quinta-feira, abril 30, 2015

Governo pressionado - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 30/04

Andou meio em moda entre os petistas a avaliação de que o pior já passou. A presidente Dilma teria permanecido estável nos baixos índices de popularidade, segundo os trackings diários de pesquisas de opinião, o que significaria que ela havia chegado ao fundo do poço, de onde só poderia subir. Ledo e ivo engano, como diz o Cony.

As más notícias começaram a surgir aos borbotões. O salário dos trabalhadores teve uma queda recorde em fevereiro, a maior em 12 anos. O desemprego subiu pela terceira vez seguida. Após um déficit de R$ 7,4 bilhões em fevereiro, o governo central - que reúne Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central - registrou superávit primário de R$ 1,463 bilhão em março. O resultado representa uma queda de 54,3% na comparação com o registrado em março do ano passado.

No acumulado do primeiro trimestre, de janeiro a março, o resultado primário do governo central caiu 65,8% na comparação com o mesmo período do ano passado. O superávit primário ficou em R$ 4,485 bilhões, ante R$ 13,120 bilhões nos três primeiros meses de 2014, o pior superávit do período desde 1998.

O FMI prevê que o Brasil terá a maior desaceleração da economia em mais de duas décadas. O resultado é que a presidente não tem condições políticas para convocar uma cadeia nacional de rádio e televisão para falar ao povo no Dia do Trabalho. Melhor dizendo: o governo do Partido dos Trabalhadores não falará aos próprios no dia 1º de Maio, como sempre fez nos últimos 12 anos.

Tanto Dilma quanto Lula não têm mais condições de sair na rua sem que o ambiente esteja previamente controlado pelo esquema de segurança petista. Coube ao Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o responsável terceirizado pela política econômica do governo, lembrar aos políticos que o pior ainda não passou.

Levy, quando assumiu a Fazenda debaixo de desconfiança dos petistas, tinha uma bala na agulha: cada vez que sofria um ataque de desestabilização, lembrava que o país poderia perder o grau de investimento, o que seria desastroso.

Como essa ameaça foi superada no plano imediato, os inimigos desse estranho no ninho voltaram à carga, querendo reduzir o ajuste fiscal que ele montou como medida básica para retomar o caminho do crescimento que, já se sabe, será difícil: a previsão otimista para 2016 é um crescimento do PIB de 1%, devolvendo a queda que está prevista para este ano. Na melhor das hipóteses, sairemos desses dois anos de reajustes no empate de zero a zero, quando não no negativo.

Levy teve que voltar a mostrar o fantasma do rebaixamento ontem. Lembrou que o Brasil "está mais próximo dos bonds especulativos do que exatamente do investment grade". Se não fizermos o ajuste fiscal, a ameaça volta "a galope", advertiu.

O Ministro da Fazenda trata de coisas imediatas, como o fim de incentivos tributários, mais especificamente o programa de desoneração da folha de pagamento das empresas, que Levy chamou um dia de "brincadeira que saiu cara". O custo anual de R$ 25 bilhões não deu retorno na geração de emprego.

A redução dos benefícios trabalhistas e previdenciários é considerada essencial pelo governo para a realização do ajuste fiscal. Enquanto isso, a presidente Dilma se defronta com um obstáculo sério no Congresso, que é o embate político da regulamentação da terceirização.

O ex-presidente Lula está em campanha pública para que ela vete as mudanças propostas, alegando que elas precarizam o trabalho e retiram garantias trabalhistas, levando o mercado de trabalho para a era pré-Vargas, cuja legislação Lula tanto criticou em outros tempos. Os sindicatos estão em pé de guerra pelo país.

Mas uma boa parte da base aliada quer regulamentar a terceirização, como maneira de aumentar a produtividade da economia. O PMDB está dividido, mas pressiona Dilma a se posicionar. O momento não é de fazer bondades. Mas as maldades que são necessárias podem desestabilizar de vez o governo.


Dilemas na economia - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 30/04

O Banco Central votou ontem diante do pior dos dilemas de uma autoridade monetária: a economia estagnada já encolheu a arrecadação e, mesmo assim, a inflação está bem acima da meta. O BC elevou os juros para 13,25% para derrubar o índice de preços cuja alta se deve, em grande parte, ao tarifaço da energia. Os juros vão enfraquecer mais a economia e o recolhimento de impostos.

