quarta-feira, fevereiro 28, 2018

O drama dos venezuelanos no Brasil - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 28/02

Os venezuelanos que fogem para a Colômbia ou para o Brasil são autênticos refugiados, e deveriam ser oficialmente reconhecidos como tais


O número de venezuelanos que cruzam a fronteira com o Brasil aumentou drasticamente nos últimos meses, coincidindo com a deterioração total das condições de vida no país governado ditatorialmente por Nicolás Maduro. Hiperinflação e escassez de alimentos e artigos de higiene levam inúmeras famílias à miséria, e aqueles que têm condição de deixar o país não hesitam em fazê-lo. Colômbia e Brasil são os destinos favoritos pela proximidade, e Boa Vista, capital de Roraima, já recebeu cerca de 40 mil venezuelanos, aumentando a população da cidade em mais de 10%. O governo brasileiro publicou, no início deste ano, uma medida provisória e dois decretos sobre a assistência emergencial aos venezuelanos, reconhecendo a “crise humanitária” na Venezuela e instaurando um Comitê Federal de Assistência Emergencial. Os textos, no entanto, são pouco claros em relação a como tratar, na prática, esses imigrantes.

Os venezuelanos que fogem para a Colômbia ou para o Brasil são autênticos refugiados, e deveriam ser oficialmente reconhecidos como tais. Ainda que a maioria deles não seja o que consideraríamos “perseguidos” pela ditadura bolivariana, como pessoas com atuação pública de oposição ao regime – o que faria delas um alvo claro da repressão e justificaria não só a condição de refugiado, mas também de asilado político –, a Lei 9.474/1997, que a atual Lei de Migração reconhece como o marco legal que deve ser observado em relação a refugiados, inclui nesta categoria todo aquele que, “devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país”. Ora, diante de uma ditadura que deixa seu povo sem alimento, criando uma situação na qual falta o básico nos hospitais e crianças subnutridas morrem de fome, qualquer pessoa, ainda mais quando é responsável por uma família, buscaria deixar semelhante inferno. Se consideramos refugiados os que fogem de guerras civis no Oriente Médio por quererem apenas sobreviver, não temos como negar esse mesmo status aos venezuelanos que fogem da fome e da miséria provocadas pelo bolivarianismo.

Não há motivo algum para temer o influxo de venezuelanos

Dar essa possibilidade aos venezuelanos é uma forma de lhes recuperar a dignidade. Isso porque, assim que um indivíduo faz a solicitação de refúgio para si e seus familiares, recebe um protocolo que permite sua permanência no Brasil, com emissão de uma carteira de trabalho provisória, dando a essa pessoa a chance de exercer trabalho remunerado de acordo com as leis brasileiras. E é isso que os venezuelanos querem: poder sustentar dignamente a si mesmos e aos seus, algo que na Venezuela já se tornou impossível pela aguda deterioração da economia. Entre permanecerem amontoados em Roraima, em condições nem sempre dignas (mas ainda melhores que as encontradas em seu país de origem), e tentarem uma vida melhor em outras regiões do Brasil, não há por que acreditar que os venezuelanos não optariam pela segunda alternativa. A sociedade civil tem um papel fundamental na inserção dessas pessoas e suas famílias: igrejas, entidades assistenciais e do setor produtivo são redes que podem ajudar na busca por emprego e realocação.

No entanto, a crise humanitária escancarou uma deficiência do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), que em 2017 recebeu quase 34 mil pedidos de refúgio, sendo metade deles de venezuelanos. O órgão não tinha escritório em Roraima, e foi socorrido pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), que abriu representações em Boa Vista e em Manaus (AM). Para contornar esse problema, o governo brasileiro tem preferido a concessão de residência temporária de dois anos, aplicável a cidadãos de países que fazem fronteira com o Brasil, mas não integram o Acordo de Residência do Mercosul – é o caso da Venezuela. Essa possibilidade existe desde março de 2017, por meio de uma resolução normativa do Conselho Nacional de Imigração. Já a Lei de Migração, sancionada em maio de 2017, ainda prevê o “visto temporário para acolhida humanitária”, mas que depende de regulamentação.

Ocorre que, para conseguir a residência temporária, o venezuelano precisa abrir mão da solicitação de refúgio. É uma escolha delicada: por um lado, a opção pelo status de refugiado, cujos direitos e deveres estão mais claramente estabelecidos, pode levar anos; por outro, a residência temporária é concedida rapidamente, mas tem uma situação jurídica ainda nebulosa – a resolução normativa de 2017, por exemplo, nada diz sobre a possibilidade de emissão de carteira de trabalho para os detentores da residência temporária. Por isso, na impossibilidade de reforçar a estrutura do Conare para processar mais rapidamente as solicitações de refúgio, a alternativa ideal seria melhorar a regulamentação do visto humanitário e da residência temporária, especialmente no que diz respeito à possibilidade de exercer trabalho remunerado no Brasil, para que não fiquem lacunas e os próprios venezuelanos, bem como seus potenciais empregadores, tenham mais segurança a respeito do que podem ou não fazer.

Não há motivo algum para temer o influxo de venezuelanos: são pessoas que estão fugindo de um regime assassino, em busca de uma chance; não vêm para causar encrenca, nem para alterar fundamentalmente a ordem local (o que é o temor de muitos europeus a respeito dos fluxos de refugiados dos últimos anos); muitos deles são trabalhadores qualificados e, quando o bolivarianismo cair e a democracia retornar à Venezuela, permitindo que as pessoas voltem a viver dignamente, boa parte certamente regressaria à terra natal. A “acolhida humanitária”, descrita na Lei de Migração como um dos princípios e diretrizes que regem a política migratória brasileira, não pode ser apenas palavreado vago: precisa ser concretamente aplicada. Os venezuelanos que fogem do socialismo chavista precisam ser acolhidos como qualquer um de nós gostaria de sê-lo se tivesse de deixar o Brasil caso nosso país vivesse uma destruição semelhante àquela promovida pelo bolivarianismo.


Em defesa do Código Florestal - ALDO REBELO

O Estado de S.Paulo - 28/02


Mapa de equilíbrio estratégico entre a exploração e a conservação da natureza, o Código Florestal Brasileiro, aprovado pelo Congresso Nacional em 2012, no mais amplo debate legislativo desde a Constituição de 1988, ainda sofre nos tribunais a perseguição de correntes que criminalizam a agricultura. A elas não importa que o Brasil utilize apenas 7,6% de seu território continental para a produção de alimentos, ante 18% nos EUA e até 65% na Europa. Nem levam em conta que somos o país que mais preservou sua mata nativa, mantendo de pé 66% da vegetação original de seus 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Importa caracterizar-nos como predadores.

Vale destacar que o Código Florestal foi celebrado na Conferência do Clima, em Paris, como fiador dos compromissos brasileiros para as metas de redução das emissões de carbono. Nas audiências públicas realizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), representantes do Ministério do Meio Ambiente apresentaram a lei como o instrumento capaz de oferecer proteção aos agricultores e à natureza.

O jogo bruto é travado, de um lado, por um movimento ambiental bem-intencionado, mas mal informado, e, de outro, por grupos extranacionais que pregam a redução da área cultivada para favorecerem a exportação de seus produtos agropecuários, com os quais concorre o nosso agronegócio.

Ignorando o pacto tecido arduamente no Congresso, com apoio dos principais partidos do governo e da oposição, esses grupos recorreram ao STF para que vários artigos do código sejam declarados inconstitucionais. Seu breviário é um ambientalismo faccioso, que extrapola a necessária e indispensável proteção que a todos nos cabe garantir ao planeta. Mas desdenham da importância histórica, social e econômica da agropecuária e a estigmatizam como o cavalo de Átila, que não deixava nascer grama onde passava. A rigor, em cinco séculos de trabalho duro o agricultor soube preservar a natureza e destina boa parte da propriedade à proteção do meio ambiente.

Na Amazônia, a exigência da reserva é de 80% da propriedade. Mas em Roraima o total das áreas de conservação e terras indígenas chega a 66% da superfície estadual, sobrando apenas 7% para a agropecuária. Por isso reduzimos as exigências. Esse foi um caso em que, na elaboração do Código Florestal, consideramos, como deve ser próprio das leis, peculiaridades da diversa realidade nacional.

O código de 2012 manteve o espírito conservacionista que distingue o Brasil como país pioneiro na proteção de recursos naturais essenciais, como as florestas e a água. A tradição já vinha das propostas do patriarca José Bonifácio no século 19 e figurou nos códigos de 1934 e de 1965, além da rígida lei de proteção da fauna promulgada em 1967. O zelo ambiental bem calibrado não impediu o excepcional desenvolvimento do agronegócio, que em anos recentes se tornou tecnologicamente avançado e viga mestra da economia. Mas nas décadas de 1980 e 1990 a legislação passou a ser retalhada e adulterada por numerosos enxertos urdidos a trouxe-mouxe, alheios à realidade do campo. Fazia-se necessário, no ambiente de contraditórios do Parlamento, a partir de inúmeras consultas técnicas e mais de 200 audiências públicas e privadas por todo o País, reintroduzir o princípio da razoabilidade num labirinto legiferante.

Daí germinou a patranha da suposta anistia concedida a desmatadores dispensados de recuperar a reserva legal para manter uma porcentagem da propriedade com espécies nativas. Os críticos reclamam ao Supremo que o Código de 2012 retroagiu a 2008 para livrar agricultores dessa obrigação, e que a lei não pode ter efeito retroativo. Ora, a celeuma em torno da suposta anistia não tem outro lastro senão portarias e uma medida provisória que nem foi votada, as quais, elas, sim, retroagiram aos primórdios da colonização.

Todo o ousado e suado processo de conquista e consolidação do território nacional, incluindo as capitanias hereditárias, a epopeia dos bandeirantes, a penetração da agropecuária nos sertões, o ciclo do açúcar, a grande lavoura cafeeira, tudo foi considerado desmatamento ilegal, embora na época não o fosse, a ser punido séculos depois por uma norma de... 2008.

O proprietário de um sítio em Pernambuco cuja mata nativa tivesse sido derrubada pelo donatário Duarte Coelho para plantio de cana-de-açúcar no século 16 foi tachado de delinquente 400 anos depois, quando o ato passou a ser considerado delito ambiental. Multados, impedidos de obter financiamento rural, a maioria esmagadora dos agricultores foi intimada a recuperar a reserva legal mesmo que a propriedade estivesse sendo explorada desde a gênese do País.

