segunda-feira, maio 31, 2010

MARCELO DE PAIVA ABREU

Brasil fanfarrão

Marcelo de Paiva Abreu
O Estado de S. Paulo - 31/05/2010
 

As avaliações das ações diplomáticas brasileiras em relação à política nuclear do Irã têm sido marcadas por intensa radicalização das análises. Obra de gênio ou protagonismo irresponsável? É uma história sem mocinhos. Mas alguns são mais bandidos do que outros. O Brasil, buscando exposição para consolidar o seu pleito por reconhecimento como voz global. Os EUA, com posição mais marcada pelas limitações da sua política interna do que por compromisso efetivo com a contenção do projeto nuclear iraniano. O Irã, signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), em busca de formas de se desvencilhar de suas obrigações e disposto, em meio a imprecações contra Israel e os EUA, a desenvolver armas que possibilitem o reequilíbrio estratégico no Oriente Médio. No fundo da quadra, na raiz da reação iraniana, Israel, não signatário do TNP, confiando em seus artefatos nucleares como peças cruciais de dissuasão a um ataque de vizinhos hostis.

A análise de custos e benefícios indica que, embora a intermediação brasileira tenha aumentado a visibilidade global do Brasil, a postulação a um assento no Conselho de Segurança da ONU foi negativamente afetada. As relações bilaterais com os EUA se deterioraram ainda mais, a despeito das assertivas diárias de altos funcionários brasileiros de que elas nunca foram tão boas. Já antes da visita de Lula a Teerã era clara a animosidade de círculos do governo dos EUA quanto ao que diagnosticam como antiamericanismo visceral da atual diplomacia brasileira.

A controvérsia em torno da carta de Obama a Lula sobre o formato de um compromisso sério iraniano em relação ao seu programa nuclear suscita mais perguntas do que respostas. Seria, obviamente, mais produtivo discutir a carta com base em mais informações sobre as circunstâncias que cercaram o seu envio e vazamento. Cabem dúvidas sobre a coerência dos EUA, ao incitar o Brasil a ser intermediário de Teerã e promover a aplicação de sanções antes que o Irã formalizasse seu compromisso. Mas em que medida o governo brasileiro se prontificou, um tanto apressadamente, a ser simples executor de política definida previamente por Washington? Faltam peças no puzzle.

A insistência dos EUA, e agora de boa parte dos membros do Conselho de Segurança, na insuficiência dos compromissos iranianos tem que ver com a concomitante declaração de Teerã de que continuará a enriquecer urânio com teor compatível com o uso em artefatos nucleares. Mesmo os russos, agora vilipendiados pelos iranianos, parecem convencidos da inadequação dos compromissos do Irã na esteira da iniciativa do Brasil e da Turquia. Para não falar da França, curioso "parceiro estratégico" do Brasil. A pergunta que fica é: o que é mesmo que o Brasil estava fazendo por lá?

Em todo o episódio, há como pano de fundo um distinto clima de saudades mal disfarçadas do Brasil Grande com ambições nucleares. Faz parte do "ethos" brasileiro lidar mal com insucessos e, também, com sucessos. Quanto ao sucesso, essa ciclotimia estrutural se manifestou pela última vez na esteira do boom econômico de 1968-1973. Muitos se lembrarão do clima de bazófia coletiva que tomou conta de um país que "ninguém seguraria". Quem viveu viu no que deu. As atuais perspectivas de melhoria do desempenho econômico estão levando a um aquecimento de expectativas que evoca a década de 1970.

Quanto às tentações nucleares, apesar de o Brasil ser signatário do TNP, como corolário da Constituição de 1988, há registro de declarações do vice-presidente da República e do ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos que sugerem arrependimento quanto ao assunto. No contexto do episódio iraniano essas declarações são preocupantes e é natural que provoquem desconfiança entre nossos parceiros e, sobretudo, entre nossos vizinhos. Devemos ter tanto medo do Brasil fanfarrão quanto do Brasil vira-lata.

Qualquer que seja o juízo sobre a diplomacia recente do Brasil, é evidente que Lula não terá substituto como ator principal numa tentativa de continuação da política externa brasileira baseada no protagonismo. Alguém imagina Serra ou Dilma Rousseff ? com o véu de estilo ? se abraçando ao Mahmoud Ahmadinejad do dia?

A política externa terá de ser reconstruída com base em premissas diferentes: terá de voltar a ser política do País, e não do presidente. O abandono da ênfase nos fogos de artifício abrirá caminho para uma política externa calcada em interesses concretos, com foco em resultados mais permanentes. O candidato José Serra aponta para uma prioridade essencial: a reconstrução do Mercosul, levando em conta as crônicas dificuldades em relação à sua implementação, com possível recuo para uma zona de livre comércio. Isso abrirá espaço para que o Brasil negocie acordos comerciais que deem substância a iniciativas políticas ora em curso, notoriamente no caso do bloco do Bric.

Por último, mas não menos importante, é necessário reconstruir a relação bilateral com os EUA, sem levar em conta posições principistas ingênuas e, sim, os reais interesses do Brasil.

PARABÉNS

31/05
ANIVERSÁRIO DO BLOG

4 ANOS DE INFORMAÇÃO

MÔNICA BERGAMO

Didi no mundo 
Mônica Bergamo 

Folha de S.Paulo - 31/05/2010

Didi Wagner volta a apresentar no dia 7 de junho o "Lugar Incomum", do canal Multishow. Na estreia da atração, ela mostra um roteiro alternativo de Londres, com várias dicas de passeios, pubs e lojas.

EMBOSCADA NOS ESTÁDIOS

Por "sugestão" de patrocinadores da Copa 2014, o Senado está discutindo projeto que cria uma zona "livre" ao redor dos estádios em que serão realizados os jogos no Brasil. A ideia é proibir que empresas concorrentes façam o "marketing de emboscada" perto das arenas, invadindo o espaço dos patrocinadores para promover suas marcas.

