sábado, agosto 24, 2013

Sugiro um programa: o “Menos Políticos” - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA

Os médicos cubanos não sairão em passeata porque, no país deles, isso dá cadeia 

Como o governo Dilma anunciou estrepitosamente os programas Mais Médicos e Mais Professores para resolver nossas sérias deficiências na Saúde e na Educação, deixo aqui minha contribuição para o PT ganhar votos nas eleições: um programa ambicioso, apoiado em quatro vertentes – Menos Ministros, Menos Senadores, Menos Deputados, Menos Vereadores. Todos agrupados sob uma mesma sigla: MP, de Menos Políticos.

Com esse corte nos supérfluos (os políticos), o Brasil economizaria grana para comprar gaze, maca, termômetro... e também carteiras escolares, quadro-negro, giz... essas coisas sofisticadas que só faltam no Quinto Mundo – no interior e na periferia do Brasil. Também daria para pagar melhor os médicos e os professores, que ganham bem menos que o garçom do Senado.

Se fôssemos além e acabássemos com a roubalheira e as mordomias vitalícias dos políticos (e seus parentes), a verba seria tão volumosa que conseguiríamos salvar milhares de pacientes que morrem nas filas. Fila de leito de UTI, fila de remédio, fila de hospital, fila de transferência, fila de ambulância. Acabaríamos com as filas obscenas de pessoas à beira da morte. Não seria uma excelente medida eleitoreira, para figurar na propaganda político-partidária na televisão?

Com o programa Menos Políticos – já que o país funciona muito bem nas férias e nos recessos do Congresso –, nem precisaríamos fazer a maldade de retirar de nossos hermanos 4 mil médicos. Será que não farão falta na ilha? Os médicos importados pelo Brasil são todos ligados ao governo eterno dos irmãos Castro. Somente os socialistas empedernidos têm autorização para vir trabalhar no Brasil. Caso contrário, esse programa poderia se revelar um fiasco.

No ano passado, Cuba registrou o maior êxodo de cidadãos desde 1994: quase 47 mil cubanos deixaram a ilha em 2012. Imagine se alguns desses médicos importados agora resolvem pedir asilo ao governo Dilma. Terão a mesma sorte dos dois jovens boxeadores cubanos nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, em 2007. Não queriam voltar para Cuba, foram acusados por Fidel de “traição à pátria”, e Lula se livrou deles rapidinho. Deram o azar de não ser italianos. O Brasil abre portas e fundos a refugiados africanos que aproveitaram a Jornada Mundial da Juventude para aqui ficar. Mas os cubanos serão sempre mandados de volta.

Os 4 mil médicos cubanos que devem chegar ao Brasil até o fim do ano atenderão pacientes em lugares chinfrins, sem mojito e sem qualquer infraestrutura, rejeitados por médicos brasileiros. A iniciativa em si é louvável: colocar médicos para atender populações totalmente desassistidas em 701 cidades do Norte e Nordeste brasileiros.

Não gosto da histeria que produz argumentos burros e demolidos facilmente. Alguns argumentos derivam do corporativismo: “Não queremos médicos estrangeiros”. Não dá, não é? Outra alegação ridícula: “Ah, eles não falam português”. Como se médicos não pudessem atender pacientes a não ser que falassem o mesmo idioma. Ainda mais se tratando de espanhol. Eles não são russos nem chineses, são cubanos. Revalidar o diploma é importante, embora a gente saiba que há muito médico brasileiro com diploma e sem competência para exercer a profissão.

Os problemas reais são outros. O principal é que, por melhores e mais profissionais que sejam esses médicos cubanos, a presença deles não muda em nada nosso caos cotidiano na Saúde. Sem os apetrechos básicos, sem ambulâncias, sem leitos, sem remédios e sem condições de realizar exames ou de transferir doentes, o médico de Fidel se perguntará em que roubada os dois governos o meteram. E nada acontecerá, porque ele aprendeu a ser bem-comportado. Não denunciará o governo Dilma nem sairá em passeata, porque no país dele isso dá cadeia.

O outro problema entra nos campos trabalhista e moral. O Ministério Público já começou a investigar essa transação esquisita de profissionais da Saúde. Ouvimos que Cuba exporta médicos para dezenas de países e que se trata de um sistema corriqueiro, oficial e nada clandestino. Ok. Mas a transação é esquisita, porque os médicos cubanos ganharão no fim das contas uma merreca.

A coisa funciona assim: os salários deles saem do nosso bolso em forma de impostos, passam pelo Palácio do Planalto em Brasília e acabam no Palácio da Revolução em Havana. O Brasil pagará por médico “uma bolsa mensal de R$ 10 mil”. O grosso será embolsado pela ditadura morena cubana. Os médicos enviados à Venezuela no mesmo esquema recebem cerca de R$ 550. Em Cuba, um médico ganha entre R$ 60 e R$ 100 por mês. Quanto ganhará no Brasil? Se essa exploração não é ilegal pelos padrões de Dilma e dos irmãos Castro, deveria ser imoral. O que é isso, companheiros?

Crônica de um acidente - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 24/08

Vocês devem estar lembrados dessa história escabrosa ocorrida na capital paulista. O estudante Alex Siwek, de 21 anos, atropelou o ciclista David Santos Souza, da mesma idade, a caminho do trabalho, de madrugada, e fugiu sem socorrer a vítima, largada no chão sem um braço que, decepado, ficou preso no carro. Mais adiante, o universitário livrou-se daquele incômodo pedaço de carne atirando-o num riacho. Estudante de psicologia, devia saber da possibilidade de reimplantá-lo, mas preferiu jogá-lo fora como imprestável. Leio agora que o Tribunal de Justiça de SP decidiu por unanimidade que Siwek não vai a júri popular, como queria a promotoria, baseada na “forma tresloucada como o acusado conduzia seu automóvel, sob influência de álcool, em alta velocidade, ziguezagueando, ingressando em pista fechada ao tráfego de veículos e destinada a ciclovia”. Conforme ainda a acusação, além de assumir o risco de provocar uma morte, o atropelador demonstrou “total ausência de compaixão e piedade. Se dele dependesse a vida da vítima, ela certamente estaria morta”.

Mesmo assim, o TJ desqualificou a acusação de tentativa de homicídio com dolo eventual, como pedia a promotoria. Siwek, que permaneceu preso por apenas dez dias, responderá em vara comum por lesão corporal, com previsão de pena de dois a oito anos de reclusão. Tão insólita quanto o horroroso episódio, foi a justificativa dada por um dos desembargadores, alegando que em acidentes de trânsito dolo só é aceito em “situações excepcionalíssimas”.

Quer dizer: um irresponsável atropela um ciclista na ciclovia, arranca-lhe um braço, foge, joga o braço fora e, pelo visto, não há nada de excepcional nisso. Se não é uma situação excepcionalíssima, não sei mais o que é normalidade. O advogado Ademar Gomes, representante da família de David, em entrevista coletiva acusou o estudante de ser viciado em drogas e que poderia estar sob efeito de entorpecentes no momento do acidente. “Essa pessoa não é capaz de fazer bem ao ser humano, seus pais não lhe deram essa educação. Acha que, por ser filho de rico, pode fazer o que bem entende.” Ele vai recorrer da discutível decisão.

No Rio, há denúncias de que o Tribunal de Justiça estaria praticando desvio de função, ao convocar técnicos judiciários para exercer função de analistas judiciários sem especialidade. Além de prejudicar os concursados, a prática causaria “perda de qualidade e de celeridade na prestação jurisdicional”, segundo acusa um leitor.

De volta ao café - DRAUZIO VARELLA

FOLHA DE SP - 24/08

A internet está abarrotada de sites que exaltam os benefícios do alho, do limão, da maçã, da berinjela


A cafeína é a única droga psicoativa que podemos usar sem o menor sentimento de culpa. Há um ano, fiz essa afirmação nesta coluna depois de ler um artigo do "The New England Journal of Medicine", a revista médica de maior circulação mundial. Semanas atrás, a Folha resumiu um estudo publicado na revista "Mayo Clinic Proceedings" que aponta em outra direção.

Com base nessa aparente contradição, João Luiz Neves, de Curitiba, enviou para o Painel do Leitor a pergunta a mim dirigida: "E agora, doutor, como proceder?".

Somos bombardeados diariamente com mensagens de saúde conflitantes. A internet está abarrotada de sites e de e-mails que se propagam feito vírus, para exaltar os benefícios do alho, do limão, da maçã, do tomate orgânico, da berinjela e até da urinoterapia. O risco dessas informações médicas desencontradas é deixar o leitor descrente de todas.

Por essa razão, e pela importância do café em nossas vidas, vou comparar as duas pesquisas.

O estudo do "New England" foi patrocinado pelos Institutos Nacionais de Saúde, dos Estados Unidos. Nele, foram incluídos 229.119 homens e 173.141 mulheres saudáveis, com idades entre 50 e 71 anos.

De acordo com o número de xícaras tomadas diariamente, o grupo foi dividido em dez categorias.

Durante os 14 anos de acompanhamento, foram a óbito 33.731 homens e 18.784 mulheres. Depois de eliminar fatores como cigarro (especialmente), sedentarismo e obesidade, ficou claro haver uma relação inversa: quanto mais café, menor o número de mortes.

Além de diminuir a mortalidade geral, tomar café reduziu o número de óbitos por diabetes, doenças cardiorrespiratórias, derrames cerebrais, ferimentos, acidentes e infecções. As mortes por câncer não foram afetadas.

O efeito protetor foi diretamente proporcional ao número de xícaras ingeridas diariamente. A diminuição mais acentuada da mortalidade aconteceu no subgrupo de seis xícaras ou mais por dia: redução de 10% nos homens e 15% nas mulheres.

Essa associação foi independente da preferência por café descafeinado ou não, sugerindo que a proteção não ocorre por conta da cafeína.

