quarta-feira, agosto 07, 2019

Leilão da tecnologia 5G não pode ser empurrado com a barriga - MARIA INÊS DOLCI

FOLHA DE SP - 07/08

Aumento da velocidade propiciado pela tecnologia facilitaria consumo via streaming

O leilão do 5G vai atrasar (estava previsto para março de 2020). Segundo a agência reguladora (Anatel), devido às transmissões na faixa de 3,5 GHz, que causariam interferência no sinal de TV aberta captado por antenas parabólicas.

Filtros poderiam solucionar o problema, mas há receio de que encareçam o acesso às antenas. Se for o caso, sempre é possível compensar custos extras por meio da redução de tributos. O que não podemos aceitar é que se empurre com a barriga a chegada da tecnologia 5G.

Além disso, espero que o eventual adiamento nada tenha a ver com as teles, pois, com 5G, as TV por assinatura, via cabo, teriam de enfrentar a concorrência de canais transmitidos pela internet, por meio do celular. O aumento da velocidade propiciado pela tecnologia também facilitaria o consumo de conteúdo via streaming, que hoje já incomoda as TVs pagas.

Não é possível que o atraso digital do país continue, ainda mais agora, que firmamos acordo comercial com a União Europeia. Competição com países desenvolvidos sem educação de alto nível –que não temos– nem infraestrutura tecnológica e de comunicação –precária– seria um convite ao desemprego e ao subemprego.

TV por assinatura é serviço caro, com normas leoninas nos contratos. Somos, por exemplo, obrigados a optar por pacotes repletos de canais que não nos interessam. Além disso, as telecomunicações têm elevada taxação pelos Estados, e há regiões em que é difícil até completar uma ligação telefônica por dispositivo móvel.

As novas tecnologias sempre impactaram fortemente as companhias mais tradicionais. Os apps de transporte e de hospedagem, por exemplo, irritam taxistas e hoteleiros, respectivamente. As operadoras de planos de saúde sentem o peso da concorrência de aplicativos de consultas e exames.

Não há, contudo, motivo para criar barreiras às novas tecnologias e às suas aplicações. Até os poderosos bancos têm de conviver com fintechs, startups que oferecem serviços financeiros digitais.

Pode ser que a tecnologia 5G modifique a forma como assistimos a canais pagos. Mas as teles se adaptariam, sem dúvida, e o consumidor ganharia mais opções, provavelmente com preços mais em conta.

Quanto às antenas parabólicas, muito utilizadas no interior do Brasil, principalmente nas áreas rurais, lembro que também foram necessários conversores em aparelhos analógicos para receber o sinal da TV digital.

Antes que me esqueça, nunca é demais enfatizar: não devemos restringir o escopo das tecnologias de quinta geração por questões políticas, o que seria lesivo ao consumidor. No mundo dos negócios, não há amigos nem inimigos. Todos os países são concorrentes, o que é comprovado pela atual queda de braço entre Estados Unidos e China, provocada por questões comerciais.

Maria Inês Dolci
Advogada especialista em direitos do consumidor, foi coordenadora da Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor)

Trump, câmbio e a volta da Guerra Fria - HELIO BELTRÃO

FOLHA DE SP - 07/08

Reagir irracionalmente ao inevitável pode gerar nova crise de grandes proporções


O dólar voltou a beirar os R$ 4, e o Brasil é mais uma vez um minúsculo chihuahua atordoado em meio a uma briga de cachorro grande. A preocupação dos mercados internacionais é que a guerra comercial que já dura dois anos entre China e Estados Unidos descambe para uma desestabilizadora guerra cambial.

A ascendência econômica da China inquieta os americanos, que têm reagido de forma intempestiva.

Desde 1979 a economia chinesa cresceu a uma taxa de quase 10% ao ano no decorrer da expansão sustentável mais vertiginosa de um país em toda a história, que tirou 800 milhões de chineses da pobreza ao se abandonarem as políticas econômicas socialistas.

Em dólares nominais, a economia da China pode superar a dos EUA em menos de 20 anos. As reações desastradas dos EUA têm sido inspiradas por um mercantilismo atávico do século 18. Trump imprimiu um populismo protecionista e desistiu da longa política de dólar forte.

Considera equivocadamente que o déficit comercial com a China é tóxico e que as tarifas de importação sobre produtos chineses são mais prejudiciais à China do que aos americanos, que pagam mais por tais produtos. Seu protecionismo é sádico, mas sofre como masoquista.

A intensificação da guerra comercial por Trump via anúncio de tarifas adicionais gerou pressão para a moeda chinesa se depreciar. Na segunda (5), rompeu-se o nível psicologicamente relevante de 7 yuans por dólar.

Desgraçadamente, o governo americano interpretou a esperada depreciação como uma manobra deliberada e oficialmente decretou o país como manipulador de taxa de câmbio, o primeiro caso desde 1994.

Se há alguma manipulação, é o oposto do que se imagina: o banco central chinês tem torrado reservas para sustentar artificialmente a moeda, ou seja, haveria desvalorização ainda maior caso não interviesse!

Até agora a disputa cambial tem sido uma "Guerra Fria" na qual os principais bancos centrais se eximem de intervir diretamente nos mercados de moedas como na guerra convencional. Mas, como não querem que sua moeda permaneça forte, alternativamente promovem corte de juros, injeção forçosa de dinheiro novo, juros negativos e tuítes beligerantes.

Há um precedente para uma eventual guerra cambial. Após décadas de crescimento, o Japão do início dos anos 1980 era a potência ascendente que superaria os EUA até 2000, previa-se. Como hoje, o dólar estava forte, e havia um grande déficit comercial. Em 1985, no Acordo do Plaza, os EUA convenceram seus parceiros do G5 a intervir nos mercados para desvalorizar o dólar diante do iene.

A estratégia logrou desvalorizar o dólar em 40%, mas não corrigiu o estrutural déficit comercial com o Japão. Com sua moeda fortalecida, os conglomerados japoneses passaram a comprar tudo nos EUA, de siderúrgicas ao Rockefeller Center, gerando um pânico irracional. O dólar seguiu desvalorizando mesmo após cessarem as intervenções.

Assustados e desejosos de conter a queda do dólar, os EUA costuraram um novo acordo de intervenções em 1987, o Louvre, que fracassou: a moeda continuou desvalorizando, e produziu-se o crash da Bolsa na Segunda-Feira Negra, em outubro daquele ano.

Durante os últimos 20 séculos, as maiores economias do mundo foram China e Índia, exceto nos últimos dois séculos, 19 e 20, devido à ascensão do capitalismo no Ocidente. Com a chegada da economia de mercado ao Oriente, o século 21 representa apenas a volta à normalidade, com o retorno da populosa Ásia à liderança. Reagir irracionalmente ao inevitável pode gerar consequências não previstas e uma nova crise de grandes proporções.

