quinta-feira, março 29, 2012

Linchamento feminino - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 29/03/12



Wanderley Guilherme dos Santos diz que há um aspecto conhecido pela sociologia do comportamento de grandes grupos nesse assunto “Ana de Hollanda”: — Trata-se da dinâmica do linchamento, capaz de ensandecer pessoas normais e de seduzir psicopatas enrustidos: “Bate que é de graça!” está no capítulo dos comportamentos irracionais.

Segue...

O cientista político que dirige a Casa de Rui Barbosa, ligada ao MinC, identifica nesse linchamento “o nítido machismo, inclusive nas senhoras participantes, no nível de grosseria e vulgaridade com que se expressa esse notável grupo de produtores, por assim dizer, culturais”.

E mais...

Wanderley está convencido de que essa turma se comportaria com mais educação diante de “músculos”.

Acaba em samba

O bem-humorado ator José de Abreu acha que o senador Demóstenes Torres, por conta de suas relações com bicheiro, acaba no comando da Liesa. Faz sentido!

Jesus afrodescendente

Dia 4 haverá uma encenação da “Paixão de Cristo”, às 18h, na escadaria da Câmara Municipal do Rio, só com atores negros. No elenco, entre outros, estão Rocco Pitanga (Jesus), Milton Gonçalves (Pilatos), Zezé Motta (Maria) e Cosme dos Santos (João). A iniciativa é do Sindicato dos Artistas do Rio.

Bech@ra
A Singular Digital — do grupo Ediouro — vai lançar em versão digital uma das gramáticas mais usadas pelas escolas brasileiras. Vem aí um e-book da “Moderna Gramática Portuguesa”, do imortal Evanildo Bechara.

UM GRUPO de moradores de Copacabana vai sentir saudades dos tempos da Help. Nada a ver, necessariamente, com os frenéticos nhecos-nhecos da finada casa de saliência. É que a partir de abril, quando finalmente subir o novo prédio do MIS, a turma de alguns prédios da Rua Aires Saldanha vai perder a bela vista para o mar. Um dos “sem vista” será Henrique Duque Estrada, de 87 anos, contador, que cultiva, veja que curioso, há décadas o hábito de fotografar a paisagem de sua janela. É dele a foto de 1982 (à esquerda), da construção da boate Help, e a mais recente do lugar, com o prédio do MIS mostrando seus primeiros dentinhos.

De frente para Che
Em 1998, o Papa João Paulo II celebrou missa em frente à estátua de José Martí (1853-1895), uma unanimidade em Cuba. Agora, o altar de Bento XVI ficou em frente aos monumentos a Che Guevara e Camilo Cienfuegos, ex-companheiros de Fidel.

O pai da Júlia

De Edmar Bacha, sobre a filha Júlia receber o troféu Faz Diferença, o 15oprêmio da carreira do documentário “Budrus”: — Depois de ser o pai do Belíndia, um dos pais do Real, chegou a vez de ser o pai de uma pessoa que faz diferença. É muito melhor. Não é fofo?

Exame da mulher

O exame de Papanicolau, que diagnostica o câncer de colo de útero, já foi feito em 78% das brasileiras entre 25 e 64 anos. O governo queria examinar 75% das mulheres até 2014. Mas bateu a marca ano passado, segundo
o Ministério da Saúde.

Viva Paulinho! 
O macaco Paulinho festejaseus 27 anos sábado, no Jardim Zoológico do Rio, com bolo de laranja, feito com leite desnatado por causa da dieta. Ele sucedeu ao Macaco Tião, falecido em 1996, na preferência da criançada que vai ao Zoo.

Cinzas do alto

A missa de sétimo dia de Chico Anysio será sábado, às 11h, na Igreja de São Francisco de Assis, no Rio Comprido. Em seguida, a viúva Malga Di Paula e filhos dele vão ao Projac, onde será jogada, de helicóptero, parte das cinzas do artista.

Por falar nele...

O mestre do humor será enredo da Paraíso do Tuiuti, escola simpática do Acesso A, em 2013. Será a segunda homenagem do samba a Chico, tema da Caprichosos de Pilares em 1984. Ele merece.

Os fora da lei

Cabral publica hoje a demissão de seis agentes penitenciários acusados de facilitarem a fuga do ex-PM e miliciano Ricardo da Cruz Teixeira, o Batman. Em 2008, como se sabe, o bandido fugiu de Bangu 8 pela porta da frente.

O amor é lindo

Oscar Niemeyer, 104 anos, vai diariamente ao Hospital Samaritano, no Rio, visitar a mulher, Vera Lúcia, recém-operada. Apertando a mão dela, disse ao bisneto e arquiteto Paulo Sérgio: — Agora ela vai ficar boa, estou segurando a sua mão.

Dogfight - SONIA RACY

O ESTADÃO - 29/03/12



A Anac deve examinar hoje a papelada pedindo desclassificação do consórcio vencedor da licitação de Viracopos.

Inclusive, segundo fontes do setor, a acusação levantando suspeitas sobre atestado dado por uma das empresas do consórcio: a Egis francesa. Ela assinou documento afirmando não ter apresentado várias certidões negativas exigidas (dívida trabalhista, débito junto à previdência, falência e concordata), porque isso não existe na França.

A Odebrecht, líder do consórcio contestador, enviou exemplos para provar o contrário.

Beija-mão

Guido Mantega recebe Jin Yong Kim, indicado por Obama para a presidência do Banco Mundial. Dia 5, em Brasília.

Brimos

Foi lançada anteontem, em São Bernardo do Campo, a semente para criação de partido árabe. Deputados libaneses discursaram no restaurante São Judas. Na plateia, representantes das comunidades árabe e islâmica, além de lideranças políticas, como Luiz Marinho.

Por una cabeza

Entra em pauta hoje, na assembleia do Jockey de SP, proposta de venda de imóvel vizinho ao clube, onde antes funcionava um colégio. Para ajudar nas finanças da agremiação.

Também vai a debate proposta de outorga onerosa de áreas verdes do Jockey – que precisa de aprovação da Prefeitura.

Lá e cá

A cúpula da Hyundai sinalizou para Michel Temer desejo de participar do projeto do trem-bala brasileiro. Foi durante encontro, segunda-feira, na Coreia do Sul.

O vice, por sua vez, conseguiu que Chung Mong-koo, presidente da empresa, se comprometesse com o Ciência Sem Fronteiras.

Espeto

O IPO do BTG criou uma situação curiosa: executivos do banco brincam com investidores, dizendo que a sigla, agora, significa Better Than Goldman.

Detalhe: o Goldman é líder da oferta do BTG.

Direto de Miami

O primeiro baile de gala da BrazilFoundation em Miami, anteontem no W Hotel, foi fomentado há dez anos pela fundadora da ONG, Leona Forman. “Mas só agora o momento de acontecer por aqui chegou”, explicou à coluna. A noite reuniu brasileiros residentes na Flórida, membros da organização e celebridades entusiastas da causa: ajudar instituições brasileiras. Segundo Patricia Loboccaro, presidente da BF, a ideia é que este seja o startpara outros galas na cidade – que hoje tem cerca de um terço de seus imóveis comprado por brasileiros. No red carpet, uma americana disparou: “Não sei se falo ‘hi’ ou ‘oi’”. Hélio Castroneves, Chairdo evento, concordou: “A presença brasileira cresce a cada dia no Estado”.

Ainda menor do que a festa de Nova York, a de Miami arrecadou US$ 250 mil, que serão destinados a cinco projetos brasileiros – dentre 515 inscritos e 46 finalistas.

Responsável pelo show da noite, Preta Gil também contribuiu: “Não trouxe meus músicos, chamei alguns que moram aqui”, afirmou, antes de botar os duzentos convidados para dançar ao som de Gilberto Gil e Michel Teló, entre outros. No palco com Preta, Gabriela Figueiredo, de 12 anos, moradora da Flórida, cantou Garota de Ipanema, aquecendo os aplausos.

A Fundação participa, em maio, de um grande evento pilotado pela Macy’s em homenagem ao Brasil. A loja dedicará espaço para designers nacionais e vai organizar ação beneficente pró-comunidades da Amazônia.

MARILIA NEUSTEIN VIAJOU A CONVITE DA BRAZILFOUNDATION

Na frente

Abilio Diniz estará hoje na reunião do conselho do Casino, em Paris. Cumprindo suas obrigações societárias.

Paulo Borges lança hoje o Movimento HotSpot, que buscará pelo País talentos nas áreas de música, fotografia, design, arquitetura, moda e beleza. Iniciativa do Instituto Nacional de Moda e Design.

Enquanto Dilma aproveitava para revisar seu discurso sobre os Brics, ontem pela manhã, em Nova Délhi, integrantes da delegação brasileira foram… às compras.

Raul Calfat, da Votorantim, será homenageado hoje pela Ernst & Young Terco. Foi eleito Executivo Empreendedor do Ano.

Daniela Séve Duvivier abre sua tradicional mostra de arte. Hoje, em Pinheiros.

Do palco da festa da BrazilFoundation, em Miami, Preta Gil avistou mulher na plateia. E mandou no microfone: “Esse escapulário que você está usando é Francisca Botelho, né? Eu sei. Viu, gente? Sou louca mesmo, faço propaganda das amigas (risos)…”

Lula no jogo - DENISE ROTHENBURG


Correio Braziliense - 29/03/12


Está de volta à mesa aquele que, por sorte ou destino, costuma ter boas cartas em mãos. E, assim, a turma da política prefere esperar passar a eleição municipal e não bater de frente com o governo



Pode parecer mera coincidência o fato de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se apresentar recuperado do câncer na laringe justamente no dia em que o Congresso retoma as votações de interesse do governo. Mas há alguns ingredientes a serem avaliados, capazes de unir esses dois eventos em princípio isolados.

Primeiro, desde que os sites de notícias passaram a publicar ontem à tarde o boletim médico a respeito de ausência de tumores visíveis na laringe de Lula, os líderes partidários passaram a conversar mais detalhadamente com os deputados para angariar votos a favor da Lei Geral da Copa, a proposta escolhida como a marca do distensão na Casa em relação ao governo.

Por falar em governo...
Antes da notícia da recuperação de Lula, os políticos tratavam o ex-presidente como carta fora do baralho para eleições futuras. Nos bastidores, todos se referiam à presidente Dilma Rousseff como irascível, sem paciência para a política. Em conversas reservadas, como registrado aqui há alguns dias, os aliados citavam Aécio Neves e Eduardo Campos como os nomes alternativos ao PT e à própria Dilma.

