterra caça raposas. Seria um processo interminável.

É uma tática que lembra o processo de corrupção no Brasil, onde os partidos atingidos lembravam sempre os erros dos outros. A tese é essa: se todos fazem, por que não fazer também?

Existe um grande interesse internacional pela Amazônia. Muitas pessoas são ligadas afetivamente à região porque a consideram vital para o planeta. Não há razão para ter ciúmes, mas sim tirar proveito dessa onda positiva.

Bolsonaro diz que a Amazônia é uma virgem que muitos querem violentar. Acrescentou que vai permitir o garimpo na região. Isso não me assusta tanto.

Nenhum governo conseguiu proibir ou mesmo fiscalizar o garimpo na Amazônia.

Se formos agora ao pequeno aeroporto de Laranjal do Jari, veremos os aviões chegando e partindo para o garimpo. Entrevistei um garimpeiro que já sofreu cinco desastres aéreos na floresta. Hoje é pastor, mas continua garimpando.

Bolsonaro afirmou que quer atrair empresas americanas para explorar minério na Amazônia. É um problema. Não porque sejam americanas. Poderiam ser japonesas, sul-africanas, não importa.

O modelo de desenvolvimento está em jogo. De fato, iniciativas sustentáveis ou mesmo formas pré-industriais de atividade econômica não representam uma saída única para a Amazônia.

No Brasil, e também nos Estados Unidos, a defesa do meio ambiente é associada à esquerda, a uma visão anticapitalista. Isso explica parcialmente a reação agressiva de Bolsonaro. No discurso da extrema direita, o aquecimento global é uma invenção marxista; os dados do desmatamento, uma armação contra o Brasil.

No entanto, é possível discutir uma saída dentro do capitalismo para a Amazônia, confrontando duas linhas. Uma delas é usar o conhecimento e a biotecnologia para manter e valorizar a floresta em pé. A outra é enfatizar o lado tradicional da economia, com mineração intensa, criação de gado, industrias.

Na verdade, não são totalmente excludentes. Mas a escolha da primeira linha como hegemônica tem a vantagem da sustentabilidade, recompensa o saber tradicional das comunidades.

O projeto amazônico de Bolsonaro, que parece ter ressonância nas Forcas Armadas, pode nos conduzir a um isolamento internacional, boicote de nossos produtos, uma derrota política e econômica.

Sem contar com o principal efeito negativo: a perda da biodiversidade, os reflexos no próprio clima. O agronegócio já percebeu a resistência externa a esta opção do governo. Por enquanto, teme a perda de mercado. Com o desmatamento, vai se dar conta da perda das chuvas.

Essa é uma das muitas razões para resistir.

sábado, agosto 10, 2019

Ueba! Bozo é o Pai do Ano! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 10/08

Se eu fosse filho do Bolsonaro, dava Activia de presente

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Minha atual posição política: EXAUSTO! Rarará! E adorei o chargista Duke num pingue-pongue com Bolsonaro: “Opositores?”. “Mata!” “Amazônia?” “Desmata!” “Familiares: MAMATA!”. Rarará!

Bafos da semana: “Maia e ACM Neto convidam Frota para o DEM!”. FRODEM! Tem que anexar o Fro de Frota: FRODEM! Rarará! E convidaram o Frota porque o partido precisa de mais penetração! Rarará!

“Dentes de Feliciano custam R$ 157 mil para Câmara.” Pra rir mais bonito da nossa cara! Ele botou ouro e pedras preciosas? Ele fez a boca no dentista ou na H. Stern? Evangélico Ostentação. Isso que é sair do armário! E R$ 157 mil? Quantos dentes tem esse demônio? Rarará!

Lula é transferido de Curitiba para Curitiba. #Morochateado. Mais um revés pro Moro!

“Ancine tem que seguir os valores cristãos da sociedade, diz porta-voz.”Agora é Ancinamentos de Cristo, “Bruna Santinha “e “Inri Cristo em Ritmo de Aventura”! Rarará!

E atenção! Dia dos Pais! “Vivo do passado porque de presente só ganho polo.” Dia Nacional da Polo! Tem um amigo que há quatro anos ganha polo! E agora tem família de pai e pai! Duas polos! E diz que pai só serve pra duas coisas: pagar pensão e emprestar o carro! Rarará!

E o pai do ano é o Bozo, o Jumito! Com seus três rebentos. Ops, ARREBENTOS! O laranja, o tuiteiro e o chapeiro! Filhocracia. Qual o regime no Brasil? Filhocracia! O Flávio vai dar uma laranja, o Eduardo vai dar um hambúrguer e o Carluxo vai dar um xilique! Rarará!

Se eu fosse filho do Bolsonaro, dava Activia de presente: pra ele parar de falar merda. Rarará!

“Carlos Bolsonaro teve funcionária por 14 anos que se declarava babá.” Tá certo, aí era necessário. Acho até pouco 14 anos. Devia ter babá eterna! Cargo vitalício!

E o Pan? Melhor notícia: “Argentina erra de uniforme, perde por WO e é eliminada do basquete”. E tem uma atleta chamada Andrea Boquete! Argentina é eliminada e Peru fica sem boquete! Rarará!

E a medalha é horrorosa: parece bolacha de chope! E Pan de brasileiro é pan com ovo, pan com mortadela e PANDAÍBA! Rarará!

Nóis sofre mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

José Simão
Jornalista, precursor do humor jornalístico.

Por um liberalismo limpinho: os liberais contra Bolsonaro - PAULO ROBERTO TELLECHEA SANCHOTENE

Instituto Liberal
Bolsonaro, evidentemente, não é liberal. “Bolsonaro nunca foi nem nunca será um liberal”, escreve Elena Landau, do Livres, na conclusão de recente artigo publicado no Estadão. Nisso, há consenso.

Portanto, não estou aqui a “apelar para a agenda econômica para descobrir um presidente liberal.” Estou aqui para argumentar em favor da tese de que o Livres cometeu um erro estratégico grave ao evitar aliar-se ao Bolsonaro; um erro que muitos liberais, do Livres e do MBL, por exemplo, ainda teimam em negar.

No último pleito presidencial, os liberais sozinhos não chegariam ao segundo turno. Claro, houve quem tenha apoiado o João Amoêdo, do Novo, para marcar posição. No entanto, pragmaticamente, para poder exercer alguma influência num governo, é necessário optar por alguém capaz de vencer, ainda que não seja o “ideal”. Os liberais que entenderam assim dividiram-se entre o Bolsonaro e o Alckmin.

O apoio de liberais ao Bolsonaro foi costurado antes de a campanha começar. É como o Paulo Guedes entra no time. Boa parte dos liberais votou no Bolsonaro já no primeiro turno. Bolsonaro venceu; Alckmin e Amoedo fizeram votações de figurantes. De um ponto de vista pragmático, os liberais que buscaram Bolsonaro estavam certos.
Os liberais que fizeram outras opções estão reclamando agora. Tentam justificar a escolha equivocada, boicotando um governo que promove a agenda liberal, como se houvesse alternativa. Não há. Deve-se reclamar do governo, sim, mas é preciso ter ciência de que essas reclamações são feitas por dentro da base; não, em oposição.

Eu jamais imaginei que o Bolsonaro pudesse vencer uma eleição para síndico, que dirá para presidente — quanto mais com o meu voto. No entanto, no ano passado, não havia alternativa. Pode-se não gostar do Bolsonaro, mas isso não importa. Mesmo entendendo que o governo dele venha excedendo minhas (irrisórias) expectativas, o relevante é não se poder brigar com a realidade. Atualmente, só há direita no Brasil no bolsonarismo ou aliada ao bolsonarismo.

Pode-se argumentar que o liberalismo não seja de direita e nem de esquerda. Landau o faz ao dizer: “o liberalismo não é nem um nem outro, mas os dois.” De fato, isso é verdade; mas política, por ser dividida entre governo e oposição, tem uma tendência dicotômica. Se liberalismo não é de direita e nem de esquerda, a tendência é de os liberais dividirem-se entre a direita e a esquerda. Individualmente, é preciso escolher entre um dos dois.