Helio Beltrão
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.

Pequeno glossário útil - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 07/08

Para entender certas expressões que têm se aplicado a Bolsonaro


Nas últimas semanas, certas expressões do passado foram usadas para definir as insanidades diárias de Jair Bolsonaro. Algumas, muito populares em seu tempo, podem necessitar de explicação para os leitores de hoje. Exemplos:

"Bolsonaro está transformando o Brasil num grande Febeapá." Febeapá era a sigla de Festival de Besteira que Assola o País, instituição criada pelo colunista Stanislaw Ponte Preta, em 1964. Referia-se aos militares da ditadura, que mandaram recolher nas livrarias o romance "A Capital", de Eça de Queirós, pensando que era o "O Capital", de Karl Marx, e proibiram o Balé Bolshoi de se apresentar no Teatro Municipal por ser russo, donde comunista. Mas Bolsonaro não fará isto, porque nunca leu um livro e não sabe o que é o Balé Bolshoi.

"Bolsonaro é um Napoleão de hospício." O Napoleão de hospício foi criado por Nelson Rodrigues e, segundo Nelson, era o verdadeiro Napoleão —porque nunca teria um Waterloo. Mas Bolsonaro terá o seu Waterloo. Não demora a fazer algo realmente tão grave, comprometendo a estabilidade do país, que terão de pedir a camisa-de-força.

"Bolsonaro governa como se estivesse na Gaiola de Ouro." A Gaiola de Ouro é o velho apelido da Câmara dos Vereadores do Rio, famosa pelos atos que Bolsonaro diz combater. Em 1987, seus 39 felizes vereadores admitiram 485 servidores sem concurso, para lhes servir café e abaná-los, e, em 1988, pode crer, nada menos que outros 10 mil. Bolsonaro fez parte dela, como vereador, de 1989 a 1991.

Certamente foi lá a sua escola para que, segundo o jornal O Globo, dos 286 assessores nomeados por ele e os filhos nos últimos 28 anos em seus mandatos, 102 fossem pais, mães, irmãos, avós, tios, primos, maridos, mulheres, ex-mulheres, sogros, genros, noras, cunhados e enteadas uns dos outros. Por que não? É a família acima de tudo, você sabe. Principalmente as dos amigos.

Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues

Austericídio? - FÁBIO GIAMBIAGI

O Estado de S.Paulo - 07/08

Esse é um termo politicamente esperto, mas que não combina com os fatos

Na lógica aceita por parte dos analistas e do meio político, controlar as finanças públicas é “ortodoxo” e “contrário aos interesses da população”. No sentido oposto, políticas expansionistas seriam positivas. Foi com base nessa filosofia que, em 2016, chegamos a uma situação dramática e a dívida bruta acabou escalando até, na época, 70% do produto interno bruto (PIB), sendo hoje ainda maior (79 %). É revelador de nosso atraso que seja preciso voltar a tratar de questões que deveriam ter sido superadas há décadas. Como dizia Nelson Rodrigues, “não há nada mais difícil e cansativo do que demonstrar o óbvio”.

Em 1998 o Brasil bateu na “marca do pênalti” da moratória da dívida pública. Em 1999 o País fez um ajuste primário de 2,8% do PIB e, superado o tumulto inicial da desvalorização, entre o primeiro trimestre de 1999 e o mesmo período de 2001 – antes de São Pedro provocar a necessidade do racionamento de energia elétrica – o País cresceu ao ritmo anualizado de 4%, na base da recuperação da confiança. Em 20012002 a confiança desapareceu, depois Lula assumiu, aumentou o superávit fiscal primário e entre 2003 e 2010 o Brasil cresceu a uma taxa média de 4,5% ao ano, com superávit primário médio de 3,1% do PIB. Quando o desleixo fiscal e a crise política causaram nova crise e mergulhamos numa espiral de encolhimento de 3,5% anualizados nos oito trimestres consecutivos entre 2014 IV e 2016 IV, o governo teve de aprovar o teto do gasto público para o período 2017-2026, e na esteira dessa promessa a economia se acalmou depois de 2016. Diante disso, quem assiste ao debate em que a nossa heterodoxia clama contra o “austericídio”, dando a entender que o rigor fiscal equivale a um suicídio nacional, tem o direito de perguntar: qual é o problema com a austeridade?

Se a ideia de que a austeridade foi um fracasso no Brasil se revela divorciada dos fatos, o mesmo pode ser dito acerca do debate referente a movimentos similares em outros países. Em 2008 estourou uma grave crise nos mercados internacionais, após a quebra da Lehman Brothers, em setembro daquele ano. Em 2009 o PIB dos EUA caiu 3% e o da zona do euro, a uma taxa da ordem de 5%. Se nos EUA uma série de medidas permitiu uma recuperação que, embora lenta, não demorou muito a se iniciar, na Europa os efeitos colaterais revelaram-se mais profundos. De qualquer forma, as iniciativas, de modo geral, foram bem-sucedidas, ainda que não no caso da Grécia, que, em razão do acúmulo de distorções e das insuficiências da sua economia, conservou a estabilidade de preços e se manteve na zona do euro, mas demorou muito a se recuperar. No caso dos outros países, porém, a recuperação foi visível após o esforço inicial. Tanto na Irlanda como nos países da Península Ibérica, os resultados econômicos de 20142018 foram substancialmente melhores que os dos anos anteriores. Em especial na Espanha, que implementou um ajustamento clássico by the book, com reforma trabalhista que flexibilizou o mercado de trabalho e um ajustamento fiscal particularmente forte, o crescimento dos últimos cinco anos foi superior ao da Alemanha.

Se considerarmos o nível de produção (PIB) como sendo 100 em 2007, seis anos depois, em 2013, ele alcançou 104 na Alemanha e 106 nos Estados Unidos, mas caiu para 92 na Espanha e em Portugal. Em 2018, porém, para aquela mesma base inicial de 2007, o índice do PIB, que na Alemanha atingiu 115, foi de 101 em Portugal e de 106 na Espanha.

A imputação ao “outro” de todo tipo de acusação é um recurso da retórica acerca do qual Schopenhauer, nas suas estratégias para vencer um debate, discorreu com precisão ao tratar da desqualificação do adversário. Fiéis a esses ensinamentos, os responsáveis pelas políticas equivocadas do passado apressaram-se a lançar ao programa posto em prática desde meados de 2016 a crítica de que consistiria num “austerícídio”. Foi a mesma crítica feita às medidas de “aperto de cintos” na Espanha e que, não por acaso, permitiram a recuperação da economia naquele país.