Neste momento, os planos para 2014 estão novamente na gaveta, pelo menos por enquanto. Com Lula de volta ao tabuleiro, é hora de esperar o que acontece na sucessão municipal para depois retomar os mapas de 2014 à mesa. Afinal, há muitas variáveis em curso que estão claras.

Por falar em eleição municipal...
Os aliados querem tirar a limpo qual o verdadeiro tamanho de Lula em São Paulo. E estão convictos de que esse tamanho será conhecido na sucessão municipal, onde a entrada de José Serra (PSDB) transformou o pleito num laboratório nacional. E o fato de Serra ter tido 52% dos votos na prévia tucana é sinal de que a eleição não deve ser o passeio esperado pelos serristas mais entusiasmados.

Embora ele largue como favorito hoje, ainda há muita coisa pela frente até o início da campanha, em que o poder de Lula de angariar aliados não pode ser desprezado. Além disso, é certo que até dentro do PSD de Gilberto Kassab — aliado de Serra —, Lula tem amigos, como o presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, que seguirá a orientação de Kassab, mas não se mostra interessado em fazer campanha a favor do candidato.

Por falar em campanha...
Com Lula em campo, é como se tivesse acabado uma rodada de pôquer e agora viesse a segunda. Todo mundo ainda tem fichas, mas está de volta à mesa aquele que, por sorte ou destino, costuma ter boas cartas em mãos. E, assim, é melhor esperar mais um pouco, não bater tão de frente com o governo e observar o desenrolar do jogo.

Pelo menos, do ponto de vista político, está claro que os deputados e senadores já não veem Dilma como aquela líder que, sozinha, os levará ao pódio em 2014. Tanto que, na noite de terça-feira, o acordo para votar a Lei Geral da Copa era tido por muitos como uma forma de mostrar que, na ausência da presidente, as coisas funcionam. Com a entrada de Lula no jogo, resolveram tirar essa sensação de cena e passaram a espalhar pela Casa que Dilma influiu no acordo orientando sua equipe por telefone.

Por falar em Dilma...
A paz total na base, entretanto ainda está longe. Vai depender de como a presidente tratará os políticos quando voltar da Índia. E não será logo na primeira semana que eles terão essa resposta. Até porque, da parte dos congressistas, já começa a se trabalhar mais uma semana sem muito movimento por conta dos feriados da semana santa. A Páscoa dos parlamentares, pelo visto, começará mais cedo. E, no caso dos senadores, ainda com 14º e 15º garantidos este ano.

Furando gelo por 22 anos - FERNANDO REINACH


O Estado de S.Paulo - 29/03/12


Eles começaram a furar em 1990. No dia 5 de fevereiro de 2012, às 22h25, os cientistas terminaram. A sonda havia atingido água líquida. Era o Lago Vostok, localizado 3.769,3 metros abaixo da estação científica russa na Antártida. Mas o tempo para comemorar foi curto, no dia seguinte os cientista tiveram de partir. Com a chegada do inverno, 6 de fevereiro era o último dia em que um avião ousava pousar no Polo Sul antes da chegada do inverno.

A estação Vostok é considerada o ponto mais frio do planeta. Ela fica próxima do Polo Sul magnético, a 1,3 mil quilômetros do Polo Sul geográfico. Foi instalada em 1957 e, desde então, durante o verão (temperatura média de -32°C) é habitada por 25 cientistas. Durante o inverno (temperatura média de -68°C), 13 coitados ficam tomando conta. A estação fica a quase 3,5 mil metros de altitude e o vento sopra constantemente. No dia mais frio, a temperatura chegou a -89,2°C. A estação brasileira, que pegou fogo recentemente, localizada no nível do mar e na costa de uma península, é um paraíso tropical quando comparada à Vostok.

Em 1972, medidas feitas com um radar instalado em um avião confirmaram a suspeita de que embaixo daquela calota de gelo de mais de 3 km de espessura havia um lago com água líquida. Apesar do frio, a água permanece líquida por causa da pressão da calota de gelo e do calor vindo do centro da Terra.

Estudos geológicos feitos nos anos seguintes determinaram que o Lago Vostok provavelmente foi isolado por uma camada permanente de gelo, há mais de 15 milhões de anos. Foi nessa época que o grupo dos hominídeos (que inclui todos os macacos e os humanos) surgiram no planeta. Só 14 milhões de anos depois da formação do lago isolado os humanos apareceriam na África.

A possibilidade de existir um ambiente isolado de todo o resto dos ecossistemas do planeta por mais de 15 milhões de anos aguçou a curiosidade dos cientistas. Será que existe vida no Lago Vostok? De que tipo? Bactérias, outras formas de vida desconhecidas ou já extintas no resto do planeta? O único jeito de descobrir era cavar um furo e chegar lá.

Dúvidas. Nos primeiro dois anos o progresso foi rápido, 2,5 mil metros. Mas em 1998, quando os cientistas conseguiram chegar aos 3,5 mil metros, muitos começaram a questionar se esse projeto não poderia contaminar o lago isolado com seres vivos vindos do mundo exterior. Uma enorme polêmica envolvendo ambientalistas, biólogos e geofísicos tomou conta da comunidade científica. Os realmente paranoicos argumentavam que existia o risco de os seres vivos do Lago Vostok (se existissem) invadirem os ecossistemas da superfície. Seríamos todos destruídos por esses seres estranhos?

Essa discussão paralisou o projeto por cinco anos. Quando o furo foi retomado, rapidamente os cientistas chegaram a 3,7 mil metros, mas aí a broca ficou travada. Foram dois anos para resolver o problema. Em 2009, a perfuração foi retomada. No início de 2011, como contei aqui na coluna, os cientistas anunciaram que estavam a poucos metros do lago, mas o inverno chegou e os trabalhos foram paralisados.

Agora, finalmente eles chegaram lá. Os metros finais foram perfurados utilizando calor e um líquido de silicone para garantir a esterilidade do poço. Quando finalmente atingiram a água líquida, a pressão fez a coluna de liquido subir quase 30 metros. Uma pequena quantidade de água foi coletada do fundo do poço, mas ela veio contaminada com líquido de perfuração. Pouca informação pôde ser obtida (um vidrinho foi dado para o presidente Putin).

Agora, vamos ter de esperar mais um ano. No próximo verão, os cientistas vão baixar uma série de sondas pelo furo. Vão coletar água com recipientes estanques e descer sondas capazes de analisar as características químicas e físicas da água do lago. Talvez em 2013 possamos saber se existe vida no Lago Vostok. Só nos resta aguardar.

Millôr e Brizola - CLAUDIA ANTUNES

FOLHA DE SP - 29/03/12

RIO DE JANEIRO - Biografias de Millôr lembraram ontem a passagem do escritor e cartunista pelo antigo "Jornal do Brasil", na década de 80. Ele entrara em atrito com a "Veja", onde trabalhava antes, por causa do seu apoio a Leonel Brizola, que fundou o PDT ao voltar do exílio e disputava a primeira eleição direta para o governo do Estado do Rio.

Em 1982, quase todo o resto da imprensa carioca apoiava a candidatura de Moreira Franco, hoje no PMDB e ministro de Assuntos Estratégicos de Dilma, de cuja "base aliada" o PDT também faz parte. Moreira concorria a governador pelo PDS, que virou o atual DEM, mas era, então, a sigla nova da Arena, o partido situacionista criado pelo regime militar.

O ex-governador gaúcho, cunhado de Jango e líder da Cadeia da Legalidade em 1961, fez uma campanha com poucos recursos e amparada em sua habilidade retórica, reivindicando uma continuidade histórica com a experiência nacional-popular interrompida em 1964.

O momento mais tenso veio após a eleição, quando a Proconsult, empresa contratada para informatizar as planilhas de voto (que ainda era em cédula de papel), passou a divulgar a dianteira de Moreira, contrariando as pesquisas. Uma apuração paralela feita pela rádio Jornal do Brasil provou que votos brancos e nulos eram computados para o governista.

Eleito com o antropólogo Darcy Ribeiro como vice, Brizola construiu Cieps, escolas públicas de horário integral. Autorizou uma linha de ônibus direta do subúrbio a Ipanema, e proibiu que a polícia invadisse casas em favelas -política que muita gente culpa pela entrada do tráfico nos morros, mas que na época era a correta.

Com o tempo, Millôr se tornou crítico veemente de Brizola, que viria a fazer um segundo governo sofrível no Estado, de 1991 a 1994.

Cada um com a seu modo, no entanto, os dois buscaram manter a coerência até o fim.

Brics, marca à procura de conteúdo - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 29/03/12


Poderosos isoladamente, o fato é que os cinco países, como grupo, não saíram do estágio conceitual

NOVA DÉLI - Brics é uma marca forte, mas corre o risco de desgaste se não agregar conteúdo a ela.

A avaliação é de um dos mais experientes e competentes diplomatas brasileiros, envolvido nas negociações e que prefere não ter o nome citado.

De fato, a quarta cúpula do grupo, que termina hoje, será uma mera repetição de muita retórica e pouco conteúdo.

Tome-se a proposta do banco de desenvolvimento dos Brics. Aí, sim, seria uma ação coordenada relevante, "uma nobre empreitada comum", diz Martyn Davies, executivo-chefe da Frontier Advisory, que faz pesquisa de mercado.

Reforça Jacob Zuma, presidente sul-africano, em conversa com Dilma Rousseff: "Será um instrumento de financiamento vital, especialmente para a África".

Mas o que a cúpula fará a respeito é apenas criar um grupo de trabalho para estudar o novo banco. Zuma, otimista, espera que os estudos estejam concluídos para a cúpula de 2013, em seu país. É improvável. "O estudo levará tempo", avisa Maria Edileuza Fontenele Reis, a principal negociadora brasileira.

O fato é que "pouca ação foi adotada coletivamente pelos Brics por falta de consenso", diz Jagannath Panda, pesquisador do Instituto de Assuntos de Defesa e Segurança da Índia. Para ele, os Brics "ainda estão no estágio conceitual".

Um conceito que rola desde a primeira cúpula em 2008 (estimular o comércio em moeda local) não se materializou até agora. "Todo mundo fala em comércio em moeda local, mas todos continuam usando o dólar", constata uma autoridade brasileira.

