sexta-feira, dezembro 18, 2015

A demorada saída - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 18/12

“Devo ir à Turquia?” A pergunta foi feita pelo ministro Joaquim Levy à presidente Dilma Rousseff no dia 13 de novembro, antes do embarque para a reunião de cúpula do G-20. Durante o dia, vários boatos circularam de que o ministro estava caindo, e por isso ele achou por bem perguntar. A presidente afirmou que sim, e ficaram de conversar em Ancara.

Levy, no embarque naquela noite, decidiu que teria uma conversa clara e definitiva com a presidente, mas houve pouco tempo na Turquia, apenas o suficiente para que ela afirmasse que gostaria que ele permanecesse. De lá, em Antália, Dilma deu uma entrevista afirmando que ele permaneceria no cargo. Foi sempre assim com Levy, esse cai não cai. A de novembro foi apenas uma das várias crises em que o ministro Joaquim Levy quase deixou o governo. Agora ele está de fato saindo, mas este tem sido um longo gerúndio.

Levy entrou como um estranho no ninho e assim permaneceu no governo de uma presidente com quem não compartilha muitas convicções. Ele esteve para sair do Ministério da Fazenda tantas vezes que a grande dúvida entre os seus amigos é por que ele continuava a despeito das várias demonstrações de desprestígio de que foi alvo publicamente. Nos últimos dias, houve mais uma conversa difícil com a presidente. Ao fim, ele comunicou a assessores que aguardaria no cargo, a pedido da presidente, mas sabia que não tinha mais espaço.

Dilma, desde o começo, preferiu ouvir o ministro Nelson Barbosa em todos os momentos em que houve divergência entre os dois. Foi assim agora, de novo. O ministro Joaquim Levy defendendo o superávit de 0,7%, o ministro Nelson Barbosa preferindo zero ou uma meta flexível. No final, foi aprovado, ontem, a meta de 0,5% de superávit, em parte porque Levy atuou diretamente no Congresso.

Levy disse, nas reuniões internas, que essa ideia de meta flexível era muito ruim, porque agentes econômicos querem do Brasil sinais mais claros e firmes sobre nossas escolhas, e não podia ser uma meta que oscilasse. Mesmo assim, Nelson Barbosa defendeu que fosse uma meta flexível e que se adotasse o mesmo expediente que deu problemas no passado, o do desconto de algumas despesas. A presidente concordou com Nelson, e isso foi anunciado através do Congresso. Como consequência, a Fitch rebaixou o Brasil, exatamente por esse vai e vem de metas que nada garantia sobre o futuro.

Outra grande crise do ministro Levy no governo foi durante o envio ao Congresso do Orçamento deficitário. Aquela talvez tenha sido a pior humilhação que ele enfrentou. Ele foi a Campos do Jordão defender, numa reunião de empresários, a CPMF da qual havia discordado. Enquanto ele estava lá, a presidente fez uma reunião com o ministro Nelson Barbosa e Aloizio Mercadante. Era sábado, 29 de agosto. Levy foi chamado para voltar a Brasília e foi informado de que um jatinho o pegaria. Quando ele entrou na reunião, a decisão estava tomada.

Levy discordou do envio do Orçamento com déficit. Seria a primeira vez que isso aconteceria, disse, e previu que a decisão levaria ao rebaixamento do Brasil. A presidente Dilma havia tomado a decisão, nada mais a fazer. O Orçamento foi com rombo de 0,5% no dia 31 de agosto. No dia 9 de setembro, dez dias depois, a Standard & Poor’s rebaixou o Brasil e o dólar disparou. Diante disso, o governo decidiu mandar para o Congresso as medidas para reverter o déficit transformando-o em superávit. As decisões continuaram mudando até que ontem foi aprovado 0,5% de superávit, mas com claros sinais de que pode voltar a mudar.

Levy achava que poderia produzir o mesmo efeito da chegada da equipe de Palocci da qual participou. Ela produziu um choque de credibilidade que restaurou a confiança na economia. O problema é que este ano é bem diferente de 2003. Agora, o governo já havia produzido um rombo grande demais, e ele não tinha outros apoios no governo, além do presidente do Banco Central.

O combinado entre a presidente e ele foi que Levy permaneceria até a aprovação de algumas medidas fiscais que estavam no Congresso enquanto a presidente buscaria seu sucessor. Levy preferia sair sem causar muita marola, mas ontem acabou deixando escapar a palavra de despedida.

Modelo de gestão da ´era pós-Levy´ já começa a surgir - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 18/12

Embora não tenha sido oficializada a saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda, a gestão do governo pós-Levy já começou.

Fontes da área econômica viram uma primeira iniciativa de mudança da política econômica, que se seguirá à demissão do ministro, na decisão do BC que, na quarta feira, liberou compulsório para financiar projetos de infraestrutura do PAC e para bancos de menor porte. São cerca de R$ 3 bilhões que serão, segundo essas fontes, destinados a financiar as empresas construtoras do Minha Casa, Minha Vida credoras do governo, que não tem dinheiro para pagá-las. Levy não gostou do que viu.

A presidente Dilma Rousseff teria manifestado interesse em colocar na Fazenda um nome que saiba vender esperança no futuro. Levy teria ficado muito focado no ajuste fiscal, no entender de fontes do Planalto. Dilma e o ex-presidente Lula querem um ministro que fale em crescimento econômico para mostrar que a recessão e o desemprego são passageiros.

