domingo, dezembro 21, 2008

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Somos todos ladrões?


O Globo - 21/12/2008
 

Não, sério mesmo, somos todos ladrões? Gostamos muito de criticar "o brasileiro", como se não fôssemos brasileiros também. Mas somos e, portanto, o certo não é perguntar se o brasileiro é ladrão, mas se podemos ser descritos como um povo constituído basicamente de larápios, aí compreendidos os corruptos de toda sorte, até mesmo os que recebem um "por fora" com a expressão honrada de que não estão fazendo nada de errado, estão fazendo o que há séculos vem sendo feito. Foi a primeira coisa, por exemplo, que o presidente Lula disse, quando começou a revelação de irregularidades no financiamento de sua campanha política - é assim que sempre se fez neste país. 

Ele tinha razão, claro. É assim que sempre se fez e assim se continua fazendo, em todos os setores. E é interessante esse negócio de "o brasileiro" nunca incluir quem está fazendo a crítica. Ele pessoalmente é honestíssimo, mas o brasileiro é desonesto por natureza. Os políticos ladrões, por exemplo, são uma espécie extraterrestre vinda não se sabe donde, não são gente como nós, com a mesma língua, os mesmos costumes e a mesma cultura. Observação igual pode ser feita em relação a juízes e desembargadores ladrões, policiais e fiscais idem e assim por diante. Tudo "brasileiro", é impressionante. 

Não me esqueço de uma festinha a que fui, faz muitos anos. O dono da casa era sogro de um amigo meu e nos conhecemos nessa noite. Bem-falante, articulado e espirituoso, iniciou, quando soube que eu era jornalista, uma longa palestra sobre a desonestidade do brasileiro. Com toda a certeza a razão principal era que descendíamos do que de pior havia em Portugal, degredados, criminosos de toda espécie, a escória mesmo. Daí estar no sangue a desonestidade do brasileiro, políticos e autoridades eram de enojar, de causar asco invencível. Ele, em sua longa carreira de funcionário da alfândega (ou coisa semelhante, foi mesmo há muito tempo e não lembro direito), já tinha visto de tudo, não acreditava em mais nada, o brasileiro era preguiçoso, lerdo, descarado e ladrão, a verdade era essa. 

Isso se passava numa casa muito ampla e confortável, entre doses generosas de uísque escocês e outras bebidas estrangeiras, com fundo musical saindo de um esplêndido aparelho americano. Num dos intervalos da palestra, o genro dele e meu amigo comentou que, bebendo daquele uísque, estávamos a salvo de falsificações, era tudo legítimo, apreendido como contrabando. Isso mesmo. Aquele Catão cuja voz tornava a reverberar de indignação moral contra gatunos e corruptos estava servindo uísque contrabandeado, ouvindo uma eletrola (naquela época, aparelho de som se chamava assim) contrabandeada, numa casa que seu salário não permitiria etc. etc. Naquela época, ainda muito jovem, achei que ele era exceção, mas um diabinho aqui insiste em que é a regra, a qual, quanto mais vivemos, mais se comprova. Podia haver catadura mais austera e severa do que a do juiz Lalau? 

E vocês já notaram como o brasileiro (nunca nós, nós não, nós estamos fora dessa), se bem observado, fala no político ladrão com um ar meio cúmplice, quase admirando a esperteza do indigitado? Quando é do tipo rouba-mas-faz, a admiração às vezes até se manifesta abertamente. São raras a indignação, a raiva ou a revolta. Mesmo os que o chamam de ladrão safado dizem isso muitas vezes quase carinhosa e compreensivamente. Em outras culturas, o furto de dinheiro público é mais grave do que o furto de um bem particular. Não sei se devem existir gradações nesse caso, mas, entre nós (perdão, leia, em vez de "entre nós", "para o brasileiro"), há bastante mais compreensão ou mesmo simpatia para com o ladrão do dinheiro público. 