A medida infeliz castigou principalmente o pequeno produtor, sobretudo em minifúndios, onde quase toda a propriedade é usada para plantio. Eles detinham nada menos que 90% dos imóveis rurais, com área média de minúsculos 26 hectares.

Ao dispensá-los da exigência, embora obrigando-os a manter ao menos a reserva que tinham em 2008 e a recuperar o que derrubaram depois dessa data, o código desfez uma patacoada. Ademais, já estava em vigor o Decreto n.º 7.029, de 10/12/2009, que instituíra o Programa Mais Ambiente, para permitir aos proprietários rurais autuados obterem a “regularização ambiental”. Quem tivesse desmatado “qualquer tipo de vegetação nativa” teria suspensas as multas lavradas até a véspera da publicação do decreto. O código apenas recuou para 2008 o marco de 2009 estabelecido pelo decreto.

Portanto, não concedeu anistia alguma. E se a tivesse concedido, apenas teria dado razão ao chiste do Barão de Itararé, que tanto citamos na época: “Anistia é um ato pelo qual os governos resolvem perdoar generosamente as injustiças e os crimes que eles mesmos cometeram”.

Mandato duplo para o BC, com inflação e desemprego, é uma péssima ideia - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 28/02

Práticas internacionalmente consagradas apontam para inflação como objetivo a ser perseguido


A autonomia do Banco Central retornou à ribalta como parte da “Agenda 15”, um conjunto de medidas que o governo pretende tornar prioritárias agora que a reforma previdenciária foi definitivamente legada à próxima administração.

Nesse contexto voltou ao debate um possível mandato duplo para o BC, contemplando não apenas a meta para a inflação mas também outra para desemprego. Trata-se de uma péssima ideia, apesar da aparente nobreza de propósito.

A destacar, em primeiro lugar, a diferença entre independência e autonomia no caso do BC. Embora ambas requeiram a fixação de mandatos para os dirigentes da instituição (tipicamente alternados com mandatos presidenciais), um BC independente pode escolher seus próprios objetivos, enquanto no segundo caso a liberdade da instituição se limita à decisão sobre os meios para atingir objetivos determinados pelo Executivo.

Assim, por exemplo, o BC independente poderia determinar qual sua meta para a inflação, bem como tomar as decisões de política monetária que acredita corretas; no caso da autonomia, o executivo fixa a meta, e o BC, à luz disso, determina a trajetória de taxas de juros coerente com o objetivo. A discussão no Brasil aponta para o segundo arranjo.

Imagine agora um Banco Central autônomo a quem o executivo determina dois objetivos: uma meta para a inflação e outra para a taxa de desemprego, ainda que o BC tenha apenas um instrumento: a política monetária (a taxa Selic).

O problema é que há uma troca de curto prazo entre a inflação e desemprego, embora esta não persista no longo prazo. Caso o Banco Central busque uma taxa de desemprego menor do que a coerente com a inflação na meta, acabará fazendo com que esta se acelere.

A aceleração inesperada pode reduzir salários reais e induzir empresas a contratar mais, reduzindo o desemprego, mas, à medida que a expectativa de inflação mais elevada se incorpora às demandas salariais, esse efeito desaparece e, no fim da história, teremos apenas inflação mais alta, sem ganho persistente de desemprego.

Pelo contrário, quando o BC tiver que trazer a inflação de volta à meta, haverá aumento de desemprego até que a inflação e as expectativas convirjam, como bem ilustrado pela nossa experiência recente.

Por outro lado, se o Banco Central optar apenas pela meta de inflação, sua diretoria terá de lidar permanentemente com a ameaça de sanções por ignorar a outra perna do mandato. Não é difícil concluir que, sob tal cenário, a autonomia do Banco Central ficaria comprometida.

Pode-se, claro, apontar para o arranjo institucional do Fed (Federal Reserve), cujo mandato abarca inflação, desemprego e taxas de juros (um triplo mandato) como contraexemplo.

Trata-se, porém, de um erro, porque o Fed é independente: apesar do mandato triplo, é ele que determina seus objetivos. Em particular, há objetivo numérico apenas para a inflação, não para o desemprego nem para taxas de juros, como expresso aqui.

As práticas internacionalmente consagradas apontam para a inflação como o objetivo do Banco Central. Em que pese a preferência nacional pelas jabuticabas, ao menos nesse caso poderíamos tentar aprender com os erros dos outros, já que com os nossos não parecemos aprender jamais.

A inflação sumiu! - FÁBIO ALVES

ESTADÃO - 28/02

Taxa acumulada em 12 meses deve voltar a subir, mas sem fôlego para assustar o BC


Após a divulgação do IPCA de setembro do ano passado, quando o índice oficial de inflação acumulou alta de 2,54% em 12 meses ante a taxa anualizada de 2,46% em agosto, os analistas foram unânimes em dizer que o vale nos preços ao consumidor havia ficado para trás e que, dali em diante, a aceleração do IPCA poderia acender um sinal amarelo no Banco Central e antecipar o fim do atual ciclo de corte de juros.

Naquela ocasião, temia-se que os preços dos alimentos voltariam a subir, após terem registrado deflação na esteira de uma safra agrícola recorde, em ritmo mais acelerado e que a recuperação da economia brasileira aqueceria a demanda de consumidores e, por tabela, os preços de bens e serviços.

Não foi o que aconteceu. Mais ainda: está em curso uma inércia inflacionária “benigna”, a qual poderá amplificar os efeitos dos preços baixos ao desestimular os vários agentes da economia a reajustar com mais força os valores cobrados por bens e serviços.

De setembro em diante, a inflação acumulada em 12 meses foi, de fato, subindo, embora bastante gradativamente, até atingir alta de 3,02% no IPCA-15 de janeiro. Mas perdeu ímpeto desde então, com o IPCA fechado de janeiro e também o IPCA-15 de fevereiro anotando alta de 2,86% no acumulado de 12 meses. Aliás, o IPCA de janeiro apresentou uma grande surpresa para baixo, quando o índice subiu 0,29%, abaixo até do piso das projeções dos analistas.

Não à toa que a mediana das estimativas dos analistas consultados na pesquisa Focus, do BC, apontava no início deste ano uma inflação de 3,95% em 2018. No mais recente levantamento da Focus, essa projeção caiu para 3,73%.

Na opinião de um experiente economista paulista, a contribuição da inércia “benigna” é inegável, mas, a priori, para este ano, ela já está na conta dos agentes de mercado e do próprio BC.

“A questão que fica é se, caso haja nova surpresa baixista neste ano, com o IPCA ficando novamente em patamares mais baixos do que os estimados até poucas semanas atrás, as projeções para 2019 começarão a ser revistas. Até agora, nem Focus nem projeções do BC sofreram alteração para 2019”, diz o economista paulista. Na mais recente pesquisa Focus, a estimativa de inflação no ano que vem seguiu inalterada pela 46.ª semana seguida em 4,25%.

Para um renomado executivo financeiro, o impacto da inércia quando a inflação está baixa é tornar mais demorado o processo de convergência de volta à meta do BC, de 4,5% neste ano e 4,25% em 2019.

“Os agentes repassam a inflação passada abaixo da meta para os preços futuros, dando mais conforto ao Banco Central para manter a política monetária em campo expansionista”, explica ele. “Os núcleos de inflação, que refletem uma medida de inflação subjacente, estão andando abaixo da meta, relevando exatamente este efeito.”

Assim como no ano passado, a safra agrícola atual caminha para um resultado elevado, o que poderá tornar mais lenta a normalização nos preços dos alimentos. No IPCA-15 de fevereiro, o grupo Alimentação e Bebidas teve alta de 0,13%, bem abaixo da alta de 0,76% no IPCA-15 de janeiro.

“A safra atual favorável e os altos estoques de passagem apontam para oferta ainda abundante de produtos agrícolas”, comenta o executivo financeiro acima. “Isso tem levado analistas e o BC a reavaliar para baixo o ritmo de normalização de preços agrícolas.”

O grupo de preços “serviços subjacentes”, monitorados com atenção pelo BC por ser mais sensível à atividade econômica, subiu 0,25% no IPCA-15 de fevereiro versus alta de 0,38% no índice de janeiro.

O comportamento nos últimos meses de vários preços tem reforçado a estimativa de uma inflação mais próxima de 3,5% do que 4,0% neste ano, a não ser que ocorra um grande estresse no mercado e a cotação do dólar dispare e mude de patamar.

A taxa acumulada de 12 meses da inflação deve sim voltar a acelerar, após perder força desde meados de janeiro. Mas a questão é que tal aceleração parece não ter fôlego suficiente para assustar o BC. Interessante é o alerta feito pelos economistas do banco francês Société Générale em relatório recente: a inflação baixa no Brasil ainda está disseminada e, possivelmente, se tornando entrincheirada.

* É COLUNISTA DO BROADCAST

Mudanças históricas, juros histéricos - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 28/02

Situação do crédito melhora, continua desmanche da banca estatal e juros roubam poder de consumo


CHEQUE ESPECIAL e cartão continuam arapucas assassinas mesmo depois da conversa de mudanças do BC e dos bancos. No entanto, a situação geral do crédito no país continuava a melhorar em janeiro, apesar do noticiário pessimista sobre o balanço dos empréstimos bancários, divulgado nesta terça (27).

Cheque especial e cartão de crédito rotativo ou parcelado levam menos de 3% do total do dinheiro emprestado pelos bancos. Desgraçam a vida de muita gente, mas não dizem muito sobre o crédito e a economia.

Em ritmo ainda lerdo, mas acelerando, aumenta o total de dinheiro novo emprestado. De maio de 2014 até meados do ano passado, a concessão de crédito diminuía. No início deste 2018, crescia 4,5% em relação ao ano passado (média trimestral, em relação ao mesmo período de 2017; crescimento real). Os novos empréstimos de janeiro ainda são menores que os de 2015, uma miséria, mas estamos saindo do buraco.

A despesa mensal das famílias com o pagamento de suas dívidas (o serviço da dívida) baixou ao menor nível médio desde fevereiro de 2011. O gasto com amortização é o menor desde 2005, pelo menos.

O serviço da dívida apenas não é menor porque o gasto com juros ainda é brutal, cerca de 47% do total do pagamento mensal das dívidas, nas mesmas alturas recordes de 2016. Em 2014, os juros levavam 42% do serviço da dívida; em 2010, 36%. Ou seja, o peso dos juros está roubando um pedaço gordo do potencial de consumo dos brasileiros.

O total de dinheiro já emprestado (o estoque) ainda cai, é verdade. Mas esses dados são um tanto atrapalhados pelo encolhimento dos bancos públicos.