Em conversas com amigos nas duas últimas semanas, Levy comentava que, ao contrário do que se espalhou pelos quatro ventos, sua agenda na Fazenda nunca foi só o ajuste fiscal. No discurso de posse, lembrou que desfiou os principais eixos da política econômica que pretendia imprimir, começando por "enfrentar hábitos arraigados, consertar equívocos e avançar nas reformas para preparar o Brasil pós-commodities".

Se o governo pretendeu focar no fiscal, disse ele, foi porque "provavelmente não quer reformas" e que, muito provavelmente, "ainda pensa, como no caso do impeachment, que pode manter tudo igual só com ajustes de curto prazo".

O custo da deriva fiscal ficou cristalino com o envio, ao Congresso, do Orçamento de 2016 deficitário e a consequente perda do grau de investimento pelas agências de rating Standard & Poor´s, em setembro, e pela Fitch, nesta semana. O preço do ajuste vai aumentar porque o Congresso entra em recesso sem ter votado medidas de aumento de impostos que exigem o princípio da anterioridade.

Levy encontrou as finanças públicas devastadas pelo governo durante o primeiro mandato. Errou por ter firmado uma meta de superávit primário de 1,2% do PIB ainda no fim de 2014, mas não conhecia a extensão da gastança, das pedaladas, dos impactos nos anos seguintes de medidas tomadas até 2014. Nem todas as informações lhe foram passadas durante a transição. Houve uma farta distribuição de generosos subsídios, durante a vigência da nova matriz econômica, as contas não fechavam e o buraco era gigantesco.

Para ele, a agenda de crescimento do Ministério da Fazenda teve início com o "combate ao patrimonialismo", a exemplo do Conselho Administrativo da Receita Federal (Carf), envolvido nas investigações de corrupção da Operação Zelotes, que mesmo diante desse processo passou por profundas reformas.

Sob sua gestão, a Fazenda cortou subsídios sem retorno, com a reoneração parcial da folha de pagamento das empresas. Já anunciados ministros - ele e Nelson Barbosa, no fim do ano passado -, reformaram as condições dos empréstimos do Programa de Sustentação dos Investimentos (PSI), que abriu um rombo de R$ 30 bilhões nas contas públicas.

O Conselho Monetário Nacional sob a presidência da Fazenda, aumentou a TJLP e os juros no plano safra, que haviam gerado pedaladas bilionárias no Banco do Brasil. Reduziu focos de tensão com o TCU dando maior transparência nas receitas e despesas da União e acatando sugestões do tribunal.

Em várias conversas que teve nos últimos dias, o ministro fazia um verdadeiro testamento. Citou que com o ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, fez todo o conserto do setor elétrico, cujas empresas estavam com sérios problemas financeiros por causa das heranças da MP 579, pilar do plano da presidente Dilma Rousseff para baixar as contas de luz. Restabeleceu-se o realismo tarifário e as tarifas de energia aumentaram em média 52% este ano.

Também encontrou uma solução para o fornecimento de energia em condições mais vantajosas à indústria eletrointensiva do Nordeste, que estava à beira do colapso. Lá foram adotadas tarifas compatíveis com a expansão da oferta e reajustes usando a inflação implícita nas NTN-Bs. Esse, aliás, foi o primeiro passo para a desindexação da economia desde o Plano Real, ressaltava.

Após as reformas no setor, o governo conseguiu levantar R$ 17 bilhões em um leilão de hidrelétricas, em que pela primeira vez não houve a triangulação de recursos públicos a partir de financiamentos do BNDES. Parte do dinheiro novo, cerca de R$ 6 bilhões a R$ 7 bilhões, será destinado à capitalização das empresas distribuidoras da Eletrobras, facilitando sua venda e fechando um dos muitos ralos da estatal, comentou.

Outras áreas que estavam sendo abordadas se referiam ao desenvolvimento de financiamentos para as grandes obras que o país demanda, com novas debêntures para a infraestrutura e realinhamento da tributação dos instrumentos financeiros como LCA, LCI e renda variável, dentre outros.

Na área tributária, tentou-se avançar em duas reformas, a do ICMS e a do PIS/Cofins, cuja proposta de introdução do regime de crédito financeiro já está na Casa Civil. A proposta de financiamento da transição do ICMS com os recursos da "repatriação", sem criar mais despesas para o Tesouro Nacional, foi, segundo o Ministério da Fazenda, "descarrilhada" na Câmara dos Deputados, mas voltaria aos trilhos com a proposta de emenda constitucional do Senado.

Levy propôs, com o Banco Central, uma nova lei de punição do sistema financeiro, aproveitando as reformas do novo Código de Processo Civil, que criaria um conselho de recursos especial para o setor de mercado de capitais, separado da área bancária, e um decreto com reforma do conselho recursal da Susep, para melhorar a governança desses órgãos.

A desvalorização do câmbio, apesar do impacto nos preços domésticos, permitiu a queda do deficit na conta corrente à metade e deu um novo alento para os exportadores. Durante esse período, não houve debate no Palácio do Planalto nem na área política e nem na Fazenda sobre a condução da taxa de juros pelo Copom.

A crise política e as investigações da Lava-Jato, porém, deram um tombo na economia e na arrecadação de impostos, inviabilizando o superávit fiscal de 2015. A recuperação da Petrobras ainda não ocorreu e a reforma da Previdência não avançou.

Reconquistar a confiança no Brasil - AÉCIO NEVES

VALOR ECONÔMICO - 18/12
As múltiplas crises que atingem o Brasil -no plano fiscal e econômico, no campo moral e político - se alimentam mutuamente e caminham a passos largos para um agravamento ainda maior, dada a ausência de rumo do governo Dilma Rousseff. É zero a confiança que a gestão do PT inspira hoje tanto nos investidores quanto em quem trabalha e produz. Ou, pelo menos, naqueles que ainda restam depois de o país ser novamente rebaixado.