FORMIGUINHA
A ideia promete polêmica. Como um bar que fica perto do Morumbi e vende a cerveja Devassa, pregando cartazes dela nas paredes, por exemplo, terá que atuar já que a Brahma é patrocinadora da Copa 2014? O senador Jefferson Praia (PDT-AM), relator do projeto, diz que vai chamar representantes de microempreendedores para participarem da discussão.

VIRTUAL
Ana Hickmann deve lançar neste ano o seu site de e-commerce com os produtos que licencia, que poderão ser adquiridos na web. Só de bolsas são 68 modelos. A apresentadora quer também abrir uma loja, em 2011, com mercadorias de sua grife -inclusive as que já saíram de linha.

VIZINHANÇA
Por pouco Dilma Rousseff (PT) não cruza com o vice de Marina Silva (PV), o empresário Guilherme Leal, nos corredores do prédio da Votorantim, na rua Amauri, em SP. Há alguns dias, ela foi recebida em almoço reservado pela família Ermírio de Moraes (Fábio, Carlos e José Ermírio de Moraes Neto). É que Guilherme, dono da Natura, tem escritório no 3º andar. A Votorantim fica do 10º ao 16º.

DEZENA
Como os patriarcas da família Ermírio de Moraes, Guilherme é um dos poucos brasileiros já citados na lista de bilionários da "Forbes".

MODA POPULAR
Pela primeira vez em 29 edições, um "lounge" da SPFW (São Paulo Fashion Week) estará aberto para pessoas que não têm convites. O espaço, patrocinado pela C&A, terá TVs que vão exibir os desfiles. Apesar de ser instalado na Bienal, o local não dá acesso ao interior do prédio e nem às passarelas. Também não haverá comes e bebes. O evento de moda começa no dia 9 de junho.

TROPA GLOBAL
Executivos da Globo Filmes se encontraram recentemente com o diretor José Padilha, de "Tropa de Elite", num evento de cinema. Por conta disso, circulou a informação de que a empresa poderia se associar ao cineasta. "Conversamos sobre datas de estreia, nada mais", diz Padilha. "Tropa" chega às telas no mesmo dia que "Nosso Lar", inspirado no livro psicografado de Chico Xavier: 3 de setembro.

DANIEL ATACA DE NOVO
E a Globo quer transformar a novela "Saramandaia", de Dias Gomes, em filme 3-D. Com Daniel Filho na direção.

SEM CENSURA
Na página que criou para celebrar seus cinco anos de existência, o YouTube fez um mapa com 70 vídeos do período. Entre eles está a surpreendente entrevista que Gilmar Mendes, ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), deu ao site em abril. Nela, o ministro responde a perguntas de internautas, sem pré-seleção nem censura. Apesar do incômodo de alguns questionamentos, o vídeo acabou, como se vê, entrando para a história.

VÃO-SE OS ANÉIS
O restaurante Leopolldina, que funciona na Villa Daslu, vai fechar quando a marca que dá nome ao espaço mudar para o novo shopping JK, em 2011. Já as baladas Buddha Bar e a recém-aberta Kiss & Fly não vão deixar o endereço. O restaurante Forneria ainda não definiu o seu destino.

DA GUITARRA ÀS CARRAPETAS
Depois do show em São Paulo, o tecladista e guitarrista da cantora Cat Power, Gregg Foreman, virou DJ do Bar Secreto.

CURTO-CIRCUITO
O cardiologista Roberto Kalil Filho foi escolhido para ser o padrinho da área de saúde da Apae pelos próximos dois anos.

A exposição "Copas do Mundo de A a Z", nova mostra temporária do Museu do Futebol, no estádio do Pacaembu, será inaugurada hoje. O evento começa às 19h.

O diretor Oliver Stone participa da pré-estreia do documentário "Ao Sul da Fronteira", hoje, às 21h, no teatro da Faap.

A jornalista Lulie Macedo, editora da Serafina, dá o curso "Edição de Revistas - Modo de Fazer", amanhã, às 19h30, no espaço Polo de Pensamento Contemporâneo, no Rio.

GOSTOSA

PAINEL DA FOLHA

Onde pega
RENATA LO PRETE

FOLHA DE SÃO PAULO - 31/05/10

Na origem do desentendimento entre Cezar Peluso e Gilmar Mendes a propósito do custo do mutirão carcerário está a insatisfação da magistratura paulista, da qual o atual presidente do CNJ é egresso, com providências tomadas na gestão de seu antecessor.
Foi na era Gilmar que o conselho acabou com o "auxílio-voto" -contratação de juízes de primeira instância para absorver parte do trabalho dos desembargadores, prática disseminada no TJ-SP. Foi também sob Gilmar que o CNJ proibiu a venda de 30 dos 60 dias de férias dos juízes. Tudo somado, há quem sinta no ar o intuito de limitar o raio de ação do conselho.

É fria Técnicos do CNJ disseram ontem ter alertado previamente auxiliares de Peluso para o fato de que a cifra de R$ 7 mi, citada por ele em reunião do conselho como correspondente ao total de gastos com o mutirão, estava errada. Foram R$ 4 mi.

Geografia Na gestão Peluso, o departamento do CNJ encarregado do sistema prisional está sob a responsabilidade de dois juízes do Rio Grande do Sul, Estado que não participou do mutirão.

E só No discurso de posse de Peluso, chamou a atenção de um convidado ilustre a observação de que "cabe ao conselho zelar pela autonomia dos tribunais", não acompanhada de referência à possibilidade de intervenção federativa representada pela existência do CNJ.