O total de crédito desaba nos estatais, em especial no BNDES. Parou agora de cair nos bancos privados nacionais e cresce nos estrangeiros (é um avanço agressivo do Santander para ganhar mercado).

O total de crédito ainda cai porque está em curso a reversão da mudança histórica e calamitosa que foi a estatização de parte gorda do crédito bancário entre fins de Lula 2 e Dilma Rousseff, financiada com aumento da dívida pública. O desmanche ocorre porque:

1) Há redução deliberada do tamanho do BNDES e, em menor escala, da Caixa;

2) Dadas a crise e a ruína dos investimentos, as empresas buscam menos dinheiro no BNDES;

3) O mercado de capitais ocupa parte do espaço do BNDES;

4) Os excessos dos anos Dilma tolheram a capacidade de empréstimos dos bancos públicos, que ficaram com pouco capital.

Em meados de 2008, começo da virada estatista, o crédito nos bancos estatais equivalia a uns 13% do PIB; nos bancos privados, 24% do PIB. Em março de 2014, o crédito dos estatais dobrara, para 26% do PIB. Nos privados, ficara relativamente na mesma.

O crescimento do crédito bancário estatal em apenas seis anos equivaleu à criação de um banco do tamanho do Bradesco ou do Itaú. O crédito dos bancos estatais ainda supera o dos privados.

Na média, a taxa de juros bancária e os spreads continuam nos níveis ruins de 2015 (ruim até para a indecência habitual). Algumas linhas tiveram progressos maiores (veículos) e outras estão em baixas históricas (imóveis, embora talvez o crédito ainda esteja difícil). Mas juros são assunto para outra coluna desta semana.

Muito além da compra parcelada sem juro - RAQUEL BALARIN

Valor Econômico - 28/02

O avanço da tecnologia e a queda na taxa de juro no país estão provocando mudanças profundas no sistema financeiro brasileiro, uma pequena revolução silenciosa, com dimensões que ainda passam despercebidas. Nas últimas semanas, a discussão sobre compras parceladas "sem juros" no cartão de crédito tomou conta das páginas de jornais e sites, mas a medida é só uma pequena amostra do que está em discussão.

No Brasil, os bancos são, acima de tudo, pragmáticos. Defendem seus negócios e seus ganhos, mas quando percebem que a maré começa a puxar fortemente para outro lado, deixam-se levar e abraçam as novas ideias como se tivessem sido favoráveis a elas desde o princípio. Foi assim, por exemplo, com o crédito consignado, que começou em bancos menores, em Minas Gerais, com forte apoio do PMDB na época. Foi assim, também, com o recente movimento das "fintechs". Hoje, os dois principais bancos brasileiros, Itaú e Bradesco, mantêm centros dedicados a start-ups e empresas de Inovação, o Cubo e o Habitat.

A maré mostrou aos bancos que viria dessas empresas de tecnologia a mais nova onda de concorrência no setor, e não de instituições financeiras tradicionais. Abraçar ideias inovadoras e apoiar empresas menores permitiram que as instituições financeiras brasileiras começassem a se preparar para uma briga muito maior no horizonte: a da disputa com as grandes companhias de tecnologia, como Amazon, Google, Facebook e Apple.

Assim como os veículos de comunicação, que tiveram de aprender a trabalhar com essas empresas em um modelo de competição e de parceria ao mesmo tempo, também os bancos estão no mesmo caminho. Na última semana, por exemplo, o Bradesco anunciou sua parceria com o Google Pay, para correntistas com cartão de crédito Visa. O aplicativo dos smartphones com sistema operacional Android permite pagar compras sem a necessidade do cartão físico ou da digitação de senhas. Basta aproximar o celular da maquininha do lojista - a conectividade por NFC permite a comunicação sem fio e com segurança entre dispositivos próximos. A Apple deve em breve lançar o mesmo recurso no Brasil -- em seu site, é possível ver telas com a logo do Itaú aplicado.

O Banco Central está acompanhando bem de perto a evolução tecnológica e tem se dedicado a realizar uma série de mudanças nas regras para permitir que esses avanços não fiquem apenas no ambiente dos bancos, mas que cheguem aos consumidores e às empresas. O segmento de cartões tem recebido uma atenção especial. O objetivo é que o cartão de débito seja de fato utilizado como meio de pagamento. Para ampliar seu uso, será preciso reduzir a taxa cobrada, hoje um percentual sobre o valor da operação e dividida em três componentes: o "fee" da bandeira, um custo de intercâmbio cobrado pelos bancos e um custo cobrado pelo adquirente. Com a entrada de novas empresas no mercado de adquirentes, como Eleven e Stone, uma parte dessa taxa já se reduziu. Mas ainda é preciso discutir como reduzir a taxa de intercâmbio cobrada por bancos e que é negociada entre a bandeira do cartão e a instituição financeira.

Em países como os Estados Unidos, a taxa cobrada no débito é mista, ou seja, tem um valor fixo por operação e um percentual sobre o volume da operação - US$ 0,20 mais 0,05% sobre operação. A cobrança passa por regulamentação do governo. Um especialista explica que há espaço para que o Banco Central brasileiro pressione as instituições a reduzir as taxas porque em uma venda com débito, o dinheiro está disponível na conta corrente do comprador. Não há risco de crédito. "Não faz sentido termos taxas para débito e crédito tão próximas se o risco de um meio e outro é tão diferente."

No caso do cartão de crédito, há muita polêmica sobre um possível fim da compra parcelada no cartão sem juros. O foco da discussão, entretanto, é o de dar transparência para o juro que está embutido na operação - seja ele pago pelo consumidor ao lojista ou ao banco que passaria a oferecer uma linha de crédito no cartão. Da mesma forma como o fim da hiperinflação levou a um ciclo de ajustes em instituições financeiras e no comércio, também a nova fase de juros mais baixos deve provocar uma reacomodação. Algumas grandes redes de varejo têm hoje uma parte importante de seus ganhos atrelados à cobrança de juro em vendas parceladas, no cartão de crédito ou não. É natural, portanto, que haja uma certa queda-de-braço entre grandes lojistas e bancos para ver quem vai ficar com esse ganho. O desenho final pode vir a ser o de uma compra ter um preço mais baixo para o pagamento à vista e dois preços a prazo na cobrança no cartão - um com a taxa de juro cobrada pelo lojista (financiamento loja) e outro com a taxa cobrada pelo banco que concedeu o crédito. Nada ainda está definido. Vários desenhos estão sendo estudados e em todos eles se prevê uma redução dos prazos de repasse da compra para o lojista, hoje de 30 dias.

Para as pessoas jurídicas, o governo tem trabalhado desde o ano passado na formatação da duplicata eletrônica - que agora entrou no pacote de medidas do presidente Michel Temer para substituir o vazio deixado pela reforma da Previdência. A duplicata estará ligada aos bancos de dados fiscais das secretarias estaduais de finanças. O objetivo é casar a operação física com a transação comercial e financeira, sem a necessidade de validação em cartórios. Reduz-se a burocracia e o custo (com esperada redução nas taxas cobradas em antecipação de recebíveis) e se amplia a transparência e a formalidade.

A duplicata eletrônica será opcional - a tradicional continuará a ser aceita país afora. Afinal, como diz uma fonte que acompanha o processo, a tecnologia avançou muito e continua avançando, mas não dá pra esquecer que o Brasil tem grandes diferenças regionais. Não é possível comparar a infraestrutura tecnológica da avenida Faria Lima, em São Paulo, com a de uma cidade no interior da Amazônia. O que é possível dizer é que, em cinco anos, o relacionamento do consumidor e das empresas com os meios de pagamento e de crédito será totalmente diferente do desenho atual.


Tite não é um mago - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 28/02

Por ter muitas opções, como qualquer outro técnico, ele corre o risco de errar

Coutinho fez o primeiro golaço no Barcelona, à la Liverpool, driblando da esquerda para o centro e finalizando com enorme precisão. Na seleção brasileira e no Barcelona, ele, quase sempre, atua pela direita, pois, na esquerda, há dois monstros, Neymar e Iniesta. Pela direita, Coutinho não tem o mesmo brilho.

Se a recuperação de Neymar for demorada, pode até ser boa para a seleção, pois ele estará mais descansado no Mundial, além da chance de Tite treinar um substituto. O técnico tem a opção, mais provável, de escalar Coutinho, pela esquerda, e Willian, pela direita. Há outras alternativas.

Em uma ótima e detalhada entrevista ao jornal “O Globo”, Tite mostrou-se preocupado, com razão, em ter de enfrentar, na Copa, principalmente na primeira fase, adversários que jogam com uma linha de cinco e outra de quatro, recuadas. Ele disse que pretende testar, nos amistosos, uma formação tática parecida com a do Manchester City, acostumado a atuar, na Inglaterra, contra times que jogam dessa maneira.

O time atuaria com um volante (Casemiro), um meia pela direita e outro pela esquerda (Paulinho e Coutinho), dois atacantes abertos (William e, provavelmente, Douglas Costa, por causa da contusão de Neymar) e um centroavante (Gabriel Jesus). O Flamengo tem atuado assim.

Tite falou ainda da possibilidade, em certos momentos, jogar com dois atacantes, Gabriel Jesus e Firmino. Não vejo razão para isso, pois Neymar se desloca muito para o centro, para ser o segundo atacante. Com dois à frente, diminuiria seu espaço. Tite elogiou bastante Diego. Compreendo suas explicações, mas acho que ele supervaloriza a qualidade do meia do Flamengo.

Diante de tantas informações e opções, Tite, como qualquer ótimo técnico, pode ficar indeciso e tomar decisões erradas. Ele não é um super-homem, um super-técnico nem um mago. Muito pior que errar sabendo é a ignorância.

Não foi novidade a marcação passiva e recuada do Palmeiras, contra o Corinthians, assistindo aos rivais receberem a bola e trocarem passes, a poucos metros de distância. Fiz essa crítica uns dez dias atrás, após uma vitória do Palmeiras. Tratei a organizada e disciplinada marcação do Palmeiras como excessivamente racional, fria, cartesiana. Como o time ganhava, recebia só elogios.

O craque Alex, comentarista da ESPN Brasil, com sua lucidez e grandeza, comparou a marcação passiva do Palmeiras com a que ele fazia quando jogava, apenas cercando, sem desarmar. Alex sabe e reconhece as mudanças que ocorreram no futebol. Porém, o Palmeiras não perdeu somente por causa da marcação, Roger não deixou de ser um bom técnico, nem o Corinthians ganhou porque Carille mudou o sistema tático. Há muitos outros fatores envolvidos, conhecidos e desconhecidos.