Na guerra de narrativas, é preciso que fique claro: políticas baseadas num forte expansionismo estatal causaram um aumento da inflação, um déficit elevado nas contas externas, a retração dos investimentos e a queda da economia e deixaram o setor público à beira do “calote”. Isso vem de longe: Otto Lara Resende dizia que Brasília foi o produto de uma conjunção de quatro loucuras: a de Juscelino, a de Israel Pinheiro, a de Oscar Niemeyer e a de Lúcio Costa. O gênio conjunto deles nos legou um País com uma imagem muito mais grandiosa de si mesmo que no passado, mas também um legado caracterizado por aumento da inflação, descontrole das contas fiscais e crescimento da dívida pública.

Há que lembrar um dado – e provavelmente deverei repetir essa informação muitas vezes, neste meu encontro mensal com os leitores. A despesa primária do governo federal, que havia sido de apenas 14% do PIB em 1991, alcançou 24% do PIB em 2016, quando foi aprovado o teto de gastos. O País marchava rumo a uma situação de descontrole das contas públicas. Foi nesse contexto que se adotou a citada limitação para o gasto público, naquele ano, para pôr fim a esse processo.

Devemos separar o joio do trigo. O País está muito polarizado e é natural que, na dinâmica política, quem se opõe ao governo queira mudar tudo. Discordar do presidente, de alguns ministros ou de algumas políticas do governo, porém, é uma coisa. Já querer ir contra alguns pilares da política econômica é algo muito diferente. Uma hora, na ausência de controle fiscal, a conta estoura. Consertar situações como a que foi exposta causa problemas; medidas incidentes sobre o gasto nunca são populares, mas a austeridade, com o tempo, se paga e rende frutos.

“Austericídio” é um termo politicamente esperto, mas não combina com os fatos.

Bolsoland não é aqui - ROSÂGELA BITTAR

Valor Econômico - 07/08/2019

O Brasil precisa se levar a sério para pedir respeito

Ao dar de presente uma disneylândia customizada para o seu terceiro filho, enviando aos Estados Unidos como embaixador quem por lá passou como autodeclarado hamburgueiro, o presidente Jair Bolsonaro está promovendo a volta por cima de um ente querido e dando consequência a um capricho. O da transgressão deliberada à ética, à carreira diplomática e à condução da política externa de um país da importância do Brasil. Isso, no entanto, não tira pedaço, por enquanto.

Pois a tarefa de manter as relações políticas e comerciais funcionando em alto nível, entre o Brasil e os Estados Unidos, não tem nada a ver com a configuração desse modelo de representação pessoal do presidente do país no exterior. Lateralmente, e fora dos holofotes, terá que funcionar uma força tarefa profissional para representar o país e levar a cabo a empreitada. Diplomatas de carreira foram preteridos, mas podem agora atuar como conselheiros e secretários convocados a agir.
Há vários à disposição, inclusive autênticos representantes da direita internacional que o novo candidato a embaixador preza.

São todos da mesma estirpe. O príncipe pode ficar em usufruto do trono mas com retaguarda garantida. Sua presença, bem como a alegada amizade entre as famílias presidenciais, a admiração e o deslumbramento que o presidente brasileiro nutre por Donald Trump, a quem imita até no caminhar, estão distantes dos compromissos, sucessos ou fracassos da jornada diplomática.

O que haverá ali, se for aprovado o candidato, e deve ser pois não há nada mais "fake" do que as sabatinas do Senado, é uma convivência que se exercitará porque a confluência dos astros eleitorais colocou as duas luas alinhadas no período. Mas, a cada um, a sua vocação. Passado o fenômeno, cessa o fato. Criou-se uma situação artificial: se Trump não for reeleito, fica o embaixador brasileiro e o pai presidente com a missão de se reciclarem politicamente com rapidez. Também, se a proximidade deixar de ser necessária para Donald Trump, o espetáculo se desmanchará a olho nu.

Não são almas gêmeas cujos destinos estão amarrados: Trump tem partido, para começar, e um país, com tudo resolvido, para governar. Bolsonaro tem uma devastação á sua frente e nenhuma condição objetiva, nem mesmo vontade, de reconstituir o cenário.

Porém, enquanto as crianças descem a montanha russa e praticam o tiro, Trump joga War em um tabuleiro do tamanho do mundo. Os profissionais precisam atuar para não deixar o Brasil distrair-se, inebriado pelo status, e começar assim a perder vantagens que já conquistou.

Não é de agora a boa relação pessoal entre dirigentes dos dois países. É uma aproximação ideológica e de simpatia que se repete. Luiz Inácio Lula da Silva já foi "o cara" para um presidente americano; Fernando Henrique Cardoso foi comensal de Camp David de outro e, por seu intermédio, afagado em Downing Street.

O Brasil tem charme. Mas o que existe mesmo é a preocupação do governo americano de não perder completamente o controle sobre as decisões desse país de visceral para sua geopolítica.

O secretário de Comércio Wilbur Ross fez, semana passada, uma viagem de imersão empresarial ao Brasil, em clara aragem do terreno para os Bolsonaro. Vazou algumas sensações, não mais que isso.

Não existe acordo comercial em negociação, insinuado por ele. O que Ross deixou transparecer foi a preocupação do governo americano com o acordo do Mercosul com a União Europeia, firmado depois de 20 anos de negociação. Os Estados Unidos têm acordo com muitos países da América do Sul, menos com o Mercosul, e o Brasil tem 50% desse mercado.

O Brasil quer, claro, o acordo com os Estados Unidos, mas precisa preparar sua economia. E nada sai antes de cinco anos, portanto, o horizonte é de mais de um governo, mesmo que comece a negociar agora.

Há, ainda, entre os interesses imediatos, a preocupação com a Venezuela e o não alinhamento da política do Brasil aos Estados Unidos, agravado pelo apoio da China a Maduro. Há, também, o interesse e a preocupação dos Estados Unidos em não perder a guerra tecnológica para a qual mapeia sua força no mundo.

As relações políticas e comerciais precisam ser conduzidas por profissionais. Se a relação pessoal for fugaz, por perda de posto ou de gosto, os países permanecem íntegros.

Atenção redobrada, porém, porque o presidente americano está acostumado a se deixar adular sem retribuição. A lembrança da "relação carnal" com os Estados Unidos instituída pelo governo Carlos Menem, na Argentina, não pode inspirar a diplomacia brasileira, ao contrário. É risco garantido.

O Brasil, é fato, entregou mais do que recebeu dos EUA desde a chegada de Bolsonaro ao poder. Houve liberalização unilateral de vistos, cota ampliada das toneladas para o trigo, pleito antigo, entre outras facilidades de comércio. Alinhou-se aos americanos em fóruns multilaterais sobre temas de costumes - ambos os presidentes são "terrivelmente" conservadores nesse quesito.