Reforça outro negociador brasileiro: com a Argentina tenta-se há mais tempo fazer comércio nas moedas locais, mas só abarca uma mínima fração. Não obstante, o conceito de comércio em moeda local está de novo na agenda da cúpula.

Nem por isso Brics deixa de ser uma marca forte: em 2011, representavam 25% da economia global (de acordo com a Paridade do Poder de Compra das moedas nacionais), 30% da área terrestre do planeta, 45% da população mundial e, nos dez anos mais recentes, cresceram 4,2 vezes, enquanto o mundo rico crescia apenas 61%.

Em todo caso convém relativizar os números. Grande parte da força vem do C de Brics, a China. Exemplo: o FMI calcula que, neste ano, os Brics contribuirão com 56% do crescimento da economia global. Mas 50% virão da China e da Índia.

Exemplo dois: o comércio entre os cinco ultrapassou US$ 250 bilhões em 2011. Mas US$ 200 bilhões são gerados só pela China nas trocas com os parceiros.

Luzes e sombras à parte, os cinco continuam apegados à marca Brics, que, se não rende ações concretas, tampouco faz mal à imagem de qualquer um deles.

No fundo, é como diz outro diplomata brasileiro: "Se os cinco já são isoladamente incontornáveis na discussão de qualquer assunto global, se efetivamente se coordenarem se tornarão essenciais".

A questão -que a cúpula-2012 não responderá- é se podem de fato coordenar suas ações ou se as prioridades de cada qual impedem uma atuação conjunta relevante.

Treze linhas - JULIO VASCONCELLOS

FOLHA DE SP - 29/03/12


Adoro a cidade de São Paulo, mas sempre que chego aqui fico assoberbado com a quantidade de "informações" no espaço urbano.

No aspecto visual, ao menos, isso melhorou muito em comparação à cidade que encontrava, anos atrás, antes da Lei Cidade Limpa.

Por outro lado, quando um pouco desse ruído visual foi removido, ficou ainda mais evidente a multiplicidade de opções de lazer, turismo e gastronomia disponíveis na cidade e a dificuldade em escolher diante de tantas alternativas diferentes.

Acredito que, assim como aconteceu com o diagrama de Harry Beck e o mapa do metrô de Londres, estamos vivendo um momento em que está se multiplicando o número de ferramentas que, ao organizarem as informações on-line, estão nos aproximando e nos incentivando a explorar o mundo off-line.

Seria a evidência contrária à crítica frequentemente feita de que algumas ferramentas digitais "aproximam quem está longe e distanciam quem está perto".

Aos 25 anos, ainda em 1931, Harry Beck desenhou 13 linhas retas no papel que passaram a ser a solução óbvia depois que foi formulada e executada por alguém.

Para qualquer usuário dos sistemas de metrô ao redor do mundo, os mapas das estações são banais e semelhantes.

Passam despercebidos justamente por eficiência e simplicidade. Mas não foi sempre assim.

Antes do desenho proposto por Beck, que abstrai a escala e mantém somente as informações indispensáveis, ou seja, a sequência de estações e os pontos onde elas se cruzam, os mapas de metrô eram um pouco como o espaço urbano de São Paulo, repleto de informações desnecessárias e que por vezes nos distanciam.

As linhas, atualmente retas, eram curvas e traziam as curvas que o metrô percorria por baixo do chão e também os marcos geográficos que ia ultrapassando e que estavam na superfície acima (pontes, rios parques e por aí vai).

Como a escala era real e proporcional à distância física entre as estações, os centros do mapa ficavam cheios de pontos que se sobrepunham, já que essas são as áreas de grande concentração de estações.

Na borda dos mapas, retratando os subúrbios das grandes cidades, enormes espaços vazios e mal utilizados no papel.

Muitos dos guias e das fontes de informações que temos hoje a respeito de como explorar a cidade ainda são assim.

Ainda temos dezenas de informações, mas não necessariamente as que precisamos ou da maneira que precisamos.

Mas isso vem mudando.

Cada vez mais temos guias que nos mostram os lugares que meus amigos visitaram e de alguma maneira apreciaram.

Mesmo que não tenha a oportunidade de ir acompanhado deles num primeiro momento, fica facilitado o sistema de fornecimento de dicas e mesmo de algoritmos de propensão.

Por razões que não conseguimos sequer perceber, ao colher informações a respeito do que meus amigos e eu gostamos, os sistemas conseguem recomendar novas opções de bares, restaurantes e teatros que muito provavelmente serão igualmente apreciadas por nós.

As compras coletivas, por outro lado, emulam a dinâmica econômica de compras em grupo e permitem que indivíduos tenham um estimulo adicional para explorar as opções disponíveis em sua cidade em patamares antes disponíveis apenas para grandes trupes, que precisavam tomar a decisão, se descolocar e usufruir de tudo num mesmo momento.

À medida que essas ferramentas forem evoluindo, nos apoiaremos, cada vez mais, em complexos algoritmos para explicar a "dura poesia concreta" das esquinas de São Paulo.

Fosse Caetano Veloso fazer uma releitura de Sampa, possivelmente seria Siri, a musa do iPhone, e não Rita Lee, a sua mais completa tradução.

As espumas flutuantes da 'crise' - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 29/03/12


COMO SE resolve uma crise política que não passava de espuma? Não é preciso nem morder. Basta assoprar. A espuma se desvanece.

Ontem, parlamentares governistas derrubaram meia dúzia de tentativas de convocação de ministros e dirigentes de megaestatais para depoimentos no Congresso.

Acertou-se a votação do fundo de pensão dos servidores públicos e da Lei da Copa. Está quase certo que a divisão do dinheiro do petróleo (royalties) entre Estados e municípios fica para depois da eleição.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, gerente do cofre, assoprou lideranças da Câmara, com quem teve reunião de impacto imediato (sinal de acerto prévio). A ministra de Relações Institucionais, gerente política, Ideli Salvatti, foi a tiracolo, e no colo ficou. Os ares da Fazenda são mais inspiradores.

Enfim, parece que os ministros com caixa ou chaves de cofre vão circular mais entre os parlamentares. Nem se pode dizer que tal coisa seja ilegítima. Mas mostra como um pouco de conversa e favores dissipam a espuma da crise.

Lideranças empresariais e industriais assopraram palavras no ouvido de parlamentares importantes, nas orelhas do PMDB "rebelado". Esses gerentes de fundos de campanhas eleitorais disseram que não estavam satisfeitos com a confusão.

As lideranças empresariais ora fazem fila diante da tenda dos milagres, a pedir reduções de impostos e outras providências com o fim de melhorar-lhes a rentabilidade.

Como seria possível haver "crise política" quando um governo dispõe de tamanha rede de alianças sociais e econômicas? Talvez com um escândalo que acertasse o coração da presidente ou de um ministro forte. E olhe lá. Lula e membros do núcleo central de seu governo levaram tiros em 2005 e 2006. Alguns caíram. Mas o consórcio liderado pelo PT fica no governo até 2014. Pelo menos.

Não há conflito social ou econômico real e/ou importante, nem manifestação disso no Congresso. No máximo, há por exemplo o Código Florestal, contenda dura, de interesses divergentes legítimos -mas o Congresso está aí para isso. Não é "crise", mesmo que o governo meta os pés pelas mãos nesse caso.

No mais, o governo conta com a tolerância da finança (quando não franca simpatia de pelo menos parte da banca). Acertou-se ou se acerta com a indústria e com parte pesada do empresariado agroindustrial. Continua a expandir os programas de subsídios sociais para miseráveis, pobres, "classe C", nanoempresários etc., coisa na qual não se presta atenção, mas resolve ou amenina a vida de muita gente.

Do que se trata? Da continuidade e das extensões do Bolsa Família, de bolsas universitárias, de dinheiro para escola em tempo integral nas cidades mais pobres, dos programas de microcrédito rural e urbano e outros tantos projetos capilares, que estendem o acesso a serviços públicos.

Como evidência anedótica recente e adicional, considere-se o caso das ONGs. Dilma Rousseff ora promete lei geral para o setor e vai criar fundos com dinheiro estatal e de estatais (rir, rir) para bancar as organizações não governamentais. Recorde-se que ONGs enroladas estiveram na origem da crise da derrubada de ministros no ano passado.

As espumas flutuantes da crise se dissipam com o sopro do poder.

Palpite infeliz - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 29/03/12


Não há presidente da República que não queira e no mais das vezes consiga influir na eleição dos presidentes da Câmara e do Senado.

O gesto é institucionalmente deformado, mas não há nada de novo na pretensão de Dilma Rousseff de se imiscuir nos assuntos do Congresso tentando emplacar o atual ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, no comando do Senado a partir de 2013.

De inédito, contudo, há a forma. Nunca antes neste País se viu uma operação tão atabalhoada. Pela antecedência, pela falta de sutileza e pelo excesso de audácia referida na autoconfiança plena de imprevidência.

Para começo de conversa, há uma incongruência. Dilma busca firmar a imagem de intransigente que não abre mão de suas prerrogativas para ceder às exigências de divisão de poder almejada pelos integrantes de sua coalizão.

Não quer interferências, mas não se peja em interferir no funcionamento do Parlamento, subtraindo dos partidos a autonomia para decidir questões que dizem respeito à instituição, cujo compromisso primeiro é (ou deveria ser) com a sociedade.

Oficialmente não há essa tentativa de ingerência de que se fala. O Palácio do Planalto divulgou uma nota politicamente correta desmentindo "tais referências" que "desrespeitam a independência do Poder Legislativo e afrontam as prerrogativas dos senhores parlamentares". Mui respeitoso o texto.

Só que o mesmo "Palácio" passa recibo no sentido oposto quando ensaia uma operação casada e orienta o secretário executivo do ministério das Minas e Energia, Márcio Zimmermann - homem de confiança da presidente - a se filiar ao PMDB, a fim de liberar o titular (Edison Lobão) para voltar ao Senado como candidato à presidência.

Na prática tiraria a pasta do partido e, em tese, manteria a participação pemedebista no governo. De fachada.

Não fosse apenas o caráter intervencionista da manobra, resta ainda sua natureza rudimentar aliada ao fato de a ação de Dilma resultar na compra de mais uma briga.