Além disso, ninguém é punido, a não ser o pobre mesmo. São raríssimos os casos em que o ladrão rico vai para a cadeia. Quando vai, demora pouco e não devolve o dinheiro afanado. O provérbio está com a conjunção errada, é uma aditiva, não uma adversativa. Não é "a justiça tarda, mas não falta"; é "a justiça tarda e falta". Em toda parte, em qualquer setor de atividade, todo dia se revela mais um caso de roubalheira ou maracutaia. Mas ninguém que tenha poder, seja econômico ou político, é punido. Suspeito que o brasileiro presta mais atenção no que as pessoas fazem e não no que elas dizem e aí fica patenteado que roubar pouco é que é burrice. Roubar muito é o certo e o brasileiro é esperto e malandro. Cada um procura suas melhoras e fala mal quem tem inveja, ou não teve coragem e competência para se locupletar. 

O brasileiro é tão irremediavelmente safado, que nós, outros, temos até dificuldade em ajudar o próximo. Diante da tragédia em Santa Catarina, nós demonstramos solidariedade e fraternidade. De todo o país seguiram doações, inclusive dinheiro, e apresentaram-se voluntários para ajudar de alguma forma, o país se mobilizou. Mas o brasileiro, sabe como é, o brasileiro não tem jeito. E lá foram pilhados diversos brasileiros furtando as doações, a ponto de aqueles entre nós que mandaram dinheiro desconfiarem que a grana foi parar no bolso de algum deles. 

Bem, tudo isso já foi dito e redito e nunca adiantou nada. Claro que não somos ladrões, ninguém aqui é ladrão, ladrão é o brasileiro. Temos de mudar a mentalidade e os valores do brasileiro e, verdade seja dita, estamos aperfeiçoando o regime aos poucos. Agora mesmo, o Senado aprovou a recriação de mais de sete mil vagas de vereador, que haviam sido extintas. Os senadores garantem que não haverá aumento nos gastos federais, porque há um limite constitucional para o repasse de verbas, que permanece inalterado. Menos mal. Só falta agora que os vereadores não sejam brasileiros, porque o brasileiro é realmente sabidíssimo e começa a carreira de ladrão no município mesmo. 

ÉLIO GASPARI

O exame do Ipea reprova seu comissariado


O Globo - 21/12/2008
 

Os doutores que zelam pela doutrina da fé econômica do governo fazem inveja aos bons tempos do cardeal Ratzinger. Em 2000, o Banco Central armou um concurso para 300 analistas e, na prova de títulos, desqualificou a Unicamp, considerada um ninho de pensamento crítico da ekipekonômica tucana. Felizmente a armação foi desfeita. Agora, o comissariado do Ipea foi por um caminho parecido e piorado. Abriu um concurso para 62 vagas de técnico de planejamento (R$11 mil mensais) e submeteu os candidatos a uma prova que ofendeu o idioma, banalizou a qualificação dos candidatos e beneficiou conhecimentos de almanaque. 

Exemplificando, primeiro pela agressão ao idioma, numa pérola pinçada por Madame Natasha: "Considerando aspectos da configuração das redes urbanas regionais no Brasil e do imbricamento dessa morfologia com a economia produtivista nacional, julgue os itens que se seguem (...)." 

A prova agrediu a complexidade do pensamento do sociólogo Francisco de Oliveira ao atribuir-lhe a afirmação de "não haver capitalismo monopolista sem o Estado". Tudo bem, mas Dadá Maravilha poderia ter dito a mesma coisa. (Nunca é demais lembrar que em 2003 Nosso Guia mandou tirar um texto de Oliveira de um livro publicado pelo Instituto da Cidadania.) 

Uma questão mostra a opção por conhecimentos inúteis: "Uma política de conservação dos cavalos-marinhos deve ser voltada para o Gerenciamento Costeiro e Marinho e a Fiscalização Contra o Comércio Ilegal, dispensando uma articulação com a Política Nacional de Recursos Hídricos e as práticas agrícolas no Continente." Certo ou errado? 

Esse concurso atraiu 8 mil jovens que estudaram a sério e querem servir ao Estado. Não deveriam ser testados por examinadores rudimentares, até mesmo desleixados. Acusar os comissários de terem produzido um teste de conhecimento esquerdista é elogio impossível. A prova é apenas burra. Durante a ditadura, foi o rigor acadêmico do Ipea, associado a uma certa tolerância com o pensamento dissidente, que preservou o acervo intelectual de uma geração de economistas como Pedro Malan. 

