domingo, janeiro 23, 2011

FERREIRA GULLAR

Cantando pela serra do luar
FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SÃO PAULO - 23/01/11

E me pergunto, quando escrevo esta crônica, de que afinal somos feitos, se de matéria ou de memória


NA ABERTURA da exposição comemorativa de meus 80 anos, no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, fui surpreendido por um coral de jovens estudantes que, postado na escadaria, à entrada do museu, começou a cantar "O Trenzinho do Caipira". Após o primeiro momento de espanto, passei a cantar com eles, baixinho, claro, pois não desejava ser ouvido; é que não resisti ao impulso de participar daquele momento.
Não havia ali, a meu ver, um homenageado e, sim, uma encantada confraternização.
Mas, por incrível que pareça, enquanto cantava e me confundia com as demais pessoas ali presentes, veio-me uma constatação: a do contraste entre aquele momento e o outro, distante 40 anos, quando pus letra na tocata da "Bachiana nº 2", de Villa-Lobos.
Muita gente conhece a história do "Poema Sujo", escrito por mim em Buenos Aires, em 1975, mas o que constatei, de súbito, nesse momento de confraternização, foi o contraste entre a alegria de agora e o desamparo em que me encontrava naquele apartamento da avenida Honorio Pueyrredón, certo de que o mundo desabava sobre minha cabeça.
Não pretendo me valer desse pretexto para falar de mim mesmo ou do "Poema Sujo", de que a letra do "Trenzinho" é parte. Não é isso. A surpresa me arrebatou, ali, à entrada do museu, diante daqueles meninos e meninas que o cantavam, reacendendo, inesperadamente, em mim, a manhã de maio de 1975, quando, como quem faz a última coisa possível, escrevia aquele poema que, mal sabia eu, iria tornar-se o mais conhecido e traduzido dentre os tantos que escrevi na vida.
Assim foi que, subitamente, estou de volta àquele momento. Estou desgastado e ferido pelos anos de exílio, pelas perdas, pelas decepções e derrotas. A família, os amigos, o Rio de Janeiro, com suas praias e montanhas lilases, estão fora de meu alcance, e não me conformo com isso. É que, então, ali, era apenas um poeta às voltas com um poema que inventava -a única alegria possível.
Agora, em 2010, diante do coral, no hall de entrada do MNBA, o tempo se abre como um abismo e me suga e me atira, outra vez, para 40 anos atrás, naquele instante esvaído no curso da vida, mas que a cantiga do coral me traz de volta, sem que ninguém ali o perceba, cantando que estão ou encantados com o canto, senão eu que, não obstante, continuo a cantar com eles.
O presente é canto vibrante mas, dentro dele, estou eu-outrora, diante da máquina de escrever Lettera 22, inventando o "Poema Sujo". E é nesse momento do poema, quando lembro das viagens de trem que fazia com meu pai, que a "Bachiana nº 2" invade o quarto (a "Bachiana" que, quando ouvi pela primeira vez, me fez lembrar daquelas viagens e que agora, ao contrário, vem trazida pela lembrança delas). E a letra que, durante 20 anos, tentara escrever, sem o conseguir, escrevo-a então em menos de 20 minutos:
"Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar."
A mesma letra que ouço agora na voz dos garotos, nesse começo de noite em dezembro de 2010. Sim, a mesma, mas outra, pois a que ouvia, escrevendo-a, era quase silêncio, murmúrio que se juntava à melodia de Villa-Lobos tocando na vitrola. E me pergunto, agora, quando escrevo esta crônica, de que afinal somos feitos, se de matéria ou de memória. Mas, veja bem, memória não é passado? Ou não é? Tendo a pensar, fora da lógica aparente, que tudo é presente, todo o vivido, só que, em geral, estamos ocupados demais com o agora para nos darmos conta disso.
De qualquer modo, não poderia nunca imaginar, naquela manhã distante, que aquele murmúrio se tornaria canção, que aqueles versos um dia seriam um canto público na voz de meninos e meninas do meu país, décadas depois, numa noite de alegria e comemoração, quando o que foi sofrimento e desespero se apagou para sempre, pois a própria vida, na sua alquimia, os mudou em festa.
"Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Cantando vai pela terra, vai pela serra, vai pelo mar."

GOSTOSA

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Mercado de seguros contra desastres naturais ainda é pequeno no Brasil
MARIA CRISTINA FRIAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 23/01/11

A tragédia na região serrana do Rio ilustra a falta de cultura de compra de seguro no país, tanto pelos governos como por pessoas físicas.
Apenas cerca de 10% dos domicílios no país são segurados, segundo empresas do setor. Por parte dos Estados, além de patrimônios, não se fazem contratos de seguros para cobrir extensas áreas.
Os recentes deslizamentos devem contribuir para o aumento da demanda.
"Não há no Brasil o conceito de governos contratarem seguro para catástrofes por mudanças climáticas, até porque o país não tem históricos de eventos como furacões, ciclones e terremotos", diz Marcelo Elias, da Marsh.
Já há no Brasil multinacionais que fora do país atuam com modelos de apólices para esse tipo de cobertura, de acordo com Elias. Mas, para vender aqui, os valores seriam adaptados à realidade brasileira.
"Os estudos levam em consideração o risco e o potencial de gravidade. Uma coisa é um evento desses na Austrália, com um governo que prevê e alerta a população, outra coisa é aqui."
Rolf Steiner e Nikhil Victoria Lobo, executivos da Swiss Re, citam casos em que a empresa atuou para a cobertura de desastres naturais com a participação de governos no México, no Haiti por governos do Caribe, e nos Estados Unidos, no Alabama.
Os recursos podem ser investidos em custos emergenciais, socorros, reconstrução e infraestrutura.

Sinistros ficam abaixo do esperado

As seguradoras prepararam esquema especial para vítimas das chuvas no Rio de Janeiro, mas o registro de sinistros está abaixo do esperado, segundo as empresas.
"A soma de sinistros não é tão grande, pois há locais sem luz", diz Edison Kinoshita, diretor da SulAmérica .
"As pessoas ainda não se mobilizaram para fazer os pedidos", afirma Ney Dias, diretor da Itaú Seguros, que disponibilizou telefone exclusivo para seus clientes.
Em Nova Friburgo, os guinchos da Porto Seguro recolhem todos os carros sob escombros, porque não dá para identificar quais são segurados, segundo o superintendente Milton Oliveira.
A Allianz repetiu a ação adotada nas enchentes em Blumenau (SC), em 2008, e renovou até 27 de janeiro os contratos que acabavam a partir do último dia 12.
"Clientes e corretores podem ter perdido documentos", explica o diretor-executivo de sinistros, Laur Diuri.
A empresa enviou despachantes para a região serrana, assim como a Bradesco Seguros, para ajudar clientes a obter novos documentos.

TOP MODEL DE NEGÓCIOS
A primeira edição do Salãocasamoda de 2011 acontecerá simultaneamente ao São Paulo Fashion Week, a partir de 27 deste mês.
A escolha de uma outra data não faria sentido, segundo o sócio-curador do evento, Amir Slama.
"SPFW é o grande organizador do calendário da moda no Brasil por ser um divisor de águas", diz Slama.
A expectativa dos organizadores é que as vendas cheguem a R$ 60 milhões.
"Os salões começam a ser destaque comercial no país, como acontece no exterior. Isso mostra amadurecimento do setor", diz Slama.
Na época do SPFW, muitos lojistas viajam para São Paulo, mas não veem desfiles, pois o que importa para eles é mexer nas roupas, segundo o sócio-curador.