A proposta que faz ao PMDB é a de aceitar mais uma vez cumprir o papel de barriga de aluguel, como já ocorreu com a da filiação do ministro da Saúde no governo Lula, José Gomes Temporão (hoje no PSB), com Henrique Meirelles (hoje no PSD) e com o próprio Lobão quando saiu do antigo PFL (DEM) para o PMDB a fim de atender ao mesmo tipo de conveniência.

A presidente tem o direito e o dever de controlar seus ministérios, mas não ao custo de uma intervenção em um Poder autônomo segundo os preceitos da República, como se a delegação recebida nas urnas lhe conferisse credenciais para presidir também o Congresso.

O artista. Candidato do PMDB à Prefeitura de São Paulo, Gabriel Chalita firmou pacto de não agressão e promessa de aliança no segundo turno com Fernando Haddad, mas seu objetivo obviamente é chegar na frente do petista.

Isso tomando por base o cenário desenhado pela campanha do pemedebista de que haverá dois turnos devido ao grande número de candidatos, e que José Serra tem vaga garantida.

Chalita aposta no tempo de televisão - para atrair aliados e tirar o melhor proveito de seus atributos, digamos, artísticos - e no discurso voltado para os problemas da cidade. Correria em faixa própria enquanto PT e PSDB travariam uma luta política de caráter nacional.

Na decisão de manter a candidatura pesaram dois fatores: a necessidade do PMDB nacional de voltar a crescer em São Paulo e a inigualável exposição proporcionada por uma campanha eleitoral.

Exemplos levados em conta: Haddad foi ministro da Educação durante oito anos e tem 3% nas pesquisas; Celso Russomanno (PRB) foi candidato ao governo estadual em 2010 e agora aparece com índices entre 17% e 19% para prefeito.

Prova cabal. O acordo firmado na ausência de Dilma para a votação da Lei da Copa esclarece a dúvida: a crise realmente viajou.

O humor que desmoraliza - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 28/03/12


A morte de Chico Anysio e as merecidas homenagens que ele tem recebido nos fazem pensar sobre a mudança por que o humor vem passando. Lembro com saudade do “Não garavo” (Alberto Roberto), “Ca-la-da!” (Nazareno), “Isso me ama” (Coronel Limoeiro) e outros bordões que povoaram minha infância (assim como “ô Cridê, do Golias, o “muy amigo”, criado pelo Jô, e “ô psit” do Renato Aragão), mas teve uma hora que cansou.

Era o momento de abraçar o espírito renovador da TV Pirata, do Casseta & Planeta, de Os Normais e do recente Tapas e Beijos, programas menos populares se comparados aos antecessores, mas igualmente criativos.

Humor bom é aquele que chama a atenção para nossos preconceitos fazendo graça. Chico Anysio criou um pai de santo homossexual, um político que assumia odiar os pobres, um marido que tratava mal a mulher por ela ser feia, um pastor evangélico que só se interessava em passar a sacolinha, um jogador perna de pau que pensava que era craque, e nada disso soava grosseiro, apenas divertido.

O que mudou da geração Chico City para a geração TV Pirata foi a espontaneidade das interpretações e um pouco de perda da inocência, mas só um pouco. Até que chegamos ao humor de agora, de inocência zero. Do que se ri hoje? Não do ridículo, e sim da ridicularização. Engraçado é você humilhar.

Fora do Brasil, a mesma coisa. Adeus ao surrealismo hilário de Monty Phyton: que venha o Borat, representante de um humor moderno que eu, particularmente, abomino. Não que ele seja irrelevante, mas essa comicidade que deprecia e constrange, típica das pegadinhas e dos trotes, confirma que a grosseria passou a ser reconhecida como um forte traço de caráter do ser humano.

Ninguém vai esperar que um humorista seja cerimonioso, mas há uma linha tênue que separa o burlesco do grotesco. Semana passada, assisti a um stand up em Porto Alegre (Desculpe, mas o Ator Americano Ficou Doente), que levou o público às gargalhadas com imitações, irreverências e piadas politicamente incorretas, tudo com o melhor dos respaldos: a inteligência. Não há como se sentir agredido pela inteligência – a não ser que você não a tenha.

Já fomos mais elegantes, inclusive para fazer rir. Por ora, o humor tem se valido do esculacho mais vil e miserável. O que explica essa nostalgia toda por Chico Anysio.

Você sabe o que é autismo? Poucos sabem. Domingo próximo, começarão diversas atividades que visam esclarecer sobre a doença e alertar sobre a importância do diagnóstico precoce. Tudo começa com uma caminhada às 11h30min, com saída do Brique da Redenção. Vista uma camiseta azul e participe. Temos cerca de 2 milhões de crianças autistas no Brasil e quase nada de informação.

MARCO ANTONIO VILLA - Fracassamos


FOLHA DE SP - 29/03/12


Há despolitização, corrupção nos três Poderes e oligarcas como Sarney. A Nova República fez aniversário, ninguém lembrou. Havia motivo?


Nem o dr. Pangloss, célebre personagem de Voltaire, deve estar satisfeito com os rumos da nossa democracia. Não há otimismo que resista ao cotidiano da política brasileira e ao péssimo funcionamento das instituições.

Imaginava-se, quando ruiu o regime militar, que seria edificado um novo país. Seria a refundação do Brasil. Ledo engano.

Em 1974, Ernesto Geisel falou em distensão. Mas apenas em 1985 terminou o regime militar. Somente três anos depois foi promulgada uma Constituição democrática. No ano seguinte, tivemos a eleição direta para presidente.

Ou seja, 15 anos se passaram entre o início da distensão e a conclusão do processo. É, com certeza, a transição mais longa conhecida na história ocidental. Tão longa que permitiu eliminar as referências políticas do antigo regime. Todos passaram a ser democráticos, opositores do autoritarismo.

A nova roupagem não representou qualquer mudança nos velhos hábitos. Pelo contrário, os egressos da antiga ordem foram gradualmente ocupando os espaços políticos no regime democrático e impondo a sua peculiar forma de fazer política aos que lutaram contra o autoritarismo.

Assim, a nova ordem já nasceu velha, carcomida e corrompida. Os oligarcas passaram a representar, de forma caricata, o papel de democratas sinceros. O melhor (e mais triste) exemplo é o de José Sarney.

Mesmo com o arcabouço legal da Constituição de 1988, a hegemônica presença da velha ordem transformou a democracia em uma farsa.

Se hoje temos liberdades garantidas constitucionalmente (apesar de tantas ameaças autoritárias na última década), algo que não é pouco, principalmente quando analisamos a história do Brasil republicano, o funcionamento dos três Poderes é pífio.

A participação popular se resume ao ato formal de, a cada dois anos, escolher candidatos em um processo marcado pela despolitização. A cada eleição diminui o interesse popular. Os debates são marcados pela discussão vazia. Para preencher a falta de conteúdo, os candidatos espalham dossiês demonizando seus adversários.

O pior é que todo o processo eleitoral é elogiado pelos analistas, quem lembram, no século 21, o conselheiro Acácio. Louvam tudo, chegam até a buscar racionalidade no voto do eleitor.

Dias depois da "festa democrática", voltam a pipocar denúncias de corrupção e casos escabrosos de má administração dos recursos públicos. Como de hábito, ninguém será punido, permitindo a manutenção da indústria da corrupção com a participação ativa dos três Poderes.

Isso tudo, claro, é temperado com o discurso da defesa da democracia. Afinal, no Brasil de hoje, até os corruptos são democratas.

No último dia 15, a Nova República completou 17 anos. Ninguém lembrou do seu aniversário. Também pudera, lembrar para que?

No discurso que fez no dia 15 de janeiro de 1985, logo após a sua eleição pelo colégio eleitoral, Tancredo Neves disse que vinha "para realizar urgentes e corajosas mudanças políticas, sociais e econômicas, indispensáveis ao bem-estar do povo".

Mais do que uma promessa, era um desejo. Tudo não passou de ilusão.

Certos estavam Monteiro Lobato e Euclides da Cunha. Escreveram em uma outra conjuntura, é verdade. Mas, como no Brasil a história está petrificada, eles servem como brilhantes analistas.

Para Lobato, o Brasil "permanece naquele eterno mutismo de peixe". E Euclides arremata: "Este país é organicamente inviável. Deu o que podia de dar: escravidão, alguns atos de heroísmo amalucado, uma república hilariante e por fim o que aí está: a bandalheira sistematizada".

Toureando a fera - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 29/03/12


O secretário-geral do PR, Valdemar Costa Neto (SP), tem dito aos petistas para terem "calma" com o presidente do partido, senador Alfredo Nascimento (AM). Desde que foi demitido do governo Dilma, Alfredo tem dado repetidas declarações contrárias a alianças com o PT. Os deputados minimizam. Dizem que ele não tem o controle do partido e que, apesar de tudo, o ministro Paulo Sérgio Passos (Transportes) continua filiado ao PR.

Ferida aberta
Estava marcado para ontem um encontro na casa do líder do PT, deputado Jilmar Tatto (SP), entre a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e o ex-líder do governo Cândido Vaccarezza (PT-SP). O atual líder, Arlindo Chinaglia (PT-SP), também participaria. O objetivo era tentar melhorar o clima. Vaccarezza está ressentido com o discurso de que a troca do líder ocorreu para acabar com a prática do "toma lá dá cá". Magoado, Vaccarezza repete aos amigos: "Como assim? Aprovei a DRU sem liberar uma única emenda!" Estavam todos na mesa, quando a ministra Ideli Salvatti mandou avisar que não iria mais à reunião.

"Não queriam humilhar? Fizeram tudo. O (Alberto) Goldman era um que delirava: dizia que o (José) Serra faria 80% dos votos” — José Anibal, secretário de Energia (SP), que fez 31,2% dos votos na escolha do candidato do PSDB para a prefeitura de São Paulo

CORPO A CORPO. O ministro Garibaldi Alves (Previdência) se mudou para o Senado, desde a terça-feira, para negociar a aprovação do Funpresp. Entre os votos que conseguiu virar está o do senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), que tinha resistências ao Fundo. Rollemberg diz que resolveu ser favorável porque as novas regras só valerão para quem ainda vai entrar no serviço público. O funcionalismo é a base eleitoral do senador.

Agrado
Do líder do PMDB, deputado Henrique Alves (RN), sobre a reunião ontem do ministro Guido Mantega (Fazenda) com os líderes aliados: "Estou torcendo para essa moda pegar". A base reclama de falta de acesso aos ministros.