Os americanos, que nunca entenderam bem porque o Brasil queria tanto entrar numa instituição com a qual não gastam adrenalina, a OCDE, acabaram por dar o apoio, mas o preço foi alto, exigiram em troca a perda do status de tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento na OMC. Isso sim, uma vantagem entregue na bacia das almas.

Fora o fato, notório, de que Trump, aculturado no meio empresarial do jogo bruto, parece não ter grande admiração por aduladores que cedem com facilidade. Os que o conhecem de perto destacam: ele pode não gostar de Kim Jong Un (Coreia do Norte), mas já disse várias vezes que o respeita. Esperar para ver até quando suportará uma relação governamental melíflua. Trump não quer se mostrar isolado, e não está, mas custa a crer que contará Bolsonaro na sua companhia.

Quem será a força dominante do século 21? Quem dominará a tecnologia 5G? Quem dará o lance definitivo na OMC? São questões que permearam a visita de Ross. A China está no calcanhar dos Estados Unidos e já faz a ultrapassagem em assuntos do futuro que se jogam agora. O Brasil não é desprezível nesse jogo, mas precisa se levar a sério para pedir respeito.

Um tostão furado de fumo podre - JOSÉ NÊUMANNE

O Estado de S.Paulo - 07/08

O que Bolsonaro diz nada vale no minuto seguinte, seja por ignorância ou esperteza

Palavra de rei não volta atrás. Esse brocardo do velho regime monárquico sobrevive na boca do povo na República, mas nunca foi exigido dos ocupantes dos cargos mais altos do governo o compromisso inamovível da estabilidade que antes era um dever real.

No caso do Brasil contemporâneo, a instabilidade resulta da completa desmoralização do conceito de divisão dos Poderes cunhado pelo barão de Montesquieu ainda na vigência do Velho Regime, que antecedeu a Revolução Francesa, no século 18. O Legislativo se fortalece na situação de poder real sem a devida autorização constitucional para substituir o Executivo e este se dá ao desplante de violar a Constituição. O Judiciário exime os seus próprios mandatários do mais alto escalão de prestarem conta de seus deveres, jogando no lixo o mais pétreo de todos os conceitos da democracia: o da igualdade de todos os cidadãos perante o talante da lei.

No impeachment de Dilma Rousseff, um acordo entre os então presidentes do Senado, Renan Calheiros, e do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, mandou às favas o princípio constitucional da obrigação do chefe de Estado deposto de passar oito anos sem cargo público. Em nome do direito sagrado da petista a ser “merendeira da escola”, a ex-“presidenta” foi dispensada da obrigação constitucional, candidatou-se ao Senado por Minas e foi punida pelo eleitor com o último lugar na contagem dos votos.

O atual presidente do STF, Dias Toffoli, extrapolou muito suas funções ao decretar punição rigorosa da lei a qualquer cidadão que criticar publicamente os membros de sua grei. Do alto de sua delirante onipotência, ele indicou o colega Alexandre de Moraes para relatar o inquérito punitivo, sem sorteio nem consulta aos pares do plenário. No Brasil de hoje, decreto de presidente do STF não se discute, cumpre-se, como diziam os políticos de antanho em relação aos juízes em geral. O relator censurou a revista Crusoé por ter publicado notícia oficial considerada ofensiva à honra de el-rey.

O mundo desabou sobre Moraes e a censura caiu. Mas a decisão abusiva, monocrática e totalitária, com data de extinção prevista durante o infame “recesso branco” dos supremos magistrados, foi prorrogada até novembro. Em 1.º de agosto, agora mês de nosso maior desgosto, o inquérito 4.781 do STF ganhou novas e mais graves consequências. Decretou a condenação de qualquer cidadão que ouse insultar os supremos no velho e sagrado sigilo telefônico. E mais: suspenderá do cargo e do serviço público o servidor de Banco Central, Coaf e Receita Federal que fiscalizar movimentações financeiras da cúpula dos três Poderes. Nem do registro dos abusos de Nero consta ignomínia de tal jaez.

No Brasil, assim como a plebe assistiu ao golpe militar que gerou a República insana, só resta penar “bestializada” (apud José Murilo de Carvalho) sob arroubos tirânicos do advogado reprovado duas vezes em concursos para juiz de primeira instância. No Congresso, paralisado por seus próprios “malfeitos” (apud Dilma Rousseff), ninguém se arrisca a perturbar os deuses imperfeitos do raso Olimpo. Na Câmara, Rodrigo Maia, o Botafogo do propinoduto da Odebrecht, tem a autoridade moral de uma lesma para evitar esta assustadora, mas não surpreendente, tomada de poder pelos togados. No Senado, outra eminência do baixo clero, Davi Alcolumbre, não é besta de chamar a atenção para um Poder que acaba de perdoá-lo por eventuais traquinagens contábeis em eleição, depois do perdão majestático da rainha Rosa Weber.

Um bando de néscios da extrema direita, que se acham no poder porque têm acesso ao regente Carlos, por copiarem suas diatribes no Twitter, ainda acredita na iniciativa do chanceler Eduardo de fechar o STF com um jipe, um cabo e dois soldados. E na inocência do mano Flávio, coveiro da CPI da Lava Toga no Senado. É de matar de rir. Ou de chorar.

Nesta entrada de oitavo mês de governo, o pai deles, Jair, já abusou da própria incapacidade de usar palavras no sentido certo. Não se sabe se é por ignorância ou se é por esperteza. Com o aval de Donald Trump, insiste na ideia de nomear o caçula Eduardo, embaixador em Washington. Não é nepotismo, pontificou. E Trump, em pessoa, ecoou. Rasguem os dicionários, queimem-nos em praça pública, a palavra que denuncia a prática incompatível na República (beneficiar parente com dinheiro público) virou hipocrisia. Assim como qualquer pessoa que considere alguém do STF passível de fiscalização tributária, o cristão que discordar do capitão e seus filhotes foi, é e será sempre hipócrita. Será insultado de hipócrita, por exemplo, quem não acha certo o clã ter nomeado 102 garrotes mamões das tetas da loba que nutriu Rômulo e Remo, fundadores de Roma. Trata-se de um recorde de não se orgulhar. Mas se o fato destoa, pior para ele. A “nova política” mata a “velha” de vergonha.

Jair assombrou a Nação dizendo que sente falta de um ministro “terrivelmente evangélico” no STF. Seu advogado-geral, André Mendonça, é o nome que cabe nesse susto. Pastor evangélico e fâmulo de Toffoli. Que importa que tenha dito que a vaga do decano Celso de Mello, a ser aberta em 11 meses, seria de Sergio Moro? Inspira-se em Michel Temer. Verba volant, este escreveu. As de Jair comem alpiste na gaiola.