Vamos à publicação da revista da "Mayo Clinic". Durante 17 anos, foram acompanhados 43.727 participantes. Nesse período, ocorreram 2.512 mortes, das quais 32% por doenças cardiovasculares.

Comparados com os que não tomavam café, entre os bebedores contumazes do sexo masculino --definidos como aqueles que consumiam diariamente mais de quatro canecas de oito onças (equivalentes a cerca de 240 mililitros)-- houve aumento da mortalidade geral. Nas mulheres, não houve diferença estatisticamente significativa.

Entre os participantes com menos de 55 anos, no entanto, tomar mais do que as quatro canecas por dia aumentou a mortalidade em 56% entre os homens e 113% entre as mulheres.

Não houve associação entre consumo de café e mortalidade por doenças cardiovasculares. Nesse caso, como relacioná-lo com as mortes por infecções, acidentes automobilísticos ou câncer?

Na comparação, o primeiro estudo tem evidências mais confiáveis: incluiu dez vezes mais participantes, acompanhados por período semelhante (14 versus 17 anos), que foram divididos em dez grupos em ordem crescente da quantidade de café ingerido por dia. Todos eles se beneficiaram.

No segundo estudo, só tiveram a mortalidade aumentada aqueles que tomavam mais de quatro canecas de 240 mililitros por dia. Ou seja, foi prejudicado apenas quem tomou mais de um litro por dia, durante 17 anos, em média.

É inexplicável porque as mulheres, quando analisadas globalmente, não apresentaram mortalidade mais alta, enquanto no subgrupo com menos de 55 anos o aumento foi de 113%.

O problema com ambos os estudos é que são retrospectivos: a decisão de tomar ou não café foi tomada no passado, de acordo com a vontade pessoal. O ideal é que fossem prospectivos, nos quais os participantes seriam acompanhados só depois de sorteados ao acaso para fazer parte do grupo dos abstêmios ou dos tomadores de café. Por razões óbvias, uma pesquisa com essas características jamais será realizada.

Por isso, caro João Luiz, pode tomar seu café sem remorsos. Por via das dúvidas, faça como eu e todas as pessoas de bom senso: evite beber mais do que um litro por dia.

Petrópolis mais Pacatuba - CACÁ DIEGUES

O GLOBO - 24/08

A maturidade de uma cinematografia nacional se mede pela distância entre seus filmes. O contrário disso seria a sujeição a um único gênero, o tédio imperdoável da representação única de um país. Nada mais inapropriado para o cinema brasileiro, fabricado num vasto território cuja grande vantagem civilizatória é a diversidade de manifestações regionais, étnicas, culturais, suas diferentes geografias física e humana. Mais do que uma forçação de barra, seria um crime cometido contra nós mesmos. Um suicídio cultural.

Um exemplo dessa saudável distância em um mesmo universo está em cartaz no país. De um lado, o belo e sofisticado filme de Bruno Barreto, “Flores raras”; na outra ponta desse mesmo espectro, “Cine Holliudy”, a surpreendente comédia antropológica de Halder Gomes.

“Flores raras” conta a história do encontro entre a poeta americana Elizabeth Bishop (Miranda Otto), ganhadora do Prêmio Pulitzer de poesia, e a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares (Glória Pires), criadora do Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro da passagem dos anos 1950 para os 60. Com uma encenação luminosa e delicada, Bruno Barreto não só nos narra a história dos sentimentos entre essas duas mulheres formidáveis, como nos traça também um impecável retrato da sociedade carioca e brasileira daquele momento de transição.

A Bishop cai na malemolente teia sedutora do Brasil quase que por acaso. Ela veio apenas visitar rapidamente uma amiga brasileira que, naquele momento, vive com Lota em Petrópolis, e acaba se apaixonando por essa. O que o filme nos mostra não é apenas a densa história de amor entre as duas mulheres; mas também a difícil conquista da poeta contrariada, pelo país que observa com imenso espirito crítico, como alguém que reage à atração por algo que sabe que não lhe fará bem.

Essa droga cultural do excesso e do jorro vicia Elizabeth, que, já vivendo no país, escreve esse verso irritado e contundente, no poema “Questões de viagem”: “There are too many waterfalls here” (numa tradução livre, “aqui tem cachoeiras demais”). Inaugurando sua carreira internacional no último Festival de Berlim, “Flores raras” ganhou o prêmio de público da sessão “Panorama”, repetindo a mesma premiação em Tribeca (Nova York), Los Angeles e San Francisco. Agora está em cartaz por todo o Brasil.

Um filme que é também de Lucy Barreto, criadora do projeto e sua produtora, “Flores raras” é mais do que o retrato de duas grandes mulheres apaixonadas (no qual se destaca a interpretação visceral de Glória Pires). Ele é também a história de uma tragédia cultural, da incapacidade de alguém se entender com um mundo em mudança, diferente do seu. Com solidariedade crítica, Bruno Barreto nos dá esse belo filme em defesa da diferença e da necessária tolerância, do universo privado ao público.

Na outra ponta desse nosso cinema, Walder Gomes, cineasta cearense, dirigiu e produziu “Cine Holliúdy”, que por enquanto se encontra em cartaz apenas em Fortaleza e mais algumas cidades do Ceará, onde foi realizado na cidade de Pacatuba. Inspirado em curta-metragem de seu diretor, uma comédia que não tem nada a ver com as comédias urbanas do eixo Rio-São Paulo que estamos acostumados a ver, “Cine Holliúdy” reinaugura com inteligência e perspicácia um gênero regional que já foi cultivado por Amácio Mazzaropi, por exemplo.

Falado em “cearensês” com legendas em português, esse filme nos conta a história de Francisgleydisson (“nome tão cearense”, diz um personagem), um amante de cinema que tenta resistir à chegada avassaladora da televisão ao interior do Brasil, naquele início dos anos 1970, outra data de grandes mudanças culturais.

Mais do que uma comédia despretensiosa, “Cine Holliúdy” registra uma antológica coleção de personagens originais e seu comportamento. Francisgleydisson (Edmilson Filho, comediante digno da tradição cearense de Chico Anísio e Renato Aragão), instalando uma sala de cinema em Pacatuba, se cerca de moradores que vão do prefeito ao bêbado da cidade, do chefe da oposição ao cego que pretende ver o filme (um genial Falcão, o cantor, de cujo personagem alguém diz que “pelo menos ele não paga nada à vista”), num empolgante corte antropológico de certa civilização brasileira nem sempre visível a todos os olhares do país.

“Cine Holliúdy” já foi visto por quase 200 mil espectadores, só no Ceará, e chegará em breve às salas do resto do país. Com uma média de 2.300 espectadores por cópia, o filme de Halder Gomes bateu o recorde local de “Titanic”. Barato, mas sem perder nada de sua qualidade técnica, cheio de curiosos efeitos especiais, “Cine Hollyúdi” é um exemplo de que o cinema se faz de várias maneiras, e em todas elas o filme pode ser bom. Nesse caso, ele estimula a multiplicação dos editais de BO (baixo orçamento) promovidos pelo Ministério da Cultura, cada vez mais bem-vindos.

“Cine Holliúdy” e “Flores raras” são testemunhas excepcionais da vitalidade do cinema brasileiro e das diversas opções que ele tem pela frente. É preciso ir vê-los.

A imprecisão da frase feita - MARCELO RUBENS PAIVA

O Estado de S.Paulo - 24/08

A vida é uma só, não é assim que se diz?

O cara era completamente obcecado por ela, desde o primeiro dia em que a viu. Mas não pôde avançar. Tem limites. Sempre teve. Desde quando Moisés mandou o recado: "Não cobiçarás a mulher do próximo". Se entre dez mandamentos, apenas dez, cobiçar a mulher alheia estava entre eles, com a mesma relevância de "não matarás" e "não furtarás", porque é um princípio que deve ser seguido à risca. Talvez, um dos pilares da civilização. Deus não queria baderna. Foi sucinto, porque Deus não tinha tempo a perder. E soube como ninguém usar aquilo que criou em primeiro, o verbo.

Disse ele: "Não desejarás a casa do próximo, nem seu campo, seu servo, nem a sua serva, seu boi, jumento, nem coisa alguma do próximo". Coisa alguma, Ele disse. O jumento do próximo, poucos cobiçam. O boi e o servo, também. Só que um cara cobiçou, cobiça e cobiçará a mulher do melhor amigo. Por sabe-se lá quanto tempo.

Ambos estavam juntos quando a viram pela primeira vez. Numa festa. Mas foi o melhor amigo quem tomou a iniciativa. Viram-na dançando, sozinha, assim que entraram. Era a perfeição, vestia a perfeição, se movimentava com perfeição e atraía olhares também das próximas.

Os dois a notaram de imediato. Mas, como dois predadores, um não falou para o outro da joia rara que dançava sozinha no meio da pista. Um foi pegar bebida, o outro cumprimentou amigos. Ambos de soslaio, observavam a movimentação da presa. Só que o amigo foi segundos mais rápido. Ao final, já estava com ela num canto. Depois, já estavam se pegando. Logo, passaram a ser vistos juntos em outras festas. Dançaram. Beberam. Namoraram. Logo, marcaram o casamento. O outro? Inveja. Poderia ter sido ele. Mas foi o mais rápido, ambicioso e desprendido que ficou com o grande prêmio.

Sabe que ela gostava do amigo do namorado. Gostava do amigo atrapalhado com as mulheres. Gostava do inconsequente solteirão, neurótico, sempre apaixonado pelas mulheres erradas, envolvido em tramas nitidamente falidas. E ainda reclamava que o namorado era muito correto. Faltava nele a imprevisibilidade das tardes enroladas.

Os três saíam juntos. Parecia que era com ele que ela tinha mais afinidade. Com o não namorado.