Eu, admito, sempre fui de direita. Em 2000, num congresso de estudantes de Direito em Salvador, com milhares de inscritos, o comentário foi “a direita chegou” quando apareci sozinho. Naquele fim de semana, senti-me “La Droite c’est moi.” A escolha do lado, para mim, foi natural.

Que direita era essa que eu representava, da qual faço parte? A direita de pessoas as quais, nas palavras de Landau, “a oposição [ao governo FHC] apelidou… de ‘neoliberais’, de forma depreciativa”. Trata-se da direita das pessoas que a própria esquerda reconhece estarem do outro lado. O problema do apelido para mim sempre esteve no “neo”; jamais, no “liberal”. E tal alcunha nunca me pareceu depreciativa.

Se em 2000, a direita era pequena, como meu exemplo acima sugere, a realidade de 2018 era distinta. No contexto político hodierno tupiniquim, após quase quinze anos de governos petistas, um impeachment e uma crise socioeconômica de proporções bíblicas, o momento era de ressurgimento da direita. Era, e ainda é, uma direita desorganizada e inconsistente; porém, tinha um trunfo – um candidato.

Quem escolheu o Bolsonaro como candidato foi a esquerda, ao passar afirmando algo equivalente a “o nosso oposto é o Bolsonaro.” No período entre 2013 e 2018, Bolsonaro usou isso como capital político. Foi agregando apoio e, no fim, o único nome viável era o dele. Foi como bem descreveu Landau: “Por mais absurdo que pareça, a polarização que marcou as eleições do ano passado fez de Bolsonaro símbolo da candidatura liberal em oposição a Fernando Haddad, que reafirmava o modelo estatizante. Era a opção para encerrar o ciclo PT.”

Foi nesse cenário, como “a opção para encerrar o ciclo do PT”, em que o atual presidente ingressou no PSL. O Partido Social Liberal é uma sigla de aluguel controlada por Luciano Bivar. A razão de Bolsonaro ter escolhido o PSL foi a mesma adotada por um grupo de liberais não muito antes – o “Livres”, de Elena Landau. O movimento, criado em 2016, começara a fomentar a filiação de seus membros no PSL para tomar o partido para si e transformá-lo no seu veículo de participação político-partidária.

Repito, quando Bolsonaro entrou no PSL, foi como se o candidato mais viável a vencer a eleição caísse de paraquedas no colo do Livres! O que aconteceu? Segundo registra a Folha de São Paulo em matéria de 4/8: “Às voltas com a possibilidade de receber o então presidenciável, o presidente da sigla, Luciano Bivar, ouviu um ultimato do grupo [Livres]: ou ele ou nós.” Em suma, o Livres recusou o presente! E recusou, nas palavras de Paulo Gontijo, atual presidente do movimento, por achar ser “um risco que se confunda liberalismo com governo Bolsonaro. Não é.”

Ainda assim, apesar do esforço do Livres em preservar a pureza do liberalismo, o risco se mantém. Por quê? Gontijo responde: “é como disse o próprio [Paulo] Guedes, este é um governo de coalizão entre alguns liberais e conservadores”. O jornalista arremata: “descreve Gontijo, com algum desânimo.” Sem o Livres, o candidato Bolsonaro ainda costurou o apoio de “alguns liberais” para a formação da coalizão que ora compõe o atual governo.

Política não é purista. Devem-se pesar as circunstâncias. Houve liberais que procuraram Bolsonaro e ele aceitou as condições para o apoio. Portanto, o “governo marcado pela intolerância” e de “viés autoritário”, segundo palavras da Landau, apesar de não ser liberal, cedeu parte importante da sua agenda aos liberais.

Bolsonaro poderia ter recusado o apoio em nome de um “purismo” conservador, mas não o fez. Entendeu, seja lá por qual motivo, que purismo seria ruim para ele. Entendeu bem. Purismo é o que há de pior na política. Já os autodeclarados tolerantes do Livres, “com algum desânimo”, lamentam que isso tenha ocorrido. Afinal, é “melhor deixar o liberalismo fora disso.”

Por “disso”, imagino que seja “do governo”. Landau registra: “Hoje as previsíveis dificuldades de levar adiante mudanças profundas sem o envolvimento direto do presidente da República são evidentes.” Para reforçar seu argumento, Landau coloca os méritos das mudanças alcançadas sobre Rodrigo Maia – um liberal de carteirinha, por certo. Pergunto, mas são previsíveis por quê?

Se o governo tem dificuldade de passar reformas liberais no Congresso, a culpa não é do antiliberalíssimo do presidente, como Landau acusa – ainda que possa haver algum fundamento no libelo. Nem Landau, tampouco Gontijo, nenhum menciona o fato de que o PSL elegeu a segunda maior bancada da câmara, com 52 deputados. O Livres, fora do PSL, conseguiu emplacar quatro: “O Livres está representado em Brasília pelos deputados federais Marcelo Calero (Cidadania-RJ), Tiago Mitraud (Novo-MG) e Franco Cartafina (PP-MG), além do senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL).”

Com 4 deputados, fica bem difícil exercer influência sobre legislação e políticas públicas. No ano passado, as pessoas votaram em qualquer nome que tivesse um “17” do lado. Teriam votado em peso em candidatos do Livres. A bancada liberal no Congresso seria muito maior do que é.

É preciso que se diga: se o governo não é mais liberal do que vem sendo, a responsabilidade é toda do Livres; se a bancada do PSL é péssima, a culpa é toda do Livres. Bolsonaro fez a parte dele. Quem deliberadamente boicotou a causa liberal foi o Livres!

Eu não cito nomes para não magoar ninguém aqui com algum lapso, mas foi graças ao esforço de outros liberais, pessoas com senso político e de oportunidade, pragmáticos e sem nojo, que o governo brasileiro defende e age em prol de pautas liberais. Esses liberais são o porquê de o Bolsonaro ter conseguido vencer a eleição e representar a direita inteira. É pela iniciativa deles que, mesmo comandado por um porra-louca sem papas na língua, ao menos temos um governo engajado com reformas liberais.

O governo poderia ser ainda mais engajado nisso. Se não o é, é por causa dos próprios liberais. No entanto, há muitos que seguem buscando razões para evitar reconhecer o óbvio; que seguem forçando a concretização de uma profecia autorrealizável. Fazem isso para que não sejam obrigados a encarar seu próprio erro.

Eu disse não haver alternativa. Bem, se dependesse dos liberais puristas, do Livres e outros tantos, estaríamos hoje todos nós felizes e limpinhos fazendo oposição ao Haddad…

Trump está certo sobre Baltimore? Vamos ver alguns fatos - WALTER E. WILLIAMS

Gazeta do povo - PR/The Daily Signal - 10/08

Baltimore tem a segunda maior taxa de homicídios dos EUA, com 55,8 assassinatos por 100 mil habitantes.| Foto: Imagem de Bruce Emmerling por Pixabay



Eis o que o presidente Donald Trump twittou sobre um congressista de Baltimore e sua cidade: “Elijah Cummings (deputado pelo Partido Democrata) tem se comportado como um fanfarrão, provocando os grandes homens e mulheres da Patrulha da Fronteira sobre as condições na fronteira Sul, quando na verdade seu distrito de Baltimore é muito pior e mais perigoso. Seu distrito é considerado o pior dos EUA”.

"Como foi provado na semana passada durante uma visita do Congresso, a fronteira é limpa, eficiente e bem administrada, apenas muito cheia", acrescentou Trump. “O distrito de Cummings é uma bagunça infestada de ratos. Se ele passasse mais tempo em Baltimore, talvez pudesse ajudar a limpar este lugar imundo e muito perigoso.”

As alegações de Trump, sugerindo que o distrito democrata de Baltimore, em Maryland, é "considerado o pior e mais perigoso", foram chamadas de racistas.