Consultório Fernando Pimentel (PT) conversou na quinta-feira passada com o marqueteiro Duda Mendonça. O movimento confundiu ainda mais os que ainda não sabem se o ex-prefeito de BH permanecerá na coordenação da campanha de Dilma Rousseff ou se lançará candidato ao governo de Minas.

Ele voltou Marcus Flora, número dois da Secom na era Luiz Gushiken, reapareceu do exílio provocado pelo escândalo do mensalão. Está analisando pesquisas para a campanha de Dilma.

Pela ordem O QG de Dilma não se alarma com a constatação, feita pelo Datafolha, de que seus eleitores consideram Serra mais experiente. Segundo pesquisas internas, os atributos mais valorizados seriam compromisso com os mais pobres, ideias novas e honestidade.

Piscou pra mim 1 A semana começa com tucanos e petistas igualmente confiantes na perspectiva de sacramentar aliança com Osmar Dias (PDT) no Paraná. Os primeiros querem que o senador dispute a reeleição na chapa de Beto Richa (PSDB). Os segundos, que ele se lance ao governo, ancorando o palanque de Dilma no Estado. Os dois lados afirmam ter recebido sinais de compromisso do pedetista.

Piscou pra mim 2 Candidato ao Senado, o ex-governador Roberto Requião (PMDB), que vive aos tapas com o PT, no momento trabalha em rara sintonia com o partido. Quer afastar a concorrência de Osmar Dias.

Um dia... Voltou a crescer a pressão para que ACM Júnior (DEM) aceite se recandidatar ao Senado pela Bahia. O argumento é que a chapa encabeçada pelo correligionário Paulo Souto padece de um nome eleitoralmente forte em Salvador e na região metropolitana.

...depois do outro O esforço para vitaminar o palanque de Paulo Souto, esteio de José Serra no quarto colégio eleitoral do país, visa empurrar para o segundo turno a disputa com o governador Jaques Wagner (PT), líder isolado nas pesquisas.
com LETÍCIA SANDER e DANIELA LIMA

tiroteio

"Encomendamos um novo estudo para fazer uma reforma administrativa de verdade no Senado. Quem está criando caso queria aprovar um absurdo na surdina." DO SENADOR PEDRO SIMON (PMDB-RS), sobre as críticas à contratação de nova consultoria da Fundação Getúlio Vargas.

contraponto

Bola de cristal

Na semana passada, quando o ministro Marcio Zimmermann (Minas e Energia) falava a uma subcomissão do Senado sobre a construção da hidrelétrica de Belo Monte, Flexa Ribeiro (PSDB-PA) aproveitou para dizer que José Serra, se eleito, dará continuidade e ampliará os projetos do governo nessa área. Foi interrompido pelo colega Delcídio Amaral (PT-MS), que protestou:
-Você está fazendo campanha...
O tucano rejeitou de pronto a acusação:
-Não é campanha, é premonição!

CARLOS ALBERTO DI FRANCO

Políticos e 'legalidade' versus ética
Carlos Alberto di Franco 
 O Estado de S.Paulo - 31/05/10

A imprensa paranaense está escrevendo um belo capítulo na história do jornalismo de qualidade, um exemplo a ser seguido por todos nós. A investigação ética é sempre a melhor aliada da cidadania. Foi o que se viu na série de reportagens do jornal Gazeta do Povo e da Rede Paranaense de Comunicação (RPC-TV), veiculadas em meados de março. Os repórteres Katia Brembatti, Karlos Kohlbach, James Alberti e Gabriel Tabatcheik devassaram uma poderosa máquina de corrupção que, há anos, domina o Poder Legislativo do Paraná.

A Assembleia Legislativa do Paraná escondeu 56,7% de seus atos em diários avulsos, inacessíveis ao público, muitos sem numeração e publicados em datas aleatórias, desconectadas da época dos fatos publicados. A prática encobria uma impressionante máfia administrativa. Os repórteres tiveram acesso a mais de 700 diários editados entre 1998 e 2009 e durante dois anos cruzaram o conteúdo das publicações. Não foi dossiê encaminhado à redação. Foi um formidável investimento em jornalismo investigativo. Essa aposta na denúncia bem fundamentada revelou situações como a da agricultora Jermine Leal e sua filha Vanilda Leal, moradoras em casas pobres, de chão batido, na área rural de Cerro Azul, a 100 quilômetros de Curitiba. Sobrevivem graças ao Bolsa-Família. Mas na documentação da Assembleia Legislativa do Paraná apareciam como beneficiárias de R$ 1,6 milhão ao longo de cinco anos, dinheiro que nunca viram. O exemplo é só uma casquinha de noz num mar de podridão, corrupção e cinismo.

Os promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) já comprovaram que o esquema de corrupção montado dentro da Assembleia Legislativa desviou pelo menos R$ 26 milhões dos cofres públicos. Esse valor equivale aos depósitos feitos pela Casa na conta bancária de 17 funcionários fantasmas. A estimativa dos promotores, no entanto, é de que o desvio total chegue a R$ 100 milhões. Até o momento, 18 pessoas foram presas por conexão com o esquema criminoso.

Diante do quadro levantado pela série de reportagens, a seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) lançou, há três semanas, o movimento "O Paraná que Queremos", que em carta aberta conclama a sociedade paranaense a pedir transparência no Legislativo e a punição dos envolvidos nas denúncias. A conclamação surtiu efeito. O movimento chegou até agora à marca de 142 adesões de entidades ? Universidade Federal do Paraná (UFPR), Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), Federação do Comércio do Paraná (Fecomércio), Associação Paranaense dos Juízes Federais (Apajufe), Sindicato das Escolas Particulares do Paraná (Sinepe) ?, 136 de empresas e 152 de pessoas físicas. O movimento, um autêntico grito da cidadania, mostra que a sociedade reage positivamente às denúncias da imprensa.