Pausa
Com a informação de que o tumor em sua laringe sumiu, o ex-presidente Lula pretende passar dez dias descansando numa praia. Depois, seu plano é mergulhar na campanha, principalmente na de Fernando Haddad, em São Paulo.

Cai adido policial na Itália
A direção da Polícia Federal está recomendando ao seu adido na Itália, Angelo Gioia, que retorne ao Brasil. O ex-superintendente da PF no Rio foi denunciado pelo Ministério Público na Justiça Federal por denunciação caluniosa, coação e abuso de autoridade. Sua indicação para o posto desagradou os procuradores que investigaram Gioia, mas a PF argumenta que à época a denúncia não tinha sido aceita pelo Poder Judiciário.

Meio termo
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, e o ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral) fecharam: a Cúpula dos Povos, da Rio+20, será no Aterro do Flamengo, mas os acampamentos ficarão na Quinta da Boa Vista e no Sambódromo.

Sururu
Ontem, na Comissão do Meio Ambiente, o deputado Giovani Cherini (PDT-RS) saiu-se com essa: "Graças à agricultura brasileira, negros e índios estão podendo comer". Confusão e protestos. A afirmação foi suprimida da ata da reunião.

A PÁGINA, na internet, da Embaixada do Brasil nos Estados Unidos está há dois dias fora do ar. A investigação dos motivos ainda está em curso. Tudo aponta para a ação de hackers.

O SENADOR Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) defendeu ontem que o Congresso e o Ministério das Relações Exteriores promovam a indicação do escritor Ariano Suassuna para o Prêmio Nobel de Literatura 2012.

O DEPUTADO Pedro Eugênio (PT-PE) vai suceder o ministro Pepe Vargas (Desenvolvimento Agrário) na presidência da Frente Parlamentar de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. 

Dilma contra Lula. Será? CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O Globo - 29/03/12


Querendo, a gente até pode encontrar mais uma (mais uma?) divergência entre a presidente Dilma e seu antecessor. Se Lula sempre reclamava da falta de dinheiro para gastar mais - lembram-se da sua bronca com a perda da CPMF? -, a presidente declarou à revista "Veja": "A carga de impostos é alta, sim. Vamos baixá-la."

Estão vendo? Querendo, de novo, a gente poderia até jogar gasolina nessa fogueira. Quer dizer, gasolina, não, porque a Petrobras, por ordem do governo, está perdendo dinheiro ao vender o combustível aqui dentro por preço menor do que paga lá fora. Lenha? Melhor não, desrespeita regras ambientais.

Digamos então que a gente pode estimular a cizânia: "Lula queria aumentar impostos; Dilma vai reduzir."

Que tal mais esta? "Dilma contra o modo lulopetista de governar?"

Talvez sejam, porém, mais daquelas manchetes que desapontam os leitores. Contam uma história diferente dos fatos.

Reparem: se os impostos serão reduzidos, necessariamente o gasto público também deve ser menor. Desculpem alguns números: hoje o setor público arrecada o equivalente a 37% da produção nacional e gasta algo como 40%, incluindo aí o pagamento de juros. Logo, se vai arrecadar menos, terá que ou gastar menos ou tomar mais dinheiro emprestado aqui e/ou no exterior.

Ora, os gastos aumentaram no ano passado e subirão ainda mais neste ano, conforme consta do Orçamento e das promessas do governo Dilma. Na mesma entrevista, aliás, ela disse que vai investir mais.

Quanto à dívida, o governo tem planos de reduzi-la (no que, aliás, faz bem). Na "Veja" ainda, a presidente contou que disse à chanceler alemã Angela Merkel: "Não queremos o dinheiro (dos ricos); não queremos pagar os juros de 13% por empréstimo que nos oferecem."

Parêntesis: estranho esse comentário. Os empréstimos externos tomados pelo governo e por empresas brasileiras não pagam 13% há muitos anos. Na última emissão, em janeiro, o Tesouro nacional vendeu títulos de dez anos com juros de 3,44% ao ano, em dólar. 3,44%! Companhias e bancos, para papéis de vencimento bem mais curto, pagam no máximo 9%. E todos, governo, bancos (inclusive os públicos) e empresas estão tomando empréstimos externos, nos mercados dos EUA e Europa, porque são muito mais baratos que os locais.

Olhando os fatos, portanto, parece que queremos, sim, o dinheiro dos ricos, pelo qual pagamos bem menos do que diz a presidente. Além de querer, precisamos do capital externo, porque o Brasil tem déficit nas suas contas externas.

A presidente se equivocou ou perdemos alguma coisa?

Mas, voltando ao tema inicial, os fatos mostram que a carga de impostos, como a de gastos, está aumentando, e não caindo. No ano passado, enquanto a economia brasileira cresceu pífios 2,7%, a arrecadação de impostos federais aumentou 10%. No primeiro bimestre de 2012, a arrecadação ganhou mais 6% sobre o mesmo período do ano passado - e a atividade econômica continua muito abaixo disso.

Em um país complexo como o Brasil, não se podia esperar que a presidente Dilma operasse mudança drástica (desmontasse a herança lulista? Hein!?) em tão pouco tempo. Mas um bom projeto, isso se podia esperar. E não há nada nessa linha de combinar redução estrutural de carga tributária com gastos menores.

Ao contrário, o governo tem atuado no quebra-galho, como o de seu antecessor. Tira o IPI das geladeiras, coloca o IOF sobre os empréstimos externos. (En passant: esse financiamento externo fica mais caro não por causa dos juros cobrados pelos ricos, mas pelo imposto cobrado pelo governo). E governos estaduais, sem coordenação de Brasília, travam guerras fiscais cujo resultado é complicar a vida do contribuinte.

Está em curso, por exemplo, uma disputa pelo comércio eletrônico. Com faturamento de R$ 18,5 bilhões no ano passado, já pensaram quanto dá uma aliquotazinha de uns 15%? Mas onde se paga o ICMS, no estado sede da companhia pontocom ou no estado do consumidor final? Adivinhou. Nos dois, claro, tem sido a "solução" aplicada pelos governos estaduais. Mais carga.

Nada disso é novidade. Todo mundo, mas todo mundo mesmo, sabe que as pessoas e empresas pagam muito imposto e que o sistema tributário tortura os contribuintes diariamente. Por que não resulta daí uma política efetiva de redução?

Reparem: não há qualquer liderança política, nenhum partido, com esse programa. A oposição a Dilma esperneia no Congresso. Mas olhem seus governadores e prefeitos, estão lá cobrando seus impostos mais e mais.

Parece que estamos tomando isso como um fato da vida. É, os impostos são altos, paciência. É, tem o Custo Brasil, mas aqui é assim mesmo. Os juros são escorchantes - também diz a presidente -, mas o Banco Central avisa que a taxa básica não pode cair abaixo dos 9% anuais.

O surpreendente nessa história toda são, mesmo, as declarações da presidente.

Festa brasileira - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 29/03/12


De todo o conjunto de premiações da noite de terça-feira na festa anual do GLOBO do Faz Diferença, ficou a percepção de um país que vai para a frente, apesar de todos os percalços, e que pelo menos já identificou que sem investir em educação no seu sentido mais amplo - aí incluídas ciência e tecnologia - não realizará seu destino de grande Nação.

O melhor exemplo de mobilidade social se deu na pessoa de Getúlio Fidélis, coordenador do Invest, curso de preparação para o vestibular para alunos carentes do qual fez parte.

Vindo da Rocinha, ele hoje faz mestrado em Ciências Sociais e estava pisando no Copacabana Palace, local da festa, pela segunda vez na vida.

Na primeira, na qualidade de office-boy, para entregar uma correspondência a um hóspede. Ontem, para receber seu prêmio, nove anos depois, "de terno e gravata", como fez questão de frisar.

O fato de que nada menos que três cientistas tenham sido agraciados, inclusive com o prêmio principal dado ao neurocientista Miguel Nicolelis, foi comemorado pela comunidade científica como um reconhecimento da importância fundamental do setor para o desenvolvimento do país.

Um país que Nicolelis descreveu como "radiante", que afinal encontrou seu futuro no presente. O país tropical louvado por Nicolelis teve na premiação de Carlos Saldanha, autor do filme "Rio", seu intérprete, com a arara-azul protagonista do filme surgindo no telão reclamando um prêmio só para ela.

A percepção de que vivemos um momento especial no país, aliás, foi ressaltada em diversas oportunidades durante a cerimônia.

O empresário Eike Batista, premiado na categoria Economia, desenhou uma linha do tempo unindo os governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma como uma continuidade virtuosa que está levando o país a realizar seu destino de grande potência. Sexto homem mais rico do mundo, Eike se disse disposto a financiar projetos na área de ciência e tecnologia.

Essa continuidade de linhas de ação governamental, mesmo que separadas por práticas políticas distintas, era ressaltada nas conversas de bastidores, marcadas pelo acontecimento daquele dia, a visita do ex-presidente Fernando Henrique ao também ex-presidente Lula no Hospital Sírio-Libanês em São Paulo.

A imagem dos dois sorridentes refletia uma possibilidade de distensão política cujo caminho havia sido aberto pela presidente Dilma logo no início do seu governo, quando chamou o ex-presidente tucano para participar de cerimônias oficiais e reconheceu sua importância para o atual estágio de desenvolvimento do país.

A importância dada à educação e à ciência na premiação certamente não foi um acaso. Os diversos júris formados por jornalistas, e reforçados pelos votos dos leitores pela internet, estavam conectados com os anseios do país.

E não se diga que foi uma noite alienada da realidade, pois os temas tratados tinham a ver com o dia a dia da sociedade, desde os policiais que recusaram suborno para não prender o traficante Nem da Rocinha até Tião Santos, presidente da associação de catadores do lixão de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, principal personagem do documentário "Lixo extraordinário", de Vik Muniz, que também estava presente.

Mas o clima de felicidade e emoção não impediu que a realidade se impusesse. O neurocientista Stevens Rehen, coordenador do Laboratório Nacional de Células-Tronco (Lance) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde é feita grande parte das pesquisas sobre células-tronco embrionárias no país, registrou a necessidade de maior financiamento para as pesquisas e criticou os cortes sofridos no orçamento do setor, apesar de ressaltar que nunca se sentiu tão feliz profissionalmente.