Mas é fácil saber se as alegações de Trump têm algum mérito. É só recorrer aos fatos. Vamos ver alguns.

Em 2018, Baltimore foi classificada como uma das "Cidades mais infestadas por ratos" no país pela empresa de controle de pragas Orkin. Embora tenha havido progresso nos últimos anos, Baltimore ocupa o nono lugar em infestação de ratos, abaixo da sua sexta posição há dois anos na lista de Orkin.

E quanto à segurança?
Em 2017, St. Louis teve a maior taxa de homicídios do país, com 66,1 homicídios por 100.000 habitantes. Baltimore ficou em segundo lugar, com 55,8 assassinatos por 100 mil pessoas. O fato desagradável é que as cidades predominantemente negras e democratas têm os piores registros de segurança pública.

A Trace, uma organização independente de notícias sem fins lucrativos, usando os dados de 2017 do programa Uniform Crime Reporting do FBI, listou as 20 maiores cidades dos EUA com as maiores taxas de homicídio. Depois de St. Louis e Baltimore, Detroit ficou em terceiro lugar, com 39,8 assassinatos por 100 mil pessoas.

Outras cidades com altas taxas de homicídio incluíam Nova Orleans; Kansas City (Missouri); Cleveland; Memphis (Tennessee); e Newark (Nova Jersey). Com 24,1 assassinatos por 100.000 habitantes, Chicago ficou em nono lugar no país, seguida por Cincinnati e Filadélfia. Washington, D.C., foi a 17º.

E quanto à educação em Baltimore?
Em 2016, em 13 das 39 escolas secundárias de Baltimore, nem um único aluno obteve proficiência no exame de matemática do estado. Em outras seis escolas secundárias, apenas 1% conseguiu proficiência em matemática. Em números brutos, 3.804 estudantes de Baltimore fizeram o teste de matemática do estado e 14 conseguiram a proficiência. Apenas 15% dos estudantes de Baltimore passaram no teste de inglês do estado.

Dinheiro não é o problema. Dos 100 maiores sistemas escolares do país, as escolas de Baltimore ocupam o terceiro lugar em gastos por aluno.

Os alunos negros de Baltimore recebem diplomas que atestam que podem atuar em um nível equivalente ao segundo grau completo, quando, na verdade, podem não ser capazes de fazê-lo em um nível de sexta, sétima ou oitava série. Embora não suspeitem, na prática os diplomas desses estudantes são fraudulentos.

Resultado: se não conseguirem passar em um concurso público, acusarão o exame de ser racista. Quando recebem notas baixas na faculdade e fracassam, eles atribuem sua situação ao racismo.

A informação que esses estudantes negros têm é que eles, assim como estudantes brancos, têm um diploma do ensino médio e a única explicação que eles vêem para resultados desiguais é o racismo. A mesma história de resultados pobres da educação pode ser contada sobre a maioria das cidades com grandes populações negras.

Os problemas que os negros enfrentam independem de quem é o presidente dos EUA. Esses problemas não foram amenizados quando Barack Obama era presidente. Esses problemas não serão amenizados pela presidência de Trump, embora a taxa de desemprego negro seja consideravelmente menor.

A lição para os negros é que os políticos e o governo não são soluções. Se fossem, com um gasto público que ultrapassa US $ 22 trilhões nos últimos 50 anos, os negros não enfrentariam os problemas de hoje.

Walter E. Williams é colunista do The Daily Signal e professor de economia na George Mason University.

Redes sociais, democracia e a sociedade hiperconectada - MARCUS PESTANA

O Tempo - MG - 10/08

Tempos confusos, tempos conturbados, mudança multidimensional e estrutural que se dá em meio à agonia e a incerteza são expressões utilizadas pelo primeiro e talvez maior intérprete da “Sociedade em Rede”, o sociólogo espanhol Manuel Castells, para qualificar os desafios da ruptura de paradigma representada pela revolução produzida pela Internet e suas redes sociais.

Como participante de uma geração “pré-Internet” sempre acreditei que democracia era tornar cada vez mais público o que é público e cada vez mais privado o que é da órbita individual. Mas a verdade é que parecemos condenados a viver numa “sociedade BBB”, hiperconectada, exibicionista, transparente além de qualquer limite e com uma concentração absurda de informações e poder em mãos das grandes plataformas utilizadas. É uma tendência universal e irreversível. A hiperexposição de tudo e todos têm vantagens e desvantagens. Ainda na era analógica, o grande cronista e teatrólogo Nelson Rodrigues cravou: “Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava”.

A evolução do mundo moderno foi marcada pelas inovações tecnológicas que resultaram em saltos qualitativos na forma de produção e convívio social. A Internet foi mais uma inovação disruptiva e transformou a vida em suas dimensões econômica, social e política.

A inovação é neutra do ponto de vista moral e ético. O uso e suas consequências dependem de quem a utiliza. A Internet pode servir para grandes campanhas humanitárias e à difusão de conhecimento, mas também pode ser instrumento de redes de pedofilia. Há registros de que Santos Dumont e Einstein morreram carregados de tristeza em face do uso nas duas Grandes Guerras do avião e da bomba atômica, filha da famosa fórmula.

A internet e as redes sociais propiciaram um enorme aumento da produtividade e de eficiência na economia, mudaram padrões de comportamento e relacionamento entre as pessoas possibilitando maior aproximação em escala global e construíram uma poderosa ferramenta para o aprofundamento da democracia participativa, propiciando maior transparência e controle social sobre os processos de decisão.

Mas os efeitos negativos também vieram à tona. Eventos como as interferências no plebiscito do Brexit e na última eleição americana, assim como o vazamento de informações hackeadas de centenas de autoridades brasileiras colocam uma série de interrogações no horizonte. Soma-se a isso o uso de dados pessoais e o monitoramento de comportamentos individuais com objetivos mercadológicos, sem a total consciência e controle dos usuários. O “vício em redes” já começa a ser tratado como doença nociva à saúde.

Não é diferente o mau uso das redes sociais no Brasil, onde a plataforma fantástica de debate democrático transformou-se em ferramenta de fakenews, ataques violentos e abjetos a pessoas e desqualificação de instituições fundamentais.

A Internet e as redes vieram prá ficar. Não se deve jogar fora a criança recém-nascida junto com a água suja do banho. A regulação é extremamente difícil. Os hackers da “Vaza Jato” estavam em Araraquara, mas poderiam estar no Paraguai, em Miami, na Rússia ou na China.

O problema não está na ferramenta, um monumental avanço. Mais uma vez o centro da transformação está no avanço educacional e cultural dos seus usuários.


O trilema cambial - RODRIGO ZEIDAN

FOLHA DE SP - 10/08

Para o Brasil, o objetivo é tentar não virar dano colateral de uma guerra cambial


A guerra comercial entre Estados Unidos e China está virando uma guerra cambial. Nos últimos dias, o Federal Reserve americano baixou os juros, Pequim desvalorizou sua moeda e Washington voltou a acusar os chineses de manipulação cambial.

Na década passada, tal acusação fazia algum sentido. Hoje, com um novo sistema cambial depois de o banco central chinês ceder ao ataque especulativo de 2015/16, perpetrado em grande parte pelas estatais chinesas, não faz nenhum. Uma guerra cambial pode levar o mundo a uma recessão.

O ataque especulativo veio por um erro de política econômica chinesa: ignorar as restrições do "trilema" de economia internacional, um conjunto de restrições que afetam todos os países, incluindo os EUA.

Governos podem escolher duas, e somente duas, dentre as três opções:liberdade de mandar dinheiro para fora do país, autonomia do banco central para decidir a taxa de juros da economia e sistema de câmbio fixo.

Nos EUA, assim como no Brasil, a escolha é pelas duas primeiras opções. O dólar, assim como o real, é flutuante. Pode haver impostos, mas não há limites de envio de dinheiro para o exterior.