Ele disse a senadores que queriam manter o Coaf na Justiça que na Economia as diretrizes de Moro seriam mantidas por Paulo Guedes. Mas agora pressiona o ministro da Economia para defenestrar Roberto Leone, presidente do Coaf escolhido pelo ex-juiz. O motivo da demissão seria sua crítica à decisão de Toffoli que, ao proibir o compartilhamento de dados da inteligência financeira, da Receita Federal e do Banco Central, com o Ministério Público e a Polícia Federal, beneficiou o primogênito Flávio.

Como dizia meu avô, a palavra do presidente não vale um tostão furado de fumo podre.

Itaipu, uma usina de encrencas - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP/O GLOBO - 07/08

A hidrelétrica de Itaipu, símbolo do "Brasil Grande", virou cenário de um lance de corrupção vulgar



O repórter José Casado disse tudo: "Sob Bolsonaro, [Itaipu] virou fonte de convulsão na outra margem do rio Paraná." A maior hidrelétrica do continente nasceu de um litígio e, graças a meio século de costuras diplomáticas, virou uma proeza binacional. Em poucos meses de conversas impróprias, voluntarismos e tráfico de influência, o Brasil viu-se metido num escândalo. Logo em Itaipu, usina construída por um ex-oficial do Exército que passou pela vida pública sem nódoa. José Costa Cavalcanti foi ministro de Minas e Energia e do Interior, assinou o Ato Institucional nº 5 e dirigiu a construção de Itaipu. Tinha pouca graça, talvez nenhuma. Morreu pobre, em 1991.

Logo na usina de Costa Cavalcanti estourou o escândalo de um acordomatreiro firmado entre os governos de Bolsonaro e de seu amigo MarioAbdo, "Marito", como ele o chama. Quando o caso estava no escurinho de Assunção, o ministro Sergio Moro revogou o status de refugiado que havia sido concedido em 2003 a três paraguaios que vivem no Brasil.

Espremendo-se uma história onde entram picaretas paraguaios, o empresário suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP) e diplomatas invertebrados, tudo poderia vir a se resumir ao seguinte: retirando-se um item do acordo, como foi feito, uma empresa brasileira, a Leros, compraria energia paraguaia para vendê-la no mercado brasileiro. Graças a algumas tecnicalidades, seria possível que ela pagasse US$ 6 (cerca de R$ 24) por um megawatt, vendendo-o, numa boa, por US$ 30 (R$ 119).

Na sua picaretagem um jovem advogado paraguaio dizia falar em nome do vice-presidente Hugo Velázquez e apresentava seu pleito como um ricochete do desejo da "família presidencial do país vizinho". Apanhado com a divulgação de mensagens trocadas com o presidente da estatal de energia de seu país, o moço informou que perdeu seu celular. (Ele é filho da ministra encarregada de combater a lavagem de dinheiro)

O presidente da estatal paraguaia de energia demitiu-se e botou a boca no mundo. Caíram a mãe do moço, o chanceler e o embaixador em Brasília. Arriscavam cair também o presidente Mario Abdo e o vice. Salvaram-se rasgando o acordo, no que foram acompanhados por Bolsonaro no dia seguinte. A costura pode ter levado meses, o desmanche deu-se em menos de uma semana. Hoje todo mundo garante que nunca ouviu falar dessa história.

Itaipu existe graças ao trabalho silencioso de presidentes e diplomatas que sempre evitaram acordar o sentimento nacionalista do Paraguai. Com a trapalhada do acordo, desmanchou-se um trabalho de meio século. Em 2023 o tratado que permitiu a construção da usina deverá ser renegociado, e lançou-se a semente da discórdia, com o Brasil sendo acusado de ter jogado bruto pelo presidente da estatal paraguaia que se demitiu.

Faz tempo, o engenheiro Octávio Marcondes Ferraz, construtor da usina de Paulo Afonso (BA) e um dos patriarcas da Eletrobras, batia de porta em porta dizendo que não se deveria fazer Itaipu com o Paraguai. Seria melhor construir três hidrelétricas na bacia do Paraná, mas em território brasileiro. Tinha o apoio do senador gaúcho PauloBrossard. Não foram ouvidos, mas nenhum dos dois seria capaz de pensar que o Brasil se meteria numa encrenca tão vulgar.

Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

Petrobras agora serve às retaliações do seu dono, o rei Bolsonaro 1º - REINALDO AZEVEDO

UOL - 07/08



O presidente Jair Bolsonaro trata a coisa pública como se fosse o quintal de sua casa de veraneio na vila de Mambucaba, em Angra dos Reis, aquela na qual Wal do Açaí fazia faxina, com salário pago pela Câmara dos Deputados. Lida com os bens do Estado com a sem-cerimônia com que ele os filhos, ao longo dos anos, foram empregando parentes e agregados em seus respectivos gabinetes legislativos, pagando-lhes, no papel ao menos, altos salários sem que as pessoas precisassem comparecer ao emprego. Não se sabe se recebiam mesmo o dinheiro ou se apenas serviam de laranjas para que recursos públicos fossem embolsados pelos detentores dos mandatos.

Por que afirmo isso?

A Petrobras, uma empresa de economia mista, mas controlada pelo governo, rompeu o contrato que mantinha com o escritório de advocacia comandado por Felipe Santa Cruz, presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, segundo informa Mônica Bergamo na Folha. No ano passado, o escritório venceu em favor da empresa uma causa trabalhista de imodestos R$ 5 bilhões. Vale dizer: o escritório não está sendo dispensado por ineficiência. Trata-se de vingança mesmo.

Bolsonaro lançou-se numa guerra despropositada contra Felipe. Relembro: a OAB recorreu contra uma decisão da Justiça Federal que, de modo absurdo e ilegal, havia determinado a quebra de sigilo bancário de Zanone Manuel de Oliveira, advogado de Adélio Bispo de Oliveira, o homem que deu a facada no então candidato Bolsonaro. Nota: o advogado não era investigado, e a OAB nada mais fez do que defender uma prerrogativa legal de um associado.

Foi o que bastou para o presidente da República lançar-se com uma fúria boçal contra Felipe, afirmando saber o que havia acontecido com Fernando Santa Cruz, seu pai, que desapareceu em 1974, depois de preso por agentes do DOI-CODI do Rio. Afirmou: "Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele".

Segundo documentos oficiais, Fernando desapareceu depois de preso e torturado. Cláudio Guerra, ex-delegado do DOPS do Espírito Santo, disse à Comissão da Verdade que incinerou ao menos uma dezena de corpos de militantes executados na Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes (RJ). Fernando estaria entre eles.