Vivemos um retrocesso de no mínimo uns 20 anos. Experimentamos sensações que pareciam ter ficado no passado, mas ora ressurgem. Corremos céleres para uma nova década perdida.

É importante entender que as causas por trás da combinação perversa de crescimento negativo, inflação de dois dígitos, desemprego caminhando para ultrapassar 10% já no início de 2016, crescente desequilíbrio fiscal e perda de confiança da população e dos investidores no governo são domésticas, e não externas.

É verdade que o menor crescimento mundial, em especial da China, derrubou os preços de commodities a partir de 2011. Mas nossos vizinhos exportadores de matérias-primas, ao contrário de nós, continuaram e continuam crescendo.

No Brasil, uma sucessão de decisões erradas e políticas de governo ruinosas adotadas desde 2009 geraram o cenário atual, que não é outro senão o de um desastre de grandes proporções, que ora se transforma em aguda crise social. O fracasso poderia ter sido pelo menos atenuado se houvesse nos últimos anos algum compromisso do governo petista que não fosse apenas com seus interesses próprios. Nunca houve.

Neste e no próximo ano duas quedas sucessivas importantes acontecerão: do PIB e da renda per capita, esta acumulando baixa de 9% entre 2014 e 2016. São os brasileiros empobrecendo, é o país andando para trás.

Um exemplo da irresponsabilidade com que o governo vem conduzindo o país - e tudo indica que a vontade da presidente da República é perseverar nos erros - foi a expansão da dívida pública a partir de 2009. O que deveria ter sido um instrumento temporário de combate à restrição do crédito decorrente da crise mundial naquele ano acabou se transformando em política permanente de concessão de subsídios, aumentando o endividamento bruto em mais de R$ 500 bilhões. Quem ganhou com isso?

Em momento posterior, essa expansão da dívida pública e das subvenções dadas levou às pedaladas fiscais, quando o Tesouro Nacional atrasou de forma planejada o ressarcimento dos subsídios concedidos pelos bancos públicos. O problema das pedaladas não foi o Minha Casa Minha Vida ou outros programas sociais, mas sim os empréstimos para empresas amigas e o atraso em pagamentos de subsídios de mais de R$ 50 bilhões.

Ao invés de promover reformas estruturais fundamentais para o país (tributária, trabalhista e previdenciária) e definir marcos regulatórios adequados para atrair investimento privado em infraestrutura, o governo do PT percorreu o caminho contrário: agigantou o Estado, interviu onde não deveria e aprofundou distorções.

Junto a isso, uma política pretensamente nacionalista voltada a aumentar o investimento nos setores de petróleo, gás e energia transformou-se num desastroso controle de preços que levou ao crescente desequilíbrio financeiro das duas principais estatais brasileiras, a Petrobras e a Eletrobras. A conta está sendo paga agora pela população.

A redução forçada das tarifas de energia - em torno de 20% - em 2013 resultou em aumentos de mais de 76% nos últimos dois anos, na queda de investimentos e na paralisia do setor, que precisará ainda de novos aumentos de tarifas para restaurar o equilíbrio dos contratos. Ao mesmo tempo, nossa matriz energética tornou-se mais suja, na contramão da sustentabilidade.

Com o controle artificial dos preços dos combustíveis, a Petrobras foi afetada não apenas no seu fluxo de caixa e no aumento exponencial de seu endividamento, mas também pela sua utilização como instrumento de desvios de recursos públicos para financiar, segundo o STF, uma organização criminosa. Uma empresa de excelência com mais de 60 anos de história foi desestruturada, está hoje imersa em graves problemas administrativos e financeiros, obrigada a cortar investimentos e a vender ativos na bacia das almas.

Como se não bastasse, a estratégia de equívocos foi ainda agravada pela política ideológica que nos isolou do comércio mundial e atrasou ainda mais nosso parque produtivo, hoje reduzido a uma sombra do passado. A cada ano, despencamos nos rankings mundiais de competitividade.

Às consequências de todos esses erros somou-se a constatação de que os brasileiros foram deliberadamente enganados durante as eleições do ano passado: a bonança apresentada e prometida pela presidente-candidata em sua campanha não existia. Com isso, o segundo governo Dilma começou com enorme déficit de credibilidade, o que contribuiu para inviabilizar a agenda de reformas estruturais, muitas vezes adiada, mas necessária para nos tirar da crise.

Ao contrário do que costuma apregoar o governo, o problema do país não é a oposição. O governo Dilma simplesmente não sabe aonde ir e não mobiliza mais sequer sua base política em torno de suas propostas. Como liderar assim um país como o Brasil?

Mesmo se contasse hoje com apoio suficiente no Congresso para fazer os ajustes necessários, como já teve, falta ao governo e ao PT a convicção sobre o quê fazer. Falta-lhes clareza até sobre quais metas almejam com suas políticas públicas. Sua única certeza é tentar dar continuidade a seu projeto de poder, custe o que custar, doa a quem doer.

Vive o país hoje sem parâmetros fiscais, sem perspectiva de retomada de crescimento, sem horizonte para investimentos. O que deveria ser um ajuste fiscal se revelou mero corte de investimentos públicos (redução de 40% reais) e arrocho sobre os trabalhadores. Terminaremos o ano com um déficit primário de 1% do PIB ou de 2% do PIB com o pagamento das pedaladas fiscais. Em qualquer hipótese, o pior resultado já registrado. Ou seja, o buraco fiscal aumentou ao invés de diminuir. Agora, em plena recessão, a saída encontrada pelo PT é aumentar ainda mais os impostos. Assim não dá.