Marcos Bicudo, presidente da Philips
O executivo lê "Cristianismo Puro e Simples" (ed. WMF, 336 págs.), do escritor C. S. Lewis.
A obra reúne uma série de palestras dadas pelo autor no rádio durante a Segunda Guerra Mundial.

boa aparência

As companhias estão cada vez mais preocupadas em harmonizar a imagem dos colaboradores com a da empresa. Algumas recorrem a consultorias, outras, como as do setor aéreo, distribuem guias de identidade visual.
"Fazemos um estudo da imagem. Desde o uniforme ao cuidado com a pele, maquiagem, penteado e acessórios", diz Maria Paulina Kwasniewski, responsável pelo centro técnico da Payot.
O grupo Fleury tem há anos parceria com a Payot. "Queremos que o cliente perceba que a empresa tem preocupação com o bem-estar da aparência física", afirma Rita Braghetti, responsável pela Universidade Corporativa Fleury.
Os homens não ficam de fora. Para ajudá-los no dia a dia, são orientados cabelos curtos e barba feita diariamente. Eles aprendem três nós de gravata.
"A imagem da empresa fica mais homogênea, dá equilíbrio", diz Kwasniewski.

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

A ameaça inflacionária é maior do que parece
José Roberto Mendonça de Barros
O ESTADO DE SÃO PAULO - 23/01/11

Pretendia iniciar o ano falando do crescimento de longo prazo. Entretanto, a elevação da taxa Selic, decidida pelo novo Copom, bem como os números da inflação de 2010 e das expectativas para o ano corrente me levam a tratar deste assunto.

Desde julho passado tenho mantido um cenário bastante diverso daquele exposto pelo BC e pelo Ministério da Fazenda. As autoridades, frente às elevações da inflação, sempre mantiveram o discurso de que o fenômeno era temporário e que a alta dos preços convergiria, com certa facilidade, para a meta, em virtude dos seguintes fatores: (i) as elevações dos preços de commodities eram choques de oferta que não contaminariam a inflação e seriam naturalmente reduzidas quando a produção se elevasse; (ii) o mundo estaria vivendo uma tendência deflacionária que ajudaria a esfriar as coisas no Brasil; e (iii) a economia brasileira estaria desaquecendo, havendo inclusive folga de capacidade produtiva e que importações facilitadas pelo dólar barato e os novos investimentos resultariam no equilíbrio entre oferta e demanda.

Como resultado, não só não haveria necessidade de se elevar os juros, como seria possível reduzi-los em algum momento de 2011.

Discordei e continuo a discordar de todos estes pontos.

Comecemos com as commodities. Em muitos anos de trabalho, confesso que nunca vi tantos problemas climáticos de diferentes naturezas (seca e chuva, calor e frio) afetando todas as principais culturas (exceto arroz) no mundo todo por prazo tão longo. Ainda hoje temos a seca na Argentina e as inundações na Austrália.

Problemas de produção, baixos estoques e forte demanda de alimentos trouxeram as cotações para níveis semelhantes aos prevalecentes antes da crise. Por tabela, até as cotações do aço foram afetadas pela recente inundação das minas de carvão metalúrgico na Austrália. Está ficando claro que os constantes problemas climáticos resultam do processo de aquecimento global do planeta, que elevam a ocorrência de eventos extremos. Neste caso, os choques de oferta serão muito mais frequentes e seus efeitos secundários sobre a inflação, piores, dada a combinação destes eventos com uma demanda global crescente e baixos estoques no mundo.

Há muito mais fundamento nestas questões do que apenas especulação.

Tendência deflacionária no mundo: já não se fala mais nisso. Ao contrário, a inflação é a grande preocupação nos emergentes e começa a incomodar o mundo rico, até no norte da Europa e o BCE (Banco Central Europeu). Ademais, está cada dia mais claro que a economia americana consolida uma recuperação mais forte; o Fed projeta crescimento de 3% a 3,6% que, na visão da MB, pode chegar a 4%.

Tratei recorrentemente destes assuntos neste espaço: ainda no dia 6 de agosto, escrevi que "o país segue ganhando termos de troca com a valorização das commodities" e que "não existe vento frio vindo do exterior".

Logo depois, no dia 20 de agosto, na coluna "Existe uma desaceleração na economia brasileira?", argumentei que as autoridades estavam confundindo uma certa estabilidade da produção local com desaquecimento, quando na verdade o que ocorria (e ainda ocorre) é uma explosão das importações para atender a uma demanda que crescia a mais de 10%.

Assim, o excesso de aquecimento foi mantido pelo ciclo fiscal eleitoral (que não será facilmente revertido) e pelo mercado de trabalho, resultando numa inflação no custo de vida de quase 6% em 2010. O IGP-M subiu, por sua vez, quase 12%.

Assim chegamos a janeiro. E daqui para frente?

Nossa inflação está muito mais para testar o topo da meta do que caminhar na direção do seu centro neste momento, mesmo após o movimento do Banco Central de elevar os juros em 50 pontos básicos na reunião realizada na quarta-feira passada.

Vejamos primeiro as commodities: como já mencionado, o La Niña ainda está ativo, afetando Argentina e Austrália. Mesmo com os esforços da China para conter a inflação, a demanda de alimentos vai continuar forte, dada a evolução dos salários naquele país. Se considerarmos que a demanda brasileira também continuará forte e que os estoques seguem com níveis baixos, resulta que os preços de alimentação dificilmente se elevarão menos que os 10% observados no ano passado, tal como apontado pelo excelente Luiz Roberto Cunha. Os preços dos metais também estão muito salgados. Finalmente, com a recuperação americana a demanda de petróleo vai crescer (os EUA ainda consomem mais de 20% do total mundial) e o seu preço deve varar facilmente os US$ 100, inclusive pelas dificuldades de elevação da produção global no curto prazo. Em resumo, alimentos, metais e petróleo continuarão incomodando.

Em segundo lugar, nosso mercado de trabalho está muito forte, o que pressiona os preços de serviços, que se elevaram 7,6% em 2010. A falta de mão de obra está atrasando a produção de vários itens (como imóveis) apesar de se pagar salários mais elevados. O mercado está tão apertado que mesmo um crescimento do PIB mais modesto em 2011, perto de 4,5%, manterá os preços dos serviços acima do topo da meta. Finalmente, contratos regulados pelo IGP-M, terão reajustes muito elevados. Em resumo, até o fim do primeiro semestre a inflação anual vai subir antes de cair.

O pior é que começo a ver ligeiros sinais de inflação gregoriana. Manifestações recorrentes de empresários relatam que em 2010 o problema não foi vender, mas entregar. Para tanto, todos os esforços foram direcionados para resolver este gargalo, mesmo que isso implicasse em custos maiores, algum atraso, qualidade eventualmente menor e margens mais estreitas. Iniciado um novo ano muita gente está revendo sua estrutura de custos e reposicionando produtos com novos preços. Isto é grave porque ao contrário do período pós 2005 inúmeros agentes não veem mais o centro da meta como o normal da inflação, mas sim algo maior. Uma indicação quantitativa deste fato está na expectativa dos agentes de mercado para a inflação de 2011. Esta encontra-se em 5,40%, ao contrário do que ocorre desde 2005, quando a expectativa do início do ano era muito próxima do centro da meta.