A Petrobras poderá aliviar a crise coreana 

A Petrobras atendeu ao apelo de Nosso Guia para estimular a economia. Na Coréia. No primeiro semestre, a empresa resolveu contratar doze unidades de perfuração. Anunciou seu interesse ao mundo, apareceram cerca de 15 interessados e a indústria brasileira arrematou dez das doze empreitadas. Um negócio de US$18 bilhões ao longo de mais de dez anos. 

Agora, o comissariado da empresa quer contratar uma unidade de perfuração para águas profundas em área internacional. Há uma certa corrida contra o tempo para fazer o negócio com a empresa Vantage, que está construindo um equipamento na Coréia. A companhia é uma sociedade de americanos, taiwaneses e noruegueses. 

Trata-se de um contrato que pode chegar a US$1 bilhão em cinco anos. 

Como a unidade será usada fora do Brasil (talvez na Líbia, Turquia ou Angola), a Petrobras não está obrigada a cumprir as exigências da legislação brasileira. A contratação poderá ser justificada pela pressa que a Petrobras tem de receber a unidade. Não deixa de ser esquisito que ela conduza o negócio sem uma comunicação formal e pública ao mercado. 

Bastaria anunciar à praça o interesse pelo equipamento. Se de fato não houvesse no mundo um fornecedor capaz de concordar com o preço e o prazo, a escolha seria natural como o nascer do sol. 

Papai Noel 


É falta de educação puxar conversa sobre o tombo do fundo Fairfield Greenwich em rodas do andar de cima de Pindorama. 

Seu dono, o investidor Walter Noel, tinha excelentes relações com famílias notáveis do Rio de Janeiro. Pode-se especular que as aplicações de brasileiros com Noel tenham passado do bilhão de dólares. 

Coisa parecida, em ponto muito menor, só aconteceu em 1995, quando quebrou a casa de câmbio do banqueiro Jorge Piano. 

Aos 72 anos, Noel viveu a reapresentação da Belle Époque. Há alguns anos comprou uma mansão de US$9 milhões perto do Lago Agawan, em Nova York. Não era uma casa qualquer, pois fora projetada pelo arquiteto Stanford White, o quindim da plutocracia americana no início do século passado. É de White o palácio do filme "O grande Gatsby". 

Stanford White foi assassinado por um corno em 1906. A cena está no filme "Ragtime", com o escritor Norman Mailer no papel do arquiteto. 


Sábios da banca 


Nos últimos meses, os sábios do banco de investimentos Morgan Stanley previram em duas ocasiões que o Brasil corre o risco de entrar numa recessão a partir do mês que vem. 

Nada contra previsões, até porque essa possibilidade é real. O que não se entende é que esses mesmos sábios jamais façam previsões sobre o desempenho das casas onde trabalham. 

O Morgan Stanley fechou o ano com um prejuízo de US$2,2 bilhões. 

Somado ao buraco de 2007, o prejuízo dos acionistas ficou em quase US$6 bilhões. 

Se os sábios da banca tivessem previsto os seus próprios desastres, a conta da geléia financeira de 2008 teria sido menor. 

Eremildo, o Idiota 


Eremildo é um idiota e estava na Praia de Sauípe quando chegaram os governantes de 31 países da América Latina e do Caribe para discutir a integração política e econômica da região. 

Ele decidiu que em abril irá à reunião da Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago, para propor a criação, para ele, do cargo de integrador de todos os organismos de integração americana. 

Pela conta do idiota, as Américas e o Caribe têm 35 nações, e os organismos integradores, globais ou setoriais, executivos ou consultivos, existentes ou projetados, são 17. A saber: 

OEA, Mercosul, Unasul, Alba, Aladi, ACS, BID, Caricom, Cepal, Comunidade Andina, Cúpula das Américas, Grupo do Rio, Nafta, SIC e, no forno, o projeto americano da Alca, a proposta do FuSul, do presidente do Equador, e a última novidade, a OEA do B, sem os Estados Unidos. 


Zé Emanuel 


No início de novembro, quando Barack Obama anunciou a escolha de Rahm Emanuel para a chefia da Casa Civil de seu governo, o jornalista Tutty Vasques escreveu: 

"Guardem bem este nome: Rahm Emanuel. É o Zé Dirceu do Obama. Depois não digam que não avisei." 

De arrecadador de fundos para Bill Clinton em 1992, passou a operador político de seu governo. Saiu da Casa Branca e associou-se a uma boutique de investimentos, onde juntou US$18 milhões em dois anos e meio. Com amparo da turma do papelório, elegeu-se deputado. 