A Assembleia Legislativa do Paraná, numa reação recorrente em situações semelhantes, classificou como ilegal e antidemocrática a campanha "O Paraná que Queremos". Em carta intitulada Por um Paraná justo, legal e ordeiro, entregue à OAB-PR, o procurador do Legislativo Marco Antonio Marconcin afirma que os anúncios de adesões publicados pela OAB-PR na Gazeta do Povo e exibidos na RPCTV ferem "o princípio da legalidade e respeito às instituições no marco da democracia constitucional". A carta da Assembleia afirma que a campanha incita à desordem e "compõe um chamamento temerário de quebra do respeito devido às instituições legais; configurando incitamento à comoção social e, no limite, violação da ordem pública por afronta à legalidade democrática, ao investir de forma generalizada contra a Assembleia Legislativa, no exercício constitucional do Poder Legislativo Estadual". Marconcin diz ainda que a OAB não observa o "devido processo legal" e faz prejulgamento da "generalidade dos deputados, dos servidores e da instituição parlamentar". É o comportamento de sempre. "Legalidade" versus ética. Presunção de inocência versus transparência nos assuntos públicos. Como se fosse possível construir o Estado de Direito de costas para os valores éticos.

Armação da imprensa. Distorção da mídia. Patrulhamento de jornalista. Quantas vezes, caro leitor, você registrou essas reações nas páginas dos jornais? Inúmeras, estou certo. Elas estão contidas, frequentemente, em declarações de políticos apanhados com a boca na botija, no constrangimento de homens públicos obsessivamente ocupados com a privatização do dinheiro público e no cinismo dos que usam a "legalidade" como escudo protetor para a prática da delinquência. Todos, independentemente da contundência de suas impressões digitais, negam tudo. Procuram, invariavelmente, um bode expiatório para justificar seus delitos. A culpa é da imprensa! A acusação é uma manifestação explícita de desprezo pela verdade e de desrespeito ao cidadão.

Registro, entusiasmado, o bom exemplo dos jornalistas do Paraná: uma denúncia sólida e irrefutável. Complementa-se o dever da denúncia com o que eu chamaria de jornalismo de buldogues. Precisamos, todos, ser a memória da cidadania. Seria bom, em período eleitoral, relembrar o nome dos deputados e funcionários que participaram ativamente dos desmandos criminosos.

É dever ético da imprensa promover uma ampla conscientização popular da relevância que os cargos públicos têm e da importância de que pessoas absolutamente idôneas os ocupem. Os programas eleitorais vendem uma bela embalagem, mas, de fato, são vazios de conteúdo. Nós, jornalistas, devemos ser o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de desnudar o que o marketing esconde.

ANCELMO GÓIS

Lula na África
Ancelmo Góis 
O Globo - 31/05/2010

Lula vai a Johannesburgo dia 10 de julho para a festa da CBF de lançamento da Copa de 2014 no Brasil.

Vosso ministro
A imprensa portuguesa faz a festa por causa do encontro no Rio, semana passada, de José Sócrates com Chico Buarque no apartamento do músico.

O gabinete do primeiro-ministro espalhou que o encontro foi pedido pelo Chico. Mas, segundo o jornal “Público”, o artista desmentiu: “Foi o vosso ministro quem pediu o encontro.”

Aliás
Deve ser terrível viver num país onde tem político que tenta tirar uma casquinha de artistas

Falta garagem
Veja como a Rocinha abriga gente de classe média.

Será instalado perto do Complexo Esportivo um estacionamento para 143 veículos e um miniterminal para 20 vans.

Pé no jato
Dilma Rousseff, depois de Nova York, tem convites para visitar, durante a campanha, a França, a Espanha e Portugal

No mais
Lula (ou seria Serra?) provoca um rebolation ideológico no velho dilema “esquerda/direita”.

Caetano é eleitor de Marina.

Mas disse em sua coluna no GLOBO que entre Serra e Dilma acha que prefere a petista, já que, lamenta, “Serra está à esquerda da política econômica de Lula”. Em 2006, o artista votou em Alckmin.

Em quadrinhos
“O alquimista”, de Paulo Coelho, que já vendeu 65 milhões de exemplares, vai sair em setembro nos EUA numa versão em quadrinhos.

Será editado pela americana HaperCollins junto com a inglesa Sea Lion

DEVE SER
terrível viver num país em que cenas como esta acontecem. O flagrante-delito é do coleguinha Ivo Gonzalez.

Mostra uma fileira de carros sobre uma calçada do elegante bairro de Randburg, perto de onde a seleção de Dunga treina em Johannesburgo. Fala sério

Neymar na África
O país da Copa vai assistir pela TV ao... Campeonato Brasileiro.

É que o canal SuperSport comprou os direitos de transmissão.

A TV do país de Mandela chama o campeonato de Brasileirão, no aumentativo, bem à moda paulista.

Adriano no Fla
O comercial anuncia as atrações do campeonato.

Do Corinthians, claro, Ronaldo.

Do Flamengo, Adriano (que já deixou o clube) e do Santos, veja só, o astro é... Neymar — apesar de Robinho, seu colega de time, estar na Copa.

Campinas-Lisboa
A TAP vai inaugurar um voo de Campinas para Lisboa, em julho.

Será a nona cidade brasileira com voos diretos para a terrinha. Rio, Recife, Fortaleza, Salvador e Brasília são algumas que têm voos para lá.

ZONA FRANCA

Oscar Niemeyer faz, amanhã, o lançamento da Revista Nosso Caminho (revistanossocaminho.com.br).

Fernando Molica lança “O misterioso craque da Vila Belmira”, e Moacyr Luz lança “Camisa, short e meião”, dia 9, na Saraiva do Rio Sul.

Hoje, no Mosteiro de São Bento, o harpista David Lawrence encerra o V RioHarpFestival Música no Museu.