Bolsonaro, no entanto, deu outra versão. O pai do presidente da OAB teria sido justiçado por integrantes da AP, Ação Popular, grupo esquerdista ao qual ele havia pertencido, mas do qual já havia se distanciado, ligando-se a uma dissidência. É mentira! O presidente da República não revela a origem da sua versão fantasiosa. Até porque, em 2011, já havia apresentado uma outra: Fernando teria desaparecido depois de uma bebedeira no Carnaval.

A fala de Bolsonaro gerou uma onda de indignação até entre seus admiradores moderados. Felipe recorreu ao STF, cobrando esclarecimentos. No dia 1º, o ministro Roberto Barroso concedeu duas semanas para o presidente se explicar. A extrema-direita bolsonarista, no entanto, ficou excitada e foi para as redes sociais para alardear, em tom de denúncia, que o escritório a que Felipe pertence tinha a Petrobras entre seus clientes. Tinha. E daí? Trata-se de uma empresa de economia mista que precisa de advogados. A companhia não é propriedade privada do presidente.

Bolsonaro, no entanto, é movido pelo rancor. Suas decisões são pautadas por um óbvio espírito de retaliação. E ele o faz de dois modos: apresenta-se como aquele que vai contar a verdade sobre o regime militar instaurado em 1964, combatendo, por consequência, os esquerdistas — e esquerdista é qualquer um que não concorde com ele — e também evidencia uma sede inextinguível de vingança contra adversários.

E o resultado está aí. Uma empresa de economia mista é tratada, então, como propriedade privada — no caso, sua —, evidenciando que desafiá-lo tem um preço. O que é estupefaciente nessa coisa toda é que não foi Felipe a desafiá-lo. O presidente da República resolveu se insurgir contra aquela que era uma obrigação da OAB, Como ele se fez na política ignorando todos os limites da civilidade, houve por bem tripudiar sobre a memória de um morto, cujo corpo não foi nem será encontrado porque transformado em cinzas pela ditadura.

A direção da Petrobras, claro!, vai chamar para si a decisão. Afinal, Bolsonaro não deixou a sua assinatura em nenhum papel determinando que a direção da empresa usasse a coisa pública para as vinganças pessoais do presidente da República.

Isso tudo, no entanto, tem um preço. Bolsonaro pode aguardar pelos efeitos inevitáveis da mais certa, embora jamais escrita, de todas as leis: a do retorno. Seu estoque de futuros acertos de contas, em pouco mais de sete meses de governo, é gigantesco.

Felipe anuncia que recorrerá à Justiça com uma ação de reparação de danos. É o mínimo que tem a fazer. Trata-se, creio, de um exemplo escancarado de abuso de poder e de uso da coisa pública para fins privados.

Popularidade é a única saída para Moro - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 07/08

Assessores tratam o ministro como um fardo político. Mas até agora o presidente continua achando que é um bom ativo


O anão que mora debaixo da mesa presidencial no gabinete do Palácio do Planalto ouviu dizer que o presidente Jair Bolsonaro está caindo na pilha de assessores, nem sempre oficiais, que já tratam o ministro Sérgio Moro como um fardo político. Até o momento, no entanto, o presidente continua achando que Moro é um bom ativo político.

Além do desgaste com a divulgação dos diálogos hackeados entre Moro e o coordenador dos procuradores da Operação Lava-Jato, Deltan Dallagnol, pelo site Intercept Brasil e outros órgãos de imprensa, agravou a situação de Moro a crítica de um de seus principais assessores, o presidente do Coaf Roberto Leonel, à decisão do presidente do Supremo, Dias Toffoli, de suspender investigações realizadas sem autorização judicial.

A decisão beneficia diretamente o filho do presidente, o senador Flavio Bolsonaro, que foi a origem do apelo ao STF. Uma das queixas, de que Moro não corresponde ao esperado na segurança pública, parece mais desculpa do que uma razão, e começou a ter respostas há algumas semanas.

Moro colhe bons frutos do trabalho da Polícia Federal, que encontrou os hackers que invadiram mil telefones de autoridades, e conseguiu recuperar, nos seis primeiros meses deste ano, mais dinheiro de corrupção e lavagem do que em todo o ano passado.

Moro parabenizou a PF pelo recorde de apreensão de bens relacionados ao tráfico de drogas. De acordo com os números oficiais, R$ 548 milhões já foram apreendidos de janeiro a julho deste ano. “ Estratégia universal, prisão dos membros do grupo, isolamento dos líderes, sequestro e confisco do patrimônio do crime. O crime não pode compensar”, sentenciou Moro pelo Twitter.

A PF também fez ontem grande operação contra a facção criminosa PCC, que tem ramificações em todo o país, com objetivo de cortar o financiamento dos criminosos, e disse ter encontrado planilhas que podem levar a outros financiadores.

Prova de que o trabalho anti-crime do ministro está tendo resultado neste momento, e que o combate ao crime organizado se dá em várias frentes, e não apenas na Lava-Jato.

Desde que foi escolhido para o Ministério da Justiça, Sérgio Moro anunciou que teria como foco principal o combate ao crime de lavagem de dinheiro, com o objetivo de asfixiar as organizações criminosas.

A equipe montada por ele tinha como base policiais especializados nesse tipo de ação, e por isso ele fez questão de levar para sua área o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), um instrumento fundamental para detectar dinheiro ilegal, proporcionando a investigação dos órgãos de controle, como a Receita Federal.

O termo usado na equipe que lidera o combate ao crime organizado é "descapitalização", para enfraquecer as organizações criminosas, seja de facções, ou de colarinho branco. Por isso seu pacote anticrime pede a alteração de algumas leis para que os órgãos de fiscalização tenham maior liberdade.

A perda do Coaf para o ministério da Fazenda foi política, uma derrota que o Congresso resolveu dar a ele em defesa própria, considerando que o Coaf na Fazenda não teria a mesma dedicação em investigar os políticos. Se houver mesmo a substituição do seu comando, essa tendência deve ser confirmada.

Os azares da sorte levaram os caminhos da política a um impasse: investigar políticos esbarra na família Bolsonaro. Mas o presidente não pode dar a impressão de que está abandonando seu apoio à Lava-Jato para defender seu filho.

Alardear os feitos da Polícia Federal é uma saída, pois ela “realiza suas investigações com autonomia e mérito próprio. O papel do Ministério da Justiça e da Segurança Pública é dar estrutura e independência” (...) “Uma única orientação: focar em crime organizado e corrupção, as prioridades nacionais. As estratégias de investigação são parecidas, siga o dinheiro.”

Moro, que já deu provas de flexibilidade ao lidar com temas delicados como porte de armas, só tem uma saída: tornar-se cada vez mais o super Moro, indispensável no imaginário popular.