Mesmo diante do quadro de estagnação a caminho da recessão, o BC tem que continuar subindo os juros para evitar a contaminação das expectativas, ou seja, a impressão de que o governo vai deixar a inflação continuar subindo. O problema é que, como se viu ontem, o governo está arrecadando menos e fazendo um superávit primário pífio para quem tem que atingir o ajuste de 1,2% do PIB.

A declaração do ministro Joaquim Levy, lembrando que a dívida do país ainda pode ser rebaixada a grau especulativo, mostra a corda bamba na qual se está fazendo política econômica no país. A conjuntura está tão cheia de complexidades que os ajustes criam desajustes. A elevação dos juros, por exemplo, é o pior remédio para uma economia já enfraquecida, mas é isso ou ver a inflação subir cada vez mais.

O economista Luiz Roberto Cunha, da PUC do Rio, calcula que a inflação em abril deve ficar em torno de 0,75% e 0,80% e depois vai cair para níveis menores. Só que a cada mês o número será maior do que no mesmo mês do ano passado. O que significa que o acumulado em 12 meses continuará subindo até agosto e deve atingir 8,5%. Só começa a cair no final do ano, mas a previsão é de que fique entre 8% e 8,2%.

Se está tudo previsto, por que o Banco Central elevou de novo os juros para o escorchante nível de 13,25%? O BC tem que atuar para evitar que os preços livres subam. Quanto mais ele derrubar esses preços, mais impedirá que uma inflação tão alta incentive uma nova indexação na economia.

- E terá que ficar vigilante no ano que vem, porque, se houver uma recuperação da economia, muitas empresas que estão hoje comprimindo margens podem querer aumentar os preços - disse Luiz Roberto Cunha.

Em outras palavras, os juros terão que ficar altos por muito tempo. A boa notícia é que a maioria dos economistas acredita que está chegando ao fim este ciclo de aperto monetário. A Selic não deve subir muito mais além do nível a que chegou ontem. Entretanto, dificilmente ela poderá cair no curto prazo.

As famílias terão um pouco menos de desconforto daqui para frente porque os preços dos alimentos sobem pouco nesta época do ano e, segundo Luiz Roberto Cunha, alguns itens importantes ficarão mais baratos, como milho, feijão, frango.

- Nesta época do ano, os preços de alimentos ficam mais baixos. Além disso, a energia elétrica, que subiu fortemente no começo do ano, subirá de forma mais moderada nos próximos meses. O pior do tarifaço de energia já passou. No acumulado em 12 meses, a inflação continuará subindo, mas a taxa mensal de maio em diante deve ficar entre 0,45% a 0,50%, o que é mais alto do que no ano passado, mas menor do que os números acima de 1% mensal nos primeiros três meses de 2015 - diz Cunha.

O Banco Central, ao avaliar a conjuntura como fez nos últimos dois dias, vê uma inflação que dará algum motivo de alívio ao consumidor, mas que, ao mesmo tempo, está muito acima do teto da meta. Ele quer que no final de 2016 o índice esteja no centro de 4,5%, portanto, é agora que tem que agir.

O problema é que do ponto de vista do nível de atividade este é o pior momento para subir juros. O PIB caiu no primeiro trimestre e não vai se recuperar no segundo tri. O melhor cenário é que comece a melhorar nos últimos três meses do ano.

O quadro econômico é de fato um dos mais difíceis dos últimos anos. Em 2003, foi preciso apenas um choque de credibilidade para derrubar o dólar, que havia disparado com medo de a política econômica de Lula ser a que ele sempre havia defendido. A queda do dólar e a confiança na equipe econômica permitiram a redução da inflação. Agora, tudo está mais confuso. O governo Dilma está na estranha situação de tentar corrigir o que ela mesma fez no mandato passado.

É nosso, mas não dá para pegar - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 30/04

Brasil perdeu a chance de licitar campos de petróleo no momento em que óleo apresentava os melhores preços da História


A Petrobras não está cumprindo os índices de nacionalização nos equipamentos que opera.

A Petrobras está atrasada na exploração de campos do pré-sal na Bacia de Campos, sofrendo por isso reclamações da Agência Nacional do Petróleo.