A noção de que setores estratégicos como a pesquisa científica e a educação são fundamentais para "a hegemonia" do país perpassou diversos discursos, inclusive os referentes ao Rio de Janeiro, cujos problemas centrais, segurança e educação, foram destacados na premiação.

Os representantes do curso Invest, por exemplo, basearam seu agradecimento na certeza de que, através da educação em comunidades carentes, ajudarão a "mudar a História desse estado".

Um aspecto paralelo da festa que este ano se manifestou com mais intensidade foi o espírito familiar que dominou boa parte dos discursos de agradecimento.

O quilombola Damião Santos, que recebeu o prêmio de Educação, chamou a mulher e os pais ao palco para dividir a honraria com ele. "Não conseguiria nada sem a ajuda da minha família."

Também o catador Tião Santos chamou toda a família para o palco e ressaltou que viera de roupa esporte porque queria que seus irmãos "brilhassem muito mais" do que ele. "Eles trabalharam muito para fazer do lixo um luxo."

Tião e sua família, aliás, foram responsáveis pelas melhores frases da noite. Tião, entre lágrimas, disse que "reciclagem não é coisa de pessoa pobre, é de gente inteligente".

E um irmão seu, que estava de smoking, deixou um texto com o colunista Ancelmo Gois, que apresentou a cerimônia junto com Míriam Leitão. Ancelmo leu a primeira frase: "Difícil não foi viver no lixo. Difícil foi não virar lixo."

Os tenentes da PM Ronaldo Cadar e Disraeli Gomes, que recusaram suborno de R$ 1 milhão para que não revistassem o carro em cuja mala se escondia o traficante Nem da Rocinha, também colocaram a família em primeiro plano.

O tenente Disraeli disse: "Recebemos o prêmio pela moral, que não é a moral ensinada pela polícia, mas por nossos familiares."

Os pais do rapper Criolo receberam o prêmio por ele, assim como o representante de Neymar foi seu pai, e o de Carlos Saldanha, sua irmã.

Como é uma vida sexual saudável? CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 29/03/12


Pelo DSM-5, você sofre de um transtorno se realiza seus desejos sexuais de duas a cinco vezes por semana


Isto, eu lembrei na coluna da semana passada: a ideia de que alguém possa ser viciado em sexo como numa droga nasceu nos anos 1970 -mais como reação moralista contra a liberação sexual do que como categoria clínica.

De fato, a sexo-dependência ("sexual addiction") fez uma rápida aparição no DSM-3 (a terceira edição do "Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais" da Associação Americana de Psiquiatria, publicada em 1980). A categoria sumiu da quarta edição e não estará na quinta, que será publicada em 2013 e já é conhecida, pois o texto está sendo debatido on-line.

Agora, o sumiço da sexo-dependência não significa que o DSM tenha renunciado a nos dizer como é uma vida sexual "saudável".

Em regra, a cada nova edição, o DSM convida psiquiatras e psicólogos a penetrar mais no dia a dia de nossa vida e a encarnar uma nova forma de autoridade, um híbrido de padre com policial.

A maioria das objeções à revisão em curso, justamente, protesta contra as mudanças dos critérios diagnósticos que baixam a barra do patológico, ou seja, que qualificam como doentios (e, portanto, precisando de tratamento) comportamentos e afetos que, até aqui, todos (pacientes e terapeutas) considerávamos banais e benignos.

Parêntese: subestimar o poder do DSM seria uma imprudência. Na grande maioria dos países em que os tratamentos dos transtornos mentais são cobertos pelos seguros de saúde, qualquer clínico, que concorde ou não com o manual, é obrigado a diagnosticar nos termos do DSM.

Voltando: se a categoria de sexo-dependência não está no DSM, será que cada um pode decidir livremente quanto sexo é bom para ele?

Nada disso. O DSM-5 prevê um "transtorno hipersexual", "um dos mais sérios transtornos psiquiátricos contemporâneos". Nele, fantasias e/ou atuações sexuais, por causa de seu simples excesso, teriam consequências adversas na vida de alguém. As adversidades encontradas pelo hipersexual são, além do risco de doenças sexualmente transmissíveis, as disfunções nas relações de casal e no ambiente de trabalho (por causa do uso de pornografia no escritório). Faz sentido, não é? Pois é, considere um exemplo.

Em 2008, Eliot Spitzer, governador do Estado de Nova York, perdeu seu mandato e seu casamento, quando foi revelado que ele era cliente assíduo de prostitutas desde a época em que, como procurador, ele perseguia ativamente as mesmas e seus clientes. Exemplo perfeito de transtorno hipersexual? É o que parece, mas pergunto (seriamente): Spitzer manifestava seu "desvio patológico" quando transava com prostitutas ou quando sentia a necessidade de perseguir e punir as prostitutas e seus clientes? A "doença", para ele, era o desejo sexual excessivo ou era a carreira pública hipócrita, atrás da qual ele escondia seu desejo?

O DSM-5 propõe também critérios quantitativos para o transtorno hipersexual. Seu transtorno é de severidade média, se você passa de 30 minutos a duas horas por dia ocupado por fantasias ou desejos e/ou se você os realiza (masturbando-se ou com um parceiro, tanto faz) entre duas e cinco vezes por semana.

Cá entre nós, tendo a pensar o oposto: se você NÃO for ocupado por fantasias ou desejos sexuais entre 30 minutos e duas horas a cada dia e/ou se você NÃO realizá-los entre duas e cinco vezes por semana, você vai encontrar ao menos uma consequência adversa: sua vida sexual de casal vai apodrecer progressivamente.

Não imagine que o DSM tenha intenções moralizadoras. Nada disso. O DSM é um perfeito exemplo do caráter abstrato do poder moderno: ele não promove valores, mas quer apenas controlar e regular. Por isso, seu ideal é que nada seja "normal", pois tudo o que for "normal" fugiria a seu controle.

No caso do sexo, se você não sofre de transtorno hipersexual, não cante vitória: provavelmente, você sofre de um "transtorno de desejo sexual masculino hipoativo" (ou de seu correspondente feminino).

Se você evitou os "excessos" da hipersexualidade e não quer ser hipoativo, saiba que não há critério fixo de hipoatividade; quem julga é o clínico, "levando em conta fatores (...) como a idade e o contexto da vida da pessoa" -sem mais.

Em suma, quer saber qual seria a quantidade certa e "saudável" de sexo na sua vida? Como não é mais moda perguntar para o padre, pergunte para o psicólogo ou o psiquiatra.Como diria minha avó: "Mamma mia!".

Bafo! Mano pego no bafômetro! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 29/03/12


O Demóstenes tá indo cachoeira abaixo! Sonhar com o Demóstenes dá zebra. Vou jogar na zebra!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! BAFO! Mano Menezes caiu na blitz da Lei Seca! E recusou o bafômetro! Devia receber duas multas: uma por dirigir bêbado e outra por dirigir a seleção! E outra por convocar o Ronaldinho Gaúcho. Rarará!
A blitz foi em frente ao Flamengo. Já sei: tava dando carona pro Adriano! E como disse um cara no meu Twitter: "Mano na seleção ou no volante, perigo constante"!
Rarará!
E a Dilma na Índia? Em Bollywood! Sabe o que ela gritou quando viu aquela deusa de cem braços? "O PMDB! Nãaao, socorro, aqui também tem PMDB!". Só que o PMDB tem uns 300 braços!
E o papa é chegado numa marvada? Há três dias que ele só pede cuba libre! "Una cuba libre! Una cuba libre! Pelo amor de Deus, dá uma cuba libre pro veinho!".
E atenção! Buemba 2: Deu zebra no DEM! Senador Demóstenes suspeito de ligação com o bicheiro Cachoeira! Com aquela cara de coroinha? Ligação com jogo do bicho? Justo ele que cantava de galo? Rarará! Quebraram a banca dele!
Diz que ele ganhou um Nextel só pra falar com o bicheiro! Já pode fazer propaganda com o Neymar. Deu 300 ligações! E quem tem ligação com Cachoeira ou é pra lavar dinheiro ou pra molhar a mão!
O Cachoeira era da máfia do caça-níquel. Já imaginou você jogando numa maquininha: "Seu Zé, em vez de três limões, apareceram três Demóstenes, o que faço?". "Paga propina e continua jogando." Rarará!
O Demóstenes tá indo cachoeira abaixo! Sonhar com o Demóstenes dá zebra. Sonhei com o Demóstenes e vou jogar na zebra! E agora querem expulsá-lo do DEM! Aí o DEM acaba, só vai sobrar o ACM Neto! Pra ficar brincando de velotrol! Como dizia minha avó: "Nunca confie em alguém com cara de coroinha!"
E os cubanos estão virando evangélicos. É verdade! E pode aquele adesivo: "Diós és Fidel"?! E sabe a diferença entre transar com o papa e transar com o marido? Transar com o papa é pecado e transar com o marido é mil.
E um amigo foi pra Roma e disse que o papa parece um relógio cuco: de hora em hora sai na sacada! Rarará! E deu zebra no DEM. Aliás, deu zebra, macaco, camelo, vaca e borboleta! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Silêncio preventivo - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 29/03/12
O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) só voltará à tribuna para dar novas explicações sobre a cada vez mais intrincada relação que mantinha com o empresário de jogos Carlinhos Cachoeira quando seu advogado, Antonio Carlos de Almeida Castro, destrinchar o volume principal e os 15 apensos do inquérito da Operação Monte Carlo, aos quais teve acesso ontem.

A orientação é que Demóstenes pare de dar justificativas a conta-gotas, sem saber tudo que existe no inquérito. A defesa vai dedicar atenção especial aos áudios das mais de 300 ligações grampeadas entre Demóstenes e Cachoeira, que também obteve do STF.

Linha direta Quem leu as milhares de páginas do relatório da Polícia Federal afirma que Demóstenes tinha informações prévias e avisava Cachoeira sobre operações policiais focadas na investigação de esquema de jogos.

Day after De um aliado sobre a via-crúcis do ex-líder do DEM em busca de apoio de antigos desafetos, como os peemedebistas Renan Calheiros (AL) e José Sarney (AP): "Todos o estão tratando melhor do que ele os tratou".

Vem por aí Advogados e procuradores acreditam que existam outros políticos que tinham ligações com Cachoeira, mas que só devem aparecer no material apreendido do empresário, que ainda está sob análise de peritos.