O professor Mário Geller coordena o 4º Simpósio de Alergia e Imunologia, dia 10, no CID-Leblon.

O Studio de Dança Célia Holanda se apresenta amanhã na AMF.

João Uchôa assinou o projeto da cidade do rock em Madri.

O Concurso Nelson Freire OSB Jovens Solistas terá semifinais amanhã e quarta no Bennett.

Festa na cadeia
A procuradora aposentada Vera Lúcia Gomes, presa acusada de ter torturado uma menina de dois anos que estava sob sua guarda provisória, é a bola da vez na brincadeira da cadeia no Arraiá da Fundição, no Rio.

Uma mulher fantasiada com peruca loura e lenço irá circular pela festa. Ganha uma prenda quem a colocar no xadrez.

Em rede
Manuscritos do Real Gabinete Português de Leitura, no Rio, muitos do século XIX, foram digitalizados e estão disponíveis na internet.

Há preciosidades mais antigas como manuscritos do padre Antônio Vieira e um autógrafo do “Amor de perdição”, de Camilo Castelo Branco.

Falta visto
O atleta Rodrigo Barbosa, do projeto social da Beija-Flor, conseguiu vaga para a seleção de jiujítsu, que embarca amanhã para o Mundial nos EUA.

Mas o brasileiro corre o risco de não viajar. O consulado agendou para sexta a entrevista.

Faz parte do show
Isto acontece nas melhores famílias.

Sábado, Bia Lessa, a diretora de teatro, foi vaiada por um grupo no Teatro Municipal, no Rio, que não gostou de sua versão para “O trovador”, de Verdi.

Nariz de palhaço
Obrigada a se vestir de palhaço para chamar a atenção de clientes, uma ex-funcionária da Facilita Promotora S/A entrou na Justiça e ganhou indenização de R$ 10 mil.

A sentença foi dada pelo juiz do Trabalho Leonardo Borges.

GOSTOSA

JOSÉ HENRIQUE NUNES BARRETO

Perfídia na Fiesp
JOSÉ HENRIQUE NUNES BARRETO
FOLHA DE SÃO PAULO - 31/05/10

O cenário é de turbulências, pois o contexto recente aponta para o uso da Fiesp em projetos políticos não previstos em estatuto


Em uma época nem tão longínqua, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) era considerada uma entidade poderosa e influente. Suas reuniões despertavam a atenção da fina flor do jornalismo brasileiro.
Os pronunciamentos do seu presidente eram comentados pelas pessoas mais influentes do país.
Seu nome era sinônimo de respeito, atitude e correção. Nos últimos anos, contudo, a situação se assemelha à do gabinete de Ouro Preto, o último do Império.
Há algum tempo, a Fiesp deixou de ser frequentada por empresários de ideias e visão de futuro. Circulam pelos corredores do prédio da avenida Paulista poucos e atônitos donos de indústrias.
O cenário é de questionamentos e turbulências, pois o contexto recente aponta para o uso da Fiesp na direção de projetos políticos não previstos em finalidade estatutária.
Em primeiro lugar, trata-se de um contrassenso: o comandante de uma agremiação que prega a livre iniciativa se coloca como candidato do Partido Socialista Brasileiro.
Uma contradição que nem precisa de mais explicações.
Mas o problema não termina aí. A imagem do candidato, associada ao Sesi (Serviço Social da Indústria) e ao Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), foi indevidamente veiculada na TV. Quem nos responde sobre a finalidade da contratação do publicitário Duda Mendonça, até pouco tempo atrás pago com recursos da entidade?
Quer mais um exemplo? A principal plataforma política do presidente da Fiesp é a educação. Sua mensagem: ele vai levar o padrão de alta qualidade do ensino do sistema Sesi/Senai às escolas estaduais. Ou seja, subliminarmente, os eleitores têm a impressão de que ele é o idealizador do sistema, um desrespeito à memória de companheiros como Roberto Simonsen. A verdade é que tanto o Sesi quanto o Senai foram criados há mais de 50 anos, sempre com altos índices de excelência.
Ultimamente, contudo, o nível de ensino já não é o mesmo -os índices de empregabilidade dos alunos deixam a desejar, ao contrário do que diz a publicidade na TV.
Mas nada parece pior do que o processo de descumprimento das finalidades estatutárias que a Fiesp vem sofrendo. Não há agenda e os grandes problemas da indústria parecem não merecer atenção.
Justamente nesse momento, em que a Fiesp deveria jogar todo seu peso político na defesa da indústria paulista e na sua recuperação.
Mas o que se fez? A federação cancelou, de forma desrespeitosa, o congresso anual comemorativo do Dia da Indústria, em 25 de maio, em função da agenda eleitoral dos pré-candidatos à Presidência.
Nossa indústria é maior do que isso. Não podemos continuar assistindo ao desdobramento de interesses de cunho pessoal e estranhos à finalidade da entidade.
O presente autismo em que se encontra a Fiesp já não é ignorado pelos empresários paulistas. A resposta dos industriais comprometidos com a retidão, a modernidade e a livre iniciativa deve vir em breve.
JOSÉ HENRIQUE NUNES BARRETO, industrial e economista, é presidente do Sindifumo (Sindicato da Indústria do Fumo do Estado de São Paulo), membro do Conselho de Representantes e diretor eleito da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

CLÁUDIO HUMBERTO


"Não valem uma nota de três reais"
Candidato tucano a presidente, José Serra, sobre a reação do governo boliviano em relação às acusações dele de a Bolívia ser condescendente com o tráfico de drogas

Banco Central protege 'caixa preta' das ONGs

A CPI das ONGs do Senado, que pouco consegue investigar, notificou o Banco Central a informar o volume de recursos enviados do exterior para financiar a atuação de Organizações Não-Governamentais no País. Apesar do amparo legal da CPI, o BC se recusou a informar. Alegou em ofício ao presidente da CPI, senador Raimundo Colombo (DEM-SC), que "não pode quebrar o sigilo bancário" das ONGs.