Bolsonaro trata o governo como uma ferramenta política pessoal - BRUNO BOGHOSSIAN

FOLHA DE SP - 07/08

Presidente avacalha a República ao usar o poder em retaliações e favorecimentos


Na política miúda de muitas cidades, prefeitos e vereadores costumam confeccionar faixas de agradecimento toda vez que uma autoridade aparece para inaugurar uma obra. Além de puxar o saco de quem tem a chave do cofre, eles aproveitam para fazer propaganda de seus nomes entre os eleitores da região.

Jair Bolsonaro decidiu adotar essa bajulação como critério orçamentário. Depois de dizer que alguns governadores do Nordeste não devem "ter nada", ele afirmou que não vai negar recursos aos estados administrados pela oposição —com uma condição.

"Se eles quiserem que realmente isso tudo seja atendido, eles vão ter que falar que estão trabalhando com o presidente Jair Bolsonaro", declarou, após um evento na Bahia.

Aquele dinheiro é público, e a Constituição diz que a máquina estatal deve seguir o princípio da impessoalidade. Bolsonaro dá de ombros e trata o governo como uma ferramenta política particular.

A insistência em nomear o filho para a embaixada em Washington segue essa lógica, como se espaços públicos fossem domínios familiares. "Tem que ser filho de alguém. Por que não pode ser meu?", perguntou.

O presidente só consegue exercer o poder de maneira personalista. Fomenta divisões contra seus adversários e usa o cargo para aplicar retaliações. Nesta terça (6), anunciou mudanças na publicação de balanços financeiros em jornais e se vangloriou: "Retribuí parte daquilo que grande parte da mídia me atacou".

Bolsonaro também desfigura as funções do governo para encaixá-lo a suas fixações ideológicas. Ao jornal O Estado de S. Paulo, ele disse que o próximo chefe do Ministério Público não deve ficar "só preocupado de forma xiita com questão ambiental ou de minoria". Ignorou a missão do órgão de proteger o meio ambiente e outros direitos coletivos.

O resultado é uma avacalhação ainda maior das já desmoralizadas instituições republicanas. Diz-se que um governante costuma se adequar à cadeira que ocupa ao longo do tempo. Bolsonaro preferiu deformar a sua.

Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).

O difícil convívio do autoritarismo com a liberdade de imprensa - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 07/08

Bolsonaro usa medida provisória para alterar lei que sancionara, a fim de atacar o jornal ‘Valor’

A longa história do Brasil no autoritarismo não deixa dúvida da dificuldade que é o convívio de políticos não democráticos com a imprensa profissional, independente.

O presidente Bolsonaro, que desde deputado nunca serviu de modelo de tolerância, deu ontem em São Paulo, na abertura do Congresso da Federação Nacional de Distribuição dos Veículos Automotores (Fenabrave) e no interior, em Itapira, demonstração de até onde vai sua incompreensão da liberdade de imprensa.

Ao criticar o jornal “Valor Econômico”, do Grupo Globo, citando a publicação de uma entrevista na campanha que na verdade não concedeu, Bolsonaro citou medida provisória que assinara na véspera, para acabar com a obrigatoriedade de as empresas veicularem balanços em jornais. Esta edição de demonstrativos financeiros na íntegra já deixará de ser compulsória a partir de janeiro de 2022, segundo lei, sendo permitida, porém, a publicação de balanços resumidos.

Bolsonaro usou a MP para alterar a Lei 13.818, recém-sancionada por ele, sobre regime simplificado de publicidade e publicações de sociedade anônima, para praticar esta retaliação. Bem no figurino de governantes autoritários.

O presidente aproveitou para também criticar O GLOBO, por ter publicado no domingo extensa reportagem sobre a ampla prática de nepotismo do clã Bolsonaro na ocupação de cargos eletivos — todos, o pai, Jair, e os filhos Flávio, Carlos e Eduardo.

O levantamento feito pela reportagem contabilizou 102 apaniguados, entre familiares e pessoas próximas ao clã. Todas, claro, remuneradas pelo contribuinte. Pai e filhos foram procurados. Quem não respondeu com evasivas, não falou. Poderiam ter explicado cada um dos casos.

O presidente preferiu atacar, usando instrumentos colocados pela Constituição ao dispor do chefe do Executivo para governar. Mas usou um desse instrumentos, uma MP, para vingança pessoal contra a imprensa. Em Itapira, não escondeu: “no dia de ontem (segunda) eu retribuí parte daquilo que grande parte da mídia me atacou...” (sic) No mínimo, má aplicação do poder de governo. Exemplo típico de patrimonialismo, o uso de recursos público para fins privados.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), resumiu: “Eu acho que a imprensa não está atacando ele. A imprensa está divulgando notícia. Se é contra ou a favor, essa é uma avaliação que cada um de nós tem que fazer quando é criticado ou elogiado”.

Extremismo nas redes sociais - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 07/08

Enquanto no Brasil o problema se limita, por ora, aos que transformaram as redes em terra de ninguém, nos EUA e na Europa os fanáticos passaram à ação real.

O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) determina, em seu artigo 2.º, que “a disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão”. Ou seja, a lei “que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil”, conforme se lê em seu artigo 1.º, coloca a liberdade de expressão como sua principal baliza.

A ênfase não é aleatória nem acidental: trata-se de assegurar que nenhuma regulação seja capaz de tolher o direito à livre manifestação do pensamento no ambiente da internet – cuja vocação democrática é ainda mais evidente quando se observam as tentativas de regimes autoritários de submetê-la a censura.

Nesse aspecto, o Brasil se alinha às democracias maduras, já que seu marco legal para a internet, um dos mais modernos do mundo, não deixa dúvidas sobre a prevalência da liberdade de expressão na web. Entretanto, frequentemente esse compromisso democrático é testado por liberticidas de diversas extrações.

Enquanto no Brasil o problema se limita, por ora, aos extremistas políticos que transformaram as redes sociais em terra de ninguém, onde adubam com mentiras e distorções o ódio que ajuda a ampliar a crise nacional, nos Estados Unidos e na Europa os fanáticos virtuais passaram do palavrório à ação real. Multiplicam-se atentados terroristas motivados por racismo e xenofobia amplamente disseminados em diversas redes sociais.

O caso mais recente ocorreu em El Paso, no Estado norte-americano do Texas, onde no dia 3 passado um supremacista branco matou a tiros 22 pessoas num supermercado. Segundo os relatos conhecidos até aqui, o atirador foi motivado por mensagens de ódio aos imigrantes veiculadas livremente numa rede social chamada “8chan”.