À paralisia e dificuldade em apontar rumos soma-se o cruel aparelhamento da máquina pública feito por um governo que parece acreditar que partido, governo e Estado são as mesmas coisas. Não são.

A verdade é que depois de 13 anos no poder o PT não tem respostas para os principais desafios do país, como educação e saúde com qualidade, oportunidades de trabalho, a simplificação tributária para quem empreende ou a reforma da previdência, entre outros tantos. Não sabe como lidar de maneira equilibrada com o orçamento público, não consegue levar adiante os projetos estruturantes necessários.

O atual governo perdeu a confiança da população, das forças produtivas e as condições básicas para formular e liderar uma ampla coalizão política pró-reformas, capaz de promover a retomada do nosso crescimento econômico. E essa é a base para a construção de soluções capazes de nos tirar do abismo em que fomos colocados: confiança.

O país só retomará o rumo da prosperidade, do desenvolvimento e da verdadeira superação das desigualdades sociais quando voltar a dispor de um novo governo com credibilidade e que inspire confiança em quem trabalha, em quem produz, em quem investe.

Esse caminho precisa ser construído com responsabilidade, dentro dos limites da Constituição, respeitadas as nossas instituições. É pelo que o PSDB vem lutando no Congresso, nas ruas e onde governa. Para o bem do Brasil e dos brasileiros.

Barganhas políticas trazem mais riscos para a economia - EDITORIAL VALOR ECONÔMICO

VALOR ECONÔMICO - 18/12
O governo segue prisioneiro das circunstâncias, sem capacidade de influenciá-las em seu benefício. Não está sozinho na forte correnteza das crises política e econômica. As pedaladas fiscais que motivaram a admissão do pedido de impeachment e os desdobramentos da Operação Lava-Jato tornaram vulneráveis todos os substitutos legais em caso de vacância da Presidência da República. Enquanto isso, a crise econômica está cavando um buraco cada vez mais fundo, diante da incapacidade de reação da equipe econômica, dividida e paralisada.

A sequência de erros do Planalto é incrível. Primeiro, o Brasil perdeu o grau de investimento da Standard & Poor´s, tendo como fato desencadeador imediato o envio de Orçamento com déficit ao Congresso. Mais de quatro meses depois, na metade de dezembro, o governo ainda discutia a meta de ajuste fiscal e enviou ao Congresso uma peça que permite superávit zero. A Fitch rebaixou a nota do país em seguida.

Esse jogo já estava perdido, mas o fato de que o governo, mesmo sabendo das consequências de evitar um ajuste duro nas contas públicas, não tenha reagido mostra que ele não tem uma política alternativa à que levou a economia ao beco sem saída de agora. Na verdade, o Planalto nunca se convenceu de que precisaria conter gastos, apesar de dar essa impressão ao escolher Joaquim Levy para a Fazenda.

A missão de Levy era muito difícil em um governo que perdeu sua base de apoio parlamentar e tornou-se impossível quando grandes obstáculos a suas ações se erigiram dentro do próprio governo. Levy brigou até o fim pela meta de superávit primário de 0,7% do PIB, levando sua posição diretamente ao Congresso, contra a do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e da própria presidente Dilma Rousseff.

O episódio pode ser o último em que o ministro da Fazenda sai derrotado ou com meia vitória. Levy pode deixar o governo ou nele permanecer, uma questão está perdendo importância: o maior risco que ele corre, na prática, é o de tornar-se irrelevante.

A discussão sobre a meta fiscal é um sintoma de deterioração adicional da política econômica de um governo sitiado. Diante da ameaça de impeachment, o Planalto indicou que o momento agora é outro e é preciso fazer mais mesuras aos parlamentares aliados, que não concordariam com nova rodada de aperto de gastos. A mesma toada, para arregimentar governadores contra o impeachment, levou a presidente a abrir a autorização de empréstimos com aval do Tesouro para os Estados, que estavam parados pela resistência sensata da Fazenda. Na defensiva, o governo indica que deverá se contentar com qualquer coisa que lhe permita manter-se à tona enquanto persistir o maremoto político, que parece sem fim.

A crise política também se intensificou, não só pela aceitação do pedido de impeachment, cujo desfecho é nebuloso ou, pelas decisões do Supremo Tribunal Federal ontem, até mesmo reversível. Mas há a sensação de que mesmo o desenlace não colocará fim ao impasse. As pedaladas envolvem o vice-presidente Michel Temer, cuja popularidade é quase tão baixa como a de Dilma. Temer pode até ganhar pontos na disputa política ao se aliar ao mais que suspeito Eduardo Cunha, embora isso piore muito sua imagem e a torne incompatível com a de um líder capaz de conduzir o Brasil durante uma crise de imensa gravidade.

Ainda que legal, a admissão do pedido de impeachment pelas mãos de Cunha retirou parte da legitimidade da bandeira, o que pode ter influenciado na redução do número de participantes das manifestações de rua organizadas pela oposição. Mais alguns meses de ardis e golpes baixos por parte do Planalto e do Jaburu podem cristalizar uma sensação já latente de que ambos não estão à altura de resolver os principais problemas do país.