O Banco Central e o Federal Reserve mexem os juros quantas vezes quiserem. No mercado de câmbio, a única diferença é que o BC brasileiro, de vez em quando, intervém para conter uma brusca desvalorização.

O trilema já nos fez mudar de rota uma vez. Em janeiro de 1999, o governo brasileiro escolheu abandonar o sistema de câmbio fixo para manter liberdade de capitais e autonomia de política monetária.

Na China, até 2006, o governo mantinha o yuan artificialmente desvalorizado, à taxa de 8,3 por dólar. Havia controle de capitais (similar ao que vigorava no Brasil na década de 1980): empresas precisavam de autorização da autoridade monetária chinesa para enviar dinheiro para fora.

De 2006 a 2014, a autoridade monetária chinesa foi deixando o yuan se valorizar (o câmbio chegou a 6 yuans por dólar). Com US$ 4 trilhões de reserva, as autoridades cometeram um erro: afrouxaram os controles de saída de capital, achando que o excesso de reservas blindava o país de um ataque especulativo.

As empresas chinesas foram às compras. Mas, com a mudança de cenário em 2015 e o medo generalizado de uma crise global, as estatais chinesas começaram a mandar dinheiro para fora apostando que o governo não aguentaria manter o câmbio fixo, agora valorizado.

Em poucos meses as reservas caíram em mais de US$ 1 trilhão. O governo chinês cedeu, desvalorizou o câmbio, reformou o sistema para deixar o yuan (ainda semifixo) flutuar mais e trouxe de volta com força o controle de capitais.

Hoje, o banco central chinês mantém seu valor bem próximo do que seria se a moeda pudesse flutuar livremente; o yuan não é mais artificialmente desvalorizado.

A queda desta semana, com a taxa de câmbio ultrapassando 7 yuans por dólar, não muda isso, já que a economia chinesa está desacelerando. Mas isso não parece importar para os americanos. A acusação sem fundamentos pode levar a mais reações protecionistas dos dois lados.

Aqui, isso geraria mais desvalorização e inflação. Nossa escolha por liberdade de capitais e autonomia de definir a taxa básica de juros significa que estamos conectados ao ciclo mundial para o bem e, como vemos hoje, para o mal. Pior é saber que essa guerra é escolha política e que não haverá vencedores.

Só há um objetivo para o Brasil: tentar não virar dano colateral.

Rodrigo Zeidan
Professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ

Lava Jato no espelho - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 10/08

Mensagens vazadas oferecem oportunidade para reforçar limites de investigadores


Passados dois meses desde que as mensagens vazadas de integrantes da Lava Jato começaram a ser divulgadas, é possível tirar três conclusões sobre o procurador Deltan Dallagnol, o chefe da força-tarefa à frente da operação em Curitiba.

Nos anos em que o ministro Sergio Moro foi o juiz responsável pelo caso, o procurador desenvolveu relação de grande proximidade com ele, em que trocaram informações, debateram estratégias e discutiram decisões fora dos autos.

Ficou evidente que Dallagnol lucrou com a fama alcançada, dando palestras sobre corrupção para empresas e associações privadas. Pode ter faturado com elas quantias superiores aos rendimentos que recebe como servidor público.

Surgiram indícios de abuso de poder. As mensagens obtidas pelo site The Intercept expõem diversas situações em que o coordenador da força-tarefa incentiva colegas a investigar ministros do Supremo Tribunal Federal sigilosamente, com desprezo aos limites legais.

Caberá ao Judiciário e ao Conselho Nacional do Ministério Público, responsável pela fiscalização do trabalho dos procuradores, examinar as condutas de Dallagnol, determinar o que há de impróprio nelas e decidir se merecem punição.

Mas os danos causados pelos vazamentos à credibilidade do procurador são difíceis de reparar, e sua continuidade nas atuais funções parece ter se tornado inviável.

Mesmo que se considere a origem ilícita do material, obtido por jornalistas após a invasão de aparelhos celulares por um hacker, é impossível ignorar o conteúdo dos diálogos e as suspeitas que levantam sobre as ações da Lava Jato.

Para evitar debater a substância das revelações, Dallagnol tem lançado dúvidas sobre a autenticidade das mensagens e atacado os críticos, que acusa de defender a impunidade de corruptos e poderosos. Trata-se de estratégia diversionista e provavelmente inócua.

Ninguém despreza os resultados da Lava Jato, mas eles não podem servir de escudo para proteger os participantes da operação e impedir que sejam coibidos abusos como os revelados pelo vazamento.

Há certamente uma oportunidade para aperfeiçoar o controle do trabalho dos procuradores, exercido atualmente com tibieza pelo CNMP. Suas normas poderiam impor rigor e transparência a atividades como as palestras de Dallagnol.

Há espaço para que o Congresso e o Supremo reforcem os limites que devem ser respeitados pelos investigadores, sem ignorar a proteção garantida pela Constituição à independência do Ministério Público e de seus membros.

As mensagens vazadas oferecem um espelho incômodo para os que participaram de excessos da Lava Jato. O futuro do combate à corrupção dependerá das lições que souberem extrair dessa reflexão.

sexta-feira, agosto 09, 2019

Método da loucura derrotará Bolsonaro - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 09/08

Presidente nunca pretendeu, vê-se agora, governar efetivamente o país


O jogo de Jair Bolsonaro tem zero de improviso e cem por cento de método. Isso não quer dizer que seja eficiente ou bom. Ser metódico não é sinônimo de estar correto. Especialmente quando se toma a decisão de dar uma banana ao resto do mundo.

O presidente já passou a operar no modo eleitoral. Deflagrou a campanha pela reeleição tão logo a Câmara aprovou em primeira votação a reforma da Previdência. O placar alargado, reafirmado com poucas defecções na quarta (7), lhe deu a certeza de que o jogo da economia está ganho. Aí já há um erro essencial de diagnóstico, note-se.

Com pouco mais de seis meses no cargo, vimos o antigo deputado do baixo clero reencarnar no presidente. E ainda com mais virulência. Havia algo de meio apalhaçado no parlamentar que, de vez em quando, atraía a atenção da imprensa em razão do exotismo frequentemente estúpido do que dizia.

A personagem exibia um quê de "clown" meio abobalhado. Suas micagens ideológicas não rendiam nem debate nem divergência substantiva porque primitivas, desinformadas e simplórias na sua truculência. É impossível responder a quem nem errado consegue estar.

Se, antes, manejava só a própria opinião desengonçada, detém agora instrumentos de Estado. E tudo o que fala tem consequência. Aqui e no mundo.

O homem é insubordinável à institucionalidade porque não a reconhece. Como não reconhecia a hierarquia quando pertencia ao Exército. Jamais coube no uniforme do bom soldado.

Nunca pretendeu, vê-se agora, governar efetivamente o país. Ele quer o poder de mando, o que é coisa distinta. Um governante negocia, tenta convencer, concede e obtém concessões de adversários.

O atual inquilino do Palácio do Planalto só entende manifestações de rebeldia —como a sua quando militar— e de obediência. Vê-se no papel de líder de uma pretensa revolução moral que vai enterrar o "socialismo".

O, por assim dizer, pensamento do presidente e de parte da sua tropa não tem fundamento econômico, político, jurídico ou administrativo. Os fantasmas, cumpre lembrar, fantasmas são porque alheios e imunes ao mundo real.

Não é improviso, mas há muito de loucura no tal método. Incapaz de entender ainda que rudimentos de economia e gestão, houve por bem deflagrar uma nova guerra ideológica já de olho em 2022. O país mal saiu da ressaca pesada do ano passado.

Está de volta o defensor da ditadura, o apologista da tortura, o justificador de decapitações em presídios, o inimigo do meio ambiente, o adversário dos índios, o zombeteiro dos direitos humanos, o fanático das armas, o depreciador de minorias, o propagador do ódio à imprensa livre...

A quem fala Bolsonaro? Aposta em manter unida a sua tropa nas redes sociais e antevê, no outro extremo, a radicalização do discurso das esquerdas. Estas, até agora, não morderam a isca, ainda que seja mais por inapetência e desorientação do que por sagacidade.