E o salário... Deputados da base chamaram de "Escolinha do Professor Arlindo" a reunião com o novo líder do governo na Câmara anteontem para discutir pauta. Chinaglia foi comparado à presidente Dilma Rousseff por supostamente conduzir o debate de forma "autoritária".

Calmante O líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto (SP), enviou anteontem mensagens por celular para deputados da bancada comunicando o empenho de R$ 2,5 milhões em emendas parlamentares, sendo R$ 1 milhão para saúde e educação.

Horário nobre O vídeo em que Lula anuncia seu retorno à atividade política após a remissão do câncer na laringe foi estimulado para compensar a abstinência de inserções do PT na TV. Multas da Justiça Eleitoral cassaram dois programas partidários no primeiro semestre.

Precursora O presidente estadual do PT, Edinho Silva, convocou a Executiva de Campinas para uma conversa. Quer sondar sobre as chances de o partido apoiar Jonas Dozinette (PSB) -que, sabe-se, são remotas.

Mapa da guerra A conversa em que o vice-presidente do PSB, Roberto Amaral, e o secretário de Organização do PT, Paulo Frateschi, vão negociar os lugares passíveis de fechar aliança em troca do apoio a Haddad será na segunda-feira, em Brasília.

Sete chaves O PSDB paulistano manterá ocultos os resultados pormenorizados das prévias que escolheram José Serra para disputar a prefeitura. O partido só tornou públicos dados por regiões, embora pré-candidatos tenham reivindicado a divulgação dos números dos 58 postos zonais de votação.

Radiografia A direção tucana atribui o sigilo a resolução aprovada na Executiva Municipal. Nos bastidores, contudo, o temor é de que a abertura do mapa de votos estimule retaliações, sobretudo em locais de pior desempenho do ex-governador.

Visita à Folha Bernardo Gradin e Miguel Gradin, sócios da Graal, visitaram ontem a Folha. Estavam acompanhados de Marcelo Aguiar, assessor de imprensa.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio

"Foi só o Serra botar a cara para valer na campanha para o Lula ficar curado, bonzinho da Silva, tinindo nos cascos para a campanha. Agora é que a festa vai começar!"

DO PUBLICITÁRIO EDINHO BARBOSA, da Link, responsável pela publicidade do PSB, sobre o anúncio, ontem, de que o ex-presidente Lula está curado do câncer de laringe e suas articulações em prol da candidatura de Fernando Haddad.

contraponto

30 dias em 3

Durante audiência com o presidente em exercício, Marco Maia (PT-RS), anteontem, o deputado Paulinho da Força (PDT-SP) evocou a trajetória comum de militância sindical para sugerir um pacote que incluiria até a solução para o Ministério do Trabalho:

-Enquanto estiver no cargo baixe os juros, reduza a jornada e resolva a nomeação do Brizola Neto...

O petista, que já intermediara acordo para a votação da Lei Geral da Copa na ausência de Dilma, interrompeu:

-Pelo amor de Deus, não. Tenho juízo!

Azul da cor do mar - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 29/03/12



Um jovem quilombola, que se forma no ensino médio, tem planos de ir adiante, e avisa que "estudo é tudo". Um menino da Rocinha, que de um pré-vestibular comunitário faz curso superior e já está no mestrado da PUC. Um jovem de uma família que, unida, transforma o lixão de Gramacho em polo de reciclagem. Três cientistas que estão mudando o Brasil. Tudo isso e mais numa noite só.

É meio irresistível depois de uma festa tão forte quanto a do Faz Diferença falar um pouco sobre o que domina a cabeça da gente no dia seguinte. O prêmio é a hora em que a redação busca as melhores histórias publicadas no ano, escolhe três, submete à votação dos leitores e celebra com os vitoriosos numa festa no Copacabana Palace. Ancelmo Gois e eu temos apresentado o prêmio desde que ele foi criado, em 2003. Por isso refletimos sobre cada lição dada, a vida de cada premiado, a síntese de cada ano. Uma reflexão que inspira.

A cineasta Julia Bacha, que ganhou na categoria Mundo, pediu um levante dos jornalistas pelas boas notícias. Ela encontrou boa notícia até no conflito Israel-Palestina. A equipe na qual trabalha e com a qual dirigiu Budrus é formada por profissionais oriundos dos dois lados desse insanável conflito, e as histórias que ela conta são dos pontos de encontro entre israelenses e palestinos.

Como superar nossas divisões brasileiras quem ensina é Damião Santos. Ele mora em Kalunga, com a mulher e quatro filhos, uma comunidade quilombola no sertão goiano, onde não havia luz até 2004. O pai dele, que não estudou, queria para os filhos outro destino. Está conseguindo. Damião se formou no ensino médio e foi o orador da turma. Aplaudido de pé, ele avaliou que era "menor e mais fraco" do que outros premiados mas avisou que pela educação "está buscando se igualar ao resto do país". Damião ensinou que a grandeza e a força do país se farão exatamente pela educação reduzindo distâncias sociais.

Isso foi o que provou Getulio Fidelis. Nascido e criado na Rocinha, ele foi pai aos 16 anos. "Num local que para muitos é fadado ao fracasso eu escolhi o caminho da educação." No caminho ele encontrou o cursinho pré-vestibular InVest, montado por voluntários ex-alunos do Colégio Santo Inácio, liderados por Fábio Campos. Getúlio fez o cursinho, passou para Ciências Sociais da PUC-Rio, ganhou bolsa plena, concluiu o curso. Disputou vaga no mestrado, passou em primeiro lugar e hoje é o coordenador-geral do cursinho que investiu nele.

- Para ilustrar como a educação mudou minha vida: em 2003, eu vim ao Copacabana Palace, como office boy, entregar uma correspondência para um hóspede. Hoje, venho pela segunda vez, mas para receber um prêmio - afirmou Getúlio.

Algumas histórias são mais conhecidas, mas igualmente emocionantes, como a de Tião Santos, que está no documentário Lixo Extraordinário, de Vik Muniz. O artista plástico disse que aprendeu com Tião que a arte pode mudar a vida das pessoas. Tião chamou ao palco sua família e agradeceu aos irmãos mais velhos.

- Eu vim assim de camisa simples porque eu queria que meus irmãos brilhassem. Eu sou o mais novo, trabalhei menos. Eles trabalharam muito para me criar e me dar educação. Eles não estão chiques? - perguntou Tião, emocionado, apontando sua família em roupa de gala.

Na saída, ele deu uma lição a mais para a cidade que vai sediar a Rio+20 e que recicla uma parte tão pequena do seu lixo, como este jornal tem mostrado:

- Quero romper com o paradigma de que reciclagem é coisa de pobre. Reciclagem é coisa de gente inteligente.

A educação costurou essas histórias, a ciência levou outros premiados. Foram três os cientistas que subiram ao palco. Denise Pires de Carvalho, a primeira mulher a dirigir o Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, e que tem liderado pesquisas importantes na endocrinologia. O pesquisador Stevens Rehen, do Laboratório Nacional de Células Tronco Embrionárias da UFRJ. E a personalidade do ano, que foi o professor Miguel Nicolelis.

Rehen disse que nunca esteve tão feliz profissionalmente, apesar de lutar contra a burocracia na importação de insumos necessários para as suas pesquisas e apesar dos cortes no orçamento de pesquisas. Pediu mais investimento em pesquisa e inovação, inclusive do setor privado. O empresário Eike Batista, premiado em Economia, prestou homenagem aos vitoriosos da noite e avisou que gosta de investir em ciência.

Nicolelis é professor da Universidade de Duke, Carolina do Norte, mas voltou ao Brasil há alguns anos e comanda experiências vitoriosas no Nordeste, como a do Instituto Internacional de Neurociência, em Natal:

- O que eu aprendi hoje me emocionando com cada uma dessas histórias de brasileiros que estão mudando esse país é que algo muito importante aconteceu. Esses não são mais os tristes trópicos de Lévi-Strauss. O futuro que jamais chegava chegou. Pois é aqui que se tira poesia do lixo e jovens descem o morro e voltam como professores, engenheiros, líderes comunitários.

Ele contou que, parte dos seu projeto, ocorre em Serrinha, na Bahia, e em Macaíba, periferia de Natal, onde estudantes da Escola de Educação Científica estão batendo o recorde da permanência na escola, com taxa de evasão perto de zero. Foi uma noite para celebrar estes e outros exemplos ou talentos, como o do ator e cantor Tiago Abravanel. Eles fizeram com que, por um momento, nós jornalistas, céticos por natureza, vislumbrássemos um futuro azul da cor do mar.

Desprotecionismo e desindustrialização - LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA


Valor Econômico - 29/03/12


O Brasil vem se desindustrializando prematuramente desde 1980, primeiro, devido à crise da dívida externa e à alta inflação; depois, a partir de 1990, com a abertura comercial e financeira. Estas, além de permitir entradas de capital que apenas apreciavam o câmbio e aumentavam o consumo, implicaram na eliminação do imposto sobre exportações que existia implícito no sistema cambial e tarifário.

O Brasil ficou, assim, à mercê da tendência cíclica à sobreapreciação da taxa de câmbio que caracteriza os países em desenvolvimento que não a administram adequadamente. E sua taxa de câmbio tornou-se apreciada ciclicamente (depreciações ocorrendo nas crises financeiras) e cronicamente, ou seja, no longo prazo. A consequência de tudo isto foi a perda de competitividade da indústria manufatureira brasileira e um grave processo de desindustrialização.

As organizações representativas dos empresários industriais compreenderam esses fatos e desde 2005 passaram a colocar o câmbio como um problema central para o setor. Mas uma associação perversa da ortodoxia neoliberal com os restos do desenvolvimentismo dos anos 1950 vem dificultando uma ação mais decisiva do governo. De um lado temos rentistas e financistas, preocupados com a queda do juros, e representantes do agronegócio, preocupados com a volta do necessário imposto sobre exportações de commodities, e, de outro, desenvolvimentistas, preocupados com a pequena e temporária redução de salários reais que implica levar a taxa de câmbio para o nível de "equilíbrio industrial" (a taxa de câmbio que torna competitivas empresas utilizando tecnologia no estado da arte mundial). Enquanto isso, o governo, calado sobre a questão, buscou baixar os juros e limitar as entradas de capitais, mas, não tendo apoio na sociedade, suas ações foram tímidas e os resultados, incompletos.