BC nem aí

A Constituição dá poderes de quebra de sigilos às CPIs do Congresso. Mas o Banco Central parece não dar muita bola para isso.


Bom negócio

A CPI calcula que mais de R$ 100 milhões são enviados às ONGs no Brasil. Só o Greenpeace receberia mais de R$ 12 milhões da Holanda.


Sob vara

A recusa do BC pode custar caro. O diretor ou até Henrique Meirelles, o presidente, podem ser conduzidos sob vara para prestar informações.


Três anos

A CPI das ONGs, que patina, foi criada em 2007 no Senado para apurar irregularidades na operação de ONGs brasileiras e estrangeiras.


Aécio

O desafio de reeleger Antonio Anastasia (PSDB) ao Governo de Minas motiva mais o ex-governador Aécio Neves do que a própria candidatura ao Senado. O senador Hélio Costa (PMDB) é forte liderando a chapa PMDB-PT, mas o jogo nem começou. Com 86% de aprovação, Aécio tenta "turbinar" Anastásia, hoje em terceiro nas pesquisas. E ele é bom nisso: pôs o improvável Marcio Lacerda (PSB) na Prefeitura de BH.


Fator Aécio

Na campanha municipal de 2008, Leonardo Quintão (PMDB) liderava com folga o Ibope em BH, e o lanterna Marcio Lacerda acabou eleito.


Dívida em pauta

A Comissão de Agricultura da Câmara se reúne amanhã para discutir o "endividamento agrícola" que atormenta produtores de todo o país.

Incompleto

A Controladoria-Geral da União lançou uma ferramenta, no Portal da Transparência, que possibilita verificar quanto o Governo gasta em um dia. Mas se alguém quiser saber o total gasto em dois dias, não pode.


INSS bilionário

Nos dois dias que seguiram o lançamento da nova ferramenta do Portal da Transparência, o pagamento de benefícios do INSS foi registrado como o maior gasto, ultrapassando R$ 1 bilhão por dia.


Craque

O embaixador Agemar Mendonça Sanctos, muito admirado pelos colegas, assumirá nesta terça a diretoria de relações institucionais do comitê organizador dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro.


Coisa de país rico

A Funai contratou a empresa Roraima Taxi Aéreo, dispensando licitação, para transportar índios yanomamis ao custo anual de R$ 7,3 milhões. Dinheiro suficiente para comprar meia dúzia de aviões.


Pouso complicado

Pousou nos Correios a notificação do Ministério Público determinando multar todas as companhias aéreas contratadas para o transporte de cargas e que vêm deixando, com suas falhas, a ECT na mão.


OAB de olho

A OAB está de olho em candidatos que utilizam a máquina do Estado em favor de seus candidatos. O presidente nacional da entidade, Ophir Cavalcante, também alerta para o uso de verbas publicitárias para alimentar caixa dois e financiar abusos de poder político e econômico.



PODER SEM PUDOR

Ministro preso
Então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos esteve na Controladoria-Geral da União, certa vez, para assinar acordos de cooperação da Polícia Federal com o órgão. Ao final da reunião, uma pane o prendeu por quinze minutos no elevador - de onde ele saiu bem humorado, para brincar:
- Imagine se sai no Cláudio Humberto amanhã: "Ministro da Justiça é preso pela Controladoria-Geral da União"...

BOM BRIL

SEGUNDA NOS JORNAIS

Globo: Candidato de Uribe surpreende na Colômbia

Folha: Quase metade dos médicos receita o que indústria quer

Estadão: Vazamento pode durar até agosto, admitem EUA

JB: EUA têm seu pior desastre ecológico

Correio: Governo quer reduzir áreas de embaixadas

Valor: Fisco leva 45% da 'riqueza' das S.A.

Jornal do Commercio: “Por favor, me prendam”