É uma questão de tempo até Eduardo Cunha perder o mandato e talvez a liberdade. Renan Calheiros bandeou-se para o governo, passou a atirar em Temer nas disputas domésticas do PMDB e pode ter papel relevante no processo de impeachment, já que o STF decidiu que o Senado pode rejeitar o pedido nesse sentido que vier da Câmara. Isso, se durar até lá. As acusações de corrupção se avolumaram contra ele e a Operação Catilinárias colheu pistas nas imediações de Renan.

A incerteza é extrema. O sistema político parece afundar, sem sinais de que um novo esteja surgindo e dessa angústia nasce a impressão de que 2015 é um ano interminável.

Um Sarney sem bigode - NELSON MOTTA

O GLOBO - 18/12

A melhor forma de ajudar Dilma não é concordar com ela, é contrariá-la para evitar suas trapalhadas


Lula e Dilma apregoam ter resgatado da miséria 50 milhões de brasileiros e incluído mais de 40 milhões na classe média. Mas o povo é mesmo ingrato: 68% dos brasileiros disseram ao Ibope que não reconhecem nenhuma melhora na sua vida durante os governos petistas. São provavelmente os mesmos 70% que acham o governo Dilma ruim ou péssimo. O que os fará mudar de opinião?

Quem é contra o impeachment espera que, com alguma sorte e a boa vontade do Senado, Dilma escape. Nesse caso, um destino mais triste a espera: a humilhante “sarneyzação”, e um lugar na história entre os piores presidentes de todos os tempos, dividindo a culpa com Lula e o PT.

Com o delírio fraudulento e irresponsável do Plano Cruzado, Sarney quebrou o Brasil e nos levou à desmoralização e à moratória internacional. Acabou vítima de sua incompetência e de suas mentiras, quando o PMDB, embalado pela falsa prosperidade do Plano Cruzado, ganhou as eleições em quase todos os estados, mas logo em seguida o governo decretou a falência do Cruzado, revelando que estávamos quebrados, no maior estelionato eleitoral de nossa história. Ou o segundo maior.

Além da política econômica desastrosa, da incompetência administrativa e da corrupção sistêmica em seu governo, Dilma foi beneficiária e vítima do estelionato eleitoral do PT, que desmoralizou o seu falso Brasil Maravilha e indignou os seus próprios eleitores quando se viram enganados.

Num exercício de suspension of disbelief, que em dramaturgia significa suspender a desconfiança na ficção para entender melhor o real, acreditemos que ela seja honesta e incorruptível, que jamais tenha sabido de malfeitos em seu governo e suas campanhas. O que ela ainda pode fazer de bom, se nem reconhece seus erros? Depois das suas comprovadas decisões desastrosas, que nos levaram aonde estamos, como confiar em suas crenças e critérios? A melhor forma de ajudar Dilma não é concordar com ela, é contrariá-la para evitar suas trapalhadas.

Sarney, ao menos, fez a transição para a democracia. Dilma valorizou e não atrapalhou a Polícia Federal e o Ministério Público. Virou um Sarney sem bigode.

Pedras no caminho - MERVAL PEREIRA

O Globo - 18/12

As decisões que o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) tomou ontem trazem um alívio momentâneo para a presidente Dilma, que vê aumentarem suas chances políticas de barrar o processo de impeachment, que, mantido o parecer do relator Edson Fachin, estaria muito facilitado. O STF colocou, sem dúvida, pedras no caminho do impeachment, que parecia livre. Mas também retirou a possibilidade de o processo ser acusado de golpista.

A única decisão que me parece exorbitante, no entanto, é a intervenção na Câmara, anulando a eleição da comissão, impedindo que surjam chapas alternativas e determinando que os líderes partidários escolham os representantes, em votação aberta. Ora, se não pode haver disputa, não é eleição, é nomeação.

Agora entraremos em uma disputa política no plenário da Câmara, com o presidente Eduardo Cunha com a espada sobre sua cabeça com o pedido do Procurador-Geral da República para afastá-lo do cargo. Já há deputados pensando em um projeto de resolução que permita a apresentação de chapas avulsas, por exemplo.

A luta interna no PMDB tende a aumentar, com o presidente do Senado Renan Calheiros, agora turbinado pela decisão do Supremo, tentando tomar o controle do partido do grupo de Michel Temer.

Ele aprovou ontem um pedido ao Tribunal de Contas da União (TCU) para analisar os sete decretos que Temer assinou no exercício da presidência, aumentando verbas no Orçamento sem autorização do Congresso, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, mesma acusação que é uma das bases do impeachment contra Dilma.

Assessores de Temer garantem, no entanto, que quando assinou tais decretos, o orçamento ainda estava dentro do previsto, e somente quando as metas já foram estouradas é que eles caracterizam uma quebra da LRF. De qualquer maneira, o gesto hostil de Calheiros demonstra que a divisão do PMDB está cada vez mais acentuada, e aumentará ainda mais com a escolha da nova Comissão.

Se for impossível apresentar uma chapa alternativa, que já tem a maioria do plenário da Câmara, pode ser que a maioria não vote na chapa oficial, derrotando-a politicamente.

Se foi surpreendente que o relator da ação relacionada ao impeachment da presidente Dilma, ministro Edson Fachin, tenha sido derrotado tão largamente na votação do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ontem, não é surpresa que a decisão da maioria tenha sido manter o rito utilizado em 1992 no afastamento do ex-presidente Fernando Collor.

A preocupação do ministro Luis Roberto Barroso, que liderou a divergência e tornou-se o novo relator do caso, foi seguir as normas já definidas pelo STF como corretas para o afastamento de um presidente, e até mesmo dar ao Senado o poder de não acompanhar a Câmara tem sua origem naquela decisão de 1992.