Enquanto as análises das atuações e dos resultados forem sempre a partir da conduta dos técnicos, supervalorizados nas vitórias e nas derrotas, eles serão, com frequência, demitidos, com a ilusão de que o novo treinador terá a fórmula mágica para vencer.

A imprensa não tem prazer sádico em ver a demissão dos técnicos, como se queixou Dorival Júnior. Ela apenas corre atrás da notícia, pois é frequente a troca de comando após as derrotas, e também se ilude com os poderes dos professores.

terça-feira, fevereiro 27, 2018

Big Brother Brasília - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 27/02

Qualquer forma de política 'carismática' é um perigo brutal para a sobrevivência das democracias liberais


Luciano Huck para presidente? Ele diz que não. Acredito. Mas, se a decisão fosse outra, o Brasil estaria na vanguarda das democracias ocidentais —e Fernando Henrique Cardoso percebeu isso.

Anos atrás, na revista "Foreign Policy", FHC publicou um bom artigo sobre o futuro dos partidos políticos. "Futuro", vírgula: FHC não acreditava que houvesse futuro para os partidos. As tradicionais divisões ideológicas entre esquerda e direita já não tinham o mesmo significado —e a mesma militância.

E, além disso, a desilusão do eleitorado com o "establishment" faria emergir movimentos, grupos, "populistas" (termo meu, não de FHC) capazes de rivalizar com as estruturas decrépitas e assaz rígidas dos partidos. Fernando Henrique foi um visionário.

Claro: existe uma diferença entre mim e FHC. Para ele, essa nova realidade extrapartidária não parece ser um mal em si, sobretudo se os partidos não se souberem recriar para responder aos desafios do presente. O entusiasmo de FHC com Huck demonstra isso: o apresentador "areja", "põe em xeque os partidos", afirmou o ex-presidente.

Para mim, qualquer forma de política "carismática" representa sempre um perigo brutal para a sobrevivência das democracias liberais e das suas instituições. Mas admito que o "espírito do tempo" está mais próximo de FHC.

E mais próximo de Luciano Huck, já agora. Um exemplo: a revista "The Spectator" publicou um ensaio revelador sobre os possíveis candidatos democratas para as eleições norte-americanas de 2020. Não perco tempo com nomes menores. Prefiro avançar para os nomes maiores, que aliás surgem na capa da revista: Oprah Winfrey, Tom Hanks, George Clooney. O que têm os três em comum?

Sim, créditos progressistas imaculados. Mas o essencial não está na ideologia. Está na celebridade: os três são produtos da indústria de entretenimento. Exatamente como Donald Trump. A lógica é fulminante: se Donald Trump foi um produto midiático de sucesso, é preciso responder na mesma moeda.

Essa hipótese arrepia a minha costela platônica —e escrevo "platônica" no sentido próprio do tempo. Se existe uma ideia consensual na história da política moderna é a velha crença de que os melhores devem governar, como Platão defendia na sua "República".

Bem sei que a realidade nem sempre cumpre o ideal. Mas o ideal não existe para ser cumprido. Existe, quando muito, para que a realidade se aproxime dele.

Dito de outra forma: se a política é, ou deve ser, a mais nobre das artes, então espera-se de um governante algumas virtudes que exigem preparação e conhecimento.

Tudo isso está em causa nas "democracias midiáticas" em que vivemos. Não são os melhores que vencem; os melhores são aqueles que vendem. E vendem o quê? Uma imagem que corresponde às preferências voláteis e sentimentais dos consumidores.

Quando os democratas cogitam a hipótese de um George Clooney para a Casa Branca, ninguém perde um minuto para indagar as ideias do senhor. Ideias? Quais ideias? O que interessa é o sorriso, o olhar, o traje e dezenas de outras imbecilidades avulsas. As democracias midiáticas não querem políticos, mas estrelas pop.

E no futuro?

Não pretendo horrorizar ninguém. Mas imagino facilmente dois cenários.

O primeiro seria transformar os partidos políticos em organizações muito semelhantes às agências de modelos. Haveria o "estilista" ideológico --alguém responsável por um programa eleitoral mais ou menos clássico; e, depois, haveria o candidato-modelo para desfilar na "passerelle" dos comícios e dos debates.

O candidato-modelo seria apenas uma máscara, uma marionete do partido, com a única missão de apaixonar as massas. Uma vez eleito, ele continuaria o seu trabalho de fachada, deixando para os comuns mortais a mecânica burocrática do governo.

Outro caminho seria acabar com os partidos e, por exemplo, criar um show televisivo --um "Big Brother Brasília", digamos. Nesse caso, seriam as massas a escolher diretamente o presidente, depois de assistirem às suas proezas em sunga ou biquíni.

Hoje, olhamos para Donald Trump ou Oprah Winfrey como excentricidades. Dois nomes que representam o triunfo do entretenimento sobre a política.

Amanhã, quando o dilúvio chegar, ainda vamos olhar para trás e recordar Trump ou Oprah como os últimos grandes estadistas.

João Pereira Coutinho
É escritor português e doutor em ciência política.

A jogada de mestre e o colapso narrativo - CARLOS ANDREAZZA

O GLOBO - 27/02
O enunciado ‘segurança pública’ é o mais sensível ao brasileiro real. Qualquer movimento que lhe seja relativo e que insinue avanço mobiliza esperanças

No exato instante em que Michel Temer assinou o decreto da intervenção federal no Rio de Janeiro: o ano começou — o ano eleitoral de 2018 começou. Não há ator relevante no tablado que não tenha percebido. Geraldo Alckmin — o que joga sempre parado, para quem, até há pouco, o grande tema da campanha seria a dupla emprego e renda — teve de se mexer e mudar: agora é a segurança pública. A questão tomou a frente. Temer tomou a frente. Naquele momento, ao formalizar o decreto, fato novo por excelência, marco deflagrador-acelerador da corrida presidencial, o presidente se impôs como protagonista, o sujeito-matriz que pauta o debate público e exige respostas dos adversários, de súbito, pegos de surpresa, obrigados, como se diz, a correr atrás.

Entramos no delicado terreno da percepção. O enunciado “segurança pública” é o mais sensível ao brasileiro real. Qualquer movimento que lhe seja relativo e que insinue avanço — ruptura no comodismo — mobiliza esperanças e provoca sensações. Jamais acreditei, por exemplo, na viabilidade das Unidades de Polícia Pacificadora. Sempre considerei o projeto uma farsa. Mas nunca desprezei a potência político-eleitoral daquela irresponsabilidade: força por meio da qual, já nos ecos, até Pezão conseguiria se eleger, em 2014, governador do Rio de Janeiro; cortina de fumaça legitimadora por trás da qual a quadrilha de Sérgio Cabral pilhou o estado.

Estamos em ano eleitoral. Quase março. A eleição é em outubro. Daqui até lá: tiro curto. Condições perfeitas a que se explore o impulso perceptivo do cidadão — corrida a cuja vitória um voo de galinha pode bastar. Não importa que a intervenção federal seja, hoje, na prática, mero protocolo de intenções sobre base excepcional; sem, portanto, qualquer conquista palpável. Não importa. Seu simples anúncio, valorizado pela natureza atípica do dispositivo constitucional e pela centralidade concedida ao Exército, deu à questão da segurança pública caráter prioritário — ou criou o ambiente para que assim fosse percebido. Sobre um assunto cuja materialidade pode ser medida em 60 mil homicídios anuais, não será pouco.

É a percepção de que os efeitos político-eleitorais da ação podem ser decisivos — e alterar a impressão das pessoas sobre o presidente — o que orienta, à direita e à esquerda, a reação dos adversários.

Há uma nuance aqui. Não creio que a popularidade de Michel Temer possa reagir de modo a torná-lo competitivo eleitoralmente. Não é esse o ponto. A perturbação está em se o governo Temer, ademais no controle da máquina e desfrutando da capilaridade nacional do MDB, pode — beneficiado por avanços nos indicadores econômicos e por alguma imediata sensação de melhora na área de segurança — chegar a meados do ano como um, talvez o, grande eleitor.

A manifestação — tardia — de Lula a respeito da intervenção passou recibo de apreensão e é altamente significativa de quem acusa o golpe sem ter meios de contra-atacar com ideias. Até então aquele que dava — sozinho — as cartas e ditava o ritmo da pré-campanha, senhor absoluto do jogo, o ex-presidente de repente se viu na defensiva, à margem do debate, desprovido de ferramentas para se contrapor senão reproduzindo o discurso de histéricos como Lindbergh Farias: Temer teria, num golpe de marketing, roubado o programa de Jair Bolsonaro e encontrado para si um veio eleitoral influente. O senador petista Humberto Costa chegou mesmo a dizer que o governo federal, em busca de um mote para 2018, lançara-se a um processo de bolsonarização.

Bolsonaristas não discordarão. Ao contrário: não faltam manifestações — perplexas — de apoiadores do deputado que se sentem afanados no discurso. O próprio Jair Bolsonaro verbalizou o sentimento de homem roubado. É a mais precisa definição — à esquerda e à direita — de colapso narrativo.

A propósito, aliás, de Bolsonaro, e sob o impacto da intervenção federal de Temer em ano eleitoral, convém fazer uma distinção politicamente importante, que independe da qualidade das propostas do deputado federal e do presidente para a segurança pública.

Bolsonaro, o pioneiro, é o que há mais tempo — e longamente sozinho — segura a bandeira do tema. Ele soube identificar, com rara antecedência, aquela que é a maior demanda do cidadão brasileiro — e tem lucrado eleitoralmente com isso. É um mérito. Temer, por sua vez, é aquele que, em decorrência do decreto, anabolizado pela força do cargo que ocupa, tirou os adversários da zona de conforto e, ao trazer para si o enfrentamento prioritário do flagelo também conhecido como segurança pública no Rio de Janeiro, inscreveu-se como o pauteiro da agenda política atual.

Não são poucas as chances de que tenha encontrado, naquele que é estandarte histórico de Bolsonaro, uma identidade para seu governo; uma identidade com vigor para transformá-lo. Goste-se ou não: é política. Goste-se ou não: fica evidente que a diferença está no peso da caneta. Um é candidato a presidente e deputado federal. O outro é o presidente da República.

Não se pode subestimar a máquina, a musculatura do establishment. Essa é uma boa lição — ainda a se aprender — antes que a campanha comece à vera.