Este cenário de inflação só será devidamente enfrentado se a política monetária for complementada por um ajuste fiscal significativo, tal como prometido pelo governo. Só o futuro dirá o que de fato ocorrerá na área do gasto. Acredito ser muito pouco provável a ocorrência de um ajuste de envergadura, por várias razões. Como não tenho espaço suficiente para uma análise mais detalhada deste tópico, apenas aponto suas linhas gerais: a conta de pessoal seguirá aumentando por conta de compromissos anteriores, de contratações em curso e pela elevada probabilidade de aprovação de algum dos diversos projetos em andamento no Congresso, como o caso do Judiciário. Ademais, dos R$ 40 bilhões anunciados, pelo menos R$ 23 bilhões são gastos que o Congresso acrescentou ao orçamento sem nenhuma contrapartida de arrecadação. O próprio governo anuncia que não cortará os gastos de investimento. Finalmente, a conta de restos a pagar se elevou para a bagatela de R$ 137 bilhões contra algo como R$ 90 bilhões no ano passado, uma variação maior que o anunciado corte. Como me colocou Fernando Rezende, os restos a pagar viraram uma espécie de dívida flutuante não consolidada, cuja execução não tem qualquer restrição legal.

Encaminhar a inflação para o centro da meta e ancorar as expectativas vai dar muito mais trabalho do que parece.

José Roberto Mendonça de Barros é economista.

GOSTOSA

SUELY CALDAS

A opção de Dilma pelo varejo 
Suely Caldas
O ESTADO DE SÃO PAULO - 23/01/11

Tem lógica a estratégia pragmática, que Dilma Rousseff parece decidida a seguir, de priorizar o envio ao Congresso de medidas pontuais em substituição a grandes projetos. A experiência dos últimos 16 anos de tramitação de reformas e projetos abrangentes na Casa funcionou na gestão de FHC, mas se esgotou com o tempo e Lula tratou de liquidá-la ao institucionalizar o método toma lá dá cá de saciar o inesgotável apetite de parlamentares oportunistas e aproveitadores para aprovar qualquer coisa. Dilma quer trocar o atacado pelo varejo, de preferência sem muito alarde.

Segundo assessores, ela avalia que a aprovação de grandes projetos envolve custos políticos bem maiores do que os benefícios gerados. Por isso prefere fragmentar, identificar carências pontuais, definir prioridades e seguir passo a passo, em vez de tentar aprovar tudo de uma só vez, arriscando multiplicar a ação de lobbies e de seus sócios parlamentares, prolongar indefinidamente a tramitação e transformar as reformas em monstrengos inúteis. Foi o que aconteceu com as reformas da Previdência de Lula, até hoje não implementada, e a tributária, abandonada. A estratégia do varejo teria também a vantagem de aprovar por lei ordinária e maioria simples matérias relacionadas às reformas, mas que não necessariamente mudam a Constituição, dispensando a maioria de três quintos na votação.

Há lógica no pragmatismo de Dilma. Afinal, ela passou quatro anos assistindo a morrerem projetos de que o País precisa para se modernizar, reduzir o custo da produção e dar eficiência e agilidade ao desenvolvimento. Agora que chegou à Presidência, ela tem pressa, não quer repetir a experiência fracassada. Mas será que seu método vale para tudo? Há contraindicações?

Primeiro, se quer alcançar seu objetivo, Dilma não pode repetir o que foi o mais primário, amador, rasteiro e maior erro político do governo Lula: o mensalão, a propina, a mesada para subornar e domesticar parlamentares. Por ter sido no início do primeiro mandato, o caso e seus desdobramentos inviabilizaram reformas nos oito anos de Lula. A previdenciária não avançou, dependia de regulamentação, e a sindical e a trabalhista morreram nas mãos de Osvaldo Bargas, um sindicalista amigo de Lula, flagrado entre os aloprados. O pouco que restou da tributária não tinha a menor chance de passar no Congresso sem ser ainda mais mutilado. E a política nem sequer foi cogitada. Para aprovar qualquer matéria de porte no Congresso, Lula aceitou a chantagem, a barganha de votos e viciou parlamentares a usar o poder de legislar para levar vantagem e rejeitar outro tipo de convívio.

Mais do que um crime contra o erário, o caso representou um método condenável de cooptar o Congresso que fracassou, mas seu pior legado foi o enorme retrocesso político-institucional.

Para inverter esse retrocesso, contestar esse método, Dilma deve ser dura, firme, decidida e inabalável. É o necessário e o que o País espera de uma mulher na Presidência. Pressões e chantagens virão e ela precisa responder à altura, mostrar que está disposta a não ceder em defesa do interesse público.

Quanto ao método do varejo, da fragmentação de grandes projetos, é uma estratégia que deve ser testada, mas com cuidado, pois há contraindicações, sim. E a maior delas é o risco de montar estruturas para conceber projetos que atraiam lobbies (nesse caso, estendido a ministros e funcionários do alto escalão), que desviem o foco do bem comum para atender a interesses privados. Como ocorreu com as câmaras setoriais, em que grupos de funcionários, sindicalistas e empresários decidiam bondades tributárias e fiscais para si em detrimento do interesse público.

Nesses primeiros dias de governo, Dilma tem marcado sua diferença em relação a Lula. Por enquanto mais em estilo e discurso do que em ações. O adiamento da compra de 36 aviões de caça para a FAB foi além do discurso. Se seguir essa linha na relação com o Congresso e nas nomeações do segundo escalão, a diferença vai provar que ela realmente optou pelo País.

ELIANE CANTANHÊDE

Obedece quem tem juízo

ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SÃO PAULO - 23/01/11
BRASÍLIA - Apesar de Dilma Rousseff e Nelson Jobim terem acertado os ponteiros e estarem dialogando fluidamente, a posição de Jobim no governo já foi bem mais confortável -quando o presidente era Lula.
Jobim encontrou a Defesa em polvorosa, numa bagunça indescritível. Trocou uns chefes, enquadrou outros, arrumou a casa. É considerado o primeiro ministro da Defesa de fato na história deste país.
Para tanto, Jobim pediu e obteve carta branca de Lula, que gosta de empurrar decisões e abacaxis com a barriga e adorou jogar os militares para no colo do ministro.
Assim, Jobim tratou as Forças Armadas como um feudo seu. Criou a Estratégia Nacional de Defesa, definiu programas bilionários para Marinha, Aeronáutica e Exército -nesta ordem- e reformulou toda a organização militar para reforçar a posição do... próprio ministro.
Ocorre que Lula é Lula, e Dilma é Dilma. Ela tem uma lealdade canina -ou seria feminina?- ao ex-chefe e mentor, mas tem lá seu estilo, seu gosto pela gestão e pelo poder. Se Lula permitia e até agradecia a existência de feudos, especialmente o da Defesa, com a nova presidente não funciona assim. Ela quer saber tudo, acompanhar tudo, cobrar tudo, ter certeza do que está decidindo e assinando.
Trocando a metáfora: Jobim cantava de galo na área militar; agora não canta mais. Ele queria comprar os caças da FAB no governo Lula, mas Dilma vetou. Disse que seria em janeiro, mas Dilma adiou. Fez seu próprio parecer, mas Dilma quis ver o da FAB. Tentou continuar sendo o único interlocutor do presidente na sua área, mas Dilma abriu as portas para conversas a sós com os comandantes.
A comunicação da presidente com seu ministro vai bem, até porque ela, apesar de nascida em Minas, fala gauchês tão bem quanto Jobim. Mas ficou claro que ele não decide mais sozinho. Agora, quem manda é ela. Manda quem pode, obedece quem tem juízo.