O ministro Fachin havia avançado corretamente em seu entendimento, pois a Constituição é muito clara ao dar ao Senado o papel de “julgar” o presidente que a Câmara considerou passível de impeachment, como destacou em seu voto o ministro Dias Toffolli.

Os ministros de 1992 alargaram os poderes do Senado naquela ocasião, o que foi confirmado ontem pela maioria do Supremo. Essa questão não chamou a atenção no impeachment de Collor por que havia um consenso sobre seu afastamento e tudo decorreu quase que automaticamente.

Hoje, no entanto, o poder do Senado de rejeitar eventualmente o pedido de impeachment tem um peso político muito diferente, pois o senador Renan Calheiros é, até o momento, um defensor da presidente Dilma dentro do PMDB e ganha uma capacidade de barganha política em relação ao Palácio do Planalto muito grande.

Os ministros não quiseram pesar essa situação política específica, ou, para os mais céticos, tomaram a decisão justamente por que ela beneficia em tese a presidente Dilma. Para desgastar essa tese do deliberado favorecimento à presidente Dilma, no entanto, o ministro Barroso foi quem recusou aumentar o quorum para a aceitação da denúncia no Senado contra a presidente, de maioria simples para 2/3, alegando justamente que em 1992 o quorum não fora qualificado.

E o ministro Teori Zavascki trouxe um argumento considerado “matador” nos debates: o quorum de maioria simples no Senado qualificaria a decisão da Câmara, que terá que ser tomada por 2/3 na etapa anterior.

Os lances políticos ainda estão sendo jogados, e tudo indica que somente depois do recesso e do Carnaval, em fevereiro, novos passos serão dados.

Ano novo no inverno - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 18/12

Então ficou assim: o Brasil está em recesso recessivo até março de 2016, infeliz ano novo. Apenas nesse mês se deve tomar alguma decisão sobre a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff. É o que se depreendia ontem do remelexo mais recente da gelatina turva que se tornou a política brasileira em tempos policiais e judiciais.

Quase nenhum dono de dinheiro grosso vai mexer muita palha antes de decisão política maior e pelo menos algum período de observação do andar da nova carruagem. Logo, não devem tomar decisões de investir mais antes da metade do ano, isso se a nova carruagem da política não atolar ou se transformar de vez na barca do inferno.

Esse é o calendário otimista.

No mais, é lodo torvo, nuvem escura e gelatina turva.

Para começar, não há de fato mais ministro da Fazenda, sendo irrelevante quantos dias mais Joaquim Levy permaneça oficialmente no cargo. É possível que não venha a haver mais ministro da Fazenda, sob Dilma Rousseff.

A presidente pode reassumir integralmente a função ou, de um modo ou outro, não será mais propriamente presidente, por impeachment ou renúncia branca. Entenda-se.

Na primeira hipótese, Dilma Rousseff nomeia alguém que, grosso modo, cumpra as suas vontades ou cumpra tabela, uma política de feijão com arroz que apenas evite desastre extra. Na segunda hipótese, apenas nomeia um ministro independente e minimamente crível se renunciar a suas convicções, se der "carta branca" ou algo assim. Isso não quer dizer que o novo ministro tenha condições de trabalhar, pois a política continua se desmilinguir.

Segundo, mesmo que Dilma seja deposta, em março ou abril, começa a haver dúvidas sobre a estabilidade e a viabilidade do sucessor, Michel Temer e seu PMDB. O negócio sempre pode se arranjar no partido, ainda mais se cair um governo no colo. No entanto, há uma briga de faca em público, como raramente se vê no PMDB. Entre outros danos, a Lava Jato deflagrou uma guerra na confederação dos caciques.

O plano, irrealista ou não, de Renan Calheiros para salvar seu pescoço implica esfaquear Michel Temer, como se sabe. Temer conta carneirinhos deputados para o impeachment –teria entre 38 e 42 votos dos 69 deputados do PMDB. Calheiros, pela hora da morte, se abraça a Dilma Rousseff no naufrágio. Além de avacalhar Temer em público, ameaça o vice-presidente com processo no TCU, entre outras estocadas.

E daí? Esse é o partido que vai coordenar a "união nacional" na "ponte para o futuro"? Um partido em guerra, de caciques com ficha suja ou sob ameaça de cadeia? É o que se pergunta muita gente graúda, no meio da oposição e do dinheiro.

Além do mais, há rumores constantes, que vazam do próprio Planalto, de que o governo quer dar outro rumo a isso que chama de política econômica, que na verdade não existe. Isto é, a "nova" política seria de "acomodação", no dizer de alguns, de "equilíbrio", no de outro, mais "autêntica e compatível" com Dilma Rousseff e, até isso se diz, uma "virada responsável à esquerda".

Tudo isso está no radar de quem investe dinheiro pesado. O cidadão comum, por sua vez, sentirá um choque no início do ano. Parece que afundaremos no pântano até meados do ano. Pelo menos.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

DILMA IMOBILIZA PMDB AMEAÇANDO COM DEMISSÕES

A presidente Dilma atuou diretamente no esforço para devolver a liderança do PMDB ao deputado Leonardo Picciani (RJ), hoje o principal aliado do Planalto na Câmara, porque sabe que a adesão dele ao governo desestabiliza Eduardo Cunha, seu maior adversário. Nesse sentido, a presidente considera demitir ministros do PMDB que não se posicionem claramente distantes de Cunha e do vice Michel Temer.

CORDA NO PESCOÇO
Estão ameaçados Celso Pansera (Ciência e Tecnologia), Helder Barbalho (Portos), Henrique Alves (Turismo) e Marcelo Castro (Saúde).