A companhia não está em condições financeiras de pesquisar e explorar novos campos, por isso vai se concentrar nos poços já em produção.

A estatal não tem condições de assumir novas responsabilidades na exploração do pré-sal.

Não é campanha do contra. São comentários feitos pelo presidente da empresa, Aldemir Bendine, em depoimento no Senado.

E deles se conclui que a Petrobras está simplesmente bloqueando novos investimentos no pré-sal. Assim: a legislação atual exige que a estatal seja dona de 30% de todos os poços do pré-sal e a única operadora de todos eles. Isso exige dinheiro, coisa em falta na companhia.

Como admitiu Bendine, se a ANP lançasse agora uma rodada de concessões no pré-sal, a Petrobras teria “dificuldades”, modo elegante de dizer que não tem recursos para fazer novos investimentos no que quer que seja, de poços a refinarias. O caixa “não é confortável”, explicou.

Perguntaram a ele se apoiaria a mudança na legislação, de modo a aliviar as obrigações da Petrobras e permitir que outras empresas, nacionais ou estrangeiras, comprem e explorem novos campos do pré-sal. Disse que não cabia a ele iniciar esse debate.

Mas está na hora de se iniciar, pois a situação é clara: ou se muda a regra atual, abrindo o pré-sal à exploração privada completa, ou não haverá novos investimentos ali até que a Petrobras se recupere, o que vai levar tempo.

Tudo considerado, verifica-se que a mudança na legislação do petróleo patrocinada por Lula e Dilma não cumpre nenhum de seus objetivos.

Deveria fortalecer a Petrobras, reservando para ela o filé do mercado. A companhia não tem nem para o picadinho de segunda.

Deveria acelerar a exploração da riqueza do pré-sal. Está travando.

Deveria nacionalizar os equipamentos. Produziu uma imensa confusão, e possivelmente corrupção, pois não há regras claras de como verificar a nacionalização de equipamentos complexos. Além disso, empresas locais não têm condições de atender às necessidades do setor, o que encarece e atrasa a entrega dos equipamentos.

Isso sem contar os cinco anos sem novos rodadas de concessão, de 2009 a 2014, enquanto se tratava de mudar a legislação. O Brasil perdeu a oportunidade de licitar campos de petróleo no momento em que o óleo apresentava os melhores preços da História.

Quando apresentou seu balanço, a Petrobras colocou R$ 44 bilhões como perdas em consequência de ineficiência, má gestão e mudanças no mercado.

Pois parece que o país perdeu muito mais que isso.

CRISE MORAL

Foi há poucos dias: o primeiro-ministro da Coreia do Sul, Lee Wan-Koe, renunciou em consequência de denúncias de corrupção.

A denúncia: teria recebido fundos ilegais em sua campanha para deputado, no valor total de R$ 80 mil — dinheiro que os promotores da Lava-Jato nem levariam em consideração.

O denunciante: um empresário que diz ter feito os pagamentos.

O empresário suicidou-se. No bolso de seu paletó, a polícia encontrou uma lista de nomes de políticos que haviam sido subornados.

O primeiro-ministro, que estava nessa lista, alegou inocência, mas disse que não tinha mais condições éticas de permanecer no cargo. Afinal, ele havia assumido o cargo prometendo “guerra à corrupção”.

Dois anos atrás, outro primeiro-ministro renunciou, ao assumir a responsabilidade pela ineficácia dos órgãos públicos na prevenção e no resgate às vítimas do naufrágio de um barco lotado de estudantes. Reparem: ele se considerou responsável pelos erros de funcionários de vários escalões abaixo e sobre os quais não tinha controle direto. Mas estava certo: ele tinha, digamos, o domínio do governo.

Por aqui, os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, são investigados no Supremo Tribunal Federal, e acham que isso não tem nada demais. Não largam o cargo porque certamente lá têm mais força para fugir das acusações.

E todo mundo vai deixando por isso mesmo.

Os conflitos se multiplicam. Renan, por exemplo, comanda o processo de aprovação de um novo ministro para o Supremo — ministro que irá julgá-lo.

Tem gente que acha isso moralismo. Mas está na cara que tem uma grave crise ética no país.