Esse jogo que consiste em manter aniquilado o centro e seus matizes —centro-direita e centro-esquerda— e em travar batalhas finalistas com uma esquerda radicalizada vai dar certo? Tudo leva a crer que não. E nem tanto em razão de atores internos.

Logo Bolsonaro vai perceber que a reforma da Previdência não basta para recolocar o país no rumo do crescimento e que um governante que tem mais motosserras na língua do que há, já em penca, nas florestas afasta investidores e ameaça a economia.

Antes que seja bem-sucedido na sua guerra doméstica contra fantasmas, o mundo pode transformá-lo e ao país em párias. A capa desta semana da liberal The Economist traz o título "Relógio da morte para a Amazônia".

Um dos tocos de árvore que a ilustram tem o formato do mapa do Brasil. No miolo, pode-se ler: "O mundo deve deixar claro a Bolsonaro que não vai tolerar seu vandalismo".

Ou ainda: "Empresas de alimentos, pressionadas pelos consumidores, devem rejeitar a soja e a carne produzidas em terras amazônicas exploradas ilegalmente. Os parceiros comerciais do Brasil devem fazer acordos atrelados a seu bom comportamento [ambiental]".

As boçalidades ditas pelo presidente e por auxiliares contra o Inpe ganharam o mundo. No melhor dos cenários para o futuro do país e da democracia, o bufão logo começará a ser vítima de sua própria concepção de mundo.

Se não consegue aprender nada com os livros, receberá lições da carne e da soja. E, então, ou o método da loucura cede às imposições da realidade, ou essa realidade botará Bolsonaro para correr. Antes que consiga disputar a reeleição.

Reinaldo Azevedo
Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”

E depois da Previdência? - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O GLOBO - 09/08

A agenda pendente de reformas terá de ser conciliada com o enfrentamento de desafios mais imediatos


O governo terá de fazer bom uso da preciosa ampliação de espaço de manobra para condução da política econômica propiciada pela aprovação da reforma da Previdência. É mais do que natural que a equipe econômica esteja tentada a aproveitar o embalo para fazer avançar, tão rapidamente quanto possível, a pauta de reformas pendentes. Sobram, contudo, boas razões para desaconselhar a aposta de todas as fichas nessa possibilidade.

Em primeiro lugar, a agenda pendente de reformas terá de ser conciliada com o enfrentamento de desafios mais imediatos, advindos da recuperação decepcionante da economia. Com a persistência de um crescimento medíocre, da ordem de 0,8% em 2019, e de 12,8 milhões de pessoas desempregadas, a equipe econômica enfrentará, nos próximos meses, pressões cada vez maiores, de dentro e de fora do governo, para mostrar resultados.

Em segundo lugar, as duas reformas que o governo agora contempla são extremamente complexas e encerram enorme potencial de conflito com Congresso. Seria um erro insistir em tratar a reforma tributária e o que vem sendo chamado de Novo Pacto Federativo como precondições para a retomada do crescimento. O mais prudente, a esta altura, é passar a defender as duas reformas como esforços de ampliação das possibilidades de crescimento econômico do país. E evitar transformá-las num desastroso campo de batalha com o Congresso.

Não cabe dúvida de que o país terá de continuar a encarar a pesada agenda de reconstrução fiscal que tem pela frente. Mas a aprovação da reforma da Previdência dará credibilidade à ideia de que há um esforço sério de ajuste fiscal em andamento. E o aumento de receitas extraordinárias provenientes do pré-sal, do BNDES e da aceleração do programa de privatização poderá dar mais tempo ao governo para articular novas medidas de ajuste fiscal.

É importante que, em paralelo à agenda pendente de reformas, o governo saiba dar o alento necessário ao delicado círculo virtuoso de expectativas favoráveis deflagrado pela aprovação da reforma da Previdência na Câmara. Sem excesso de ativismo e — Bolsonaro permitindo — sem choques desestabilizadores.

É bem verdade que o excesso de capacidade que se observa em boa parte da economia dá lugar a muita incerteza sobre em que momento os investimentos serão, afinal, destravados. Mas é perfeitamente possível apressar a retomada de investimentos que prescindem da recuperação prévia da economia, em setores promissores importantes que já vêm contando com o apoio de políticas públicas bem concebidas, como óleo e gás, infraestrutura e agronegócios.

Quanto às reformas pendentes, as dificuldades vêm sendo agravadas em grande medida por propostas equivocadas do próprio governo. Basta ter em mente o que vem ocorrendo com o debate sobre a reforma tributária. Como há nada menos do que cinco propostas distintas em consideração, é fundamental evitar que o entrechoque desses projetos no Congresso converta a discussão da reforma numa desastrosa pororoca parlamentar. Em meio ao pandemônio, a última novidade é que os governadores estão agora fascinados com a estapafúrdia ideia de permitir que os estados voltem a taxar ostensivamente as exportações.

O governo terá de reconhecer que sua proposta — equivocada como está, e sem respaldo da sociedade — não terá passagem no Congresso. Diante de tal profusão de projetos e da ferrenha disputa por protagonismo, entre o Executivo, a Câmara e o Senado, é fundamental que o governo tenha condições de pôr ordem no debate e fazer valer o seu peso para tentar negociar e aprovar um projeto viável. O que, em princípio, exigiria o que o Planalto vem se recusando a fazer: montar uma ampla coalizão governista baseada no compartilhamento de poder com o Congresso.

Não há como fugir à constatação mais geral de que a ambição das reformas pendentes terá de ser compatível com as possibilidades, necessariamente mais acanhadas, de um governo que se recusa a arregimentar e manter uma coalizão sólida no Congresso.

quinta-feira, agosto 08, 2019

Bolsonaro submete Sergio Moro a encolhimento - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 08/08

Há na praça um Sergio Moro diferente. É um personagem menor do que aquele juiz respeitado que migrou da 13ª Vara Federal de Curitiba para o Ministério da Justiça. A diminuição de Moro não se deve apenas à divulgação das mensagens que ele trocou com o chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol, no escurinho do Telegram. Nos últimos dias, o que mais contribui para o encolhimento do personagem é o comportamento de Jair Bolsonaro.

No início do governo, o presidente endossou a prioridade de Sergio Moro —um pacote anticrime e anticorrupção— e editou medida provisória entregando a ele a engrenagem do Coaf. Hoje, Bolsonaro avisa que o pacote de Moro não é mais prioritário. E passou a chamar de "perseguição política" a investigação em que o Ministério Público do Rio de Janeiro maneja dados do Coaf para apurar o que o primogênito Flávio Bolsonaro fez no verão passado.

O Congresso devolveu para Paulo Guedes, ministro da Economia, a engrenagem do Coaf. Dizia-se que Guedes manteria intacta a equipe de Moro. Quem acreditou fez papel de bobo. Bolsonaro encomendou a cabeça de Roberto Leonel, um auditor fiscal que Moro colocou no comando do Coaf. Leonel ousou criticar decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo, que aproveitou um recurso de Flávio Bolsonaro para suspender investigações fornidas com dados do Coaf.

Digamos que há alguns meses Sergio Moro tivesse uma biografia impecável, estabilidade no emprego, um pacote anticrime, uma promessa de poltrona no Supremo Tribunal Federal e uma mulher chamada Rosângela. Hoje, o ministro precisa levar flores diariamente para Rosângela. Ela pode ser a única coisa que lhe resta. Quanto a Bolsonaro, embora o capitão ainda não tenha notado, seu comportamento deixa seu discurso sem nexo.

Dinheiro do petróleo não pode pagar pessoal - RIBAMAR OLIVEIRA

Valor Econômico - 08/08

Novo pacto federativo prevê o fim da vinculação de receitas



Os cerca de R$ 21 bilhões que Estados e municípios receberão do megaleilão do excedente de petróleo da cessão onerosa não poderão ser utilizados livremente. Em acordo feito pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em torno da divisão dos recursos do megaleilão, ficou definido que os recursos não podem ser utilizados para o pagamento de pessoal, de acordo com fonte credenciada do governo. Poderão ser usados para pagar dívidas com a União, pagar precatórios judiciais e investimentos.