Carlos Andreazza é editor de livros

A agenda inadiável do próximo governo - BASÍLIO JAFET

ESTADÃO - 27/02

O candidato que revelar convicção em relação a estas e outras questões será uma luz no fim de um túne


Para que o Brasil não volte a dormir em berço esplêndido – quando despertamos do último, não imaginamos que o sonho desembocaria num longo pesadelo – o futuro presidente terá de contar com integral respaldo da sociedade para enfrentar uma complexa agenda.

Trata-se de uma velha conhecida pauta, mas que se rejuvenesceu por conta da exuberância irracional gerada pela melhoria dos cenários internacionais (os melhores números da década), das safras recordes obtidas pelo agronegócio nacional e da opção dos brasileiros, cansados de tantas crises, de se encantarem com a tímida retomada da economia.

Ao decidir “brincar de Poliana”, acreditando que tudo vai se resolver amanhã a população tende a tapar o sol com peneira. Olhar para a frente, sem pensar no que, sem soluções efetivas, ficou para trás. Um tipo de preocupante postura que também se identifica em parte das classes empresarial e política. Retomar essa agenda, e eleger como presidente alguém com ela comprometido, é medida obrigatória para que a recuperação econômica seja sustentável e não mais um voo de galinha.

É preciso reconhecer que os fundamentos econômicos estão fracos. Temos a maior relação dívida/PIB dentre os países emergentes. O Brasil continua gastando mais do que arrecada, seguindo uma trajetória explosiva.

E ainda há quem resista em admitir que a reforma da Previdência é caminho para conter esse processo. Gastamos com os 10% da população aposentada o mesmo que países do Primeiro Mundo gastam com 30% de aposentados. Um remendo não irá resolver.

Também cabe buscar soluções para questões que comprometem nossas condições de competitividade no mundo. Comemoramos a possibilidade de a taxa de juros chegar a 6,5% ao ano. Só que essa taxa é de 3% a 4% nos países em desenvolvimento.

Nosso produto é caro; a burocracia é imensa; o sistema tributário é irracional; e nosso sistema educacional, obsoleto e ideologizado, não forma cidadãos capazes de ampliar a produtividade. Para piorar, não há simbiose entre academia e mercado. Quase não existe pesquisa de ponta. Em virtude disso, estamos comprometendo o futuro, o qual exige inovação e eficiência.

A reforma do Judiciário deve fazer parte desta pauta redentora. De acordo com estudo divulgado (CNJ 2012, European Commission for the Efficiency of Justice), entre outras fontes, o Brasil tem 8,2 juízes para cada 100 mil habitantes, enquanto a Alemanha tem 24,7.

Apesar disso, a despesa do Poder Judiciário nacional consome 0,30% do PIB (a Alemanha, 0,32%). A relação despesa/PIB do Ministério Público é de 0,32% (a Alemanha, 0,02%).

Adicione-se que um Judiciário caro e sujeito às pressões das ruas assumiu um protagonismo exacerbado, desautorizando decisões do Executivo e do Legislativo. O Ministério Público, por sua vez, funciona fora do sistema de pesos e contrapesos, sem ser responsabilizado pelos seus atos. Esses fatos, somados à lentidão no julgamento de processos, resultam em insegurança jurídica que afasta o investimento, reduz a competitividade e a produtividade, aniquila o empreendedorismo.

Existe, ainda, a necessidade de garantir segurança pública. O medo afasta o progresso. Quem se anima a investir no Rio de Janeiro atualmente? Até o turismo, grande fonte de renda de um Estado em situação de insolvência, está sendo prejudicado.

Por fim, embora não por último (a pauta é longa), governo, imprensa e sociedade devem se articular no sentido de mudar a cultura brasileira de que sucesso é pecado; que só os pobres têm direito ao céu, perpetuando políticas assistencialistas ao invés de estimular a meritocracia. Bolsa Família e outras iniciativas similares surgiram para tirar as pessoas da miséria absoluta, oferecendo condições mínimas de evolução pessoal (estudo/trabalho). O que vemos hoje é uma grande quantidade de cidadãos reféns de bolsas, e se conformando com essa situação.

O candidato que revelar convicção em relação a estas e outras questões (como diminuir o tamanho do Estado e ter tolerância zero com corruptos e corruptores) será uma luz no fim de um túnel. Torçamos para que esse estadista se apresente, e logo.

* É VICE-PRESIDENTE DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS DO SECOVI-SP

Recado ilustrado - CORA RÓNAI

O GLOBO - 27/02
A comunicação agora é por emojis personalizados, que já são quase 3 mil

BARCELONA - No princípio, era o verbo – mas os tempos mudaram, e com eles mudaram os smartphones e a nossa forma de usá-los. Hoje pouco falamos ao telefone, e aos poucos deixamos de escrever. Cada vez mais, nos comunicamos através de imagens: estima-se que, apenas durante o ano de 2017, um trilhão de fotos foram capturadas por celulares ao redor do mundo. Um bilhão de GIFs foram compartilhados (metade deles pelos meus grupos de WhatsApp, com certeza), cinco bilhões de emojis, dez bilhões de vídeos.

As velhas abreviaturas da internet – como lol, imho, fyi – são isso mesmo, velhas, e em breve serão usadas apenas por uma geração que já começa a virar a esquina. Millenials, que em média checam os seus celulares 150 vezes a cada 24 horas, mandam uma média de 60 mensagens por dia. Esses não são números compatíveis com texto. Carinha chorando, coração, palmas, joinha: em meados do ano passado, existiam 2.666 emojis registrados no Unicode Consortium, e para os próximos meses estão previstos outros 157. As figurinhas se tornaram tão ubíquas, e tão essenciais à comunicação que, a pedido de cientistas, um mosquito foi incluído no catálogo deste ano, para ajudar na conscientização universal em relação a doenças transmitidas pelos insetos.

Não por acaso, portanto, os emojis personalizados são um dos grandes atrativos dos Galaxy S9 e S9+. Os novos topos de linha da Samsung foram apresentados no domingo passado, no Unpacked 2018, gigantesco evento que se antecipou ao Mobile World Congress, em cartaz aqui em Barcelona até o fim da semana. As figurinhas vão além dos Animojis da Apple, que escaneiam o rosto do usuário para aplicar as suas reações a figurinhas pré-existentes: os AR Emojis (de Aumented Reality, realidade aumentada) recriam a fisionomia que a câmera captura, como se fossem selfies caricaturados. Podem-se alterar detalhes como cabelo ou óculos, e gravar GIFs com até 18 diferentes expressões desses modelos tridimensionais, reconhecidos por aplicativos como WhatsApp e Messenger em qualquer marca de smartphone.

Funciona? Não muito quando se é uma avozinha acima do peso, mas isso é compreensível -- o público alvo do sistema não são baby boomers grisalhos como eu. Apesar de não ter me sentido lá muito representada pela figurinha esguia que surgiu na tela, reconheço que ela ainda é mais parecida comigo do que as bolotas amarelas com que nos contentamos até aqui. Com colegas mais jovens, e sobretudo mais magros, os resultados foram melhores e, em alguns casos, surpreendentes.

Tenho a impressão de que, para os mais antigos, o maior trunfo do S9 e do S9+, visualmente muito parecidos com a linha S8, será a câmera, que tem uma inédita lente com abertura variável entre f/2.4 e f/1.5, o que significa que praticamente “vê” no escuro: ela capta 30% a mais de luz do que a câmera do S8, que já é um prodígio na comparação com a maioria das demais. Está claro que, para a Samsung, os seus smartphones são, cada vez mais, máquinas de gerar e de tratar imagens, vocação reforçada com um super slow motion em vídeo que capta 960 quadros por segundo.

Ainda não há data de lançamento prevista para o Brasil, muito menos estimativa de preço; mas, aqui na Europa, S9 e S9+ começam a circular em março, a partir de € 849 e € 949, respectivamente..

A utopia das redes sociais - JOEL PINHEIRO DA FONSECA

FOLHA DE SP - 27/02

É uma surpresa que o resultado dos megafones nas mãos dos indivíduos seja barulho e tribalismo?



Havia um sonho no início da internet: o sonho de uma humanidade mais unida. Com mais facilidade de comunicação, pessoas de lugares distantes interagiriam mais e derrubariam muros. Com um mar de informações disponível a um clique, quaisquer discordâncias seriam facilmente resolvidas. A tecnologia abria as portas para um mundo da união universal pautada pela ciência.

Infelizmente, não foi o que aconteceu. O contato entre pessoas distantes permitiu que aqueles que pensam igual troquem mais figurinhas e articulem ações conjuntas. Ao mesmo tempo, a abundância de informações permitiu que cada narrativa se servisse de dados e exemplos para reforçá-la e aumentar seu poder de persuasão junto a ouvintes indefesos.

Hoje, aquele sonho de internet (um espaço amplo, aberto e descentralizado) se foi; vivemos no enorme condomínio fechado do Facebook, que acelera a polarização. No início dos anos 2000, alguns poucos aficionados por política e cultura discutiam entre desconhecidos em fóruns online sob identidades anônimas. Hoje, as coisas se misturaram: seu manifesto político na rede te dá reputação (ou ódio) entre pessoas que te conhecem.

O Facebook se apresenta como uma plataforma neutra, na qual o sucesso de cada post depende apenas do interesse que ele gera nos usuários. Quanto ao conteúdo ideológico (e excetuando uma política rígida de excluir nudez e possíveis ofensas a algum grupo), ele realmente não faz nenhum tipo de filtro ou controle do que é publicado.

Se mentiras sensacionalistas capturam melhor a atenção dos leitores do que reportagens ponderadas, o que se há de fazer? É a natureza humana. É uma surpresa que o resultado dos megafones nas mãos dos indivíduos não seja imparcialidade e profundidade, e sim barulho e tribalismo?

Para quem se dispõe a ser protagonista da própria busca por conhecimento, a internet foi uma das maiores dádivas da história. Entre jornais e revistas do mundo todo, sites especializados, Wikipedia, blogs com análise de alta qualidade (que jamais teriam espaço na mídia tradicional), interlocutores inteligentes e proximidade com formadores de opinião, a vida melhorou muito. Agora, para quem adota uma postura passiva (infelizmente, a maioria), ficou mais fácil ser enganado e, pior, aumentou a propensão a se fechar dentro de uma bolha ideológica.

Por mais que seja neutra em sua proposta, a plataforma do Facebook, como qualquer outra, pode ser manipulada. Foi o que a Rússia fez (via a "Internet Research Agency", IRA, que serve aos interesses do governo russo), com milhares de usuários falsos e a criação de páginas e posts —compartilhados milhões de vezes— para desestabilizar o debate público americano em 2016.