Pindaíba maior que a prevista - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 30//04

A arrumação das contas públicas está ainda para começar, voltou praticamente à estaca zero. A queda da arrecadação de impostos frustra as metas de redução de deficit; quase um terço do pacote de arrocho enviado ao Congresso ora está indo para o vinagre.

Em uma conta rabiscada em guardanapo, o governo deveria poupar o equivalente a uns R$ 4,6 bilhões por mês (a simples média do superavit primário dividido por 12 meses). Não é, claro, assim que funcionam as coisas, mas o número pode servir ao propósito didático de mostrar o tamanho do problema.

Nos primeiros três meses do ano, o governo federal poupou RS 4,7 bilhões. Em tese, um terço das necessidades de economia para o ano inteiro, portanto.

O dinheiro que deixou de entrar no caixa do governo no primeiro trimestre bastaria para fechar a conta da poupança prometida para este início de 2015. A arrecadação federal caiu R$ 14,8 bilhões, comparado o primeiro trimestre deste ano com o primeiro de 2014. Esse dinheiro cobriria o superavit "médio" dos primeiros três meses do ano.

Uns 30% do valor do pacote de aumento de impostos e corte de gastos que o governo enviou para aprovação do Congresso pode ir para o vinagre. Essa conta é precária, claro. As estimativas do governo para os efeitos do pacote já eram um tanto vagas, os resultados reais são sempre meio imprevisíveis e, enfim, a gente tem remota ideia do que vai espirrar do Congresso depois de "n" emendas. Entendidos no assunto e contas de guardanapo indicam por ora uma perda de uns R$ 7 bilhões ou R$ 8 bilhões.

O grosso do corte de despesas do trimestre veio da redução do "gastos em obras", em investimentos, um talho de 31%, redução de R$ 7 bilhões. Parte grande desse esforço foi desfeita pela alta de despesas da Previdência e de benefícios sociais para pessoas idosas ou muito doentes (Loas), que cresceram R$ 5,7 bilhões.

Outro ganho importante do governo deveu-se à poupança de R$ 1,7 bilhão do dinheiro que era destinado a subsidiar as contas de energia elétrica, muito mais caras agora graças ao fim desse subsídio, corte, no entanto, necessário (grande parte dessa conta deveu-se às lambanças de Dilma 1 na administração do setor elétrico).

A arrecadação do governo afunda porque a economia encolhe, claro, e porque ainda se perde muita receita, encrenca devida às baixas de impostos concedidas pelo governo Dilma 1 ainda no finalzinho do ano passado, quando já era inegável o naufrágio das contas públicas.

O balanço dessa bossa desafinada é que parecem um tanto fúteis aquelas estimativas de que o "ajuste" dependeria em parte menor do Congresso, pois há variáveis demais para equações de menos nessa conta, por assim dizer.

A queda da receita vai fazer com que a arrumação das contas públicas dependa mais do Congresso ou, então, vai levar o governo a fazer um corte ainda maior em investimentos, talvez de 40% ou 50%. Essa alternativa degrada ainda mais a qualidade do ajuste e pode ainda até aprofundar a recessão.

Pior, um ajuste baseado em talhos brutais de investimentos costuma não durar; caso dure, emperra a atividade econômica. Ou seja, o problema do ajuste de 2016 começa a ficar mais encrencado também.

Como financiar a política e as eleições - MURILLO DE ARAGÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 30/04

Por causa dos graves escândalos de desvio de dinheiro recentes o PT anunciou que não vai mais aceitar doação de fontes privadas. A medida tenta dar uma resposta inadequada e superficial a um problema importantíssimo: como financiar a política e as eleições no País? Quase que simultaneamente à decisão do PT de abrir mão de verbas privadas, num movimento de absoluta insensibilidade, o Congresso triplicou a verba para o Fundo Partidário prevista no Orçamento da União de 2015, passando-a de R$ 289,56 milhões para R$ 867,56 milhões! Claramente para ajudar os combalidos cofres dos partidos pela campanha eleitoral passada. Banir recursos privados ou aumentar dotações dos fundos partidários não são soluções adequadas. Um solução definitiva deve ser encontrada.