No casamento, quando ele deu aquele abraço na então nova esposa do melhor amigo, ela disse algo de que ele nunca se esqueceu, que surpreendeu e deu aquele arrepio na alma, que poucas vezes um homem sente, arrepio que amolece os joelhos, as convicções, e o fez repensar em todos os segundos vividos nos últimos meses.

"Se não fosse ele, eu me casava com você", ela disse, beijando com a maciez de uma noiva encantada, pendurada no pescoço dele, bêbada, enroscando seu véu na gravata dele, seu colar no relógio dele. Ele sentiu o calor da carne dela, o bafo doce e quente que entorpeceu como uma anestesia que não pega e alucina.

O fotógrafo contratado fotografou-os nesse instante. E ela, dias depois, mandou para ele exatamente "a" foto. Em que ela parece debruçada para não cair, enroscada, com os olhos de uma mulher absolutamente apaixonada, como se entregue aos braços do grande amor. Na verdade, aos do melhor amigo do novo marido, depois de dizer que poderia ter sido ele, não o outro, se, meses antes, na festa inconsequente, tivesse agido com mais determinação, não tivesse gasto minutos de indecisão. Deu a entender até que preferia ele, golpe violento que algumas mulheres, na volúvel mania de dizer o que pensam, deferem sobre a lógica masculina quase binária. Enviou a foto como uma prova da existência do livre-arbítrio. E de que o amor não é um fato consumado, algo escrito ou predeterminado, e que Deus joga dados.

O que não pode? Moisés sumarizou demais. Com a vizinha? Não pode. Com a filha do amigo, a mulher do amigo, a amiga da mulher? Não pode. Com a cunhadinha? Claro que não. Com a chefe, a subalterna, a prima, a enteada, a amiga de infância... Não pode? Limites impostos conseguem se sobressair sobre sentimentos descontrolados? A humanidade é a síntese da luta entre razão e emoção. E dá certo porque quase sempre a primeira ganha por nocaute.

Anos depois, ele sentiu um movimento diferente. "Meu amor", "meu querido", "lindo", passaram a fazer parte das mensagens trocadas. Cifradas. "Muitos beijos", "mil beijos", "beijão", também foram incluídos. Códigos. Vamos sair um dia, vamos tomar um café, vamos passear, papear, ao teatro, ao cinema, ela sugeria, preciso papear, desabafar, preciso falar, indicava, preciso de colo, atenção, suprimir uma estranha carência que nasceu como erva daninha. "Penso em você todos os dias", ela enfim escreveu numa mensagem bombástica.

Ele ligou, ela não atendeu. Devia estar com ele ao lado. Ela ligou, ele não atendeu. Estava ocupado. O desencontro durou semanas. Até um dia, sim, conseguiram se falar. A voz dela, aflita. Pressa. Urgência. Está difícil, ela disse do nada. Tenho só 30 anos. Às vezes, parecemos dois amigos. Dois irmãos. Está difícil, ela repetia. Ele vai viajar. Vamos sair. Precisamos sair. Preciso sair. Estou carente demais.

E ele só pensa numa coisa. Tem limites? Ele a deseja demais. Quer levá-la para uma suíte presidencial. Quer despi-la. Tê-la. Quer vê-la nua andando pelo quarto. Quer vê-la nua sobre ele. Quer beijar todos os pedaços, os cantos, sentir todos os cheiros, a textura de cada parte. Quer ouvi-la suspirar, rir, gozar. Quer ver os olhos dela embaçar, revirar. Quer vê-la tímida, abusada, entregue, retraída, culpada, muito culpada, totalmente culpada e viva! Quer sofrer com ela. Quer ter dúvidas. Quer ser sufocado por descrenças, indecisões e tormentos. Quer se sentir vivo à beira de um abismo. Numa corda bamba. Com uma corda no pescoço. Acordado.

Se comecei esse texto com uma frase feita, termino com outra. Querer não é poder. Não é?

Talvez elas sirvam para reprimir ambições impossíveis. Falo das frases feitas. Deus não nasceu ontem. É esperto. Imagina a bagunça, se a cobiça virasse fato.

Se bem que acabei de me lembrar de outra frase feita. Toda a regra tem... Você sabe.

Buck vs. Flash - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 24/08

RIO DE JANEIRO - Sempre achei que o cidadão precisa tomar partido. Entre duas opções equivalentes, ele deve pesar uma e outra, e decidir por uma delas. Ou não pesar nada, e decidir do mesmo jeito. Isso vale para religião, política ou futebol, e também para quesitos que, para os outros, podem não ser importantes, mas, para ele, são.

No meu caso, sempre preferi Paris a Nova York, gatos a cachorros, praia a montanha, jiló a quiabo e Nara a Elis. Claro que, em alguns casos, me enganei --somente há pouco, por exemplo, constatei que passei 50 anos torcendo pelo bombom errado. Mas nada supera a sensação de se certificar de que uma escolha feita no passado era a correta.

Buck Rogers vs. Flash Gordon. Ao contrário de todo mundo da minha turma, sempre gostei mais de Buck Rogers. Descobri-o no caderno de quadrinhos do "Correio da Manhã" nos anos 50 --as cores só faltavam saltar da página-- e, quando conheci Flash Gordon, muito depois, todos aqueles foguetes e asteroides pareciam "déjà-vu". E, se vinham me dizer que Buck era uma imitação de Flash, eu tinha o prazer de informar que era o contrário --Buck foi criado por Philip Nowlan e Dick Calkins em 1928; Flash, por Alex Raymond em 1934.

Nesta semana, assisti ao seriado "Buck Rogers", de 1939, do mesmo estúdio (Universal), diretor (Ford Beebe) e ator que já vivera Flash Gordon em seriados anteriores: Buster Crabbe. Pois também no cinema Buck supera Flash. Num show de delírio futurista, seus personagens têm raios laser, cinto antigravitacional, VLT (veículo leve sobre trilhos), rastreadores tipo GPS, telefone viva voz, TV interativa, ponte aérea Terra-Saturno, e acham tudo muito natural.

Mas fulminante mesmo é a cenografia do filme. Comparada à arquitetura e aos cenários Art Déco de "Buck Rogers", até a "Metrópolis" de Fritz Lang parece Brejo Seco.

Rabo de aranha - FERNANDO REINACH

O Estado de S.Paulo - 24/08

Alpinistas e aranhas saltadoras são cuidadosos. Quando vão pular um precipício, se amarram a uma corda. Se o salto der errado, a corda previne a queda. Essa era a ilusão em que viviam os cientistas. Agora descobriram que a corda de seda usada pelas aranhas tem uma função muito mais interessante. Ela permite que a aranha, tal qual Bruce Lee, aterrisse após o salto pronta para o ataque.

Existem milhares de espécies de aranhas saltadoras do grupo Salticids. Elas vivem em todos os continentes, preferencialmente nas florestas. São exímias caçadoras. Seus quatro pares de olhos localizados na região anterior da cabeça propiciam um dos melhores sistemas visuais conhecidos. Gostam de caçar de dia. Localizam a presa, se aproximam lentamente e saltam em direção à presa. Seu salto é rápido, longo e preciso. Rápido porque não utiliza músculos para estender as pernas posteriores que impulsionam o corpo. As pernas são sofisticados sistemas hidráulicos. Fluido é injetado sob pressão em uma espécie de pistão que move a perna e ela decola a uma velocidade de aproximadamente 1 metro por segundo (3,6 km/h). Longo porque alcança 20 vezes o comprimento do seu corpo (seria como se nós saltássemos 30 ou 40 metros). Preciso porque aterrissa praticamente em cima da presa, que é agarrada 10 milésimos de segundo após a aterrissagem. A vítima não tem chance.

Faz muitos anos que os cientistas observaram que essas aranhas, antes de iniciar o salto, se abaixam e, tocando a parte de trás do abdome no solo, prendem no local a ponta de um fio de seda (o material que as aranhas usam para produzir as teias). Durante o salto, à medida em que a aranha avança, o fio vai alongando. Quando a aranha pousa, ainda está ligada pelo fio ao local de onde partiu. Esse fio foi denominado pelos cientistas de "corda de segurança", pois se acreditava que ele permitia à aranha voltar ao ponto de origem se errasse o salto. Mas havia um problema: as aranhas muito raramente erram o salto, e algumas vezes não produzem a "corda de segurança".

Recentemente, um cientista observou que, nos pulos sem corda, o pouso da aranha não era tão suave e, em um caso, ela parecia dar um salto mortal. Isso bastou para incentivar os cientistas a estudar em detalhe o papel dessa "corda de segurança" durante o salto.

O estudo foi feito com 38 aranhas da espécie Hasarius adansoni. Elas foram coletadas na floresta e mantidas em cativeiro por algumas semanas para se adaptar. Em um aquário de vidro, os cientistas construíram duas plataformas separadas por um "abismo" de 7,5 centímetros. Uma das plataformas era mais alta (18 centímetros do solo) e tinha uma rampa por onde a aranha podia subir. A outra estava 3,5 centímetros abaixo. Para filmar as aranhas saltando, eles usaram uma câmara capaz de registrar 1.000 quadros por segundo. Aí colocavam as aranhas e ficavam esperando elas decidirem subir e dar o salto. Parece que elas gostam de saltar, pois não foi necessário colocar uma presa na plataforma de aterrissagem. Centenas de saltos foram filmados e os filmes, analisados cuidadosamente. Das 38 aranhas, 22 sempre usavam a corda de segurança, as outras muitas vezes pulavam sem a corda. Foi comparando os filmes dos saltos com e sem o equipamento que os cientistas puderam entender a função da corda.