domingo, maio 30, 2010

DANUZA LEÃO

Quem é ela?
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/05/10

Mas a ex-ministra tem andado tão alegre que não sei qual é a verdadeira Dilma

EM 2009, ESCREVI uma coluna, neste mesmo espaço, em que dizia ter medo de Dilma Rousseff. Tinha minhas razões; até aquele dia nunca havia visto d.Dilma sorrir, e cansei -estou cansada até hoje- de ouvi-la falar de "projetos", sempre com o olho duro e o dedo em riste.
Mas a ex-ministra tem andado tão simpática, tão alegre, tão feliz, que não sei qual é a verdadeira Dilma: se a de antes ou se a de agora. Não é possível que o que era branco vire preto, ou vice-versa, que as pessoas possam mudar tanto assim. E os que gostavam da ex-Dilma, a durona, como é que ficam?
Talvez a verdadeira Dilma seja essa de agora; não foi em vão que no início do seu tour pelo Brasil ela inventou um figurino onde prevaleciam os babados. Isso talvez fosse um sonho da juventude que ela não teve, no tempo em que era barra-pesada e segurava uma metralhadora como se fosse um ramo de flores.
Quando o marqueteiro disse que ela tinha que usar terninhos, ela obedeceu, mas logo seu lado feminino falou mais alto. Ela importou o melhor, mais famoso e mais caro cabeleireiro de São Paulo (Kamura, o mesmo de Marta Suplicy) para mudar o visual e começou a prestar mais atenção à maquiagem. Mas bom mesmo foi ver a foto da candidata em Nova York, assumindo o seu papel de mulher-perua e fazendo compras.
A imagem de Dilma, num radiante dia de sol em NY, acompanhada de Marta Suplicy e seu novo namorado, foi um alívio para os corações: enfim, Dilma é uma mulher normal, vaidosa e consumidora, que não resiste a uma liquidação. Vou dar um pequeno palpite -construtivo- no visual da ministra: as mechas do cabelo têm que ser menos avermelhadas. Só falta arranjar um namorado, mas tendo Marta -que não nos esqueçamos, é, ou foi, sexóloga- como maior amiga de infância, será fácil. E por que não? Se Sarkozy se casou com Carla Bruni já no exercício da Presidência, por que o Brasil não dá ao mundo mais um sinal de sua modernidade?
Não se pode mandar nos pensamentos: eu começo a escrever sobre uma coisa, a cabeça vai para outro lado e já estou aqui imaginando como seria o namorado de Dilma. Ah, eu não tenho nada a ver com isso? Mas se Lula se meteu no imbróglio do Irã, sem ter nada a ver, então eu também posso me meter na (futura?) vida sentimental da candidata.
O namorado tem que ser do PT, é claro, e ter uma situação pessoal sólida, para que fique claro que foi um casamento por amor. Se for grisalho, daria um ar de respeitabilidade, mas não consigo imaginar se o casamento será antes ou depois das eleições, isso é assunto para marqueteiro; marqueteiro ou Marta Suplicy, que está assim, ó, com a ex-ministra. Aliás, ela poderá ajudar não só no terreno sentimental como também no fashion, pois tem experiência no assunto: casou-se no meio do tiroteio de uma eleição, com estola de mousseline e um grande chapéu de crina. Lula será padrinho, claro, e d. Marisa vai usar um vestido vermelho; há sete anos esta continua sendo sua grande e única contribuição ao país.
A candidata está vivendo uma adolescência tardia, mas vai ter que resolver essa crise de identidade e decidir, afinal, quem é Dilma Rousseff.

WALCYR CARRASCO

A visita

Walcyr Carrasco

REVISTA VEJA - SP



Há pessoas que ficam guardadas na alma da gente. De repente minha memória ilumina um sorriso, uma palavra, um gesto de alguém que não vejo há muito tempo. No último Dia das Mães, resolvi rever minha antiga professora de ciências, dona Thelma. Estudei com ela no Instituto de Educação Monsenhor Bicudo, em Marília, no interior de São Paulo, no tempo em que o ensino médio era chamado de ginásio. Mas perdi o contato: fui criado na cidade somente até os 15 anos. Quando minha família se mudou, veio completa. Não deixamos parentes a quem visitar. Durante mais de quarenta anos, não voltei a Marília. Sempre me lembrava de dona Thelma, mas, contraditoriamente, nunca a visitei.
Uma ex-colega de classe, Malau, que também só revi recentemente, localizou seu endereço. Minha mãe raramente comparecia às festas escolares quando eu era garoto. Em um Dia das Mães os alunos receberam rosas para oferecer. Entreguei a minha a dona Thelma, que, às vezes, eu chamava de mãe, um pouco por malandragem. Certa vez, na fila do cinema, dona Thelma chegou com o filho pequeno e me pediu para comprar seu ingresso. O funcionário proibiu:
— Não pode comprar, ela tem de ir para o fim da fila!
Gritei, muito espertinho: — Mas ela é minha mãe!
— Ah, se é mãe, pode!
Passei a chamá-la de mãe e sempre recebia um sorriso cúmplice de volta!
Em suas aulas contemplei a beleza das células através do microscópio. Apaixonei-me pela teoria da evolução das espécies. Ela me ensinou a pesquisar por conta própria, já que gostava tanto do tema.
Assim, um pouco me sentindo como um molequinho, apareci de surpresa em sua casa, em Marília. Em dúvida sobre o presente adequado, levei uma caixa de bombons e o meu livro Anjo de Quatro Patas. Ela me recebeu com o mesmo sorriso e os gestos leves, divertidos, juvenis apesar dos seus 77 anos.
— Nem estou arrumada! Entre, entre!
Adorou os bombons, autografei o livro. Serviu café com bolo. Quis saber da minha carreira. Eu, de sua vida: teve cinco filhos. O mais velho mora nos Estados Unidos, a mais nova com ela. Aposentada, dedica- se a seu marido, João Décio, professor de literatura da Unesp, autor de quatro livros.
Falou da juventude, dos tempos de pobreza durante a faculdade. Da vida de professora. Lembramos meus tempos de escola. Mui tas vezes, na época, eu a visitava. Ela me dava xerox das poesias que o marido usava como material para as aulas na universidade. Assim conheci Fernando Pessoa e Florbela Espanca.
Mas durante todo o tempo da visita tinha a sensação de que deveria ter levado um presente mais valioso. De repente confessei:
— Odiamos quando você começou a nos dar aulas!
— Verdade?
— Ainda me lembro da primeira prova. Decorei tudo. Só caíram perguntas que exigiam raciocínio! Foi um desastre.
Ela riu.
— Sempre fui contra a decoreba.
— Depois eu comecei a juntar uma coisa com a outra.
Você também me mostrou como fazer pesquisa. Fiz uma pausa, procurando as palavras certas.
— Tudo o que aprendi com você me acompanha até agora, Thelma. Sabe, você me ensinou a pensar. Eu não teria me tornado quem sou hoje se você não tivesse sido minha professora.
Compreendi que meu verdadeiro presente estava além do material. Era meu profundo agradecimento por ela ter existido em minha vida. O brilho de seus olhos me disse quanto se sentiu gratificada. Eu também, pela oportunidade de dizer que ela se tornou inesquecível não só para o garoto que eu fui, mas também para o homem em que me transformei.