GOSTOSA

JOSÉ SIMÃO

Ueba! É o "Insensato Linguição"!
 José Simão
FOLHA DE SÃO PAULO - 23/01/11

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
Manchete do Sensacionalista: "Após marcar reunião às sextas e proibir celulares, Dilma vai fiscalizar se ministros estão escovando os dentes após as refeições". Rarará! Abra a boca! Usou fio dental?
E diz que tem nova exigência: os ministros terão que transar com as suas mulheres (as dos outros não vale) uma vez por semana.
Os que não forem casados com as ministras dela. Aí é uma vez na vida. E OUTRA NA MORTE! Rarará!
E todo janeiro é a mesma coisa: ou é "BBB" ou é tragédia. Dá no mesmo! O grande babado da semana: a trans foi eliminada. Cortaram a operada. Ex-homem e ex-"BBB"!
E sabe por que a trans resolveu virar mulher? Porque tava sem saco pra ser homem. Ai, que saco ser homem. PAF! Corta!
E ela jogou o pingolim fora? Tem muita gente interessada no implante do pênis da mulata. Rarará! Ela foi a única "BBB" que entrou e saiu da casa SEM A MALA!
E um leitor não gostou do nome da trans. Diz que parece nome de vítima de homicídio no Datena. Rarará!
E um cara no Twitter disse que pior que ser eliminado é encontrar com toda a família vestida com camiseta com a sua foto.
E o Bial? O Bial pagou pau pra operada! Surtou! Entrou em delírio! Com aqueles textos chineses de cabeça pra baixo. Eu acho que vou dar um tiro de calmante no Bial, daqueles que bota elefante pra dormir no Discovery! Mas ele tá apresentando o "BBB" há dez anos. Qualquer um fica tantã!
E estreou novela nova na Grobo! "Insensato Coração"! Ops, Insensaco Coração! A Tia Celina virou Odete Roithman, o Fagundes é o mesmo empresário de "Tempos Modernos", a Natália do Valle é a mesma mãe de "Viver a Vida" e a Deborah Secco é a mesma periguete de todas as novelas. E com aquela míni míni minissaia que bate no umbigo. Parece abajur de perereca. Deborah Secco veste abajur de perereca!
E do jeito que o Lázaro Ramos tá derrubando todas, a novela devia se chamar "Insensato Chourição". "Insensato Linguição". Rarará!
E os chatos reclamam que novela da Globo tem muita cena de sexo. Então eu não dou sorte, porque toda vez que ligo na novela eles estão no celular! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

ILIMAR FRANCO

Recado aos candidatos
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 23/01/11

Os senadores petistas José Pimentel (CE) e Marta Suplicy (SP), que disputam a primeira vice-presidência do Senado, foram avisados de que a função é uma “tarefa partidária” e que o cargo não poderá ser usado para fazer “pose para a opinião pública”. Ocorre que o primeiro vice comanda muitas sessões da Casa e, na ótica da direção do PT, pode ter de adotar posturas impopulares. Argumentam que a oposição soube usar o posto e lembram que o ex-senador tucano Marconi Perillo (governador de Goiás), presidindo uma sessão, como primeiro vice, criou a CPI da Petrobras. Um petista no cargo teria que manobrar para evitar.

Ar irrespirável no PSB
Os governadores Eduardo Campos (PE) e Cid Gomes (CE), ambos do PSB, estão em pé de guerra. Nessa linha, Cid tem dito que seu único compromisso para 2014 é eleger o irmão Ciro Gomes senador. A aspiração de Campos é ser candidato a presidente da República. Como Ciro transferiu seu título de volta para o Ceará, Cid diz que está disposto a renunciar ao governo para o irmão poder concorrer. A legislação eleitoral impede a candidatura de parentes até segundo grau.

Sobrando
Ao deixar o PV, o projeto político do ex-ministro da Cultura Juca Ferreira era ir para o PT, mas o clima azedou. Quando não foi confirmado no ministério, Juca esperava assumir a Secretaria de Cultura da Bahia, o que não ocorreu. 

Bola fora
Irritação no governo com o ministro Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia), por ter dito que o sistema de alerta de catástrofes só ficará pronto em quatro anos. Nos lugares críticos, o governo quer tudo funcionando em um ano.

Eu virei uma agência de empregos. E como não quero falar sobre isso, estou fugindo de todo mundo” — José Eduardo Dutra, presidente do PT 

O Brasil e a emissão de CO2

Entidades ambientalistas que atuam no país veem três riscos para as metas brasileiras de redução das emissões de gases estufa, mais especificamente quanto à redução do desmatamento: a tentativa de mudança do Código Florestal em curso no Congresso; obras do PAC sem salvaguardas ambientais, como o asfaltamento de rodovias na região amazônica; e o aumento da demanda por grãos e carne pela China, o que aumenta a pressão sobre áreas da floresta. 

Foi Dilma

O ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) negociou a saída do secretário Pedro Abramovay por determinação da presidente Dilma Rousseff. No dia seguinte à entrevista em que este defendera penas alternativas para os pequenos traficantes, Dilma decidiu que ele estava fora do governo. O discurso foi considerado incompatível com a energia necessária para combater o tráfico, sobretudo depois de a TV exibir as cenas da fuga de traficantes da Vila Cruzeiro para o Alemão (RJ).

O FATO. O Parlamento Europeu tem 736 membros. Destes, 86 votaram a moção pela extradição de Cesare Battisti, sendo 83 a favor.

O PRESIDENTE da OAB, Ophir Cavalcante, entra nesta semana com ação no STF contra as pensões pagas a exgovernadores. Para Ophir, “as pensões para os ex-governadores reduzem a política a um pijama”.

IRRITAÇÃO no PMDB com os informes de que o governo Dilma fará uma varredura no setor elétrico, cujos cargos estariam dominados pelo partido. Dizem que 60% dos cargos no setor elétrico são do PT.

GOSTOSA

MÍRIAM LEITÃO

Alerta geral
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 23/01/11


Na noite que começou a grande chuva, o prefeito do Rio só dormiu quando foi informado que poderia se desmobilizar. Na cidade, dois mil agentes comunitários receberam um torpedo de que a tempestade vista pelo radar não cairia sobre a capital, tinha se afastado. Se todos os municípios do Brasil tivessem o mesmo sistema, a Região Serrana teria tido tempo de se preparar.

Os sinais do novo radar do Sumaré, a 400 metros de altura, podem ver muito além do Rio, mas o Sistema de Alerta que o Rio está acabando de implantar tem várias fases. Nada é simples; tudo é urgente. O ministro Aloizio Mercadante diz que o país precisa de mais 15 radares. Cada um custa US$1,5 milhão. Os radares são um passo. O outro é o levantamento geotécnico. O terceiro é o fortalecimento da Defesa Civil.

Preparar-se para grandes chuvas e deslizamentos num país continental, que continua acreditando estar livre das catástrofes que atormentam outros países, é o desafio. De fato, está livre de terremotos, vulcões, nevascas, mas 37 grandes eventos climáticos aconteceram no Brasil desde 2000, segundo a pesquisadora da Universidade de Louvain, em Bruxelas, Deborati Guha Sapir, ouvida por Alexei Barrinuevo do "New York Times".

A boa notícia é que o ministro da Ciência e Tecnologia parece convencido que essa é uma parte prioritária do seu trabalho. Os cientistas já vinham pensando nisso, já há estudos avançados sobre o assunto, mas Mercadante e Eduardo Paes mostraram, na entrevista que fiz com eles na Globonews, a convicção de que o item permanecerá na agenda, mesmo após a imprensa parar de falar na tragédia.

Na sexta-feira, os dois se encontraram no Rio para conhecer o moderno centro de operações que Paes vem implantando na cidade nos últimos meses.

- Esse sistema de alerta é a ponta final de um conjunto de ações. Primeiro, sofisticamos o Alerta Rio, que existe há 13 anos, quando compramos um radar próprio. O segundo passo foi montar um centro de operações moderno com meteorologistas, geólogos e Defesa Civil 24 horas por dia, sete dias por semana. O centro opera com um sistema da IBM de previsão de tempo de alta resolução. Antes disso, toda a cidade tinha sido mapeada geotecnicamente num trabalho sofisticado que envolveu até feixes de laser emitidos de helicópteros sobre as áreas montanhosas do Rio. Foi assim que chegamos à conclusão de que há 18 mil famílias em áreas de risco no Maciço da Tijuca - disse o prefeito.