Esse fórum foi criado em 2013 pelo norte-americano Frederik Brennan com a intenção, segundo o jornal The New York Times, de oferecer na internet um lugar onde qualquer mensagem seria bem-vinda, independentemente de sua virulência. Brennan pretendia assim reagir às restrições impostas aos usuários de outro fórum que ele frequentava, o “4chan”.

Em pouco tempo, graças a essa sua natureza irrestrita, o “8chan” tornou-se uma espécie de santuário para os extremistas expulsos de outras comunidades virtuais por violarem as regras de boa convivência. Brennan deixou de comandar o fórum em 2015, quando o radicalismo já havia se tornado sua principal marca, e hoje o site é administrado por Jim Watkins, veterano do Exército norteamericano que vive nas Filipinas. Watkins, assim como Brennan antes dele, não exerce nenhuma forma de moderação sobre os comentários ali postados. Foi graças a essa liberdade que o assassino de El Paso pôde anunciar tranquilamente seu intento no “8chan”, momentos antes de cometer o crime, acrescentando a recomendação de que sua mensagem homicida fosse propagada pelos demais frequentadores.

O “8chan” já havia sido usado como veículo dos criminosos para anunciar outros massacres, como o ataque de um supremacista branco contra muçulmanos em Christchurch (Nova Zelândia), que deixou 51 mortos em março passado, e o ataque de um antissemita a uma sinagoga na Califórnia, que matou uma pessoa, em abril.

É evidente que, nesses casos, a liberdade de expressão serve apenas como instrumento para disfarçar de mensagem política o que não passa de crime de ódio. Até pouco tempo atrás, redes sociais importantes como o Twitter e o Facebook recusavam-se a impor filtros a esse tipo de discurso, e não foram poucas as vezes em que ambas serviram para amplificar o que estava restrito a redes obscuras como o “8chan”.

Diante da constatação óbvia de que era preciso impor limites para as mensagens de ódio – e do fato de que poderiam ser de alguma maneira responsabilizadas pelos crimes brutais cometidos a partir delas –, Facebook, Twitter e outras redes recentemente baniram de seu ambiente diversos extremistas, especialmente nos Estados Unidos. A esses fanáticos restou então o submundo da internet, onde cinicamente reivindicam o direito fundamental à liberdade de expressão com o objetivo de destruir a essência da democracia.

Com MP, Bolsonaro tenta intimidar a imprensa - EDITORIAL VALOR ECONÔMICO

Valor Econômico - 07/08

O presidente Jair Bolsonaro não gosta do que lê nos jornais nem das críticas que sofre. Resolveu revidar ontem, editando Medida Provisória que altera lei aprovada pelo Congresso e sancionada por ele há quatro meses (a 13.818, de 24 de abril) e desobriga as empresas de capital aberto de publicarem demonstrações financeiras em jornais. A lei que foi modificada estabelecia que até 31 de dezembro de 2021 valeria a regra da Lei das Sociedades Anônimas, que determina publicação de balanços no Diário Oficial do Estado em que estiver situada a companhia e em um jornal de grande circulação nacional. Bolsonaro mencionou o Valor e, entre risos irônicos, disse esperar que o jornal "sobreviva à MP de ontem".

O presidente costuma inventar argumentos para atacar adversários ou interpretar o conteúdo do que lê de maneira singular. Ele disse ontem, após mencionar a MP 892 que assinara no dia anterior, que concedeu duas entrevistas ao Valor durante a campanha eleitoral e em uma delas a manchete era a de que sua proposta de política econômica era igual à da presidente Dilma Rousseff. Detalhe: o presidente não concedeu entrevistas ao jornal durante a campanha, apesar de procurado. Os únicos registros de entrevistas ao Valor datam de 2017 e não trazem tal referência. Articulistas em colunas de Opinião fizeram paralelos entre os dois em alguns episódios específicos, como o de quando o presidente interferiu diretamente na política de preços da Petrobras.

O atropelo à verdade pelo presidente tem sido recorrente, assim como sua campanha contra a imprensa. Bolsonaro reconheceu ontem em Itapira (SP) seu objetivo ao editar a MP: "No dia de ontem eu retribuí parte daquilo que grande parte da mídia me atacou".

Mas, mais do que buscar atingir a imprensa, o presidente mais uma vez passou por cima da Câmara dos Deputados e do Senado, que deliberaram sobre o assunto e aprovaram, após quatro anos de debates, um esquema de transição que eliminaria a obrigatoriedade de publicação de balanços integrais em jornais impressos e fixou prazo razoável de adaptação para que isso fosse feito.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse ontem que "retirar receitas dos jornais do dia para a noite" não lhe parece a melhor decisão. Ele destacou que não acha que Bolsonaro esteja sendo "atacado" pelos jornais, que "estão divulgando notícia" e que considera que o jornal impresso "ainda é instrumento muito importante da divulgação de informação, da garantia da liberdade de imprensa, da liberdade de expressão e da nossa democracia".

Na semana passada, o presidente foi criticado pelo decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, por também ter atropelado o entendimento do Congresso, ao lançar uma MP alguns dias depois de outra ter sido rejeitada, com a mesma finalidade de retirar a demarcação de terras indígenas da Funai e transferi-la para o Ministério da Agricultura. Mello viu na atitude de Bolsonaro o sinal de haver, "na intimidade do poder, um resíduo de indisfarçável autoritarismo". A edição da nova MP confirma a percepção do ministro do STF.

Não há a mínima questão de urgência ou relevância que justifique o uso de medida provisória para tratar do assunto. O presidente utilizou seus poderes legais para tentar constranger financeiramente jornais pelo fato de eles publicarem críticas ou avaliações negativas de seu governo, um fato corriqueiro em regimes democráticos. A MP 892 não vai mudar em nada a atitude dos jornais independentes, que não se pautam por objetivos políticos, como o presidente acredita.

Os impulsos autoritários do presidente causam problemas para o próprio governo. No início da discussão da reforma da Previdência, Bolsonaro disse que por ele a reforma jamais seria feita, maneira estranha de defender a primeira e mais relevante batalha de seu governo. Agora, quando a reforma tributária adentra o Congresso, com enormes obstáculos à frente, Bolsonaro ataca os governadores do Nordeste em seu conjunto - e os governadores tiveram papel decisivo para enterrar todas as tentativas que passaram pelo Congresso.

A equipe econômica valoriza e pretende incentivar o mercado de capitais, enquanto o presidente, com a MP, vai, como diz nota da Associação Nacional de Jornais, "na contramão da transparência de informações exigida pela sociedade". Ele se orgulha de retirar custos de publicação das empresas, mas se esquece dos atuais e futuros acionistas, que buscam cada vez mais informações facilmente disponíveis diante da arrancada da bolsa de valores. A palavra está novamente com o Congresso, que tem a oportunidade de reafirmar o entendimento anterior como a melhor solução para a questão.