Obama ainda não tomou posse e o nome de Emanuel já queimou um filme. 

Apareceu no radar das conversações com o governador do Illinois, que leiloava a cadeira de senador de Obama.

ANCELMO GOIS

Fator Mão Santa


O Globo - 21/12/2008
 

Um experiente político brasileiro explicou a um amigo por que reluta em aceitar ser candidato a presidente do Senado: 

- Não tenho mais idade nem disposição para ficar sentado na presidência, ouvindo o Mão Santa falar. 

Fala pelos cotovelos... 

Segundo levantamento do Instituto DataGois, com base em dados do Congresso, o peemedebista do Piauí já usou a palavra 2.478 vezes em seis anos de mandato. 

Mão Santa fala dia sim, outro também. Já proferiu algo em torno de 10.167.234 palavras nos microfones do Senado. Acaba no "Guiness". 

Segura o leão 

Lula pediu a Raúl Castro, na visita ao Brasil, que ajude a segurar Hugo Chávez para evitar certos radicalismos verbais. 

Aliás... 

Raúl não tem o carisma do irmão, Fidel. Mas foi aprovado no quesito simpatia nesta visita ao Brasil. 

Antes de sair de Havana, o cubano ouviu uma aula de duas horas de Brasil, ministrada pelo amigo Frei Betto. 

Os alienígenas 

O produtor Luiz Carlos Barreto, espécie de guardião-mor do cinema brasileiro, não se conforma com a decisão da mexicana Embratel e a da espanhola Telefônica de excluir o Canal Brasil de suas grades de TV a cabo: 

- Os dois grupos estrangeiros demonstram que não estão preocupados em valorizar os conteúdos brasileiros 

Segue... 

Barretão acha que o governo e a sociedade brasileira têm de cobrar da Embratel e da Telefônica um compromisso maior com o país onde operam. 

Em tempo... 

A Anatel, ao aprovar semana passada a compra da Brasil Telecom pela Oi, exigiu que o grupo ofereça, até 31 de março de 2010, um canal de conteúdo nacional e independente nas suas grades de DTH e cabo.

INFORME JB

Começa a batalha da Escola de Guerra

 Leandro Mazzini
Jornal do Brasil - 21/12/2008
 

 Começou sexta-feira, num restaurante do Rio, a batalha no campo político para evitar a transferência da Escola Superior de Guerra para Brasília ano que vem, conforme pretende o ministro da Defesa, Nelson Jobim. O deputado federal Marcelo Itagiba (PMDB) encontrou-se com o comandante da ESG, almirante-de-esquadra Luiz Humberto Mendonça. Os dois partiram para o contra-ataque. Itagiba enviou telegramas para a bancada federal do Rio, o governador Sérgio Cabral e o prefeito eleito Eduardo Paes. Quer formar uma força-tarefa a fim de cobrar de Lula um recuo. "Será preciso construir um prédio novo, com alojamentos. Aqui já temos a ESG e outras escolas, como a Naval, além da proximidade com centros tecnológicos de São Paulo".

Outro front

Por outro lado, na capital federal, sede do Quartel General, um grupo forte de militares quer nova sede em Brasília. E têm lobby político. Vai ser dura a batalha.

Outro front 2

O general Alberto Cardoso, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência no governo FHC, dá sua opinião: "Parece-me que a transferência visa a aproximá-la fisicamente da sede do ministério para facilitar contatos, assessoramentos e inserção no ambiente-fonte da grande política e estratégia nacional".

Tô aqui ainda

O prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT), prestes a deixar o cargo, mandou um recado para o Palácio do Planalto. Espera convite do presidente Lula para assumir um ministério. Sonha com Previdência ou Turismo.

Paparazzo

O delegado da PF Protógenes Queiroz, que se notabilizou ao prender Daniel Dantas, usou sua máquina fotográfica para registrar suspeitos que o seguiram nos últimos meses. Acha que é gente da Abin e da própria PF.

Relatório extra

Protógenes encaminhou todos os registros para o Ministério Público Federal. E mandou esta: vai cobrar satisfações do governo, algum dia, sobre o quanto se gastou para monitorá-lo com dinheiro público.