A divisão dos recursos está prevista na proposta de emenda constitucional (PEC) 98/2019, já aprovada pela Câmara e em tramitação no Senado. A PEC determina que a União transfira para os Estados 15% dos valores arrecadados com o megaleilão, depois de descontada a despesa que ela terá com o pagamento à Petrobras, como parte da revisão do contrato da cessão onerosa. Os municípios também receberão 15% dos valores líquidos arrecadados.

O megaleilão vai arrecadar R$ 106 bilhões em bônus de assinatura, de acordo com o governo. Como a Petrobras ficará com R$ 33,7 bilhões, sobrarão R$ 72,3 bilhões. Deste total, 30% ou R$ 21,7 bilhões vão para Estados e municípios.

Como os recursos serão divididos entre os Estados e municípios? Como eles serão aplicados? Tudo isso, segundo a PEC 98/2019, será definido em lei. Há, portanto, um cronograma a ser cumprido antes que governadores e prefeitos possam utilizar o dinheiro do megaleilão. Primeiro será preciso aprovar a PEC no Senado. Depois uma lei regulamentando a divisão e o uso dos recursos.

O megaleilão do excedente da cessão onerosa está marcado para o dia 6 de novembro e o dinheiro só ingressará nos cofres do Tesouro no dia 27 de dezembro deste ano. Até mesmo este cronograma, no entanto, está na dependência de uma análise do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a revisão do contrato da cessão onerosa e do próprio leilão do excedente. Não está inteiramente descartado o adiamento do leilão.

É muito provável, portanto, que a transferência do dinheiro da União para Estados e municípios somente ocorra no próximo ano. A Proposta de Emenda Constitucional 98 também prevê que a transferência dos recursos será excluída do teto de gastos da União, da mesma forma que o pagamento à Petrobras.

Nada garante, no entanto, que a lei que regulamentará a transferência dos recursos para Estados e municípios seja aprovada nos termos acordados entre Guedes, Alcolumbre e Maia. Tudo no Congresso depende de votos. E não é possível antecipar com segurança o resultado de votações na Câmara e no Senado, principalmente diante de eventual pressão que será feita por governadores e prefeitos. Há o risco, portanto, de que os recursos do leilão do excedente de petróleo terminem sendo usados para pagar despesas de forma indiscriminada.

Em breve, Guedes deverá apresentar a sua proposta de novo pacto federativo. A ideia do governo é descentralizar receitas, fortalecendo as finanças estaduais e municipais. Uma proposta prevê a divisão, com Estados e municípios, de parte da receita futura que será obtida pela União com royalties e participações especiais na exploração dos campos do pré-sal. A expectativa do governo é que essa receita crescerá muito nos próximos anos, atingindo seu pico em 2031.

A questão é saber se haverá contrapartidas a esse plano de fortalecimento das finanças estaduais e municipais. Em recente artigo na "Folha de S.Paulo", o economista Marcos Mendes afirmou que um pacto federativo que apenas dê dinheiro federal aos Estados, sem reformas que diminuam os incentivos a gastar mais, não funcionará. "Será tão eficiente quanto tentar manter uma banheira cheia abrindo mais a torneira, sem fechar o ralo", observou Mendes, que foi assessor especial do Ministério da Fazenda, nas gestões de Henrique Meirelles e Eduardo Guardia.

No artigo, Mendes argumentou que as vinculações de receitas estaduais a gastos com saúde e educação desestimulam a busca do equilíbrio fiscal pela via do aumento de receita, pois cada real a mais arrecadado aumenta o gasto, automaticamente, em R$ 0,37, por causa das vinculações.

Integrantes da equipe econômica disseram ao Valor que o pacto a ser proposto por Guedes prevê justamente o fim dessas vinculações que, no caso da União, já foram eliminadas pela emenda constitucional 95/2016, que instituiu o teto de gastos da União. Hoje, o gasto federal com educação e com saúde não está vinculado à receita. Os valores correspondem aos calculados para 2017, corrigidos, anualmente, pela inflação. A regra valerá, pelo menos, até 2026.

Outra preocupação da equipe econômica é que a receita descentralizada, principalmente a proveniente do petróleo, não seja utilizada para conceder aumentos salariais ou outro tipo de vantagens aos servidores, como ocorreu em passado recente em alguns Estados e municípios. Os técnicos argumentam que a receita do petróleo é instável, podendo cair repentinamente, em decorrência da redução dos preços internacionais do produto. Assim, ela não pode custear despesas permanentes.

Orçamento impositivo

Há um grande temor na área técnica do Ministério da Economia sobre os efeitos da emenda constitucional 100/2019, que instituiu o chamado "Orçamento impositivo". A preocupação principal é com o novo parágrafo 10 do artigo 165 da Constituição, que estabelece o dever da administração de executar as programações orçamentárias, adotando as medidas e os meios necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade.

O problema é que, no texto da emenda aprovado, não há comando definindo que as dotações orçamentárias poderão sofrer contingenciamento em caso de receita menor que a prevista no Orçamento nem que elas não poderão ser executadas em caso de impedimento técnico. Os assessores do governo acreditam que esse parágrafo compromete o cumprimento da meta de resultado primário em 2020. Por isso, torcem para que a PEC 98/2018, que corrige essas lacunas da emenda 100, seja aprovada pelo Senado. Já passou pela Câmara.

Estelionato eleitoral - MARIA CRISTINA FERNANDES

Valor Econômico - 08/08

Bolsonaro acumula atos que limitam atuação de Moro


Sergio Moro perdeu mais uma. Na queda de braço pelas nomeações no Cade não é o Senado, mas o ministro da Justiça o maior perdedor.

O Conselho, encarregado da maltratada concorrência empresarial no Brasil, tem quatro vagas a serem preenchidas. A nomeação é do presidente da República, mas desde 2015, uma enfraquecida presidente Dilma Rousseff cedeu a prerrogativa ao Senado. O Centrão se apossou dela e se esparramou pelo órgão durante o governo Michel Temer.

O impenetrável jargão do Cade encobre decisões sobre o arbítrio das empresas na definição de preços e tarifas e na qualidade dos produtos oferecidos ao consumidor. Por mais desoneradas estejam as empresas, os consumidores nunca serão beneficiários se o mercado estiver cartelizado.

O governo Jair Bolsonaro podia até querer retomar a prerrogativa, mas como já começou com o filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, nas cordas, achou por bem negociar. Duas vagas ficaram com o governo e outras duas, com os senadores. Como já se vão mais de seis meses do início da legislatura, e o Senado ainda não instalou o Conselho de Ética, as cláusulas do acordo pareciam observadas.

Daí a surpresa quando o presidente retirou as indicações do Executivo. É bem verdade que o futuro de mais um filho, o deputado federal e potencial embaixador do Brasil nos Estados Unidos, também está penhorado no Senado mas o acordo sobrevivia até a véspera da edição do Diário Oficial na semana passada. Nada no currículo dos escolhidos parecia desabonar os escolhidos pelos ministros da Justiça e da Economia.

Ontem Bolsonaro disse que se reuniria com Paulo Guedes para preencher as seis vagas inflacionadas com aquelas que apenas serão abertas em outubro. Da declaração depreende-se que o presidente parcelou o cumprimento das cláusulas do acordo. Se está pressionado a liberar as nomeações para não estender a paralisação do órgão, precisa, por outro lado, garantir o passe de embaixador para o filho. Mas o Senado não é o único e talvez não seja nem mesmo o alvo principal do presidente. O órgão está submetido à estrutura da Justiça, mas o presidente fez questão de dizer que a questão seria discutida com Guedes.