O plano de alerta instalou pluviômetros por toda a cidade e treinou até agora dois mil agentes comunitários que recebem celulares para que possam receber e mandar informações para a central em caso de chuva forte. Mas são 117 comunidades. Na quinta-feira, houve o primeiro teste no Morro do Borel. Ainda há muita coisa a ser feita. Tanta, que o prefeito diz que sabe apenas que está no caminho certo, mas longe do final.

Mercadante tem a missão de olhar o Brasil todo. É aflitivo, porque estamos muito atrasados. O Sistema Nacional de Alerta e Prevenção de Desastres Naturais só pode começar a ser implantado em área que teve mapeamento geotécnico. E no Brasil apenas a Região Metropolitana de São Paulo, pelo IPT, a cidade do Rio, e o Vale do Itajaí foram mapeados.

- Precisamos fazer para o Brasil inteiro isso que o Rio fez. O litoral do Nordeste todo está exposto. Algumas cidades, como Fortaleza, já estão tendo chuvas intensas agora. No ano passado, uma forte inundação atingiu Pernambuco e Alagoas. Em São Paulo, no ano passado foram 79 mortos e 25 mil desabrigados - disse o ministro.

Alguns passos importantes foram dados. O governo comprou um supercomputador, o Tupã, que está no Inpe e vai melhorar em muito a precisão das previsões. Mas tudo tem que estar associado aos radares que precisam ser instalados, mesmo após a integração com a rede de radares da Aeronáutica. Ver com antecedência que uma grande chuva está vindo é uma parte do trabalho. Saber se cairá em áreas com risco de deslizamento e desabamento é outro. Ter um plano viável de evacuação é a terceira parte do desafio. Mas mais importante será corrigir a imensidão dos nossos erros na ocupação do solo urbano. Tudo está errado.

Sabemos isso desde sempre, confirmamos a cada verão que as escolhas que temos feito desequilibraram os sistemas naturais e colocaram milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade.

Esse início de 2011 é uma fratura exposta. Por muito tempo será. Os relatos de quem vai, de quem viu os primeiros momentos, e mesmo de quem chega agora, tantos dias depois, são dilacerantes. Lembram cenários de guerra. As histórias pessoais trágicas se acumulam diariamente nos registros da imprensa. Perdemos nessa grande chuva mil pessoas. Ou mais. Ainda se contam os mortos e se calculam as perdas.

Pela geografia da cidade do Rio e pela insensatez da ocupação descontrolada das encostas, a cidade já viu grandes tragédias. Como a de 1966. Naquela inundação, foi criada a Geo-Rio, que até hoje presta serviços e que tem um banco de dados importante.

Há possibilidades tecnológicas de mitigação dos efeitos de eventos extremos. A esperança de que essa tragédia crie a cultura da prevenção e a política de correção dos excessos pode ser vã, pode ser sonho de uma noite de verão. Mas como disse o "New York Times", o Brasil não é um país pobre, nem um país ao qual falte conhecimento e recursos, mesmo assim pareceu espantosamente despreparado para o que houve na Região Serrana. No Katrina, a nação mais rica do mundo também pareceu despreparada.

O Brasil está numa encruzilhada: ou acredita na urgência e escala a preparação, ou terá de se acostumar com tragédias cada vez piores.

ANCELMO GÓIS

Valei, São Longuinho
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 23/01/11

Do historiador Marco Villa, cansado do que chama de “silêncio da oposição” nesse início de governo Dilma: 
— Fiz uma promessa a São Longuinho, o santo que acha o que está perdido, para descobrir onde foi parar a oposição.

Segue...
Villa espera alcançar a graça nos próximos quatro anos. Faz sentido.

Procura espaço

A Fast Retailing (Uniqlo), maior rede de varejo de roupas do Japão, procura espaço para abrir a primeira loja no Brasil.

Mundo animal
Veja esta. Um brasileiro que trabalha na IBM criou uma rede social para... cachorros. Chama-se Pet Face. Confira em petuniverses.com.

Que time é teu?
A boate 00, na Gávea, uma das mais badaladas do Rio, decidiu proibir a entrada de gente com camisa de time de futebol. Alega que, volta e meia, saíam brigas entre torcedores rivais.

No mais

Veja como o preço de parar o carro em shoppings e outros lugares do Rio está fora de ordem. A minha, a sua, a nossa Feira de São Cristóvão, no Rio, está cobrando R$7 pelo estacionamento, fora os R$2 do ingresso. O dinheiro do estacionamento — a céu aberto e muito do xexelento — dá para comprar duas tapiocas lá dentro (a delícia, feita na hora, grande e com recheio, praticamente um almoço, custa R$3,50). Parece absurdo. E é. 

Dieta do arroz
Tiririca, o palhaço-deputado, só tem comido arroz. A dieta é por causa de uma gastrite braba que o derrubou numa visita ao Ceará, depois de comer baião de dois, jabá com jerimum e outras iguarias locais.

A vez de Aécio
Dia desses, descansando no paraíso baiano de Trancoso, FH viveu momentos de pop star, com direito a prosear com Ron Woods, dos Rolling Stones, que também estava por lá. A um amigo que reparou no sucesso que o ex-presidente fazia com os jovens do lugar, FH foi irônico:
— Deve ser por causa da minha campanha sobre as drogas.

Como se sabe...
FH será protagonista de um documentário sobre drogas, do diretor Fernando Grostein Andrade, irmão de Luciano Huck. O filme, que já está quase pronto e deve ser lançado no meio do ano, traz depoimentos de gente como Bill Clinton, Gro Brundtland, Jimmy Carter, Paulo Coelho e outros.

Em tempo...
O amigo de FH saiu de Trancoso com a impressão de que o ex-presidente acha que agora é a vez de Aécio Neves. 

O site Alto Carioca, com dicas da Serra, ficou dez dias sem publicar nada em respeito às vítimas das enchentes e, agora, volta com fotos de flagrantes de solidariedade.

Ana Coutinho participa da mostra de flores da feira de Caxias, hoje.

Mario Kruczan se apresentará no Congresso Europeu de Gerontologia, onde lançará livro sobre o tema.

Casa Bowling sedia eliminatórias de boliche para o Pan do México de 4 a 9 de fevereiro.

Novamente inicia bazar com peças de Glória Coelho, amanhã, no Centro.

A Fundição fará dia 27, quinta, grande show em prol das vítimas das enchentes. Ingresso: 3kg de alimentos ou três litros de leite em caixa ou três garrafas de água mineral de 1,5 litro.

Cacá e o cocô
Cacá Diegues (foto), o cineasta, em entrevista ao site do Festival de Cannes, contou que, em 1964, aos 23 anos, em sua primeira vez na disputa com“Ganga Zumba” foi chamado em voz alta por Glauber Rocha pelo apelido: “Cacááááá!”
— O público caiu na gargalhada, pois, em francês, meu apelido é um delicado sinônimo de... cocô — diz ele.

Segue...
Nosso cineasta desabafa:
— Morri de vergonha e aprendi a nunca assinar nada com meu apelido fora do Brasil... 

Bossa de Aragão
Jorge Aragão, nosso sambista, prospera como empresário da noite. Vai abrir uma filial de sua casa na Lapa, a Bossa Nova, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.

Saara solidária
Algumas lojas da Saara, no Centro do Rio, dão descontos de 15% a quem compra donativos para as vítimas da Região Serrana.
Já os supermercados... deixa pra lá.

Mengoooooo!
O canal a cabo Evasion, do Canadá, vai mandar uma equipe ao Brasil para um programa sobre “as 100 melhores coisas” para se fazer no país de Dilma. Uma das maravilhas listadas pelos canadenses é... torcer pelo Flamengo! Também acho.