As evidências, entretanto, se acumulavam. A participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 35,8% em 1984 para 15,3% em 2011; o saldo da balança comercial de manufaturados, que era positivo de US$ 29,8 bilhões em 2006 transformou-se em um enorme déficit de US$ 48,7 bilhões em 2011. O PIB cresceu apenas 2,7%, e a principal responsável por esse mau resultado foi a indústria que cresceu 0,3% do PIB.

A causa desse óbvio processo de desindustrialização prematura foi, naturalmente, a sobreapreciação do real - uma sobreapreciação que, segundo a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento, é cíclica e crônica. Segundo estudo de André Nassif, Carmen Feijó e Eliane Araújo, "The trend of the real exchange rate overvaluation in open emerging economies: the case of Brazil", a taxa de câmbio em abril de 2011 estava valorizada em 80% em relação a seu nível "ótimo", ou seja, em seu nível "de equilíbrio industrial". O número pode ser discutido, mas o trabalho desses competentes economistas mostra que a sobreapreciação da taxa de câmbio no Brasil é muito grande.

Diante do acúmulo das evidências, foi necessário afinal reconhecer o problema da desindustrialização. Mas o câmbio continua a não ser o culpado para os analistas. Para a ortodoxia neoliberal, o culpado é o velho custo Brasil, é a infraestrutura insuficiente, são os impostos altos demais, é a oneração excessiva da folha de salários com direitos trabalhistas. E qual é a solução neoliberal? Resolver esses problemas. Ou seja, nada fazer além do que já está sendo feito, porque esses são problemas antigos e permanentes que todos os governos procuram resolver. Não são fatos novos que são necessários para explicar um fato novo: a desindustrialização.

Já os desenvolvimentistas de mercado interno têm uma outra solução. Ao invés de mexer no câmbio, que implicaria aceitar o "modelo exportador", vamos proteger o mercado interno: vamos fazer política industrial, vamos subsidiar as empresas envolvidas no PAC, vamos desonerar as empresas do IPI e de encargos trabalhistas.

O governo sabe que está em dificuldade, mas hesita em adotar uma política mais firme de depreciação cambial, não compreendendo que a dicotomia crescimento puxado pelo mercado interno ou pelas exportações não faz sentido. O governo Lula distribuiu renda com sucesso. Assim, ele teria "defendido" o mercado interno para a indústria nacional. Engano: defendeu por pouco tempo, até que as importações de bens industriais, que sempre apresentam uma defasagem em relação à apreciação da moeda, chegaram e o mercado interno foi entregue aos exportadores. O governo Dilma tenta replicar o êxito do governo anterior, no qual a distribuição prevaleceu sobre o crescimento, não compreendendo que isto só foi possível devido ao enorme aumento do preço das commodities.

Não obstante, o governo é taxado de "protecionista" pela primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, e o jornal "O Estado de S. Paulo" (26/3) descobriu 40 "medidas protecionistas" no governo Dilma. Não, senhora primeira-ministra, não, velha ortodoxia, o Brasil, com sua taxa de câmbio sobreapreciada, pratica, desde os anos 1990, desde que deixou de abrir em excesso sua economia, uma política econômica desprotecionista. As medidas de política industrial e de controle das entradas de capital que tem tomado nos últimos anos são acertadas, mas ficam longe, muito longe, de compensar uma taxa de câmbio que deveria girar em torno de R$ 2,30 e R$ 2,40 por dólar para ser uma taxa de câmbio equilibrada ou competitiva. E, assim, o Brasil continua a se desindustrializar e a crescer a taxas modestas, muito inferiores às dos países asiáticos dinâmicos.

O mais divertido filósofo - SÉRGIO AUGUSTO


O ESTADÃO  - 29/03/12


Gênio de muitas faces, além de escrever para teatro e cinema, nosso maior humorista e frasista era um esplêndido artista plástico



E lá se foi a mais fulgurante inteligência do Brasil, o nosso maior humorista, o nosso maior frasista, o nosso Bernard Shaw, o nosso La Rochefoucauld, o nosso Groucho Marx, o nosso Saul Steinberg. Com pelo menos uma vantagem sobre todos os citados: Shaw, La Rochefoucauld e Groucho não sabiam desenhar, e Steinberg não era de escrever. Além de escrever, inclusive para teatro e cinema, Millôr era um esplêndido artista plástico. Gênio de muitas faces e nomes (Vão Gôgo, Volksmillor, Milton à Milanesa), foi um dos maiores pensadores do País e seu mais divertido filósofo.

Orgulhoso de ser um franco-atirador, um autodidata, especializado em coisa alguma ("Especialista é o que só não ignora uma coisa"), impermeável a ideologias (daí sua divisa: "Livre como um táxi") e à tentação de entrar para a Academia, aprendeu tudo o que sua inteligência necessitava no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro e, como gostava de salientar, na (fictícia) "Universidade Livre do Méier", subúrbio carioca onde nasceu, oficialmente, em 27 de maio de 1924, e, concretamente, em 16 de agosto de 1923. Explica-se: seu pai, o espanhol Francisco Fernandez (com z), demorou nove meses para tirar-lhe a certidão de nascimento. Não bastasse, o juiz responsável pela certidão derrapou na caligrafia. E assim foi que o pimpolho Milton Fernandes virou Millôr Fernandes.

De uma criatividade assombrosa, volta e meia deparamos com uma novidade - expressões, brincadeiras, definições, sacadas jornalísticas - inventada por ele alguns ou muitos anos atrás. Se escrevesse em inglês, diziam, seria lido e festejado no mundo inteiro. Embora conhecesse como poucos a língua inglesa (graças a ele Shakespeare e Harold Pinter nunca soaram tão bem em português), nunca se arrependeu da que o destino lhe deu e tão bem soube tratar.

Dominava-a à perfeição, buscando, obstinadamente, a imperfeição: a suposta imperfeição da língua falada, coloquial. Por ser a concisão o timing do humor escrito, jamais gastou 11 palavras onde cabiam dez - e às vezes conseguia o mesmo efeito com 9. Vez por outra, porém, desobedecia a esse preceito e desembestava, sem jamais ficar enxundioso. Cometia em sua prosa toda sorte de firulas e audácias, e até o estilo anfigúrico de Guimarães Rosa parodiou numa memorável versão (ou riversão) da história do Chapeuzinho Vermelho.

Conheci Millôr no primeiro semestre de 1963, na revista O Cruzeiro. Era a maior estrela da casa, onde só aparecia às sextas-feiras para entregar as duas páginas de sua seção, o Pif Paf, e recalibrar o Q.I. da redação. Sempre de terno, de uma feita chegou sobraçando alguns rolos a mais de papel cartonado. A pedido da direção, adaptara para a revista uma sátira lançada no teatro sobre a "verdadeira" história de Adão e Eva no Paraíso. Eram 12 páginas magistrais, de humor e grafismo, que acabariam indignando alguns leitores carolas e provocando a demissão do autor. Acusado de "traidor" pela direção da revista, Millôr jogou para o alto os seus 20 anos de O Cruzeiro e meteu-lhe um processo, que afinal ganhou com o pé nas costas.

Vinte anos, mesmo naquela época, pareciam uma eternidade. E na empresa em si, aliás, foi mais do que isso, pois nos Diários Associados, o feudo jornalístico de Assis Chateaubriand a que O Cruzeiro pertencia, o menino prodígio do Méier já trabalhava desde 1938. Levado por seu tio Viola, chefe da gráfica de O Cruzeiro, começou como factótum do superintendente da empresa, Dario de Almeida Magalhães. Num concurso de contos, promovido por outra revista associada, A Cigarra, chegou em primeiro lugar e, não exatamente por isso, ascendeu ao arquivo. Atento ao talento do jovem arquivista, o diretor de A Cigarra, Frederico Chateaubriand, não pensou em mais ninguém quando precisou tapar o buraco de um anúncio cancelado em cima da hora. "Faça um negócio qualquer que ocupe duas páginas", pediu Fred. Millôr bolou uma seção chamada Post-Scriptum. Agradou tanto aos leitores que ela se tornou fixa.

Alçado a secretário de redação, logo passou a acumular o novo cargo com a direção de duas outras publicações: O Guri (de quadrinhos) e Detetive (de contos policiais). A guerra na Europa ainda estava longe de terminar quando o deslocaram para O Cruzeiro. A menina dos olhos de Chateaubriand enfrentava uma crise de criatividade e coube ao versátil Millôr revitalizá-la, ocupando-se de seis seções diferentes, fazendo ilustrações, produzindo reportagens e, last but not least, as duas páginas mais lidas da imprensa brasileira da época: o Pif Paf. Quando a guerra acabou, as vendas de O Cruzeiro haviam pulado de 11 mil para 760 mil exemplares semanais, marca que só a Veja conseguiria bater, cinco décadas depois.

Apresentado como "o único matutino semanal" do País, Pif Paf revolucionou o jornalismo de humor brasileiro. Embora só tivesse duas "vastíssimas páginas", parecia um encarte, uma revista à parte. Millôr, que ao criar o Pif Paf tinha apenas 22 anos, falava e brincava com tudo: guerra, cinema, teatro, poesia, anúncios (ou reclames, como então se dizia), filosofia, esporte, rádio, medicina, o escambau. A despeito de sua professada, mas falsa, modéstia ("Sou o maior leigo do País"), já era, em 1945, um polímata, um sábio sem diploma, permanentemente desconcertante e inventivo.

Depois de todos aqueles anos em O Cruzeiro, Millôr passou 14 em Veja, 6 no Pasquim, 10 na IstoÉ, mais ou menos isso no Jornal do Brasil (em duas fases) e algum tempo na Tribuna da Imprensa, Correio da Manhã, aqui no Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo. Lançou e editou duas publicações de curta duração (Voga, a primeira revista semanal de texto do País, que durou apenas cinco números em 1951, e Pif Paf, embrião do Pasquim que a Censura militar não deixou ir além do oitavo número, na década de 1960). Quando, em 1994, resolveu-se que já era tempo de se enfeixar num único tomo o que se dispersara por tantos veículos, uma primeira seleção chegou à espantosa cifra de 13 mil tópicos, que, mesmo reduzida a 5.142, rendeu um cartapácio de 524 páginas, editado pela L&PM. Parecia a Bíblia. E nome mais adequado não lhe poderiam ter dado: A Bíblia do Caos.