Uma corrente deseja eliminar inteiramente o recebimento de dinheiro de empresas nas eleições e limitar as doações a cidadãos e recursos públicos. Já outros acham que só deveria existir financiamento público. Outros ainda, como eu, defendem o financiamento cidadão: só pessoas físicas poderiam financiar partidos e campanhas eleitorais. Reconheço que no atual estágio ter apenas dinheiro de pessoas físicas financiando campanhas e partidos é utópico.

A solução adequada para o momento não se deve resumir à escolha entre financiamento público ou privado de campanha. O financiamento público deve ser limitado ao mínimo necessário para partidos funcionarem e custear parcelas complementares das despesas de campanhas eleitorais. Como, por exemplo, o tempo de TV, que já é dado gratuitamente aos partidos. A melhor solução é a que faça os partidos buscarem na cidadania os recursos de que necessitam para concorrer aos pleitos eleitorais. Quanto mais os partidos ficarem perto da abundância das verbas públicas, mais distante ficarão dos militantes e simpatizantes. Temos, sim, de provocar a participação da cidadania e apoiar e financiar as campanhas eleitorais. Também não podemos admitir que elas custem R$ 5 bilhões, valor aproximado gasto no pleito de 2014. Isso é inadmissível num país que ainda está em 79.º lugar entre 187 nações no ranking do IDH! E também é antidemocrático permitir que nossas eleições se transformem em corridas do bilhão, dando mais chances a quem tem mais recursos para gastar.

Com as corridas do bilhão surge a grave questão que nos assombra: a relação que se estabelece entre doadores, partidos e candidatos. Os escândalos do mensalão e do petrolão são suficientes para explicar o que e como ocorre. Mas não é difícil resolver esse problema. São necessárias medidas relativamente simples, mas que demandam coragem cívica. É hora de implementá-las, sob pena de comprometermos nossa nascente democracia de forma irreparável por décadas. Vejamos quais são essas medidas.

A primeira é estabelecer o teto de gastos. As campanhas presidenciais devem ter um teto de despesas de R$ 100 milhões, que é mais que suficiente. O limite proposto é superior ou igual aos volumes utilizados em campanhas presidenciais em economias mais ricas que a nossa. Para tal as campanhas devem ser mais curtas, com não mais que 45 dias, e o tempo de TV - computado como recurso público destinado às campanhas - deve ser considerado no limite dos gastos. O teto de gastos deve ser estabelecido em lei e atualizado pela Justiça Eleitoral anualmente, a partir de algum índice de correção. As campanhas para governador, senador, deputado federal e estadual, prefeito e vereador também devem ter limites fixados na lei de acordo com a população de Estados e municípios. Evidentemente, devem ficar bem abaixo do teto de gastos para presidente.

A segunda medida é fixar um limite específico para doações de pessoas físicas e jurídicas. Por exemplo, R$ 10 mil por pessoa física e R$ 50 mil por pessoa jurídica, tomando a identificação na Receita Federal como base. Assim se encerra definitivamente o ciclo de doações milionárias. Deve haver também um limite para autodoações, a fim de impedir que ricos e abonados obtenham vantagens indevidas.

A terceira é proibir o uso de recursos do Fundo Partidário para as eleições. Os fundos partidários existem para manter as legendas e divulgar seus programas e opiniões. Ademais, os recursos devem ser dramaticamente reduzidos. Os valores hoje são indecentes. Impedir o uso de fundos partidários nas eleições se justifica porque muitas doações eleitorais de empresas são disfarçadas em doações para partidos pouco antes do início dos pleitos. E é muito fácil comprovar o que afirmo. Assim, como decorrência, as doações a partidos fora do âmbito eleitoral também devem ser limitadas aos valores mencionados por ano fiscal.

Por fim, proponho que as verbas dos fundos partidários e das campanhas eleitorais sejam auditadas e fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Ademais das competências constitucionais da Justiça Eleitoral, que deve ser robustecida, o TCU deveria ser empregado no que tange ao uso de recursos públicos e privados nas campanhas eleitorais, fazendo o trabalho contábil de checagem de valores e gastos.