Quando as aranhas pulavam com a corda, elas sempre pousavam sobre todas as patas simultaneamente, exatamente na horizontal. Nos pulos sem corda, elas geralmente caíam sobre a parte de trás do corpo e algumas vezes de lado. Em umas poucas vezes, as aranhas sem corda caíam de boca e quase davam uma cambalhota para a frente. Nos saltos com corda, a corda fica tensa durante todo o movimento, pois é produzida na medida em que a aranha se movimenta, em perfeita sincronia. Usando o peso das aranhas (medido com uma balança após cada salto), a velocidade da aranha durante cada etapa do voo, a velocidade de aterrissagem e o ângulo do tórax e do abdome da aranha em relação aos planos horizontal e vertical, os cientistas puderam calcular com precisão as forças que agem sobre o corpo dela durante o voo, tanto na presença de corda quanto na sua ausência.

O que eles concluíram é que a aranha, quando usa a corda, regula a força com que "segura" a corda, o que permite ao animal usar a corda como uma espécie de apoio. Isso permite que ela oriente o corpo durante o salto, garantindo a posição correta durante o voo. Já nos saltos sem corda, as aranhas ficam à mercê do impulso inicial e, apesar de moverem as pernas e o abdome, não conseguem sempre manter o corpo orientado durante o salto.

O resultado final é que, quando a corda está presente, a aranha pousa sobre as patas e leva menos de 10 milissegundos para estar em pé e alerta. Já nos saltos sem corda, a aterrissagem é mais conturbada e elas levam no mínimo 50 milissegundos para se colocar de pé e em posição de alerta.

A conclusão é que a função do cabo de seda é orientar o corpo durante o salto (uma função exercida pelo rabo nos vertebrados saltadores), garantindo um movimento perfeito em todas as tentativas. Provavelmente os 40 milissegundos perdidos antes de agarrar a presa podem ser a diferença entre o sucesso e o fracasso, a diferença em uma boa refeição ou mais um dia passando fome. O cabo de seda é mais uma arma desses predadores, junto com as mandíbulas, os olhos aguçados, o veneno, as garras e a perna hidráulica. A corda de seda é o rabo das aranhas. *Mais informações: More than a safety line: Jump-stabilizing silk of salticids. J.R. Soc. Interface vol 10: 20130572 2013

Ueba! Marta é ministra da Costura! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 24/08

Eu apoio os médicos brasileiros. Contanto que não fiquem pulando na Paulista com nariz de palhaço


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta: "Câmara no interior do Ceará compra 312 mil unidades de óleo de peroba". Já sei, eles usam o óleo de peroba como "after shave". E daria pra emprestar algumas pro Cabral, pro Alckmin e pra Dilma?

E o Sarney teve alta do hospital. Mas já apresenta sintomas de catapora e caíram dois dentes de leite. Rarará!

E sabe o que o dólar falou pro real? VALEU! O dólar sobe e Miami fica mais longe!

E essa da Marta Suplício: "Liberou R$ 2,8 milhões da Lei Rouanet para desfile de brasileiro em Paris". É a Bolsa Merci Beaucoup!

E como perguntou o tuiteiro Fabio Geribello: "Marta é ministra da Cultura ou da Costura?". Rarará!

E os médicos cubanos? Essa vinda dos médicos cubanos tem um grave problema: quem vai ficar tomando conta do Fidel?

Já imaginou o Fidel: "Llamen los médicos, los médicos". "Não tem. Foram todos pro Brasil".

Outro problema: confundir caganeira com "Guantanamera"! "Ai, doutor, eu tô com caganeira". "Sim, eu sou de Guantanamera". Rarará.

E a charge do S.Salvador com o doente: "O doutor Ramirez já chegou?". "Ainda não, o trânsito em Cuba está horrível". Rarará.

E eu não sou a favor do Mais Médicos. Sou a favor de MUITO MAIS MÉDICOS.

E já disse que se eu estivesse doente no interior do interior do Ceará ou do Paraná, eu queria um médico humano.

Tanto faz paulistano, cubano ou romano! Aceitaria até marciano! Aqueles verdinhos! O ET de Varginha! Rarará!

Enfim, que se resolvam. E eu apoio os médicos brasileiros. Contanto que não fiquem pulando na Paulista com nariz de palhaço e nem aplaudam o Ronaldo Caiado!

E a pior coisa na minha idade é arrumar treta com médico. Rarará!

É mole? É mole, mas sobe!

E Dilma andou de motos pelas ruas de Brasília! "Maaantega! Na garupa! AGORA!".

Acho que foi a moto que andou de Dilma! Rarará!

E o site Humor Esportivo botou uma foto do Seu Madruga vendendo coisas: "Chapéééus! Sapatoooos! Roupas usadas! Ingresso do São Paulo". Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

O homem bariátrico - ARNALDO BLOCH

O GLOBO - 24/08

A alma de João parecia ter ido junto com o peso. Não que fosse uma alma pesada, pelo contrário: alma aberta, generosa, risonha, festeira. Alma de gordo

O João da Patuleia, amigo cachoeirense dos tempos de faculdade, avisou que vinha lá em casa uma equipe sob seu comando filmar um depoimento para projeto televisivo. Disse que ele não poderia comparecer e pediu que eu recebesse o pessoal. Na data marcada, a equipe tocou a campainha, e Antônia, a faxineira, atendeu. Saí do banho de roupão e me desculpei. Vesti-me e fui à sala, onde um sujeito magérrimo que eu nunca tinha visto estendeu a mão. Eu até brinquei:

— Não é o João, é?

Dei as costas e fui falar com o resto da equipe. O sujeito colossalmente magro me chamou de volta com uma voz redonda.

— Venha cá!

— Não...

— Sim, sim.

— Não é possível...

— É, sim senhor.

Era, em teoria, o João, 70 quilos mais magro graças a uma cirurgia bariátrica. Na faculdade já era roliço, mas, só com as décadas, tornou-se um imenso João, grande como sua afetuosidade e também seu apelo popular.

— João!!!! Você perdeu a alma!

— Calma... a alma, não.

— A alma! A alma!

A alma de João parecia ter ido junto com o peso. Não que fosse uma alma pesada, pelo contrário: alma aberta, generosa, risonha, festeira, benfazeja mesmo nos momentos em que a severidade se impunha. Alma de gordo, se valesse a acepção do Júlio César de Shakespeare, que desconfiava de Cássio por ser um sujeito magro, portanto, indigno de confiança. Em tradução livre de momento, dizia César ao fiel Marco Antônio:

“Quero homens gordos em volta de mim. Homens com o semblante lustroso, que durmam à noite. Veja Cássio: é magro, esfaimado. Pensa muito. Tais homens são perigosos.”

Na tragédia histórica do bardo inglês, a paranoia de César se justificaria pela conspiração vindoura, da qual Cássio faria parte, e que levaria à morte do imperador.

Mas há exceções: existem patifes gordos, e magros santos. No caso de João, porém, eu o encontrara pela última vez em Vitória, onde sua mulher nos serviu uma costela cozida com fruta-pão da qual meu amigo comeu fartamente.

Estava no ápice de sua inflação abdominal.

Na época, entre cervejas e capas de gordura, ele me confessou que andava estudando tudo a respeito da cirurgia bariátrica, e cogitava seriamente tosquear a fauna adiposa que se agregara a ele como um traço de personalidade nobre e indispensável. Digna de um chapa do rei.

Ainda desconfiado (de sua identidade e, caso confirmada, da perenidade de sua alma), abracei o pretenso João com cuidado para não magoar sua delicada estrutura óssea. O abraço do magro veio forte, o que me tranquilizou. Olhei com atenção para a fisionomia mais encovada e para o gogó de galo que historiografava a extinta papada de João. Até encontrar, nos olhos e no sorriso sem as bochechas de outrora, o antigo fulgor. A voz, por outro lado, continuava a ter uma emissão gorda e empostada, a cadência algo estudada e pomposa, mesmo nos êxtases de informalidade.

Segurei suas mãos.

— É você.

— Sim, sou eu.

— João!

— O próprio.

A equipe da produtora do João já estava montando os apetrechos para a filmagem. Num impulso, chamei-o à cozinha, onde fica o armário com minhas bebidas destiladas. Antes, perguntei se ele andava com fome.

— Fome não é algo que faça parte da minha contemporaneidade. Está tudo grampeado e ocupado parcialmente pelos dispositivos bariátricos.

Temi pelo pior: conhecedor profundo de destilados a ponto de escrever sobre o assunto, o João não poderia sobreviver sem molhar o beiço a intervalos razoáveis.

— Fique tranquilo. Posso. E devo.

No armário da cozinha havia um pouquinho de tudo. Cachaças de Minas, do Rio, do Nordeste e da Bahia. Um ron viejo colombiano luzia numa das laterais. Um malte escocês. Uma garrafa esvaziada à metade de conhaque francês. Uma quase vazia de bagaceira portuguesa. E uma coberta por espessas folhas secas amarradas com barbantes de palha, de gênero e conteúdo ocultos.

A degustação, que durou uns bons minutos, contou com a força de alguns colaboradores da equipe do João. Antônia, muito religiosa, recusou.

— Se tomar eu caio morta.

João tomou um pouco de cada variedade, com exceção da bagaceira, o que não chegou a ser uma desfeita, embora eu não vá desistir de tomá-la em sua companhia. Gotejada no café, como ensinou meu pai, desde menino, em almoços em Niterói. Meu pai, gordo e alegre, às vezes triste, ora afável, ora selvagem.

Meu pai, que anda bem magro, como o João, e, mesmo ateu, parou de beber como a Antônia, mas continua a ter alma confiável, de gordo, amigo de César, com certeza.

Ideia fixa - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 24/08

Na reunião com Dilma Rousseff anteontem, em São Paulo, Lula sugeriu que o PT e o governo façam "gestos" em direção a Eduardo Campos. Embora ainda considere provável a candidatura do governador de Pernambuco ao Planalto, o ex-presidente acha que ele sofrerá enorme pressão dentro do PSB para não disputar. Lula acredita que a estagnação nas pesquisas e a falta de palanques viáveis no Sul e no Sudeste podem conter o apetite de Campos e levá-lo a apoiar a reeleição de Dilma.