As páginas criadas pela IRA ocupavam ambos os extremos do espectro ideológico: de ativismo negro a campanha anti-imigração de latinos. A finalidade era sempre a mesma: aumentar o caos para enfraquecer o país internamente.

Não está claro o tamanho da influência russa. Eu acredito que o processo natural de interação nas redes já leve a esse resultado, com a interferência de agentes externos sendo apenas um acessório.

No Brasil, nada indica que o governo russo interfira no debate público. Contudo, é curioso notar que, em sua luta sincera pelo que acreditam ser o bem do Brasil, cidadãos convictos e grupos de ativismo político se comportem exatamente da maneira que um inimigo gostaria de incentivar para destruir a nação.

Joel Pinheiro da Fonseca

É economista pelo Insper, mestre em filosofia pela USP e palestrante do movimento liberal brasileiro.

Inovação e corporativismo - THIAGO PEIXOTO

FOLHA DE SP - 27/02

Projeto de regulação de aplicativos de mobilidade pode inviabilizar o serviço e alimentar a sanha de grupos que tentam barrar a inovação

Está na pauta da Câmara dos Deputados nesta terça (27) a proposta que trata da atuação de aplicativos de mobilidade no Brasil.

A questão mais direta em debate é a ameaça a serviços como Uber, Cabify e 99. Há o risco de que sejam criadas regras com o objetivo de dificultar e até inviabilizar atividades que empregam mais de 500 mil pessoas e atendem cerca de 20 milhões de brasileiros.

Isso significa prejuízos para inovação, economia e mobilidade.

Mas não é tudo. Em caso de aprovação de uma proposta proibitiva, abrem-se precedentes para movimentações de setores corporativistas que tentam barrar a inovação em outras áreas. Sob a alegação de defesa das garantias deste ou daquele grupo, é possível provocar um mal maior à sociedade.

Recapitulando a questão dos aplicativos de transporte, uma proposta de viés restritivo foi aprovada no primeiro semestre do ano passado pela Câmara.

Ao invés de prever que os táxis pudessem se atualizar e se beneficiar da tecnologia lançada pelos aplicativos, a ideia era fazer com que os prestadores de serviços das plataformas fossem equiparados a eles. Ou seja: retroceder, sim; avançar, nunca!
Depois disso, no fim de 2017, com o texto já no Senado, foram retirados pontos problemáticos.

Suspendeu-se o uso de placas vermelhas pelos veículos de aplicativos, assim como desobrigou-se o motorista parceiro de ter a propriedade do carro. Também descartou-se a ideia de que os municípios seriam responsáveis pela autorização, mas concedeu-se às prefeituras o poder de fiscalização.

Cancelou-se ainda a proibição de os automóveis de circularem fora de seus municípios de emplacamento.

Mas a questão não está resolvida. Agora o projeto de lei está novamente na Câmara, onde será analisado antes de envio à sanção presidencial. Assim, modificações positivas dos senadores podem ser retiradas pelos deputados, levando ao ressurgimento de situações anacrônicas e retrógradas.

É fundamental, a partir de agora, que a mobilização de usuários seja mantida ativa. A pressão sobre os senadores funcionou, fazendo-os refletir acerca das armadilhas contidas na proposta que saiu da Câmara. Agora essa mesma atenção popular deve ser direcionada para a conscientização dos deputados.
Afinal, deve prevalecer o interesse de quem usa e aprova o serviço dos aplicativos.

Cabe lembrar também os empregos gerados. Em época de problemas de mobilidade nas grandes cidades e de desemprego por conta da crise, nada melhor do que chamarmos a atenção para isso.

No entanto, a questão não está relacionada apenas à disputa entre taxistas e aplicativos. A ameaça vai além e se direciona para a inovação como um todo.

Caso a Câmara aprove uma proposta proibitiva, dando razão ao corporativismo, o fato alimentará a sanha de outros grupos ávidos por fechar a porta para a tecnologia e a facilidade que ela proporciona.

No século 18, os ludistas voltaram suas frustrações contra as máquinas que formaram as bases da primeira Revolução Industrial.

Se os arautos do atraso tivessem obtido sucesso àquela época, com certeza o mundo seria muito menos avançado hoje e não teríamos chegado à Quarta Revolução Industrial —como também é chamada a Revolução Tecnológica.

Agora as forças corporativistas se portam como neoludistas. Em arroubos egoístas, agarram-se a argumentos vazios quando deveriam observar o mundo ao redor e ver que ele está em transformação.

É preciso mudar esse comportamento. O que precisamos é avançar. Torna-se necessário tirar os olhos do retrovisor e o pé do freio.

O momento é de se inserir no mundo atual, olhar para o futuro e acelerar!


O Brasil perde tempo - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 27/02

A miséria e a pobreza persistem porque perdemos anos preciosos, ora por crises econômicas, ora por crises políticas, quando não pelas duas ao mesmo tempo


O economista britânico Thomas Malthus (1766-1834) ganhou fama por seus estudos sobre o crescimento da população e o aumento da produção de alimentos. Tendo vivido nos primórdios da Revolução Industrial, ele fez estudos com base em dados rigorosos e fundamentou a hipótese de que as populações humanas crescem em progressão geométrica enquanto a produção de alimentos aumenta em progressão aritmética. Ou seja, enquanto a produção de alimentos vai se somando a cada expansão da área plantada, as pessoas se multiplicam à medida que cada casal gera vários filhos que também geram vários filhos, fazendo que a população cresça proporcionalmente muito mais que a produção de alimentos.

Malthus afirmou que a humanidade estava diante do desafio de descobrir meios para elevar a produção a taxas elevadas e, ao mesmo tempo, diminuir a velocidade de crescimento da população. Ele também alertava para a necessidade de conseguir o crescimento econômico, o desenvolvimento da tecnologia e, principalmente, fazer isso sem perder tempo, pois a população não dá trégua e segue crescendo continuamente. Não conseguindo êxito nesse intento, o mundo veria crescer a fome, a miséria e o sofrimento. Ainda que suas previsões catastróficas não tenham se realizado, as teorias e as reflexões de Thomas Malthus são úteis até hoje, e servem de alerta para uma questão essencial: a superação da pobreza e a melhoria do bem-estar social exigem que o país evite a perda de tempo mergulhado em crises econômicas, crise política e crise social.

O Brasil vem desperdiçando tempo de forma grave e retardando o desenvolvimento

De fato, o tempo é um fator relevante na determinação do crescimento econômico e da melhoria social. O Brasil pode ser analisado nos termos dos estudos de Malthus, pois o país chega a 2018 com elevados índices de pobreza e baixo padrão de vida. Assim, cabe compreender as razões que impediram a elevação do Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos 70 anos a taxas suficientes para acabar com a miséria, a pobreza e a baixa renda por habitante. Uma dessas razões é a perda de anos e anos preciosos, ora por crises econômicas, ora por crises políticas, quando não pelas duas ao mesmo tempo.

Merecem registros pelo menos quatro momentos caracterizados por erros ou crises de alto porte que castigaram o Brasil e atrasaram o progresso. Primeiro, ainda que tenha sido uma época de importantes avanços, os anos 1950 foram marcados pela cultura do nacionalismo – pela qual o país fechou-se ao mundo, rejeitou o capital estrangeiro e não ampliou a participação no mercado internacional – e pela cultura do estatismo, que levou à criação de várias empresas estatais e gerou a crença de que o motor do desenvolvimento era o governo, e não o setor privado. O segundo momento foi a década de 1960, marcada pela exacerbação da inflação, convulsões sociais, crise política e implantação de um regime militar; o crescimento econômico foi retardado em pelo menos cinco anos.

O terceiro momento iniciou na segunda metade dos anos 70 e percorreu toda a década de 1980, que foram anos de crise do petróleo, aumento da inflação a partir de 1974, elevação da dívida externa, descontrole das contas do governo, hiperinflação nos governos Sarney e Collor, planos econômicos desastrosos e aumento da estatização de empresas, ao ponto de a década de 80 ser considerada uma década perdida. Os anos 90 deixaram marcas positivas, como o fim da inflação (com o Plano Real, em 1994), a reorganização do sistema bancário, a privatização de empresas, a Lei de Responsabilidade Fiscal e, já nos anos 2000, melhorias de alguns indicadores sociais, até o país desembocar, após 2010, na maior recessão de sua história ao lado da deterioração da moral pública refletida nos escândalos do mensalão, do petrolão, de outros escândalos de corrupção, fraudes, desvios e falência financeira do setor público.

Se consideradas apenas essas realidades – outras muitas devem ser levadas em conta –, tem-se aí um quadro de grave desperdício de tempo que ajuda a explicar por que o Brasil chega ao fim desta segunda década do século 21 com altos índices de miséria, pobreza, analfabetismo funcional, em suma, um país pobre e atrasado. O Brasil vem desperdiçando tempo de forma grave e retardando o desenvolvimento. A população brasileira saiu de 51,9 milhões em 1950 para 70,9 milhões em 1960, 94,5 milhões em 1970, 121,1 milhões em 1980, 169,8 milhões em 2000 e terminou 2017 com 208,5 milhões. Para contrariar Malthus, o setor que mais se desenvolveu nesse período foi o agronegócio em geral, e a produção de alimentos em particular. Mas isso não basta para que a população inteira disponha de uma renda por habitante capaz de lançar o país no clube das nações desenvolvidas, deixando a miséria e pobreza para trás. O país tem de parar de perder tempo, como tem feito até agora.

Ventos policiais - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 27/02

Os palanques eleitorais para a eleição presidencial deste ano estão sendo montados aos trancos e barrancos, mais ao sabor dos ventos policiais do que dos políticos. E numa eleição casada, onde estarão em jogo nada menos que sete cargos eletivos – Presidente da República, governadores, dois senadores, deputados estadual, distrital e federal -, quem tiver as melhores alianças partidárias terá o maior tempo de propaganda na televisão, mas com o advento das redes sociais no mercado eleitoral, e o encurtamento da campanha oficial, não é possível garantir que o tempo de televisão seja mais importante.

Até que se prove o contrário, as alianças políticas regionais serão fundamentais para a captação de votos, mais até que o curto espaço que sobrará para a campanha de propaganda oficial de rádio e televisão, que terá a duração de apenas 35 dias, a partir de 31 de agosto.

A Bahia entrou ontem na lista dos estados que serão afetados pelas investigações da Operação Lava Jato, que ao mesmo tempo em que dificultou a campanha regional do PT, atingiu em cheio a opção mais palatável eleitoralmente para substituir Lula como candidato presidencial.