BALSA-FAMÍLIA

EVANDRO ÉBOLI

Conab: cargos de confiança crescem
Evandro Éboli
O GLOBO - 23/01/11


Nos últimos três anos, comando da companhia se revezou entre PMDB e PTB



BRASÍLIA. Alvo da cobiça de partidos aliados, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) está sob o comando, nos últimos três anos, de um consórcio do PMDB com o PTB. Nesse período, a empresa foi generosa na distribuição de cargos a apaniguados de políticos ligados a esses partidos. Fundamental na comercialização e na distribuição de alimentos - como cestas básicas a populações vulneráveis -, a presidência da Conab saltou de doze cargos de confiança disponíveis, em junho de 2007, para 37, no início de 2011. Um aumento superior a 200%.

Esses funcionários recebem salários que variam de R$5 mil a R$12 mil e ocupam cargos de assessor da presidência, com contratos especiais. Outros são assessores de programas e coordenadores.

Em comum, a falta de perfil técnico

Boa parte destes cargos é ocupada por pessoas que não têm vinculação com a área agrícola. Um exemplo, é o atual presidente da empresa, Alexandre Magno Aguiar, um advogado especializado em Direito do Trabalho. Aguiar é genro do deputado federal Armando Abílio (PTB-PB), que o indicou para o posto.

Ao longo desses três anos, a companhia foi ocupada também pelo atual ministro da Agricultura, Wagner Rossi, ligado ao vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB). Rossi esteve à frente da Conab entre junho de 2007 a abril de 2010. Foi principalmente na sua gestão que registrou-se aumento no número de servidores da presidência do órgão.

Setores do PMDB e do PTB querem manter o comando da Conab. Já ocorreu bate-boca dentro do governo sobre essas indicações. O PT quer emplacar na presidência do órgão o atual diretor de Política de Planejamento da Conab, o petista Silvio Isopo Porto.

Alexandre Aguiar quer se manter no posto. Ele disse que está fazendo um papel importante na Conab, em prol do Brasil, e que está à disposição da presidente Dilma para servir ao país. Aguiar faz uma auto-avaliação positiva de sua gestão.

- Sei que existe uma briga política, uma queda de braço. Mas estou tranquilo quanto ao meu trabalho e sou elogiado em todo lugar. Vai depender (continuar ou não) do nosso amigo Michel Temer e do nosso amigo Rossi - disse Alexandre Aguiar.

O presidente da Conab afirmou que não há distribuição indevida de cargos na companhia.

- É uma empresa enxuta. Nem 1% dos cargos é de confiança - disse. - Distribuímos 14 mil cestas básicas no Rio, nessa catástrofe. Fui elogiado publicamente pelo Pezão (vice-governador). Isso é que deve ser publicado - afirmou o presidente da Conab.

O ministro Wagner Rossi afirmou que já está definido dentro do governo que a Conab continuará nas mãos do PTB e os diretores serão indicados pelo PT e PMDB.

- Pode continuar o Alexandre ou não. Mas será um nome do PTB - disse Rossi.

O ministro também negou que houvesse loteamento dos cargos na Conab e que autorizou realização de vários concursos públicos quando esteve no comando da empresa.

- Isso não existe. São pessoas altamente qualificadas. Claro que nunca pedi atestado ideológico e nem carta de filiação partidária. Pode se ter a impressão de que alguém está lá politicamente, mas não é verdade. São poucos os cargos de nomeação na Conab. Fiz uma gestão profissional e técnica na Conab, que me credenciou para ser ministro em dois governos distintos (de Lula e de Dilma) - disse Wagner Rossi.

A Conab tem um orçamento de R$5,2 bilhões e cerca de 4.300 servidores. Mas, nos últimos quatro anos, a companhia foi alvo de cerca de 6 mil ações trabalhistas. E foi obrigada a pagar judicialmente aos servidores mais de R$40 milhões nesse período.

MARCEU VIEIRA

A palavra é... alto-falante
Marceu Vieira
O GLOBO - 23/01/11
Num tempo dominado por celulares modernos, e-mails e redes sociais de internet - além, é claro, da TV e do meu, do seu, do nosso bom e velho rádio -, muitas vidas só puderam ser salvas da tragédia das enchentes na Região Serrana do Rio porque havia um... alto-falante, a rudimentar mídia eletrônica surgida em 1924, quase 30 anos antes da televisão e há mais de 50 da chamada web (web é o cacete!).
Como se sabe, na cidade serrana de Areal, minutos antes do aguaceiro que devastou tudo, um carro de som avisou às pessoas para saírem, pois a catástrofe estava a caminho. Enquanto isso, em bairros elegantes das vizinhas Nova Friburgo e Teresópolis, debaixo d"água, os telefones ficaram mudos, iPhones viraram simples brinquedos para jogar, computadores, sem conexão, tornaram-se trambolhos obsoletos e, na falta de energia, não havia nem TV.

Não foi à toa que a prefeitura do Rio anunciou, semana passada, a instalação de 60 sirenes e alto-falantes em locais de risco para alertar a população em caso de temporal.

Na verdade, a volta do alto-falante remete a tempos mais românticos, em que se namorava na praça ao som de Mário Reis, por exemplo, interpretando Noel Rosa. Era uma espécie, digamos, de primeira rede social, "rádios de poste" que, além de música, davam notícias, anunciavam casamentos, funerais, batizados...

- Quando eu era menino, em Feira de Santana (BA), havia a Rádio Dudinha, de alto-falantes, mais ouvida do que a única emissora de lá, a Rádio Sociedade. Era o principal meio de comunicação de Feira - lembra Muniz Sodré, 69 anos, ex-presidente da BIBLIOTECA NACIONAL, professor da UFRJ, ele mesmo um dos maiores teóricos brasileiros da comunicação, autor de dezenas de livros e artigos sobre o tema, e também de um romance ("O bicho que chegou à Feira"), em que fala de um... alto-falante.

Aliás, por causa do alto-falante, o BRASIL, lembra Muniz, ganhou o talento de Caetano Veloso, acredite. É que Caetano, graças às músicas que ouvia pela "rádio-poste" de Santo Amaro, também na Bahia, foi bem-sucedido no PROGRAMA "Esta noite se improvisa", apresentado nos anos 1960 por Blota Jr. Caetano venceu a disputa comandada por Blota, que popularizou no país a expressão "a palavra é...", bordão do PROGRAMA.

- Era assim. Blota dizia uma palavra, e o candidato tinha de cantar uma música com ela. Caetano era incrível. Conhecia músicas com qualquer palavra - recorda Muniz.

Há provas mais contemporâneas do valor do alto-falante. A Rádio Saara, por exemplo, chega a ser ouvida por mais de 100 mil pessoas por dia, segundo a administração da Saara, sigla de Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega, shopping popular a céu aberto no Centro e do Rio.

Alguns anúncios da Rádio Saara, que, entre outros serviços, dá notícias e ajuda a encontrar crianças perdidas, já foram decorados pela multidão que cruza seu conjunto de ruas diariamente. Um VALE citação. Um locutor e uma locutora, com vozes desafinadas, dizem:

- Arlete! Arlete! Como você está bonita! Parece uma rainha!

- Ah, Aguinaldo, é que eu estou num palácio! O Palácio dos Cristais. Rua Senhor dos Passos 81, aqui na Saara!

- Mas... Arlete! Quem é esse a seu lado?!

- Ah, é o sr. Swarovski, quem mais entende de cristais! Não fique com ciúmes, Aguinaldo!

Viva o alto-falante!