Em cima Marina Silva avisou ao TSE que vai acompanhar os advogados da Rede que apresentarão o pedido de registro nacional do partido, na manhã de segunda-feira.

Luzes Comandando pessoalmente o front judicial, a presidenciável quer dar publicidade ao pedido e pressionar o tribunal a acelerar o processo de criação da sigla.

Aviso prévio? Um dos principais aliados de José Serra disse esta semana a Roberto Freire (PPS), em Brasília, que o ex-governador está decidido a deixar o PSDB.

Numa nice Aécio Neves (PSDB) explicou a tucanos próximos que pretende ser discreto em suas articulações políticas e aparições públicas até outubro, para evitar um embate aberto com Serra.

Telinha Hoje, em Barretos, o mineiro deve ter um encontro reservado com João Monteiro Neto, diretor da emissora Rede Vida.

Cortada O técnico da seleção brasileira masculina de vôlei, Bernardinho, assinou na quinta-feira à noite a ficha de filiação ao PSDB, em evento que reuniu Aécio e Fernando Henrique Cardoso em São Paulo. Ele pode ser candidato ao governo do Rio.

Pombo-correio Serra recorreu ao prefeito de Teresina (PI), Firmino Filho (PSDB), para marcar uma conversa com Eduardo Campos. O encontro deve ocorrer nas próximas semanas.

Blitz O ministro Alexandre Padilha (Saúde) fará na semana que vem périplo pelos gabinetes dos ministros do TCU (Tribunal de Contas da União) para explicar os termos do convênio com a Opas para trazer médicos cubanos ao país. Quer se antecipar a questionamentos.

Que tal... O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, se reuniu ontem com o prefeito Fernando Haddad para apresentar uma proposta para o impasse do pagamento de precatórios, um dos fatores que mais pesam nas contas da capital.

... assim? Adams defende uma fórmula pela qual governos comprometam 3% da receita líquida anual com precatórios. Isso permitiria que 95% dos Estados e municípios quitassem o estoque dessas dívidas em cinco anos, mas São Paulo não entraria nesse percentual.

E aí? Há cerca de 15 dias, Roseana e José Sarney (PMDB) propuseram que o ministro Edison Lobão (Minas e Energia) se candidatasse ao governo do Maranhão, já que a governadora não pode concorrer à reeleição.

Tô fora Lobão agradeceu a oferta, mas disse que não tem intenção de deixar o governo no ano que vem.

Meu pirão... Geraldo Alckmin (PSDB) jantou há 20 dias com o presidente nacional do PP, o senador Ciro Nogueira (PI). Discutiram a possibilidade de alianças entre os dois partidos para 2014 em São Paulo e no Brasil.

... primeiro Nogueira é o interlocutor preferencial do tucano na negociação sobre o apoio do PP a sua reeleição, mas auxiliares admitem que qualquer acordo precisará da chancela de Paulo Maluf, presidente estadual da sigla.

com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN

tiroteio
"Os que promovem quebra-quebra estão querendo rasgar a lei. Com esses, tem de aplicar a lei, não pode vacilar quanto a isso."
DO GOVERNADOR EDUARDO CAMPOS (PSB-PE), em palestra a empresários, ao defender que a polícia contenha atos de depredação e violência em protestos.

contraponto


Ajuda aos universitários
No auge das manifestações de junho, o governador do Ceará, Cid Gomes, reuniu representantes dos movimentos sociais para discutir suas reivindicações.

--O primeiro ponto da pauta é o repúdio às PECs 37 e 33 --disse um dos líderes durante a audiência.

--Sei o que é a PEC 37, do Ministério Público, mas a PEC 33 não. Do que se trata? --indagou o governador.

O jovem olhou os papéis e, sem jeito, atalhou:

--Deixa pra lá. Vamos ao item 2 da pauta...

Em tempo: a PEC 33, ainda não votada pela Câmara, submete decisões do STF ao crivo do Congresso.

Vem aí a Central de Compras - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 24/08

O governo está para anunciar a criação da Central de Compras. Sua tarefa: promover uma única licitação para a aquisição de itens comuns para todos os Ministérios. A ideia é comprar, no atacado, softwares, passagens aéreas, serviços terceirizados, computadores etc. Isso evitaria preços diferenciados em licitações. A Central terá regras de incentivo às empresas nacionais e anti monopólio. 

Hora do recreio
Um dia após a coletiva, ocorrida em 13 de agosto, dos ministros Antonio Patriota (Brasil) e John Kerry (EUA), em debate na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, Vanderlei Macris (PSDB-SP) sentenciou que a diferença de altura entre ambos era sinônimo da subserviência diante dos Estados Unidos. Presente, o ministro Paulo Bernardo (Comunicações) protestou. Bem humorado, ironizou: “Não tenho procuração para defender os baixinhos, mas altura não é sinônimo de caráter”. Enquanto isso, como se fosse um gaiato, Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), repetia em voz alta a palavra de ordem: “Baixinhos unidos, jamais serão vencidos”. Risadas ruidosas na sala.

Os grandes partidos articulam para 2014 como se não tivesse acontecido nada de junho para cá. Esse 'ouvir o clamor das ruas' parece ser só de boca pra fora
Chico Alencar
Deputado federal (PSOL-RJ)

Lição de vida
O Planalto não vê com bons olhos a criação de CPIs. Nem a da Siemens. A experiência indica que o trabalho destas comissões não se voltam contra cargos menores, como governos estaduais, mas vão para cima é do governo federal.


Dinheiro da China
Os ministros Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Fernando Pimentel (Desenvolvimento) começam segunda-feira um roteiro de três dias de reuniões com empresas e integrantes do governo da China. Eles foram atrás de investimentos para as concessões de portos, aeroportos, ferrovias e rodovias que estão prestes a serem licitadas. 

Renan Calheiros x Henrique Alves
Na votação dos vetos, o entendimento do Senado, pelo qual os senadores definiriam a preferência, foi rejeitado pela Câmara. Os deputados adotaram um critério próprio, o de apreciar apenas os vetos que tranquem a pauta da Casa. 

O clima de hoje na Bahia
Pesquisa Ibope (17 a 21) no quarto maior colégio eleitoral do país. A presidente Dilma lidera, 40%; seguida de Marina Silva, 23%; Aécio Neves, 11%; e Eduardo Campos, 4%. Para o governo, Geddel Vieira Lima lidera na faixa dos 30%. Ele só perde a dianteira para o prefeito de Salvador, ACM Neto, e o ex-governador Paulo Souto. Lídice da Mata está em segundo, oscilando entre 13% e 18%.

Eles já são mais de 4 milhões
Reunido em Londres, com a comunidade de brasileiros que vivem no exterior, o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), adotou suas teses: criar a Secretaria Nacional do Emigrante, eleger deputados e votar para a Câmara e o Senado.

CPI confirmada
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) informou que a coleta de assinaturas para criar a CPI da Siemens começou na quinta-feira. Explicou que a demora ocorreu para dar mais tempo para negociar a presença do Senado nas investigações.
O PDT, em congresso neste fim de semana, avalia que é factível eleger uma bancada de 40 deputados federais nas eleições de 2014.

O jogo é pesado - LUIZ CARLOS AZEDO

CORREIO BRAZILIENSE - 24/08

O Banco Central (BC) joga pesado para estabilizar o dólar. A alta desenfreada da moeda norte-americana, caso tenha realmente impacto na inflação, seria uma ameaça para a reeleição da presidente Dilma Rousseff. Obrigaria o BC a elevar ainda mais a taxa de juros para segurar os preços. Consequências: recessão e desemprego. É a fórmula para perder a eleição.


É balela a conversa de que o dólar alto é bom para a indústria brasileira, que pode flutuar à vontade, que não tem problema. Tanto que o BC anunciou, na quinta-feira, a realização de leilões diários no mercado futuro, até dezembro, para segurar o ataque especulativo de investidores. De segunda a quinta-feira, oferecerá US$ 500 milhões em operações de derivativos; na sexta, dará até US$ 1 bilhão de linhas externas.


A estratégia funciona: o dólar caiu mais de 3% ontem, maior queda diária em quase dois anos, recuando para o patamar de R$ 2,35. A fórmula é parecida com a adotada em outras ocasiões. Em 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso, durante a crise Argentina, o dólar custava R$ 2,47. O BC vendeu US$ 50 milhões por dia, até o fim daquele ano. Em julho de 2002, o dólar chegou a R$ 3. O BC retirou das reservas internacionais US$ 8 bilhões. As reservas baixaram para US$ 15 bilhões.

Reservas
A situação é bem melhor que a do final do governo de FHC. O Brasil tem US$ 377,5 bilhões em reservas internacionais. O BC pode ganhar a queda de braços colocando na roleta US$ 3 bilhões por semana, sem mexer nas reservas internacionais, com operações no mercado futuro ou compromisso de recompra dos dólares. A oposição vai ter que pagar para ver.

Cubanos// O Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB) entraram ontem com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra o Programa Mais Médicos. Argumentam que medida provisória não é o instrumento jurídico adequado para o pedido de urgência de implantação do programa.

Compromisso
O deputado José Antonio Reguffe (PDT-DF) apresentou proposta complementar ao chamado Orçamento Impositivo, que torna obrigatória a execução das emendas parlamentares. Quer que os deputados e senadores tenham que registrar na campanha eleitoral para onde vão destinar suas emendas. A Justiça Eleitoral publicaria no seu site e o eleitor teria uma garantia legal de que o compromisso assumido seria efetivamente cumprido.