O ex-governador e ex-ministro Jaques Wagner buscava na eleição quase certa para o Senado o foro especial que o protegeria justamente dessa investigação, que já fora arquivada no âmbito da Justiça eleitoral local, normalmente mais exposta à influência do poder político incumbente. Mas era a melhor bala de prata petista para substituir Lula na campanha presidencial, apesar de não querer assumir essa missão.

Mesmo que o enfraquecimento da situação petista tenha beneficiado seu maior adversário político, o prefeito de Salvador ACM Neto do DEM, o governador paulista Geraldo Alckmin, virtual candidato tucano à presidência, não compensa com essa revigorada em fundamental estado nordestino a perda que pode vir a ter com as descobertas sobre o dinheiro guardado no exterior pelo ex-presidente da Dersa paulista Paulo Preto.

O desvendamento da rota dos pagamentos clandestinos para obras viárias dos diversos governos tucanos em São Paulo necessariamente revelará o esquema que vem alimentando as vitórias do PSDB no Estado pelos últimos 20 anos. Mesmo que recursos judiciais consigam retardar o processo ao ponto de os eventuais crimes descobertos prescreverem, politicamente o estrago está feito, e Alckmin fará uma campanha presidencial mais difícil do que normalmente se desenhava.

A busca por palanques regionais fez também com que o governador paulista oferecesse a legenda do PSDB ao ex-prefeito do Rio Eduardo Paes, que por sua vez luta para livrar-se o estigma do PMDB do Rio. Embora até agora nada tenha surgido contra ele nas investigações locais da Lava Jato, a relação política estreita com o ex-governador Sérgio Cabral cobrará seu preço na campanha para o governo do Estado, onde Paes, mesmo assim, aparece como uma força política de peso.

Outro tucano importante na estrutura partidária que se encontra em situação limite é o ex-governador mineiro Aécio Neves, derrubado politicamente por vídeos e áudios que registram negociação em dinheiro vivo com o empresário Joesley Batista.

Mesmo que, como pretende, consiga anular o processo contra ele depois que ficou constatado que o ex-procurador do Ministério Público Marcelo Miller participou do esquema montado para flagrar o presidente Temer e Aécio Neves, os áudios e os vídeos não se apagarão da mente de quem os viu e ouviu.

O PSDB busca reconquistar o poder político em Minas, e a pressão para que Aécio Neves seja candidato a governador está grande, o que demonstra o desespero diante da falta de opção. O senador Antonio Anastasia recusa-se a aceitar a missão de tentar novamente o governo de Minas, e as opções tucanas são raras e arriscadas politicamente, mesmo que o governador petista Fernando Pimentel também esteja às voltas com diversas investigações.

Esses problemas que assolam PT e PSDB, os dois partidos que se acostumaram a dividir o poder político-partidário no país nos últimos 25 anos, mostram bem que eleição teremos dentro de pouco mais de sete meses, sem que se saiba hoje ao certo quais serão os candidatos que sobreviverão.

Para equilibrar conservação e agricultura - ALDO REBELO

O GLOBO - 27/02
A sobrevivência e o destino de milhões de pequenos produtores e criadores dependem da decisão do Supremo sobre o novo Código Florestal

O Novo Código Florestal brasileiro resultou de um amplo esforço do Congresso Nacional para atualizar legislação sobre a preservação das florestas e demais formas de vegetação nativa e sua relação com a função estratégica da agropecuária para o desenvolvimento econômico e social do país e para a segurança alimentar da população. A lei votada em 2012 buscava encerrar um longo período de turbulência e disputas envolvendo produtores rurais e correntes ambientalistas em torno do equilíbrio ideal entre produzir alimentos e proteger os recursos naturais.

A situação absurda da época obrigava o presidente da República a suspender por decreto a entrada em vigor de uma lei que colocava na ilegalidade 90% dos produtores rurais do Brasil.

Acobertados pelo justo anseio da sociedade por normas rigorosas de proteção da natureza, movimentos e ONGs financiados por governos estrangeiros e instituições internacionais promoviam, e ainda promovem, uma verdadeira guerra comercial contra agricultores e pecuaristas nacionais. Na batalha por mercados, o general comércio das potências agrícolas arregimentou aqui uma espécie de quinta coluna nativa para encurralar os produtores brasileiros.

Dado que florestas tropicais são ideais para sequestrar carbono, a revista inglesa “The Economist” divulgou recentemente a brilhante ideia surgida na Cúpula Mundial do Clima de reflorestar completamente o Cerrado brasileiro e a Savana africana, admitindo, é verdade, a possível resistência dos brasileiros a remover milhões de bovinos e hectares de soja da área. Para compensar a provável redução da oferta de proteína vermelha, a revista propõe uma dieta à base de insetos desde que, é claro, nenhum lepidóptero frequente a mesa dos súditos de Sua Majestade.

O Brasil tem 70% de seu território cobertos de vegetação nativa — na ecológica Noruega, financiadora de ONGs brasileiras, isso não chega a 1%. E nosso país tem ainda as propriedades rurais que mais cedem espaço para a proteção do meio ambiente, além do menor percentual do território ocupado pela agricultura; tudo isso comprovado pela Embrapa e pela Nasa.

Lembram-se da campanha do Ministério Público Federal contra a carne brasileira? Pois bem, ele mesmo, aliado com as ONGs, propôs uma série de Ações de Inconstitucionalidade contra o Novo Código Florestal. Agora, a palavra final está com o Supremo Tribunal Federal.

A sobrevivência e o destino de milhões de pequenos produtores e criadores — em alguns estados do Nordeste mais da metade das propriedades têm até cinco hectares — dependem desta decisão. Estados como Roraima (mais de 65% do território imobilizados como terra indígena e unidades de conservação) podem perder ainda mais área, conforme o que diga o STF.

Quando Napoleão Bonaparte mandou sequestrar e executar o duque d’Enghien, um dos líderes de sua oposição, ouviu de seu ministro das Relações Exteriores, Telleyrand, que o ato, além de grave, era pior que “crime”, era um “erro”. O que se espera do Tribunal Constitucional da Nação é que corrija o erro acoitado nas ações das ONGs e do Ministério Púbico Federal.

Aldo Rebelo é jornalista e foi relator do Código Florestal, ministro de Estado e presidente da Câmara dos Deputados

Fonte nova, mas velha - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO -  27/02

Operação Cartão Vermelho atinge Jaques Wagner e falta time reserva para o PT

Se o Supremo arma o fim branco da Lava Jato, as operações da Polícia Federal contra poderosos e crimes de colarinho-branco vão de vento em popa, com uma peculiaridade: elas embicaram em 2018 para os dois partidos que polarizam a política desde 1994, o PSDB e o PT.

A primeira operação da PF direcionada para corrupção neste ano foi no Paraná, sólido reduto tucano. A segunda foi ontem na Bahia, onde o PT é campeão de votos. Assim, a guerra entre PSDB e PT pode deixar de ser apenas política e passar para a seara da polícia – e justamente no ano da sucessão presidencial.

No Paraná, as buscas e apreensões chegaram à Casa Civil, coração de qualquer governo, mas não diretamente ao governador tucano Beto Richa. Já na Bahia o alvo mais reluzente foi o ex-governador e líder petista Jaques Wagner. O efeito é demolidor.

Uma operação no Paraná aumenta o desânimo com a política e a percepção de que “todos são iguais”, principalmente por vir junto com a revelação de que o engenheiro Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, mantém R$ 113 milhões no exterior. Ele é apontado como “operador” dos tucanos paulistas.

Na Bahia, porém, a Operação Cartão Vermelho (um nome que diz tudo) atinge em cheio uma das últimas reservas do PT para a Presidência. Com a candidatura do ex-presidente Lula virtualmente inviabilizada pela Justiça, o partido só tem, ou tinha, duas alternativas: o baiano Wagner ou o paulista Fernando Haddad. E agora?

Um baiano-carioca, com boa ginga e fala fácil, Jaques Wagner é um político hábil e bem-sucedido. Hábil a ponto de ser, ao mesmo tempo, da “turma do Lula” e da “turma da Dilma”, com cargos-chave no governo da ex-presidente, apesar do racha explícito entre os dois grupos após a eleição de 2014. E competente o suficiente para virar o jogo e ser a grande surpresa eleitoral da Bahia, desbancando o reinado do grupo de Antonio Carlos Magalhães, o ACM. Numa reviravolta emocionante, foi eleito governador em primeiro turno em 2006 e em 2010 e, como fecho de ouro, fez o sucessor, o técnico petista Rui Costa, em 2014.

Wagner se tornou quadro de ponta de um partido que vem sangrando desde o mensalão de 2006 e do petrolão de 2014. José Dirceu, José Genoino (caso à parte) e Antonio Palocci saíram da cena política e abriram espaço para o time reserva, com Dilma, vinda do PDT, no Planalto, e Haddad, um professor, na Prefeitura de São Paulo.

Se petistas históricos afundaram o partido na lama, a neófita destruiu a própria fama de “gerentona” e a imagem de sucesso da era PT, enquanto Haddad não conseguiu sequer se reeleger. O terceiro time entrou em campo. Daí a senadora Gleisi Hoffmann na presidência da sigla, também por escolha direta e pessoal de Lula, como Dilma e Haddad. O estoque de quadros está se esgotando. O risco é o de aliados também começarem a faltar.

A sucessão presidencial de 2018 vai, assim, se tornando mais e mais confusa, imprevisível e tensa, com nomes entrando e saindo freneticamente da lista de candidatos e todos os políticos morrendo de medo do que vem a seguir. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, decreta o fim da polarização PT-PSDB, mas quem assume essas vagas? Nunca se sabe qual vai ser a próxima operação da PF, nem que alvos vai atingir.

A Operação Cartão Vermelho é sobre a farra com as verbas para o Fonte Nova, em Salvador, longe de ser o único estádio suspeito. O Mané Garrinha, por exemplo, já levou dois ex-governadores do DF para a Papuda, um do DEM, outro do PT.

Além dos 7 a 1 para a Alemanha, a Copa de 2014 deixou um rastro de cartolas presos, governadores contundidos, superfaturamento e elefantes brancos por toda a parte. Cartão vermelho para ela!

Procura-se um liberal de verdade - HELIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 27/02

Faltam nomes fortes que proponham uma agenda econômica calcada na realidade

Há um engarrafamento de pré-candidatos no campo liberal conservador. Tentam trafegar nessa avenida nada menos do que Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles, Rodrigo Maia, além do próprio presidente Michel Temer. Por fora ainda corre Flávio Rocha, das Lojas Riachuelo. Como tudo o que não é vedado pelas leis da física pode acontecer, Luciano Huck ainda poderia mudar de ideia e concorrer.