Aliás, outra mídia eletrônica das antigas, o radioamador, criado no fim do século XIX, também foi importante nessa tragédia na Região Serrana. Mas aí é outra história.

Marceu Vieira

GOSTOSA

MERVAL PEREIRA

O voto em discussão
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 23/01/11


Uma reforma no sistema eleitoral à guisa de reforma política está sendo gestada nos bastidores do futuro Congresso, e essa discussão vem para valer já no começo da nova legislatura. PT e PMDB vão voltar a defender o voto em lista fechada, o que daria às direções partidárias o poder de escolher quais seriam os candidatos, e em que lugar eles apareceriam na lista oficial.

Não é à toa que os dois maiores partidos do país, detentores das legendas preferidas dos eleitores, defendem essa modalidade.

Mas os políticos que temem a ditadura dos partidos vão novamente sacar um argumento poderoso, que inviabilizou a aprovação do voto em lista. Defenderão junto ao eleitorado que a medida impede que o povo escolha diretamente seu candidato.

Há ainda uma questão política apimentada na retomada do debate: por que o PT insiste tanto na defesa do voto em lista, além do fato de ser um partido hierarquicamente estruturado e bem montado em todo o país?

A adoção do voto em lista fechada é a única maneira de implantar o financiamento público de campanhas eleitorais, que seria, na verdade, o grande objetivo da cúpula petista.

Isso porque a tese de defesa do mensalão é que o dinheiro que circulou entre os políticos era de caixa 2 para a campanha eleitoral, porque o sistema eleitoral em vigor praticamente conduz a esse tipo de procedimento.

Como o Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar o processo do mensalão ainda este ano - caso em que os 40 indiciados, inclusive o ex-ministro José Dirceu, são acusados de terem montado ou participado de um vasto esquema de corrupção para compra de votos no Congresso -, o PT e seus aliados teriam para se defender um bom argumento na mudança do sistema de financiamento de campanhas.

Tanto é assim que a única mudança que se pretende fazer é no sistema eleitoral de escolha de deputado e vereador, mantendo-se o sistema proporcional. Os demais cargos são disputados em pleitos majoritários.

O deputado federal Miro Teixeira, um estudioso dos sistemas eleitorais, e um dos principais opositores do voto em lista fechada desde o primeiro momento em que ele foi colocado em discussão, defende que qualquer que seja o sistema eleitoral, tenha que obedecer ao voto direto do eleitor.

As dificuldades políticas para aprovar o voto em lista estão fazendo com que cresça entre os parlamentares que querem mudar o sistema de votação a proposta do voto distrital.

O PSDB defende o distrital puro, considerando que o misto - onde uma parte dos deputados continua sendo escolhida pelo voto proporcional - é de difícil entendimento para o eleitor médio.

Já o PP está defendendo o chamado "distritão", onde cada estado se transforma em um grande distrito, e os mais votados são eleitos.

O que dificulta a aprovação de sistemas eleitorais que adotem a divisão dos estados em distritos é o desequilíbrio na representação popular, com um distrito de 800 mil eleitores em São Paulo e outro de oito mil no Amapá.

O eleitor dos grandes centros ficaria em desvantagem, seu voto valendo menos do que o do eleitor de um pequeno estado.

Tendo em vista o pluripartidarismo brasileiro, há também o risco de a definição da vontade das maiorias ser uma tarefa complexa e polêmica.

Com 21 partidos disputando a eleição em um distrito para uma vaga, como o eleito representará a maioria?

Cairíamos na contradição de dizer que um sistema majoritário elege um candidato que tem apenas 15% do eleitorado. A não ser que a eleição distrital fosse disputada em dois turnos.

No entanto, o voto distrital tem, entre suas vantagens, a de abrir ao eleitor a possibilidade de trabalhar contra um candidato, o que no atual sistema brasileiro simplesmente não existe.

As vantagens do sistema distrital majoritário são muitas, segundo os formuladores do projeto: é simples e de fácil implantação; incentiva a participação do eleitor, que exerceria maior vigilância e fiscalização sobre o representante eleito do seu distrito.

Cada partido só poderá apresentar um candidato por distrito, reduzindo drasticamente o número de candidatos nos estados e no país.

Além disso, o candidato concentrará sua campanha no distrito ao qual concorre, tendo fim as campanhas eleitorais milionárias em que os candidatos, no sistema atual, se veem obrigados a fazer campanha em todo o estado.

O sistema do distritão tem a vantagem de equalizar os sistemas eleitorais, pois todas as demais eleições já são majoritárias.

E evita a distorção de eleger deputados e vereadores com poucos votos, por causa da legenda, ou pela coligação.

O distritão até resolve um problema de nosso pluripartidarismo: os partidos deixarão de ficar enchendo as chapas para amealhar votos para a legenda e, com isso, ganhar mais cadeiras. Condensa o número de candidatos e acaba com as coligações. Haveria a valorização dos melhores quadros, e o tempo de televisão da propaganda eleitoral seria mais bem aproveitado.

Partidos que só sobrevivem pela coligação desaparecerão, o que, paradoxalmente, pode funcionar contra a aprovação do distritão.

É como o vestibular e concurso público, os primeiros aprovados entram até o número de vagas. O senador Francisco Dornelles acha que com a adoção do distritão haverá uma natural redução dos partidos políticos no Congresso.

Hoje, nada menos que 21 partidos estão representados no Congresso, sendo que sete legendas têm quatro ou menos deputados, a maior parte deles eleita por coligações proporcionais: PHS (2); PMN (4); PRP (2); PRTB (2); PSL (1); PSOL (3); PTdoB (4).

DORA KRAMER

Dias piores virão
Dora Kramer 
O Estado de S.Paulo - 23/01/11

A propósito da disputa entre os dois principais partidos da aliança governista, o ministro da Previdência, Garibaldi Alves, admitiu na semana passada - em plena vigência da trégua combinada entre PT e PMDB até o início de fevereiro - que a relação entre os dois partidos não tem sido "fácil".

Até aí, apenas corroborou a evidência dos fatos.

Em seguida, porém, fez um prognóstico tão distante da realidade e da capacidade de avaliação acumulada em décadas de experiência política, que soou como ironia. "Não acredito que os conflitos se agravem, vem aí o novo ano legislativo e a tendência é amenizar."

A referência ao "novo ano legislativo" faz algum sentido, mas tem prazo de validade. A chegada dos novatos de fato pode reduzir a tensão e amenizar as pressões da bancada "velha" cheia de vícios e de contenciosos acumulados.

Mas não modificará a natureza do partido. Assim como o PT não mudará sua visão das coisas: a de que o PMDB bem ou mal tem muito a perder e, portanto, sempre tenderá a recuar. Por essa avaliação, o parceiro deve ser contido por insaciável. "Se dermos a eles 90% do governo, ainda são capazes de reclamar", diz um ministro.

É verdade, mas há um detalhe essencial: o PMDB não é um partido disciplinado nem disposto a pagar qualquer preço eternamente sem reagir. Michel Temer, mesmo sendo sido indicado vice-presidente da República em uníssono, precisa administrar permanentemente a tropa para não perder sustentação interna.

Recuou agora porque a batalha da comunicação estava perdida, mas registrou o gesto do governo como uma tentativa de afirmação de autoridade exclusivamente em cima do partido, como se nas outras legendas, PT inclusive, não houvesse questionamentos de conduta e fisiologismo desenfreado.

O revide, ponderam dirigentes, não pode ser dado de maneira barulhenta. "Isso é papel da oposição." O dos peemedebistas será, mais adiante, escolher um assunto de apelo popular, mas não do interesse do governo de firmar posição no Congresso.

O governo já deixou as reformas de lado, mas sempre haverá uma agenda, uma investigação, uma convocação a abrir campo para a atuação do PMDB no Congresso, onde é forte.