Contra a seca
O ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, anunciou que os estados do Nordeste receberão mais recursos para combater a seca: R$ 750 milhões

Sorteio/O governador da Bahia, Jaques Wagner, inaugura hoje, na Costa do Sauípe (litoral norte do estado), o Centro de Convenções Arena Sauípe. O local foi escolhido para o sorteio dos grupos da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, marcado para 6 de dezembro. Foram investidos no empreendimento, pela iniciativa privada, R$ 13,7 milhões.

Diplomacia/ Para celebrar o Dia da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, os diplomatas da região farão uma caminhada, hoje pela manhã, no Parque da Cidade. A SADC é um organismo intergovernamental representado no Brasil por 10 países: África do Sul, Namíbia, Moçambique, Angola, Botswana, Zimbabwe, Zâmbia, Maláui, Tanzânia e República Democrática do Congo.

Vacinação/O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, participa hoje, em Brasília, do Dia D de Mobilização, que marca o início da campanha nacional para atualizar a caderneta de vacinação das crianças com menos de 5 anos.

Brutus
O senador Alvaro Dias, do PSDB-PR, resolveu lançar sua candidatura às prévias do PSDB para escolha do nome da legenda que concorrerá à Presidência da República. Argumenta que vai qualificar o debate. Reivindicada pelo ex-governador José Serra, que ameaçava deixar a legenda e entrar na disputa pelo PPS, as prévias foram aceitas pelo senador Aécio Neves (MG), presidente do PSDB, mas a cúpula tucana ainda não bateu o martelo. Muitos consideram a consulta inviável.


Professores
O Projeto de Lei nº 322/2008, de autoria do senador Cristovam Buarque, do PDT-DF, que assegura aos professores concursados das redes públicas de educação básica acesso a curso superior de pedagogia e outras licenciaturas, sem necessidade de exame vestibular, foi aprovado pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Com parecer favorável do deputado federal Newton Lima (PT-SP), falta apenas uma votação na Comissão de Constituição e Justiça para o termo terminativo.

Talião
O deputado estadual Enio Tatto (PT) resolveu apresentar à Assembleia Legislativa de São Paulo uma proposta de orçamento impositivo, nos mesmos moldes do projeto que está dando dor de cabeça à presidente Dilma Rousseff no Congresso. Parece contradição, mas não é. Boa parte da bancada federal do PT também quer o orçamento impositivo em nível federal.

FORNO E FOGÃO - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 24/04

Até a virada do mês o cartão Minha Casa Melhor vai chegar a R$ 1 bilhão em empréstimos para compra de móveis e eletrodomésticos. O programa do governo federal empresta até R$ 5.000 aos beneficiados do Minha Casa, Minha Vida.

FORNO 2
Até julho, segundo a própria presidente Dilma Rousseff informou ao receber a Folha para uma entrevista exclusiva, o número de contratos do programa chegava a 136 mil.

VITRINE
Os aeroportos das 12 cidades-sede da Copa de 2014 vão expor artesanato local nos saguões. Mas os produtos não poderão ser vendidos, em respeito aos contratos já existentes de concessão nas zonas aeroportuárias para outros estabelecimentos de comércio. O Ministério do Turismo destinará R$ 2,2 milhões para a iniciativa, e a Secretaria da Micro e Pequena Empresa, outros R$ 5 milhões.

MICROFONE
Marta Suplicy convidou Gloria Pires para apresentar a Ordem do Mérito Cultural 2013. A condecoração será entregue em novembro, no auditório do Ibirapuera, em SP. Uma das agraciadas será Lucy Barreto, produtora de "Flores Raras". O filme, com Gloria no elenco, é o preferido da ministra da Cultura para representar o Brasil no Oscar. Ela garantiu apoio da pasta à campanha pela candidatura do longa.

GENEROSIDADE
O bingo Obra do Berço, que é realizado há 22 anos, oferecerá amanhã prêmios como joias do designer Ara Vartanian e bolsas Valentino, Dior, Chanel e Bottega Veneta. Os convites são vendidos por R$ 220.

ENCONTRO
O brasileiro Hamilton de Holanda e o britânico John Paul Jones, baixista e criador do Led Zeppelin, vão dividir o palco, em novembro, na França, no festival Lunel, dedicado ao bandolim. Os dois se conheceram no mesmo evento, em 2004, quando Jones participou de um workshop ministrado por Hamilton.

TEORIA
Assuntos como formação de cartel, monopólio e concorrência desleal são tratados no livro "Direito Econômico", que Modesto Carvalhosa lança na segunda, em SP. Na obra, que reúne estudos feitos por ele há 40 anos, o advogado afirma que cartéis não são necessariamente maus e que devem ser avaliados caso a caso. Os textos são até hoje referência para profissionais e estudantes da área.

RAQUETADAS
A procura por pacotes para os quatro maiores torneios de tênis do mundo aumentou 40%, em média, no último ano. Roland Garros, em Paris, teve 60% a mais de brasileiros que viajaram exclusivamente para acompanhar as partidas, segundo a operadora Fanato. O pacote para o US Open, em Nova York, custa US$ 6.207 (R$ 14 mil).

UM PÁSSARO ME CONTOU
Laerte Coutinho e Rita Lee vão lançar o livro "Storynhas", com minicontos da cantora ilustrados pelo cartunista da Folha. As 80 histórias foram tiradas do perfil dela no Twitter.

A roqueira também aparece no livro, que sai pela Companhia das Letras até o fim do ano. "Fiz desenhinhos dela bem magrinha, com o cabelo vermelho. Como se fosse uma espécie de fada Sininho", diz Laerte.

A parceria, já desejada há tempos pelos artistas, foi intermediada pela editora. Laerte segue a página de Rita no microblog. Gosta tanto que diz achar "até o bom-dia dela sensacional".

VERBA CURTA
A antropóloga Esther Hamburger, o cônsul interino da Suíça em São Paulo, François Duvanel, os cineastas Renata Druck, Hasan Serin e Marcelo Masagão e a produtora de festivais Tünde Albert estiveram no coquetel de abertura do 24º Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo. A diretora do festival, Zita Carvalhosa, e o diretor do Sesc, Danilo Santos de Miranda, recepcionaram os convidados no Sesc Pinheiros. Em seu discurso, Zita agradeceu aos diretores de outros países --eles aceitaram ficar hospedados em albergues durante o evento.

CURTO-CIRCUITO
O renomado arquiteto e designer italiano Alessandro Mendini vem ao Brasil pela primeira vez para palestra no Casa Cor Stars, no dia 11 de setembro.

O espetáculo "O Livro da Grande Desordem e da Infinita Coerência" estreia hoje, às 21h, no teatro do Sesc Santana. 14 anos.

A exposição "Mão Pesada", com desenhos e vídeos de Milton Machado, abre hoje, às 11h, na Galeria Nara Roesler, nos Jardins.

O cantor Pélico faz show gratuito hoje, às 21h, no Teatro Décio de Almeida Prado, no Itaim Bibi. Livre

Amanhã, a Corrida e Caminhada contra o Câncer de Mama começa às 8h, em frente à Assembleia.

Na falta de competência, a magia do câmbio filosofal - ROLF KUNTZ

O Estado de S.Paulo - 24/08

Na falta da pedra filosofal, com poder para transformar qualquer metal em ouro, vários economistas brasileiros tiveram de se contentar com o câmbio filosofal, conhecido pela propriedade notável de tornar competitiva qualquer indústria e, mais que isso, qualquer economia, bem ou mal administrada. Mas pode ser difícil encontrar esse câmbio maravilhoso. O dólar subiu quase 20% em relação ao real só neste ano - 19,68% entre o fim de 2012 e a quinta-feira passada, quando foi vendido a R$ 2,446 no fechamento das operações. Em um ano, a alta foi de 21%, levando-se em conta os valores médios divulgados pelo Banco Central (BC). Maxidesvalorização, ou simplesmente máxi, na linguagem coloquial, seria a palavra usada, em outros tempos, para designar essa variação. Mas o dólar cada vez mais caro foi acompanhado, desta vez, de um rombo cada vez maior nas contas externas.

O déficit em conta corrente acumulado de janeiro a julho chegou a US$ 52,472 bilhões, 81% maior que o de igual período de 2012, US$ 28,990 bilhões. Dois terços dessa diferença, US$ 15 bilhões, resultaram da piora da balança comercial, como ressaltou em entrevista coletiva o chefe do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel. Para chegar à diferença de cerca US$ 15 bilhões basta somar o superávit de US$ 9,930 bilhões obtido no ano passado na conta de mercadorias, nesses meses, e o déficit de US$ 4,989 bilhões acumulado em 2013 até o mês passado. A soma desses dois valores corresponde à piora do saldo comercial de um ano para outro.

A depreciação do real, já perceptível no ano passado, foi insuficiente para elevar as vendas ao exterior e conter a ocupação crescente do mercado interno por produtores estrangeiros. Algum fator muito mais importante que o câmbio deve ter prejudicado o comércio brasileiro, já com sinais de problemas nos anos anteriores.

A deterioração ocorreu dos dois lados da balança de mercadorias. De janeiro a julho o valor exportado este ano, US$ 135,231 bilhões, foi 2,16% menor que o de um ano antes. O valor importado, US$ 140,220 bilhões, foi, no entanto, 9,3% maior que o de janeiro a julho de 2012. O quadro pareceria melhor se fossem descontadas as compras de combustíveis realizadas no ano passado e só registradas este ano. Mas seria preciso corrigir para menos o saldo comercial do ano anterior, US$ 19,415 bilhões.

De toda forma, o quadro seria ruim, como continuou sendo até a terceira semana deste mês. Incorporado esse período, o déficit no comércio de bens fica um pouco menor, US$ 4,686 bilhões. As exportações, US$ 146,693 bilhões, continuam menores que as de um ano antes (1,6%) e as importações, bem maiores (10,4%), com base na comparação das médias diárias.