Não é a primeira medida que toma para desidratar Moro. Na primeira primeira delas, vetou uma indicada do ministro para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Em seguida viriam duas decisões envolvendo o Coaf. O Conselho, que identifica operações financeiras suspeitas de ilicitude e as comunica para os órgãos de investigação, foi transferido, na reestruturação ministerial, da Economia para a Justiça.

O Congresso estrilou e o presidente não comprou a briga. Ainda que sob o chapéu da Economia, o Conselho permaneceu nas mãos do escolhido de Moro, um ex-auditor da Receita lotado na força-tarefa da Lava-jato. Agora o presidente decidiu também tirar o aval à permanência de Roberto Leonel na chefia do Coaf.

O ministro tirou uma semana de férias para tentar sair das cordas em que a #VazaJato o enredou. No retorno, determinado a retomar a iniciativa, meteu os pés pelas mãos com o decreto arbitrário na deportação de estrangeiros e armou um jantar com Guedes, testemunhado pela imprensa, para dizer que está fechado com a reeleição de Bolsonaro.

Não bastou para dissipar as desconfianças. Como tem limites para impedir que Moro se disponha a lhe fazer concorrência na sucessão, o presidente resolveu obstruir a alternativa mais evidente do ministro à política eleitoral ao declarar que seu escolhido para o Supremo será "terrivelmente evangélico". Como parece determinado a evitar que Moro tenha uma plataforma eleitoral para chamar de sua, resolveu barrar até mesmo a publicidade do pacote anticrime enviado pelo ministro ao Congresso.

O fogo amigo poderia ser abreviado por uma demissão. O risco, porém, é que, além de explicitado o estelionato eleitoral, a condição de vítima em que o ministro possa vir a se colocar se varrido, se volte contra o mandato presidencial.

Moro concorreu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como os dois personagens que, em extremidades opostas, foram os mais citados pelo candidato do PSL. Sete meses depois de sua posse já bastaram para mostrar que o convite a Moro não foi uma forma de honrar a promessa de combate à corrupção mas de frustrá-la.

Moro já desonrou a toga que inspirou a esperança de milhões de brasileiros, mas para o bolsonarismo mais recalcitrante, ainda é o maior símbolo anticorrupção do país. Mantê-lo no governo, devidamente podado, é a maneira mais segura de proteger sua família e a si, da sanha justiceira do ministro que lhe serviu de carona ao Planalto.

O presidente do Supremo Tribunal Federal tomou o lugar de Moro como parceiro preferencial do presidente. O ministro Dias Toffoli o faz também na condição de líder da legião de políticos e magistrados que, envoltos sob o véu da defesa do estado de direito, buscam um atalho para a procrastinação de processos da Lava Jato.

A frustrada transferência de Lula para o presídio de Tremembé foi um pedido da Polícia Federal de Moro atendido por uma juíza discípula de tudo o que emana de sua toga. Mas se Lula ainda é um troféu para as ambições do juiz militante, os novos aliados de Bolsonaro não o impedirão de continuar a disputar a liderança do antilulismo.

A ferocidade com a qual o governador João Dória aderiu à transferência mostra a resiliência do apelo antilulista. Ainda não apareceu outra maneira mais fácil de o presidente manter sua turma mobilizada senão continuar a disputar esse mercado. Ainda leva vantagem sobre os concorrentes, desde que seja capaz de manter, com a ajuda de seus novos aliados, Fabrício Queiroz de boca fechada por mais três anos e meio.
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O PT fez a lição de casa para se livrar da condição de refém do #LulaLivre com o lançamento de um plano emergencial de emprego e renda. Apresentou alternativas com cálculos de impacto fiscal na ponta do lápis. Sem afrontar o teto de gastos, propõe a emissão de debêntures lastreada nas reservas, o uso da parcela da União nos bônus do pré-sal e a reoneração de empresas para gerar 3 milhões de empregos em seis meses. Só não contava que, no mesmo dia, seria empurrado de volta ao confinamento de sua pauta com a decisão de Curitiba.

Divulgar corretamente é crucial - RAUL VELLOSO

ESTADÃO - 08/08

São elogiáveis os esforços por parte do governo em relação à divulgação das atualizações dos impactos das diferentes versões da reforma da Previdência


O "x" da questão fiscal no Brasil, todos sabem, se chama previdência. Nesse sentido, são elogiáveis os esforços por parte do governo em relação à divulgação das atualizações dos impactos das diferentes versões do projeto em meio à sua tramitação, bem como a criação de uma página-web (Transparência Nova Previdência) em que disponibiliza um vasto material com notas metodológicas dos modelos utilizados e memórias de cálculo das projeções.

A avaliação dos impactos fiscais da alteração de regras previdenciárias não costuma ser tarefa simples, tendo em vista a quantidade e a complexidade dessas regras, bem como a necessidade de incorporação de fatores demográficos, atuariais e econômicos. Nesse sentido, é esperado que existam discrepâncias entre números de diferentes instituições, decorrentes da utilização de modelos distintos ou até mesmo de variações em relação aos parâmetros econômicos e atuariais escolhidos.

No caso dos modelos de projeção utilizados pelo governo, sabe-se que esses consistem em instrumentos desenvolvidos conjuntamente por diversos órgãos e seguem metodologias atuariais alinhadas àquelas utilizadas por organismos internacionais, como Banco Mundial, Organização Internacional do Trabalho e Banco Interamericano de Desenvolvimento. Os resultados gerados são amplamente publicados em avaliações atuariais do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) da União e encaminhados ao Congresso Nacional em meio às etapas do processo orçamentário. A última divulgação oficial dos números da nova Previdência aponta para uma economia total de R$ 933,5 bilhões em 10 anos.

Observa-se que os impactos, em termos absolutos, são mais concentrados no RGPS (R$ 654,7 bilhões) do que no RPPS da União (R$ 159,8 bilhões), o que leva muitas vezes a uma conclusão equivocada de que os trabalhadores do setor privado seriam os mais afetados. o entanto, não é isso que ocorre. Num exercício simples, a divisão dos impactos pelo total de trabalhadores e beneficiários em cada regime revela que o trabalhador do setor privado arcaria com cerca de R$ 9.200, em média, enquanto o servidor público federal com cerca de R$ 114.100. Ou seja, os impactos são muito mais concentrados nos servidores, o que revela o enfoque redistributivo da reforma.

Em relação ao RGPS, o maior impacto é nas aposentadorias por tempo de contribuição (R$ 384,8 bilhões), resultante da necessária fixação de idade mínima nessa modalidade de aposentadoria. Tal medida é fundamental e afeta somente os indivíduos socialmente mais favorecidos (maior renda, formalidade, estabilidade e melhores condições de trabalho), que se aposentam precocemente hoje, aos 55/52 anos (homens/mulheres), em média, enquanto os indivíduos mais pobres se aposentam bem mais tarde, com 65,5/61,5 anos, em média.

Em relação aos impactos sobre os servidores federais, o maior é sobre as aposentadorias (R$ 103,2 bilhões), decorrente principalmente da imposição de maiores restrições para que os servidores públicos mais antigos (que ingressaram até 2003) consigam se aposentar com valor igual ao do último salário, possibilidade essa que inexiste para os trabalhadores do setor privado.

Outro impacto importante refere-se às mudanças nas regras de pensão por morte (R$ 139,3 bilhões), benefício que possui despesa muito elevada quando comparada internacionalmente: o Brasil é o país que mais gasta com pensões, em porcentual do PIB. Além desse, cerca de R$ 76,4 bilhões do total advêm de mudanças no abono salarial, que permitirão maior focalização da transferência de renda nos mais pobres.

A equipe de Rogério Marinho, responsável pela área no Ministério da Economia, é formada por servidores públicos de carreira, conhecidos e respeitados. Nenhuma outra instituição hoje tem dados tão robustos quanto eles. Concluo lembrando que o secretário de Previdência, Leonardo Rolim, conhecido pelo seu zelo com números e projeções, já entregou o cargo em um governo passado justamente por não aceitar divulgar estimativas infladas. Que todos continuem assim, pelo bem do País.