Na telinha

O Ministério das Cidades faz licitação para contratar três agências de publicidade. A conta é boa: coisa de R$ 125 milhões para campanhas de educação no trânsito e socioeducativas a respeito de meio ambiente e saneamento.

Dilma na folia

A foto acima é de Dilma Rousseff vestida de Carmen Miranda num Carnaval? Não. Mas parece. O registro é de uma sósia anônima, num baile de... 1920. A foto faz parte de exposição permanente da História de Muriaé, em Minas, no centro administrativo da cidade.

Cadê você?

O deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA) sumiu da Câmara. Seu índice de faltas é de 43%. E não aparece nem nos encontros semanais da Comissão de Ciência e Tecnologia, da qual é titular.

O avião sumiu

O MP Federal em Roraima protocolou ação civil pública contra a TAM e a Gol, para que operem quatro vôos diários de Boa Vista para outras capitais. As empresas suspenderam dois. Alegam pouca demanda.

Caos no saguão

O saguão tem registrado tumultos. O cidadão só tem duas opções de vôo: uma de madrugada e outra ao meio da tarde.

Até tu?

O TCU encontrou irregularidades graves em licitações do Ministério das Relações Exteriores para contratar empresa de prestação de serviços de copa, apoio administrativo e de motorista. Multou duas em R$ 10 mil, cada.

AUGUSTO NUNES

Guerra Fria recomeça na Bahia


Jornal do Brasil - 21/12/2008
 

 

Viagem rumo ao passado 

Nenhum país sabe perder uma guerra como a Bolívia: com os muitos milhares de mortos, vai-se também um pedaço do território nacional. Perdeu o trecho de litoral para o Chile em 1879, o Acre para o Brasil no começo do século passado e a região do Chaco para o Paraguai em 1935. Depois dos três confrontos, ficou com apenas 1 milhão dos 2,5 milhões de km² que tinha ao tornar-se independente da Espanha em 1825. É demais, parece achar o presidente Evo Morales. Inconformado com a vitória na Batalha da Petrobrás, que deixou a Bolívia do mesmo tamanho, ele agora anda sonhando com uma derrota tremenda para os Estados Unidos.

À caça de saídas para as enrascadas em que George Bush meteu os americanos, Barack Obama soube do perigo ao Sul na sessão de encerramento da Cúpula da América Latina e do Caribe (Calc), que agitou por três dias a Costa do Sauípe. Ou o novo presidente marca logo a data em que será suspenso o embargo econômico a Cuba, propôs Morales, ou os embaixadores dos 32 países que integram a Calc são retirados de Washington. "É um ato de rebeldia", explicou. Para sorte de Obama, Lula estava lá.

"Eu sou mais cuidadoso", apartou a briga o anfitrião. É preciso dar tempo ao colega às voltas com as guerras no Iraque e no Afeganistão, bateu no cravo. Mas não muito, deu na ferradura: "A região não pode esperar que um belo dia seja chamada para conversar com o Obama". É bom que o alvo do ultimato se apresse. A Bolívia não está só.

Morales é apenas o mais belicoso passageiro da viagem de volta à Guerra Fria que acaba de fazer uma barulhenta escala no litoral baiano. Começou na montagem da lista de participantes da festa do clube dos cucarachas. Além dos EUA, ficaram fora o Canadá, a Espanha e Portugal. O cubano Raúl Castro foi o convidado de honra.

"Pela primeira vez em 200 anos, todos os países da região estão juntos", entusiasmou-se Lula. Os caribenhos entraram mudos e saíram calados. Os presidentes do Peru e da Colômbia tinham mais o que fazer e mandaram representantes. Sobrou tempo para as apresentações individuais e coletivas dos chefes de governo da América bolivariana.

Só faltou Fidel Castro para que ficasse completo o elenco da comédia de época encenada à beira do Atlântico. Se a má saúde não o obrigasse a trocar o uniforme de comandante pela farda da Adidas, e promover o irmão Raúl a ditador interino, Fidel retribuiria com um discurso de sete horas as homenagens prestadas a Cuba. Coube ao caçula receber a carteirinha de sócio de uma espécie de OEA do B prometida para 2010 e a autorização para manter a democracia na cova. Cada país escolhe livremente o sistema de governo, diz o documento assinado por toda a turma. Os cubanos, por exemplo, escolheram a ditadura.

