quarta-feira, abril 17, 2019

Orçamento 2020, um cenário de desastre - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 17/04

Previsão sugere que governo vai parar se não der 'tudo certo'

Quem lê as previsões de receita e despesa do governo federal nos próximos anos até 2022 conclui que o país está a caminho de alguma explosão, talvez várias.

Se não passar uma reforma da Previdência integral e, de quebra, se não entrar um dinheiro grosso extra, muitas das poucas obras restantes e partes da administração pública vão parar em 2021, quem sabe antes. O gasto discricionário, aquele que o governo está “livre” para fazer ou não, o que inclui investimento em obras, cairia uns 45% do realizado em 2018 até o estimado para 2022. O governo para.

Não chega a ser grande novidade, mas o roteiro do desastre está documentado no aparentemente burocrático “Anexo 4.1, de Metas Fiscais Anuais”, do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020,enviado nesta semana ao Congresso.

Primeiro alerta: na projeção do “Anexo 4.1”, a receita líquida do governo federal cai a partir deste ano e sem parar até 2022, como proporção do PIB. Isto é, a receita cresceria ainda menos do que a economia. É uma estimativa conservadora, no sentido de não ser otimista, o que em geral é conveniente quando se faz um Orçamento. Mas os motivos para o conservadorismo da projeção não tranquilizam ninguém.

“No atual momento ... observa-se um cenário em que a recuperação da arrecadação está atrelada fundamentalmente ao crescimento da economia, haja vista não se vislumbrar, nas projeções até 2022, retomada de medidas não recorrentes como as utilizadas no passado recente”. Isto é dinheiro de repatriação de capital que fugiu de maneira ilegal e de vários “Refis” (dívidas tributárias refinanciadas) ou receitas de concessões e dinheiro extra com royalties de petróleo e gás, por exemplo.

Alguém pode dizer que algum tutu de concessões entrará. O pessoal do governo preferiu não arriscar um valor.

Algum crescimento de despesa será contido com alguma reforma da Previdência, sabe-se lá quanto. No máximo, os economistas do governo presumiram que não se vai gastar dinheiro extra com reajustes reais do salário mínimo. Hum.

Sem reforma e sem dinheiro extra, o governo terá de fazer cortes progressivos. Quais? Alguma redução real do valor gasto com salários de servidores. Um talho brutal, mais da metade, do quase irrisório dinheiro despendido atualmente em obras. Cortes de serviços outros do governo.

Como se explica lá no Anexo 4.1, o crescimento da despesa obrigatória (em especial Previdência) “...tende a precarizar gradualmente a oferta de serviços públicos e a pressionar, ou até mesmo eliminar investimentos importantes” dado o teto de gastos.

Reformas da Previdência, dos impostos, administrativa, abertura comercial e privatizações tendem a provocar um aumento de receita, escreve-se lá no Anexo 4.1, mas nada disso é dado como certo, ovos na cesta.

Parece óbvio, pois, que a disputa social e política pelos recursos mínimos do governo vai ficar ainda mais crítica, se não explosiva.

Agora mesmo, caminhoneiros e ruralistas querem algum tipo de subsídio. Empresas da construção civil reclamam que o governo invista algum em obras de casas, por exemplo.

O congelamento do valor real do salário mínimo, medida que contém um pouco da despesa previdenciária, tende a provocar reações sociais e foi recebido com chiadeira no Congresso.

É preciso que dê tudo muito certo para que as previsões assustadoras do Anexo 4.1 estejam erradas.

“Tenso”, como dizem os jovens.

Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA

E se Guedes pegar fogo? - ELIO GASPARI

O GLOBO - 17/04

Se o ‘Posto Ipiranga’ fechar, todo mundo perde, mas a questão é saber como será possível mantê-lo aberto


Todos os adultos que ouviam Jair Bolsonaro dizer que não entendia de economia, mas tinha à mão o seu “Posto Ipiranga”, sabiam que isso era apenas uma frase engraçadinha. Alguns endinheirados, julgando-se mais espertos que os outros, viam nela uma promessa de abdicação. O capitão seria eleito, mas Paulo Guedes comandaria a economia. Fariam melhor se acreditassem em Papai Noel.

Nos últimos 60 anos o Brasil teve doze presidentes e esse comando só foi delegado por três deles: Itamar Franco com FHC, Emílio Médici com Delfim Netto, e Castello Branco com a dupla Octavio Bulhões-Roberto Campos. Bolsonaro não tem a astúcia de Itamar, a disciplina de Médici nem o rigor de Castello. Para preservar o “Posto Ipiranga” precisará de astúcia, disciplina e rigor.

Quando o presidente meteu o sabre na política de preços da Petrobras, mostrou que precisa entender de administração. O estrago estava feito, e o caminhoneiro “Chorão” prevaleceu, ainda que momentaneamente. Prenuncia-se encrenca muito, muito maior: o incêndio do “Posto Ipiranga”.

Cem dias de governo mostraram que a habilidade política de Paulo Guedes é mínima e, ainda assim, ele é obrigado a carregar as encrencas geradas pelo Planalto. Tudo isso com 13 milhões de desempregados e a economia andando de lado.

Se o “Posto Ipiranga” pegar fogo, por acidente ou autocombustão, a conta irá para todo o Brasil, para pessoas como as que procuram trabalho na fila do Vale do Anhangabaú. Guedes atravessará a lombada do preço do diesel, mas o seu cristal trincou. Desde a campanha eleitoral ele vinha repetindo uma palestra sobre macroeconomia. Desde o desastroso episódio da semana passada, o problema passará a ser de microgestão para prevenir o incêndio.

Guedes, ou qualquer outro ministro, não poderá carregar sozinho o piano da reforma da Previdência. Desde que ele atirou nas contas do Sistema S tem a má vontade do corporativismo empresarial. Isso para não mencionar os pleitos desatendidos na Fazenda que correm para outros ministérios ou mesmo para o palácio.

A preservação de Paulo Guedes não poderá depender só dele. Com a quantidade de poderes que lhe foram atribuídos por Bolsonaro, competirá ao presidente impedir que apareçam novas lombadas. É isso ou é melhor que se comece a pensar num substituto, Armínio Fraga? Falta combinar com ele.

Em 1979 o economista Mário Henrique Simonsen aceitou o que supunha ser o comando da economia. Aguentou seis meses num ministério onde estavam as poderosas figuras de Delfim Netto (Agricultura) e Mário Andreazza (Interior). Simonsen foi professor e amigo de Guedes e ensinou-o desprezar a pompa do poder. Ele sabia que aceitou uma aposta e posteriormente arrependeu-se de tê-la feito. Durante seu ocaso, o presidente tinha a bala de Delfim Netto na agulha, pronto para assumir a economia. O professor largou o piano, chamou o caminhão da mudança e foi para a Praia do Leblon.

Guedes e Bolsonaro têm sobre suas cabeças a nuvem de uma cena ocorrida no gabinete onde hoje trabalha o capitão. O presidente João Figueiredo recebeu o professor sabendo que a conversa seria uma despedida. Era um general direto, desbocado.

—Mário, você acha que meu governo está uma merda, não?

—Presidente, eu estou indo embora — respondeu Simonsen.

O aspecto pitoresco desse diálogo tornou-se um irrelevante asterisco diante do tamanho da crise que já havia começado e caminhava para um catastrófico agravamento. Vieram o segundo choque do preço do petróleo e o colapso da dívida externa brasileira. Quem perdeu foi o Brasil.