E é aí onde se darão as batalhas e se expressará a tensão, contrariando o prognóstico otimista (ou irônico?) feito por Garibaldi Alves de que dias melhores virão. Não há risco.

Bandeirantes. Alguns tucanos simpatizantes de José Serra reclamam, mas o propriamente dito não está nem um pouco insatisfeito com a montagem do governo Geraldo Alckmin. Serra e o governador de São Paulo estão afinados, inclusive para se ajudar mutuamente.

Eleitoral e partidariamente falando. Serra não decidiu ainda o que fará da vida. De imediato, pois em médio prazo será candidato ao governo de São Paulo ou a presidente outra vez.

O caminho para chegar lá pode passar ou não pela presidência do PSDB. Depende do que conferir mais liberdade para fazer o debate de posição.

Novo modelo. Fala-se, até com ênfase, no governo Dilma Rousseff em uma mudança nas relações com os movimentos sociais. Não se especificam ainda quais, mas diante da curiosidade de um interlocutor, um ministro muito próximo da presidente rebateu enigmático depois de ter dado a pista: "E você acha que está bom, que não precisa mudar?"

Mais não foi dito, numa demonstração de que as mudanças não são para ser anunciadas e sim executadas.

A reação agressiva das centrais sindicais por não terem tido da presidente tratamento de portas abertas ao qual estavam acostumadas com o antecessor parece indicar que já sentiram o aroma de distanciamento no ar.

Correção. Os ex-governadores de Minas Itamar Franco e do Paraná Jaime Lerner informam que não recebem aposentadorias dos Estados. Os nomes constavam dos dados passados à OAB.

A MESMA BOSTA

GAUDÊNCIO TORQUATO

Paraíso tropical, adeus
Gaudêncio Torquato 
O Estado de S.Paulo - 23/01/11

De tragédia em tragédia, o Brasil vai apagando das páginas de sua História o mito de paraíso terrestre que aqui se cultiva desde os tempos em que Pero Vaz de Caminha, embevecido com a exuberância das matas, as águas cristalinas dos rios, a beleza das praias, enfim, o jardim paradisíaco habitado por homens pacatos e mulheres nuas fruindo a liberdade do prazer e do ócio, descreveu a el-rei a condição ímpar de uma terra em que "se plantando, tudo dá". É bem verdade que essa terra, "grande e selvagem estufa, luxuriante e desordenada que para si própria fez a natureza", nos termos descritos por Charles Darwin, ganhou de contraponto à imagem de Éden a carranca de um inferno verde. Foi Lévi-Strauss que a pintou como o "ambiente mais hostil ao homem sobre a superfície da Terra". Descrevia o antropólogo o reino horripilante de insetos e artrópodes, picadas de mosquitos, mutucas e miruins, piuns e carrapatos, as aranhas, lacraias e escorpiões, o espectro das moléstias e do calor, que viu e sob o qual padeceu nos grotões de Mato Grosso. Dos idos de 1935-38 para cá, as entranhas nacionais foram sendo ocupadas de modo acelerado, ganhando as tintas da modernidade (e da devastação). E assim o território passou a conviver com as dobras que entrelaçam a majestosa estética de uma maravilha do planeta com cenas aterradoras, fruto da união entre a força da natureza e a incúria humana.

A tragédia que devastou um dos mais bonitos cartões-postais do País - e que pode passar de mil mortos - é a inequívoca demonstração de que, por aqui, o conceito de paraíso se está esboroando. As catástrofes, de tão previsíveis, começam a fazer parte do calendário entre o Natal e a folia carnavalesca. Em 2008, as águas devastaram Santa Catarina, afetando mais de 1,5 milhão de pessoas e 25 comunidades. Em 2002, na mesma Região Serrana do Rio morreram 42 pessoas. No final de 2009 houve o deslizamento de terra na Ilha Grande, em Angra dos Reis, que chegou a matar 30 pessoas. O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, refere-se, agora, "à crônica das mortes anunciadas", querendo dizer que os eventos trágicos estavam previstos. Ora, por que Cabral, em vez de usar um surrado refrão, não tomou providências concretas - nas áreas de prevenção e controles - para atenuar os efeitos dos desastres "anunciados"? Desleixo, acomodação, cultura de empurrar com a barriga as questões de fundo? Há 5 milhões de pessoas que vivem em áreas de risco no Brasil. Há planos para administrar os acidentes que podem acontecer nesses espaços? E por que não existem?

A falta de respostas positivas decorre, primeiro, da ausência de clareza sobre a autoridade maior com responsabilidade para cuidar de tragédias. Descobre-se, nas entrelinhas da cobertura midiática, que há uma Secretaria Nacional de Defesa Civil, afeta ao Ministério da Integração Nacional. Trata-se, por suposição, do órgão superior para administrar situações trágicas. Ora, esse Ministério, apesar do rótulo Integração Nacional, foca sua atividade na Região Nordeste, onde estão sediadas as estruturas encarregadas de cuidar de calamidades decorrentes de intempéries. Mas a lógica exige que se produza o mapeamento de ameaças de catástrofes em todas as regiões. É uma ação que demanda um bom aporte de investimentos nos setores de prevenção. Os dados apontam, porém, que navegamos na contramão: entre 2000 e 2010 foram gastos R$ 542 milhões em programas preventivos e R$ 6,3 bilhões nas operações de reconstrução e apoio às comunidades vitimadas. Há falhas também na esfera da articulação. União, Estados e municípios deveriam adotar uma expressão uníssona em matéria de Defesa Civil, até porque essa frente, pelo menos teoricamente, faz parte das estruturas na maioria das municipalidades. Se não há articulação entre os entes federativos, inexistem planos integrados de ação preventiva. Dessa forma, ninguém faz avançar as ideias. O descontrole grassa por toda parte.

Há uma legislação para proteção de encostas, reflorestamento, demarcação de áreas de risco, controle de estabilidade do solo e das construções em assentamentos populares? Há, sim. Mas não é usada de modo adequado. Um jeitinho aqui, uma curva acolá, um trejeito mais adiante conseguem burlar a legislação. Ao final, a incúria abraça-se à acomodação. Portanto, o surto legislativo que poderá advir, a partir da tragédia na Região Serrana do Rio de Janeiro, será ineficaz. Não precisamos de mais leis, e sim fazer que os códigos existentes sejam rigorosamente aplicados. Lembrando o velho Montesquieu: "Quando vou a um país não examino se há boas leis, mas se são executadas as que há, pois há boas leis por toda parte". E se a lei não é aplicada, de quem será a culpa? Do governante. Nesse caso, cabe avocar sua responsabilização. Não fez cumprir a regra? Punição. Urge que o Ministério Público, por sua vez, ponha a mão na cumbuca, identificando os atores responsáveis pelo desleixo nas instâncias municipal, estadual e federal. No dia em que um governante for flagrado e punido por não cumprir a lei que coíbe construções precárias e irregulares em solo urbano, o Brasil estará dando um passo à frente no terreno da ordem pública.

É evidente que, à margem de providências imediatas e concernentes ao plano de defesa ambiental, os entes públicos carecem privilegiar a infraestrutura de serviços públicos fundamentais, a partir de políticas de habitação, saneamento, sistematização da coleta de lixo, etc. Não há espaço físico que resista incólume à expansão urbana, sem sistemas para absorver as crescentes demandas. Para fechar o circuito do equilíbrio entre a força da natureza e a vida social, cabe prover os espaços com ferramentas tecnológicas capazes de detectar a ocorrência de fenômenos nas áreas de risco. Países que as possuem sofrem danos menores.

Com esta receita o Brasil, quem sabe, poderá resgatar sua imagem de paraíso tropical.