JOGANDO DURO
Um conselheiro de Dilma nessa nova atitude é o presidente do Senado, Renan Calheiros. Ela ameaça também cortar emendas parlamentares.

QUERIDINHA DA MADAME
Dilma só não quer demitir a ex-adversária e nova amiga Kátia Abreu (Agricultura), que se desentendeu dias atrás com o tucano José Serra.

PARTICIPAÇÃO ATIVA
“A própria presidente telefonou para os deputados”, conta Osmar Terra (RS) sobre a atuação de Dilma por Picciani. Ele avisou: haverá troco.

LAVA JATO: SENADORES QUEREM A SAÍDA DE CARDOZO
Desde a última investida da Polícia Federal, na terça (15), o Senado engrossou o coro pela cabeça do ministro José Cardozo (Justiça). O PMDB na Casa, até agora resistente ao impeachment da presidente Dilma, acena pelo avanço do processo caso a PF não seja “domada”. O problema é que Cardozo, que já esteve demissionário após ser preterido para o Supremo Tribunal Federal, nunca esteve tão forte.

MAIOR ALIADO
Entre os ministros de Estado, José Eduardo Cardozo é apontado como o maior aliado de Dilma: é dele a função de monitorar a Lava Jato.

INIMIGO COMUM
Estimulados pelo ex-presidente Lula, petistas também querem Cardozo fora. Lembram das prisões de quadros do partido, como José Dirceu.

ESCOLHIDOS
Senadores dão razão a Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ao questionar falta de ação contra petistas. Citam a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).

NAS MÃOS DE RENAN
A cúpula do PT não sabe se comemora a decisão do Supremo que condicionou o impeachment ao Senado: o papel do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, foi muito enfraquecido mas, em contrapartida, fortalece (e demais), o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL).

DELÍRIO PETISTA
Dilma compartilhou com Lula e ministros sua irritação com a posição dos ministros Edson Fachin e Dias Toffoli sobre o rito do impeachment. Devem achar que magistrado tem de pagar a nomeação com a toga.

PAPYROFOBIA
O ex-ministro do Turismo Vinícius Lages, atual chefe de gabinete do senador Renan Calheiros, baixou a ordem: qualquer papel só pode ser colocado sobre a mesa do chefe depois de passar pelo seu crivo.

NADA DE MANOBRAS
O deputado Marcos Rogério (PDT-RO), relator do processo no Conselho de Ética contra Eduardo Cunha, nega que tenha agido para beneficiá-lo. "Enfrentaremos as manobras regimentais", avisa.

CAVALO PARAGUAIO
O deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) define Leonardo Picciani (PMDB-RJ), que retornou ao comando da bancada do PMDB, de “liderança paraguaia”. “Daqui a pouco ele cai outra vez”, garante.

QUEDA DE BRAÇO
A turma do PMDB sob liderança de Eduardo Cunha aguarda o retorno de três deputados que saíram do governo Pezão para desequilibrar o jogo. E uma nova lista destituirá Leonardo Picciani (RJ).

ALIADO INFIEL
No Planalto houve estranhamento dos dois votos do PP contra o seguimento do processo que pede a cassação de Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Em tese, o partido (ainda) é da base governista.

#PARTIUPDT
Secretário de Fernando Haddad (PT-SP), Gabriel Chalita deve mesmo deixar o PMDB, que fez uma opção clara pela filiação da senadora Marta Suplicy (SP). A expectativa é que Chalita se filie ao PDT.

PENSANDO BEM...
...após o novo rebaixamento, perdendo o selo de bom pagador, o Brasil terá de lutar muito até para se manter na segundona, em 2016.

Estratégia imoral - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO -18/12
Interessa muito ao governo de Dilma Rousseff e aos corruptos em geral espalhar a versão segundo a qual a Operação Lava Jato é a responsável pela instabilidade política e econômica do País. Ao atingirem gente graúda por suspeita de participação nesse grande escândalo, as autoridades policiais e judiciais, conforme essa interpretação, comprometem o trabalho do Congresso e assustam o meio empresarial, prejudicando o País no momento em que este mais precisa de serenidade.

Embora seja de um cinismo patente, tal visão tem conquistado adeptos. Por essa razão, e por incrível que pareça, tornou-se necessário enfatizar, com todas as letras, que a instabilidade que hoje paralisa o Brasil é resultado do comportamento devasso dos políticos e empresários envolvidos no assalto ao Estado patrocinado pelo governo petista, e não do esforço da polícia, do Ministério Público e da Justiça para pôr cobro nesse descalabro. Se não houvesse a esbórnia do petrolão, do mensalão e de outros escândalos menores, não haveria crise nas atuais dimensões. E essa crise só será superada quando a Justiça cumprir integralmente sua missão.

Trata-se de uma constatação elementar, mas parece que, em meio ao tumulto em que se transformou a vida política nacional, o óbvio já não é mais tão ululante – para satisfação dos que têm culpa no cartório. Todos concordam – alguns mais por conveniência do que por convicção – que é preciso punir os corruptos, mas há quem sustente que a Lava Jato, com suas complexas conexões e seus desdobramentos imprevisíveis, adiciona insegurança a um cenário já suficientemente abalado. “O que nos preocupa é a instabilidade política que isso gera”, comentou o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), em agosto. De lá para cá, essa visão que toma o efeito pela causa só tem se espalhado. Trata-se de uma tentativa de minimizar a avassaladora crise moral produzida pelo aparelhamento inescrupuloso da máquina do Estado pelo PT, acolitado por empresários e funcionários desonestos.