Com as quatro medidas que preconizo as eleições no Brasil seriam mais limpas e justas e a relação entre a cidadania, as empresas e o mundo político, mais transparente e saudável. Precisamos ter partidos e políticos dependentes da cidadania, não do Tesouro, e o caixa 2 deve ser severamente combatido. O debate sobre o financiamento de campanhas e partidos deve ter como meta trazer a política para dentro da sociedade e estimular o engajamento da cidadania nas campanhas. Seria mais do que desejável ver candidatos baterem na porta das pessoas para pedir recursos para suas campanhas e terem de fazer por merecer o suado dinheiro da cidadania. Assim como será altamente democrático ter campanhas em que o abuso do poder econômico, bem como o uso de máquinas públicas, sindicais e empresariais sejam limitados.

Com medo do panelaço? - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 30/04

Uma tradição da República será quebrada no Dia do Trabalho: não se convocará rede nacional de rádio e de televisão no horário nobre dos veículos para comemorar a data. A presidente falará à Nação pela internet. Ainda não foi divulgada a forma de como isso será feito, mas a decisão emite claros sinais de que vem aí um novo tempo.

Cada vez mais a comunicação entre os políticos, sejam do governo ou da oposição, se faz pelos meios eletrônicos de comunicação de massa. O chefe do Poder Executivo, seja quem for, tem, ano após ano, usado da prerrogativa de convocar redes de rádio e de televisão para propagar seus feitos e fazer suas promessas por ocasião de alguma comemoração. Usado com comedimento, esse expediente poderia ser uma forma prática e adequada de serviço público para permitir a chefes de governo uma comunicação direta com a sociedade por inteiro, o que é particularmente importante num país das dimensões do nosso. O recurso exagerado às técnicas de marketing, contudo, tem transformado esse uso em abuso. Qualquer data festiva é usada como pretexto para discursos de conteúdo meramente propagandístico, de natureza unívoca e sem possibilidade de contraditório - uma atitude que, de um lado, interfere na programação rotineira das emissoras e, de outro, o que é mais grave, interrompe o direito que cada cidadão tem ao entretenimento e à informação jornalística plural e imparcial em seu tempo de lazer.

Todos os jornais que noticiaram a decisão lembraram que a última cadeia de rádio e de televisão convocada para propagar discurso da atual presidente resultou num disparo pela culatra. A fala programada por Dilma Rousseff para o Dia Internacional da Mulher, em 8 de março, foi recebida com um ruidoso panelaço em várias cidades brasileiras. Houve dificuldade em entender o que ela disse - não pela peculiar sintaxe da presidente, mas pelo ensurdecedor ruído produzido por gritos, xingamentos e batidas em panelas.

Depois das grandes manifestações públicas nos domingos 15 de março e 12 de abril em várias cidades, não era de esperar que o repetido pronunciamento trabalhista de 1.º de Maio fosse recebido com aplausos e flores pela população. Primeiramente, as relações entre o governo e os sindicatos de trabalhadores estão estremecidas por causa de medidas anunciadas de ajuste fiscal que interferem em privilégios e nas chamadas conquistas de classe. Por mais que tais medidas sejam necessárias para consertar os erros econômicos da gestão Dilma-Guido Mantega e que a própria presidente tenha repetido que nenhum direito do trabalhador será atingido por elas, a classe operária está, no mínimo, ressabiada com o governo por causa disso. Além do mais, o clima pós-manifestações continua carregado para as autoridades federais. Protesto organizado por um grupo reduzido (de cerca de 50 pessoas, segundo o Estado) fez o vice-presidente e coordenador político dos pleitos do governo no Congresso, Michel Temer, cancelar na segunda-feira passada o discurso que faria na Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação (Agrishow), em Ribeirão Preto, a maior do agronegócio brasileiro. Manifestantes exigiram, aos berros, o impeachment da presidente.

O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, negou que o cancelamento do pronunciamento tenha alguma relação com os protestos. "A presidenta não teme nenhum tipo de manifestação da democracia", garantiu. Mas não encontrou nenhum motivo plausível para justificar a desistência. E completou: "A presidenta vai dialogar com os trabalhadores pelas redes sociais". Depois do último movimento de massa contra o governo nas ruas, os governistas reagiram com um "tuitaço" no lugar de entrevistas desastradas, como a do chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e do secretário da Presidência, Miguel Rossetto. A repetição da fórmula menos arriscada mostra que a sociedade conquistou o direito de gozar seu feriado em paz sem impedir que militantes aclamem a chefe em perfis de redes sociais, nem sempre gratuitos.