JOÃO UBALDO RIBEIRO


O plantão do Inspetor Brasílio


JOÃO UBALDO RIBEIRO 
 O Estado de S.Paulo
Começo de noite quieto, no Comando Especial de Proteção ao Cidadão. Talvez quieto demais, pensou o Inspetor-Chefe Brasílio, olhando o relógio. Já passava das nove, nenhuma ocorrência marcara o plantão até então modorrento e Brasílio, com um bocejo, se preparava para tomar um cafezinho, quando o telefone tocou e, por alguma razão, ele soube imediatamente que seria uma daquelas noites.
O telefonema era lacônico. Alguém falava rapidamente, ansioso por desligar, voz tensa, fôlego curto. Tabagista em ação na Vila Madalena. Dois tabagistas, aliás, ambos fumando um cigarro atrás do outro e desafiando as famílias presentes, num pequeno restaurante frequentado por boêmios e artistas. Brasílio suspirou, fez um aceno para seu auxiliar. Sabia o que ia encontrar, delinquentes calejados e cínicos, capazes dos truques mais sórdidos para conseguir dar vazão a seus baixos instintos. Rumou para a porta apressadamente, sem nem parar enquanto pegava o paletó. Mas, já chegando à viatura, voltou. Esquecera o fio de prumo e foi com alívio que o enfiou no bolso, apalpando depois o volume com um tapinha.
Lá chegando, estacionou a viatura rente à calçada onde estavam os dois meliantes, a freada brusca fazendo os pneus cantar. Alguém os havia avisado da chegada do Comando e eles, cinicamente, saíram para a calçada para escapar ao flagrante, mas não contavam com a experiência de Brasílio. Não era, por assim dizer, seu primeiro tabagista.
- Freeze! - gritou Brasílio, apontando a arma e fazendo sinal para que Dedurão, seu auxiliar, segurasse imediatamente os malfeitores. - Quer dizer, não se mexam!
Reconheceu num dos dois fumantes o rosto pervertido de Joel Pitadinha, reincidente em praticamente todos os bares e restaurantes da Vila. O canalha sorriu insolentemente, à aproximação dos policiais e não esperou que lhe falassem.
- Eu estou na calçada - disse ele, cuspindo de lado.
- Ah-ha! - retrucou Brasílio. - Mas debaixo da marquise!
Confusão, quase tumulto. Depois de algum esforço e com o bandido imobilizado exatamente no mesmo local onde se encontrava à chegada da viatura, o fio de prumo, pendurado na marquise acima da cabeça do infrator, deu seu veredicto implacável: tanto a brasa do cigarro quanto a boca e o nariz de Joel Pitadinha estavam claramente a 14 milímetros para debaixo da marquise. Quanto ao outro capturado, uns escandalosos 11 centímetros. Enquanto os algemava, Brasílio pensou com certa melancolia em como logo Pitadinha estaria solto, para de novo tabaquear acintosamente, São Paulo afora. Um irrecuperável - e Brasílio se perguntou mais uma vez se a prisão perpétua ou a pena de morte, em certos casos, não seriam indicadas, num triste, porém verdadeiro, reconhecimento da torpeza a que muitas vezes desce o ser humano.
Mas não pôde continuar a pensar, porque, assim que os tabagistas foram enfiados no camburão que convocara, o rádio da viatura emitiu seu chamado metálico. Palmadista no Morumbi! Aparentemente fora de si, depois que seu filho de 7 anos tocou fogo na caixinha onde guardara seus adaptadores de tomada raríssimos e irrecuperáveis e valendo uma fortuna no mercado negro de tomadas, um homem transtornado dera duas palmadas na criança, na presença de uma vizinha com quem brigara antes e que o denunciou. Brasílio se enfiou na viatura e pegou imediatamente o rádio. Precisava de reforços e foi com alívio que soube que Rocha Pirado, o psicólogo do Comando, estava a caminho.
Ao chegarem, o palmadista ainda se encontrava muito nervoso, segurando o filho pelo braço e ameaçando torcer-lhe a orelha, se os agentes do Comando se aproximassem. Sim, tudo indicava que ele seria capaz desse ato extremo, do qual o menino podia jamais vir a recuperar-se, não convinha facilitar. Mais um trabalho para Rocha Pirado, que, depois de uma série de manobras delicadas, conseguiu chegar perto do desesperado o suficiente para começar a lhe fazer uma série de perguntas. Depois de cerca de meia hora de trabalho, o homem cedeu. Se Pirado prometesse calar a boca, ele se entregaria, o que de fato aconteceu. Cabisbaixo, cobrindo o rosto com um casaco para evitar ser reconhecido, o palmadista foi recolhido, na companhia de sua esposa e cúmplice. Brasílio olhou para o rostinho do menino socorrido. Agora ele ia ficar livre de torturas, sob os cuidados zelosos de uma instituição pública para menores, enquanto seus desorientados pais passariam uma temporada num manicômio judiciário, para exames e tratamento das perversões já diagnosticadas por Rocha Pirado. Só momentos como esse faziam valer a pena o sacrifício de ser um atribulado agente da lei.
Mas a vida não para, o crime não descansa e eis que o rádio chama novamente. Do outro lado, o detetive Nuguete, com um recado macabro. Restos de um hambúrguer meio mordido haviam sido achados numa escola em Perdizes. "Prepare-se", disse Nuguete. "Não é uma visão bonita." Brasílio suspirou outra vez. Já ouvira falar que os alunos daquela escola consumiam secretamente comidas proibidas e havia homens seus seguindo os passos da quadrilha traficante de jujubas que lá estava agindo. Entrou na viatura, ligou a sirene. No rádio, notícias sobre três assaltos com quatro mortos, dois atropelamentos por motoristas bêbedos com seis mortos cada e um sequestro relâmpago com um morto só. Brasílio lembrou com orgulho que nada daquilo era de sua alçada. "Comigo, tudo bem", pensou. "Comigo, o cidadão está protegido."