Só em parte esses números são explicáveis pela crise internacional e pela depreciação das commodities. A piora do comércio exterior brasileiro começou antes da crise. No fim de 2007, a fatia dos importados no consumo nacional de produtos industriais correspondia a cerca de 17%, segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Chegou a 20% no trimestre final de 2008, diminuiu em 2009, quando houve recessão e a demanda encolheu. Voltou a crescer em seguida, bateu em 20,5% no segundo trimestre de 2012 e alcançou 21,1% no período entre abril e junho deste ano.

Seria uma evolução facilmente compreensível, se o mercado brasileiro se tivesse tornado mais aberto nos últimos anos. Mas ocorreu o contrário: houve aumento de barreiras e, apesar disso, as importações cresceram - tanto de bens finais quanto de produtos intermediários. Desde 2007-2008, as importações tenderam a crescer mais velozmente que as exportações. Esse movimento só foi interrompido brevemente na recessão. Detalhe importante: até 2012, as vendas externas foram amplamente favorecidas pela valorização das commodities.

Durante esse período o governo estimulou muito mais o consumo que a produção. A maior parte do financiamento de longo prazo, sustentado em parte com transferências do Tesouro, foi destinada a poucas grandes empresas, incluídas algumas estatais e umas tantas selecionadas para ser campeãs.

O investimento público permaneceu empacado. O total investido pelo governo e por empresas em máquinas, equipamentos, construções e obras de infraestrutura ficou pouco acima de 19% do produto interno bruto (PIB) nos melhores momentos. Diminuiu em 2012 e mal entrou em recuperação neste ano. O programa de logística anunciado há um ano continua no papel, como lembrou esta semana o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. No mesmo pronunciamento ele cobrou a manutenção, além deste ano, do Reintegra, um programa remendo de compensação fiscal às empresas exportadoras.

Nesta sexta-feira, reportagem do Valor mostrou as deficiências do Porto de Paranaguá, líder na exportação de grãos e na importação de fertilizantes. Só na parte de grãos a capacidade do porto continua 30% inferior à necessária. Em alguns momentos, usuários têm de fazer vaquinha para bancar pequenas manutenções, segundo um dos entrevistados.

Até o fim do ano o câmbio poderá proporcionar alguma melhora às contas externas, disse na sexta-feira Túlio Maciel. Pode ser. Mas nenhum ajuste cambial dura muito tempo quando a inflação é elevada. Os brasileiros deveriam ter apreendido esse dado elementar há muito tempo. Além disso, nenhuma taxa de câmbio substituiu até hoje, de forma segura e duradoura, a administração competente, o investimento em máquinas, equipamentos e infraestrutura, a formação de mão de obra, a produtividade e uma tributação adequada. Só o câmbio filosofal deve ter essas virtudes. Mas como encontrá-lo?

Algumas sobre o dólar - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 24/08

O dólar mais alto veio para ficar. A atuação do Banco Central vai ajudar, está correta, mas pode chegar o momento em que ele tenha que vender dólar físico. O câmbio desvalorizado ajuda as exportações, mas após estabilizar. Quando a moeda americana sobe, impacta a inflação. Os investidores de renda fixa podem perder capital mesmo com a ação do Tesouro de recompra de papéis.

Ótimo que ontem tenha sido de queda do dólar no mundo inteiro, mas tudo se move, quando o preço da moeda americana se altera subitamente. Não é apenas aquela visão binária: sobe o dólar e fica bom para a indústria e o exportador; cai o dólar e é ruim para a indústria e o exportador. A economia brasileira ficou mais complexa, mais atada ao mundo, as empresas são afetadas de diversas maneiras pelo câmbio e, na maioria delas, o efeito é positivo e negativo. As dívidas e os insumos importados ficam mais caros num primeiro momento; a competitividade da indústria e dos exportadores aumenta a médio prazo, quando o dólar se estabiliza em outro patamar.

Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos, acha que além da mudança no mundo, os agentes econômicos temem as incertezas internas.

- O dólar mais alto veio para ficar, a economia americana está mais forte, há uma mudança na liquidez no mundo com a decisão que o Fed vai tomar. Há medo das incertezas internas nos próximos 18 meses até a eleição. O governo está se desentendendo muito, ninguém sabe quem manda em que. A presidente afirmou o compromisso fiscal, mas as ações do governo são contrárias ao discurso - disse ela, numa entrevista que me concedeu na Globonews.

Dados mais fracos da economia americana fizeram o dólar cair ontem, mas também ao redor do mundo houve intervenções dos bancos centrais.

O economista Cláudio Frischtak, da Inter B Consultoria, usou a expressão "cacofonia oficial" para concordar com Solange sobre esse espantoso coro de gente dando palpite no governo - ou nas cercanias - sobre câmbio. Esse é assunto delicado, sobre o qual é melhor fazer do que falar. O efeito do dólar em alta espalha-se por toda a economia, diz Frischtak.

- Todos nós estamos mais pobres desde o dia em que o dólar começou a subir. Os preços dos importados e dos produtos afetados pela moeda americana estão mais caros, a inflação fica mais alta e tira poder aquisitivo da população. O Banco Central terá que manter os juros subindo. Os juros de mercado já deram um salto - diz Frischtak.

Perguntei a ele se os aplicadores terão perdas com essa mudança do quadro de juros e ele disse que sim.

- Na realocação das carteiras, que está havendo agora, há uma fuga de capitais do Brasil; os juros de mercado sobem e os preços dos títulos do Tesouro brasileiro caem, principalmente os pré-fixados. Esses títulos estão nas carteiras dos fundos; se o valor deles cai, as cotas também. Já está havendo perda de capital dessas carteiras. O Tesouro, quando recompra os títulos pré-fixados, estanca as perdas, mas não recompõe os prejuízos já ocorridos - diz o economista.

Solange afirma que o quadro da economia brasileira está hoje bem mais complexo.

- Temos uma enorme inflação represada, esqueletos se formando no armário com as políticas parafiscais (transferência de recursos aos bancos públicos, principalmente o BNDES). Este ano e o próximo serão difíceis. O governo tentou crescer estimulando o consumo e isso criou muitas distorções na economia - diz Solange.

Frischtak calcula em 10% a inflação real no Brasil, sem a repressão das tarifas e preços controlados. E lembra que é melhor enfrentar isso agora do que em 2014, que é ano eleitoral.

O contra-ataque - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 24/08

O Banco Central abriu, finalmente, sua caixa de ferramentas para conter a escalada das cotações do dólar.

Agora, são leilões diários de US$ 500 mil em swaps cambiais (equivalentes à venda de dólar no câmbio futuro), mais a entrega de até US$ 1 bilhão todas as sextas-feiras em leilões de linha (para ser obrigatoriamente revendido ao Banco Central na data combinada). É uma ação mais firme para oferecer previsibilidade e proteção (hedge) ao mercado exposto à alta volatilidade cambial. E o mercado respondeu, como se vê no gráfico.

Um dos recados é de que, na percepção do Banco Central, o dólar foi longe demais (overshooting). Poderia não significar muito porque, afinal, indicações da mesma natureza foram repassadas sucessivamente ao mercado quando as cotações chegaram a R$ 2,10, a R$ 2,20 e a R$ 2,30 por dólar. Mas, desta vez, a estratégia pretendeu ser mais convincente.

Embora as autoridades avisem que mais virá se necessário, é cedo para saber se o jogo foi virado. Se neste ano o Banco Central já colocou no mercado US$ 45 bilhões em swaps, num período em que a turbulência pode não ter chegado ao seu clímax, o programa de mais US$ 60 bilhões corre o risco de ser insuficiente.

Nas próximas semanas, o mercado deverá testar o novo teto tolerado pelo Banco Central. No momento, o governo parece mais incomodado com o impacto da alta dos preços do dólar sobre os custos das empresas e sobre a inflação.

No entanto, as questões de fundo continuam intocadas. Aí se concentram as dúvidas sobre a eficácia da ação a longo prazo. Entre essas questões de fundo não estão os acenos do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) para reverter a atual política monetária expansionista (emissões de dólares). Estão equivocadas as escolhas do governo Dilma, que tornaram a economia vulnerável (mais do que outros emergentes) até mesmo a alterações suaves no nível de liquidez global.

Ontem, por exemplo, saíram as Contas Externas de julho e o que se viu foi um alargamento do rombo em 12 meses nas Transações Correntes, de 2,4% do PIB em dezembro de 2012 para 3,4% sete meses depois, com perspectiva a se elevar ainda mais (veja o Confira). Aumentam as dificuldades da economia para encontrar cobertura relativamente mais barata e mais eficiente para o déficit externo.

Mas esse déficit, conjugado ao crescimento pífio e à inflação acima de 6% ao ano, é apenas o resultado. Por trás de tudo está o excesso de consumo interno sem contrapartida no aumento da oferta, fator que vem pressionando tanto as importações como as despesas com serviços (transportes, turismo, juros da dívida externa, etc.)

O excesso de consumo, por sua vez, tem como causa principal o desequilíbrio e a baixa transparência das contas públicas, que o Banco Central chama de "política fiscal expansionista". Enfim, a rigor, não há um problema cambial no Brasil. O que há é uma desarrumação nos fundamentos da economia que o governo Dilma não ousa corrigir porque teme que seus custos colocariam em risco seu objetivo maior que é a recondução à Presidência nas eleições de 2014.

Hora de negociar - KÁTIA ABREU

FOLHA DE SP - 24/08

Uma agenda comum para o agronegócio é possível entre os gigantes Brasil e EUA


O Brasil participou de 1,3% do comércio mundial em 2012, segundo dados da OMC (Organização Mundial do Comércio). Apesar disso --e paradoxalmente--, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) indica que a América Latina, e principalmente nosso país, tem potencial para se converter no maior centro de produção agropecuária do mundo.