Essa visão interessa muito a Dilma, ao PT e a seus parceiros, que precisam desesperadamente desmoralizar a Lava Jato. A operação, como se sabe, frustrou um gigantesco sistema de arrecadação criminosa de fundos públicos, que atendia a interesses os mais diversos dentro do condomínio de poder construído por Lula e mantido por Dilma. Era essa base, alicerçada na corrupção e no compadrio, que prometia garantir fartura de recursos para sedimentar o lulopetismo no poder. Agora, com esse edifício de desfaçatez exposto à luz do dia, cresce a certeza de que ninguém – ninguém, frise-se – será poupado. “Tem tanta coisa para acontecer ainda nessa Lava Jato”, disse o lobista Fernando Baiano, delator da Lava Jato. É justamente isso o que apavora o governo.

O Planalto nunca escondeu seu desconforto em relação à Lava Jato, o que é natural, dado o envolvimento de muitos de seus inquilinos nos escândalos. Tratou de insinuar, por exemplo, que a operação contra próceres do PMDB, inclusive ministros, foi açodada. Em nota, a Presidência disse esperar “que todos os investigados possam apresentar suas defesas dentro do princípio do contraditório” – como se as buscas não tivessem sido autorizadas pelo Supremo Tribunal Federal, guardião das garantias constitucionais.

Ao mesmo tempo, o governo alardeia que a operação tende a agravar a instabilidade política. A estratégia é recorrente. Em julho passado, por exemplo, Dilma disse, em reunião com seus ministros, que “o pior é a instabilidade” política e econômica causada pela Lava Jato. “Para vocês terem uma ideia, a Lava Jato provocou uma queda de um ponto porcentual no PIB brasileiro”, afirmou Dilma, numa tentativa torpe de atribuir às ações da Justiça a culpa pelo desastre econômico causado apenas por sua incompetência. Na mesma época, a Fundação Perseu Abramo, do PT, afirmava que a Lava Jato “criou um cenário de incerteza política que impede a criação de coalizões sólidas, que permitam ao governo implementar sem maiores custos seu projeto” – isto é, responsabilizou a operação policial pelo desastre político que tem sido o governo Dilma.

Cabe aos brasileiros honestos não se deixarem levar por essa tentativa imoral de constranger os que se empenham em limpar o monturo acumulado por essa gente.

Dilma decreta agravamento da crise econômica - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 18/12

O sinal do governo de que atenuará um ajuste que sequer começou se soma à alta de juros nos EUA e ao rebaixamento do Brasil, para formar uma tempestade perfeita


O segundo mandato de Dilma padece de um conflito até aqui insuperável — ela pode concordar que seja necessário um ajuste fiscal, mas equilibrar o Orçamento pelo corte de despesas vai contra sua fé ideológica no “desenvolvimentismo”.

A presidente vive o tormento de ter causado uma das maiores crises fiscais da História — ao colocar em prática, com a ajuda de Guido Mantega e Arno Augustin, o tal “novo marco macroeconômico” —, e não conseguir aplicar a terapia indicada para o caso, por ir contra suas convicções. E assim Dilma termina contribuindo para agravar ainda mais os problemas, num caso indicado para divã psicanalítico de tratamento de transes causados por conflitos entre fé e realidade.

A desautorização do ministro Joaquim Levy, na escolha da meta de superávit para 2016 — 0,5% do PIB contra o 0,7%, defendido por Levy — é esclarecedora. A meta proposta pelo ministro da Fazenda já era muito tímida diante do desastre fiscal, mas Dilma, ao ficar com a posição mais heterodoxa do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, ligado ao PT, escolheu um lado — que é o seu , e não o de Levy. O ministro não tem mesmo mais nada a fazer em Brasília.

Esta sinalização não é de hoje. Raro momento em que ela agiu na prática a favor do ajuste. E, vê-se, permite transitar pelo Planalto teses inconsistentes como a de que a recessão que se aprofunda é causada pelo ajuste fiscal. Ora, o ajuste efetivo sequer começou a ser feito. O desaquecimento da economia já vem da segunda metade do primeiro mandato de Dilma. O próprio “novo marco”, ao desequilibrar as contas fiscais e esgotar a via do consumo para acelerar o crescimento da economia, forçou a retração dos investimentos e gerou inflação — maquiada pelo congelamento de tarifas e preços públicos.

Outra falácia é usar-se o pretexto da defesa do Bolsa Família para não se adotar a meta de 0,7% do PIB. Os gastos continuam em alta — tanto que o déficit nominal se mantém no nível de insustentáveis 9% do PIB —, e seria bastante factível realizar cortes em outras áreas para preservar o BF na totalidade. A já crítica situação fiscal se agravará, porque a economia não reagirá diante da mensagem do Planalto de que se prepara para atenuar o arremedo de ajuste feito até agora.

A isso se soma a primeira alta dos juros americanos, em sete anos, e o recente rebaixamento da nota de risco do Brasil pela Fitch. Com dois rebaixamentos que resultam na cassação do selo de baixo risco — o outro havia sido da S&P —, fundos de investimento de peso são obrigados, por estatuto, a vender os títulos do Brasil.

O movimento é reforçado pela elevação de juros americanos, pois os títulos públicos dos EUA, os mais seguros do mundo, se tornam mais rentáveis e tendem a atrair divisas de economias sem perspectivas, como a brasileira. Disso resultam mais desvalorização cambial, mais inflação, mais recessão. O recuo de Dilma no ajuste ajuda a compor uma tempestade perfeita