Fidel gostou de saber que Lula e os companheiros responsabilizaram o imperialismo ianque pela crise econômica e por todos os problemas passados, presentes ou futuros. Mas o abuso vai acabar, informou o venezuelano Hugo Chávez. "O capitalismo, que é o diabo, está morto", matou dois satãs de uma vez. "O que está mais vivo que nunca é o socialismo revolucionário".

Obama conseguiu uma trégua. Os fuzileiros navais americanos só se livrarão da insônia quando Morales garantir que não terão de enfrentar a Marinha boliviana no Lago Titicaca.

 A abulia dos que sustentam a gastança

Fora a diminuta bancada dos que não perderam a vergonha de vez, o Congresso acha muito bem-vinda a Proposta de Emenda Constitucional (podem chamar pela nome de guerra de PEC que ela atende) que aumenta dos atuais 51.924 para 59.267 o número de vereadores em ação no Brasil. A diferença é que os senadores resolveram praticar na sala cheia de crianças o mesmo pecado que os deputados preferem cometer no quarto – não por decoro, mas por malandragem. Só por isso não foi aprovada já na madrugada de quinta-feira a criação de mais 7.343 vagas nas câmaras de vereadores. Serão 7.343 cabos eleitorais em 2010.

O pretexto para a devolução da PEC ao Senado foi a supressão do trecho que proibia o aumento da verba repassada à Câmara pela prefeitura. Como a redução de salários é inconstitucional, a engorda da folha de pagamentos deve ser a bancada pelo corte de outras despesas. Nesse caso, os vereadores andam desperdiçando dinheiro. Se pensassem no país em crise, os parlamentares deveriam exigir a diminuição na gastança e engavetar a PEC ultrajante.

Brasileiro só sai da abulia quando soldados e voluntários roubam flagelados. Não são piores que pais da pátria que surfam na marolinha sob a mansidão do rebanho que paga a conta.

Um tricampeão e o anão da Bahia

O colunista pede perdão aos leitores por dois erros publicados na seção Coisas da Política de quarta-feira passada. O grande Nelson Piquet venceu três vezes (e não duas) o campeonato da F1 (1981, 83 e 87). E o pequeno João Alves, um dos anões do Orçamento, não nasceu em Pernambuco. "A Bahia não se renderá jamais a um engano tão expressivo", diz a mensagem bem-humorada de um amigo. "Vimos requerer uma correção: o deputado João Alves é baiano, sim, de nascimento e de política. A Bahia não merece um esquecimento desse tamanho".

Os culpados exigem mais que o perdão

Antes da roubalheira do mensalão, figurões com culpa no cartório guardavam alguma discrição até que o processo desse em nada. Instaurada a Era da Impunidade, descobriram que já podiam aparecer em público sem virarem alvos de vaias e palavrões. Agora já não basta o direito de ir e vir em paz enquanto esperam o perdão. Exigem também homenagens que sirvam de consolo para os arranhões na imagem. O deputado federal Antonio Palocci, por exemplo, ganhou a presidência da Comissão da Reforma Tributária da Câmara para livrar-se da depressão que o afligiu quando teve de trocar o ministério pelo banco dos réus.

Na semana passada, Palocci foi dispensado de perder de novo a alegria de viver. Como o Supremo Tribunal Federal resolveu adiar o julgamento do processo sobre o estupro da conta bancária do caseiro Francenildo Costa, só no ano que vem o ex-ministro será absolvido "por falta de provas". Depois de contar que Palocci vivia aparecendo na casa suspeitíssima que jurara nem conhecer, Francenildo perdeu o emprego e a chance de encontrar trabalho. Poderia perder até a liberdade se julgado pelo STF, sob a acusação de violar o próprio sigilo só para deixar o ministro mal no retrato. Ainda bem que o caseiro não tem direito a foro especial.

EMPREGOS


DOMINGO NOS JORNAIS

Globo: Projetos na Câmara criam 37 mil cargos por R$ 1,3 bi

Folha: Em meio à crise, gás para indústria em SP subirá 19%

Estadão: Governo tenta evitar que calote afete bancos

JB: Um feliz Natal, apesar da crise

Correio: Uso do cheque especial aumenta com a crise

Valor: Petrobras confirma plano de US$ 31 bi para refinarias

Gazeta Mercantil: Autopeças recebem R$ 3 bilhões do BB