De fato, há um enorme espaço para o crescimento, especialmente no agronegócio, que tem sustentado a balança comercial e já gerou um superavit de quase US$ 50 bilhões, no primeiro semestre deste ano. Mas falta integração.

Hoje, as cadeias globais de valor unem países e regiões em processos integrados de produção. O comércio internacional mudou, na direção de uma maior interdependência entre os mercados.

Mais comércio não significa apenas redução de tarifas aduaneiras. É preciso compartilhar políticas para favorecer a livre circulação de bens e serviços. É preciso fazer acordos e mais acordos.

A formação de blocos comerciais ambiciosos implica abrir mão de preferências ou crenças puramente nacionais. O acordo entre os Estados Unidos e a União Europeia vai forçar os europeus a rever sua intolerância em relação aos produtos transgênicos, sem o que as exportações agrícolas americanas ficarão bloqueadas e o acordo geral não prosperará.

Não há mais lugar para o ranço europeu contra a transgenia, que é muito mais preconceituoso e protecionista do que cientifico.

Os acordos comerciais de agora são movidos pelo interesse econômico e buscam tecer redes de dependência virtuosas. É isso ou o isolamento e a irrelevância.

Não podemos insistir na teimosa escolha de um Mercosul, onde os parceiros não acreditam nas vantagens do livre comércio, na economia de mercado e nos benefícios da integração econômica em escala global.

Não podemos mais ficar restritos a mercados inexpressivos só por uma questão de afinidades políticas. Até porque essas afinidades são de alguns; não da nação como um todo.

Recebi recentemente, na CNA, o secretário de Estado da Agricultura dos Estados Unidos, Thomas Vilsack, acompanhado de importantes senadores ligados ao setor.

Dialogamos como parceiros, apesar de existirem contenciosos entre os países, como é o caso do algodão. No campo do agronegócio, temos interesses comuns e não devemos temer um ao outro, pois há espaço bastante para estas duas potências.

Juntos, produzimos 49% da safra mundial de soja e milho e 27% da proteína animal disponível para consumo. Respondemos por metade das exportações de carne no mercado internacional.

A segurança alimentar do planeta é uma enorme responsabilidade dos dois países. China e Índia não têm mais terras ou água para expandir sua produção.

No resto do mundo, tampouco, há espaço para a expansão da agricultura.

Brasil e Estados Unidos, nesse contexto, não são mais concorrentes, como no passado. Ao caminharem juntos, terão muito a oferecer e a ganhar. E a população mundial mais pobre também, porque podemos evitar a escassez de alimentos e a explosão dos preços.

O agronegócio, hoje joia da coroa da economia do país, não pode mais ser punido pela política, seja no mercado interno ou no externo. Ao ouvir minha explanação sobre a falta de logística no Brasil, a senadora democrata Debbie Stabenaw, presidente da Comissão de Agricultura do Senado americano, disse que também eles têm problemas, pois lhes faltam recursos para renovar a infraestrutura construída há cem anos.

Quem dera o Brasil tivesse ao menos uma velha e centenária logística em seus Mississippis, em vez de pagar até US$ 85 de frete por tonelada de grãos exportada, pelas más condições dos portos e estradas

. Ainda bem que agora o governo está empenhado em buscar investimentos que viabilizem uma revolução nos transportes.

Uma agenda comum é possível entre esses dois gigantes, desde que a falta de visão não atrapalhe. O secretário norte-americano e sua comitiva vieram negociar. Bem-vindos!

A metáfora da motocicleta - ALBERTO DINES

GAZETA DO POVO - PR - 24/08

Afinal, a nossa presidente dirigiu a máquina ou estava na garupa? Cada país tem os debates e dilemas existenciais que merece. Nosso “ser ou não ser” neste aziago 24 de agosto – o 59.º desde o suicídio de Getúlio Vargas – é surpreendente.

A primeira mandatária é uma motoqueira que não resiste à sensação de liberdade propiciada por uma poderosa Harley-Davidson deslizando no asfalto de Brasília? Ou tudo não passa de armação dos marqueteiros e comunicadores para trocar a imagem da birrenta chefe de Estado que, aos quase 66 anos, cansou dos tailleurs formais e reuniões improdutivas para aproximar-se da juventude?

Se porventura pilotou a moto, cometeu uma infração, já que não tem habilitação. Se acaso estava na garupa, como carona, é legítimo perguntar – quem é o privilegiado e estouvado condutor? Não haveria outra forma de distrair a primeira mandatária na folga dominical? Por que não deu uma passada numa das livrarias da capital para folhear as novidades, ou chamou os amigos para assistir no cineminha do Alvorada ao fascinante Hannah Arendt?

Tudo bem: passear no Rolls-Royce presidencial com a capota arriada ao lado da filha e do neto causaria revolta equivalente à dos brioches de Maria Antonieta (história, aliás, inverídica), mas, sendo mineira e carente de mar, por que não escolheu uma volta de lancha no Lago Paranoá? Faria um bem enorme às vias respiratórias ressecadas pelos ares da capital no inverno.

Leitoras devem estar indagando se usou um blusão de couro ou como ajeitou o topete laqueado no capacete obrigatório. Analistas, e politólogos debruçam-se sobre o significado dessa rebeldia contra as formalidades e a solidão palaciana; psicólogos certamente acham que uma Dilma humanizada fica mais próxima dos manifestantes que da zangada base aliada.

Fato ou factoide, impulso espontâneo ou armação, a verdade é que o episódio motociclista só reforça a impressão de que estamos vivendo um dos mais graves momentos desde a redemocratização. O gigante acordou, afirmam os especialistas de olho nas Jornadas de Junho, mas o despertador foi uma frustração montante, revolta surda contra o triunfalismo enganoso, contra os scripts antecipados, contra o jogo feito, sem opções, irrecorrível.

Quase três meses depois das primeiras manifestações, as lideranças continuam perplexas, atônitas e catatônicas, fixadas em outubro de 2014 e absolutamente desatentas ao que pode acontecer em outubro, ou novembro, ou dezembro de 2013.

Solto o pino que segurava a máquina de protestar, sumiu a passividade, a capacidade de engolir sapos e resignar-se ao circo de horrores da nossa política. Cada segmento da sociedade quer uma vitória equivalente aos 20 centavos que não foram aumentados nas tarifas de transporte público de São Paulo.

O conjunto destes simbólicos 20 centavos economizados representa uma formidável coleção de mudanças em todos os campos, esferas e latitudes. O país que foi para as ruas quer mudanças concretas, visíveis, palpáveis, imediatas. Quer uma mexida geral, movimento.

Em matéria de urgência, a metáfora da motocicleta é perfeita.

Partidocracia eleitoral é ruim - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SP - 24/08

Terminado o pleito, começam adesões dando origem à partidocracia operacional, ao redor dos vencedores


O noticiário da semana recomenda a volta ao cotejo do direito com a política, focado nos rumos partidários, nestes tempos de incerteza. Aparentemente estão mais para favorecer estocadas nos adversários, que para auxiliar a composição de grupos distintos com ideais, a favor do bem geral.

O defeito não decorre da lei eleitoral, que é boa. O Brasil tem na Carta Magna a estrutura de sua Justiça para controle das eleições. É federal, igual para todo o país, desde o Tribunal Superior, aos Tribunais, Juízes e Juntas Eleitorais, nos arts. 118 e seguintes da Constituição.

Agora que se aquece a preparação para as próximas eleições, é frequente a pergunta: se a lei eleitoral é boa, como se explica a má qualidade de muitos dos escolhidos?

A resposta começa com a partidocracia. Não inventei o termo, embora não conste de muitos dicionários. Define a realidade em que a máquina do Estado é preenchida por membros de um partido, não necessariamente único, em todos os níveis. Terminado o pleito, começam adesões, formalizadas ou não na Justiça Eleitoral, dando origem à partidocracia operacional, ao redor dos vencedores.

A partidocracia assume ares de praga política. Deturpa meios e caminhos da democracia. Gera uma espécie de sobrepoder, filiado às trocas de vantagens recíprocas, no compadrio de dirigentes das facções, com favores intercambiados, levando ao abuso, como se viu e se vê nas apurações levantadas, até o final do julgamento do mensalão, no Supremo Tribunal Federal. O resultado já mostra que se espalharam benefícios advindos da distribuição ilícita de fundos públicos. Com muita frequência, é troca de vantagens, "entre compadres".

E a lei? A pergunta do leitor é pertinente, para acertos ilegítimos, fingidamente democráticos.

No "Dicionário de Política" coordenado, entre outros, por Norberto Bobbio, a partidocracia sugere algo mais que o governo de partidos. Corresponde "ao domínio ou à expansão do domínio" da chefia política. Distorce a compreensão do que é necessário para a democracia legitimadora do poder, resumida nos arts. 1º a 4º da Constituição.

A ditadura é o despropósito do predomínio. A força está no lado da coronha e, na alça de mira, vêm-se os opositores oprimidos, em formas diversificadas de abuso. Tem todos os defeitos de forma extrema da partidocracia da força, sob um só controle. É a submissão ao descalabro, na concentração dos interesses sob uns poucos, que se acertam entre eles. A corrupção ocultada, do poder negociado, nega a igualdade do voto. O manuseio do poder é válido, porém, quando assegura sua alternância, sem que tudo se resolva em um círculo interno de predomínio, no qual os espertos triunfam.

O dono verdadeiro do poder, ou seja, o povo, é, com relativa facilidade, levado a engano.

Conhecer a partidocracia e seus maus efeitos é um bom passo no rumo da correção dos desvios ilícitos.

Os dias de reivindicação coletiva que temos vivido são importantes. Para que todos sejam iguais, o maior número de cidadãos deve ter consciência de seu dever em face da nação. A alternância do poder nem sempre é compreendida ou realizável, mas sempre necessária. O melhor para todos exige paciência e solidariedade, sem violações perigosas e destrutivas.