CONSULTOR ECONÔMICO

Contenha o entusiasmo - ZEINA LATIF

O Estado de S.Paulo - 08/08

O BC parece esperar demais da reforma; é preciso lembrar que o risco fiscal seguirá elevado



Uma das mais importantes políticas públicas nos países é a Previdência Social. E é natural que assim o seja. Aposentadoria é assunto sério demais para dispensar a ação estatal. Os seres humanos nem sempre são racionais, sendo suas escolhas também baseadas em fatores subjetivos, como o valor dado ao status social. Assim, os indivíduos podem escolher consumir bastante hoje e não poupar para a aposentadoria. O resultado seria a pobreza na velhice. Esse é um problema enfrentado pelo Japão, onde as regras previdenciárias são muito restritivas.

Por outro lado, a Previdência pública pode se tornar um desincentivo à poupança dos indivíduos, por conta de renda previdenciária (valor presente da soma dos benefícios descontada a contribuição) elevada. Além de deprimir a poupança privada, reduz a poupança do governo, devido ao peso dos gastos com aposentadorias e pensões no orçamento público.

O impacto da aposentadoria na poupança privada não é um assunto bem estabelecido na literatura econômica, nem mesmo nos modelos teóricos. Um problema central é que nem toda poupança dos indivíduos visa ao consumo na velhice, decorrendo também de fatores como as limitações para acesso ao crédito (indivíduos poupam para adquirir bens ou pagar a educação dos filhos), a insegurança sobre o recebimento da aposentadoria pública no futuro e o desejo de deixar herança.

As evidências empíricas tampouco são conclusivas, sendo que os diferentes regimes previdenciários nos países dificultam identificar de forma robusta a direção e a magnitude do impacto.

No Brasil, é bastante provável que a Previdência reduza a poupança dos indivíduos, por ser muito generosa. A taxa de reposição é elevada e destoa da experiência mundial. Segundo Paulo Tafner e Pedro Fernando Nery, as aposentadorias equivalem a 70% do salário para aqueles com salários elevados e 85% para os salários menores. Esse quadro decorre, principalmente, da vinculação dos benefícios ao salário mínimo, que por sua vez teve importante valorização desde a gestão FHC.

Ocorre que a reforma da Previdência, provavelmente, não vai alterar sensivelmente esse quadro, pois boa parcela da sociedade, justamente a que poupa menos, não será afetada. Segundo Nery, 60% da população será preservada, o que inclui trabalhadores rurais, idosos no Benefício de Prestação Continuada (BPC), servidores públicos estaduais e municipais. Além disso, o economista aponta que trabalhadores urbanos mais pobres continuarão conseguindo 100% de reposição na aposentadoria, mesmo com o tempo mínimo de contribuição de 15 anos.

Em relação à poupança do governo, esta não se elevará tão cedo. Pelo menos não neste mandato presidencial. Isso porque, por alguns anos, os gastos da União com a Previdência vão apenas se estabilizar como proporção do PIB. Os gastos totais provavelmente aumentarão, pois Estados e municípios não foram contemplados na reforma e terão de fazer as próprias reformas caso não avance essa discussão no Congresso.

Fosse a reforma mais ambiciosa, tal que os gastos previdenciários como proporção do PIB convergissem para patamares mundiais, levando em conta a demografia, talvez fosse possível elevar a poupança na economia. Samuel Pessôa e Carlos Eduardo Gonçalves calculam que, nessa situação, a taxa de poupança seria 5 pontos porcentuais maior em relação ao patamar atual. Não é o caso dessa reforma.

Talvez seja precipitada, portanto, a avaliação do Banco Central de que a reforma da Previdência vai gerar um aumento da taxa de poupança e a consequente redução da taxa de juros estrutural (aquela que mantém a inflação estável). Apesar de corretamente pontuar a contribuição do menor risco fiscal para a queda da taxa de juros estrutural – sem a reforma o crescimento dos gastos e da dívida pública seria explosivo –, o BC parece esperar demais da reforma.

Há razões para celebrar, mas sem perder de vista que o risco fiscal seguirá muito elevado.


Economista-chefe da XP investimentos

Falsa esperança - WILLIAM WAACK

O Estado de S.Paulo - 08/08

Depois da reforma da Previdência, aumentou ainda mais a necessidade de base no Congresso



Todo mundo com razoável ideia do que precisa acontecer para a economia brasileira sair da estagnação repete que a reforma da Previdência é necessária, mas não suficiente. Com ela quase aprovada, cresce em vários setores a esperança na repetição do quadro que, mesmo aos trancos e barrancos, mesmo sem base sólida do governo no Congresso, acabou conduzindo à tramitação no Legislativo de medida impopular de ajuste fiscal.

A lista represada do que se pretende aprovar é imensa. Apenas no que se refere diretamente à atividade econômica, começa com a reforma tributária, prossegue pela MP da liberdade econômica (vai caducar dia 27), passa pelo programa de parceria de investimentos, recuperação fiscal dos Estados, autonomia do Banco Central, cobrança de dívidas previdenciárias, marco legal do saneamento. Para não falar em itens como posse de armas de fogo, educação infantil em casa, cadastro ambiental rural, pacote anticrime, previdência militar...

Tudo isso está no colo do Legislativo ao mesmo tempo em que os deputados terão de estabelecer neste mês as linhas para o orçamento do ano que vem. É a hora na qual suas excelências costumam pedir, por exemplo, mais recursos federais para empresas públicas regionais em que elas mantêm grande influência, ou namoram furar o teto de gastos públicos aprovado por Temer para permitir investimentos – coisa que não deixa de ter seu encanto quando um governo acha que terá de voltar a gastar (Bolsonaro vai chegar logo a essa situação). Eventuais atrasos na aprovação da reforma da Previdência empurram para adiante algumas destas medidas acima, ou todas elas.

O grau de complexidade dessas diversas negociações é altíssimo. Tome-se por exemplo a reforma mais desejada do momento, a tributária. Ela envolve todos os entes da Federação. Em princípio os Estados concordam em unificar cinco diferentes impostos em um só, contanto que haja mecanismos de compensação para os que vão perder arrecadação com a simplificação de tributos (haja negociação). Quem vai fixar as alíquotas? A proposta que mais avançou no Legislativo é conhecida como PEC 45, mas o Executivo anunciou que viria com outro projeto. Qualquer que seja, sem uma bem organizada e disciplinada coligação política (isto é mais ainda do que base no Congresso) vai ser muito árduo superar a inevitável oposição de setores que se sentirão mais atingidos pela nova tributação.

Em outras palavras, e levando em consideração o ambicioso conjunto de nova tributação, as privatizações, a desregulamentação e os novos marcos legais – a tal melhoria do péssimo ambiente de negócios no Brasil – cresceu exponencialmente a necessidade do governo de buscar uma base eficaz e sólida no Congresso. Tarefa à qual se dedicou até aqui de maneira errática, para se dizer o mínimo, ou mesmo desprezou.

Porém, pergunta-se, se mesmo sem essa base, vai sair a reforma da Previdência, não é razoável a esperança de que o mesmo quadro atual permita a tramitação de todo o resto? Dificilmente, por um motivo político simples. Os deputados votaram na reforma da Previdência e decidiram enfrentar eventuais protestos (que não ocorreram) em suas bases eleitorais motivados em grande parte pelo medo de uma crise econômica ainda maior. O tamanho da bomba fiscal e seu potencial de destruição foram poderoso incentivo.

É diferente a classe de incentivos necessários agora para se dedicar à agenda do aumento da produtividade e da competitividade – aquela que o Brasil tem de implementar já, e sem a qual não foge da armadilha da renda média da qual é prisioneiro há três décadas pelo menos. Neste momento, o fator-chave é uma bem organizada, conduzida, coordenada e aguerrida sólida base de votações no Congresso. Quando ela vai existir?