Tal congestionamento contrasta com a virtual ausência de nomes fortes no campo que eu chamaria de genuinamente liberal, isto é, que proponha uma agenda econômica calcada na realidade e defenda uma pauta progressista nas questões sociais.

Pense num candidato que aceite o beabá da cartilha econômica —ideias bem básicas como a de que não se pode, por muito tempo, gastar mais do que se arrecada— e leve a sério a liberdade, sem medo de defender propostas impopulares como legalização das drogas, descriminalização do aborto, da eutanásia, abolição de delitos como desacato, apologia etc. Ou, pela negativa, alguém que não queira censurar museus, nem endurecer o direito penal e nem se perca em fazer agrados a igrejas.

Se quisermos uma imagem menos abstrata, esse postulante representaria em alguma medida o reverso do que foi a administração de Dilma Rousseff que, por ignorar lições elementares da economia, quebrou o país, e, por covardia política, se mostrou incapaz de avançar significativamente em bandeiras sociais clássicas da esquerda.

Não sou ingênuo a ponto de acreditar que um candidato com essas características teria grandes chances. O Brasil ainda é um país conservador e, pior, que se deixa facilmente seduzir por populistas. Creio, porém, que um concorrente “mainstream” que se apresentasse e agisse como um liberal de verdade contribuiria para melhorar a qualidade do debate eleitoral. Mas, ao que tudo indica, não teremos esse candidato.

A cidade murada e a cidade-selva - FERNÃO LARA MESQUITA

ESTADÃO - 27/02

A Corte de Versalhes faz lembrar Brasília oferecendo ‘brioches’ formalistas ao Brasil


O banho de sangue do Rio de Janeiro é a ponta mais infeccionada da doença brasileira. É tudo uma cadeia de distorções de uma evidência ululante para usarmos a expressão de um carioca célebre. Esses 60 mil mortos nas ruas são o retrato mais enfático do custo de não se fazer reformas como a da Previdência que remete à resiliência do marajalato e seus “auxílios” imexíveis, que repousa na intocabilidade constitucionalmente garantida do funcionalismo que, por sua vez, está na base não só da corrupção que nos assola mas também do inchaço para além do suportável, não do estado, mas das folhas de pagamentos do estado.

É dessa cadeia que decorre a desenfreada metástase do favelão nacional.

A polícia do Rio, meca do marajalato, tem mais caciques do que índios. Ha 15 mil sargentos e apenas 14 mil soldados. Sobram coronéis mas a grande maioria está aposentada (aos 50 anos ou antes). Faltam capitães e tenentes e os que há são os reis do absenteísmo. A maioria das operações acaba sendo comandada por sargentos. Em 2014 o efetivo total da PM carioca era de 43.538 homens. Entre cedidos para outros orgãos e afastados por razões diversas sobravam 26.247 “aptos para o trabalho”. Mas com os turnos de 24 horas de trabalho por 72 de descanso, estes ficavam reduzidos a 6.560 por dia.

Resumo, o Rio paga por 43.538 policiais mas só “leva”, de fato, 6.560. Com ligeiras variações esse é o padrão do serviço público nacional. As manobras de sabotagem todas a que o país tem assistido não são manobras de sabotagem à pessoa de Michel Temer, são manobras de sabotagem à reforma da previdência que é o fulcro dessa enorme distorção. Ninguém esta nem ai para o que Temer embolsou ou deixou de embolsar em campanhas políticas ou trocas de favores com potenciais financiadores de campanhas no passado. O que seus possíveis substitutos pretendem, ao vender ao eleitorado o passadésimo “peixe” de que tudo vai bem menos pelas pessoas que controlam hoje “o sistema”, é continuar embolsando no futuro o que acusam Temer de ter embolsado no passado, coisa que estarão livres para fazer posto que não se propôs ou discutiu uma única reforma de base para impedir a continuação da impunidade para esse tipo de prática que – é a História Universal quem comprova – só cessa se e quando os eleitores conquistam poder de polícia contra detentores de mandatos executivos, legislativos e judiciários DEPOIS de eleitos. O que se visava e se conseguiu com as urdiduras do procurador Janot e seu fiel escudeiro Marcelo Miller, agora está cabalmente provado apesar da reticência com que se exibe essas provas em certas estações de televisão, não foi fazer justiça tardia contra Michel Temer, foi manter os “direitos adquiridos” dos marajás de continuar eternamente recebendo salários padrão Wall Street sem fazer força e deitando e rolando sobre as costas da miséria nacional impunemente. E isso se torna mais evidente a cada minuto com a batalha surda para evitar que chegue a bom termo a intervenção federal na segurança publica do Rio.

As tentativas de cerco não se vexam de mostrar a que vêm. A ultima é a exigência de que os novos chefes das polícias civil e militar a serem substituídas pela intervenção na polícia mais ostensivamente corrupta do país tenham obrigatoriamente de ser arregimentados dentro das próprias corporações apodrecidas que se pretende sanear...

Antes e depois desta intervenção, aliás, não muda um milímetro o circuito dessas voltas em torno do nada. As tais 10 medidas contra a corrupção em torno das quais se fez tanto barulho tratavam essencialmente de dar mais poder a quem, de livre e espontânea vontade, nunca exerceu o poder que já tinha contra a corrupção. E também de aumentar as penas de crimes para os quais jamais se aplicou as penas que já existiam. Agora grita-se contra “tirar autoridade de governantes eleitos democraticamente” como jamais se gritou quando o STF faz a mesma coisa, o que acontece quase semanalmente, ou nas outras 12 vezes, nos últimos 10 anos, em que interessou ao marajalato chamar o Exército Brasileiro para patrulhar o Rio “pra inglês ver”. Por cima de tudo derrama-se agora a exigência de juristas e “especialistas” carimbados contra mandados coletivos de cerco e inspeção de residências que têm o óbvio objetivo de cortar a fuga a assassinos armados até os dentes sob a insinuação de que isso sublinharia o “preconceito” que põe todo favelado “sob suspeita” só porque é pobre. Nunca se viu, vai sem dizer, o tipo de fariseu que afirma isso sem corar por cima da cena da criança, da mulher grávida ou do soldado massacrados do dia, exigir que não se reviste quem quer que pretenda embarcar num avião nos dias de hoje porque isso viola o direito do passageiro de não ser objeto de suspeitas “infundadas” ou caracteriza preconceito contra “ricos” que usam esse meio de transporte. E, por fim, nega-se aos soldados até o direito de se defender contra o terrorista que eventualmente levar sua bomba pendurada no pescoço, o equivalente do traficante que sai à rua brandindo seu armamento de guerra. Querem os soldados do EB acenando de longe a tais figuras insuspeitas com mandados judiciais...

E o Pezão, “combinou” ou não com Temer essa intervenção “feita para inflar o cacife eleitoral do PMDB”? Vai que a pilha de cadáveres diminui...

Não é nada fora do padrão que nessas vésperas de final de era sociedades doentes apresentem fraturas de alienação. A Corte de Versalhes, a Cidade Proibida dos imperadores chineses, tudo faz lembrar Brasília oferecendo seus “brioches” formalistas ao Brasil. A cidade murada ditando finas regras de etiqueta à cidade-selva que se afoga em sangue.

Nossa doença é política, nunca é demais repetir, e só poderá ser curada com os remédios da política. Sem uma intervenção geral do Brasil real no Brasil oficial; sem uma intervenção do povo na política com as armas do recall, do referendo e da iniciativa, acabaremos todos mortos antes que qualquer coisa que faça diferença mude, e não necessariamente de velhice.

*Jornalista, escreve em www.vespeiro.com

Privatização reabilitada - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 27/02

Pré-candidatos à Presidência, Geraldo Alckmin e Jair Bolsonaro aderem à pauta


Pré-candidato do PSDB à Presidência da República, o governador Geraldo Alckmin causou certa surpresa ao aventar, dias atrás, a possibilidade de privatização da Petrobras no futuro.

Afinal, foi o circunspecto tucano paulista quem se fez fotografar, na corrida presidencial de 2006, vestindo jaqueta com logomarcas de empresas federais, incluindo a petroleira. Com a manobra patética, o então postulante tentava enfrentar a campanha petista que lhe atribuía intenções desestatizantes.

Fartas doses de propaganda obscurantista praticamente baniram o tema do debate nacional depois dos anos 1990 —no máximo, aceitava-se a concessão de serviços públicos à exploração privada. Há algo de novo, entretanto, neste 2018.

Além de Alckmin, outro presidenciável, o deputado Jair Bolsonaro(PSC-RJ), agora adere, e de modo radical, à pauta.

Em entrevista a esta Folha, o economista Paulo Guedes, responsável pelo programa de Bolsonaro para a área, defende “privatizar tudo” —ao menos, “metade, então”, ou “um pouco que fosse”. Todo o possível,presume-se.

Nota-se aí guinada muito mais brusca que a do governador paulista. Tucanos promoveram a venda de importantes empresas federais e estaduais, embora em geral relutem em expor seus méritos e falhas; já o deputado fluminense, originário do meio militar, só recentemente abraçou teses liberais.

No meio partidário, é ampla a aversão ao assunto. Diferentes sondagens demonstram a preferência do eleitorado por um poder público atuante na economia. Além disso, cargos e verbas das estatais são peças-chave nas tratativas para a formação de coalizões de governo.

O que move os pré-candidatos rumo a tal agenda, claro, é o dramático quadro orçamentário a aguardar o próximo presidente. A avidez por receitas emergenciais, porém, não se mostra boa diretriz para a condução do processo.

Inexiste realismo técnico ou político na privatização maciça e redentora imaginada por Paulo Guedes. Em setores altamente concentrados como o petrolífero e o bancário, para ficar nos exemplos principais, a venda de empresas demanda complexa regulação —e inevitavelmente suscitará debate legislativo longo e acirrado.

Recursos oriundos dessas operações serão sempre bem-vindos, mas os parâmetros centrais a orientá-las devem ser a eficiência econômica e o interesse dos consumidores. Para a solvência do Estado, nada substitui a busca do equilíbrio entre a arrecadação tributária e os gastos do cotidiano.

Foco do Banco Central precisa ser a inflação - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 27/02
Não há maturidade para que o BC também se preocupe com o emprego, como acontece nos EUA, onde, apesar do duplo mandato, o Fed dá prioridade à defesa do dólar

O conjunto de 15 propostas apresentadas pelo governo como forma de compensar a frustração da derrota na tentativa de votar na Câmara o projeto de reforma da Previdência inclui a formalização da autonomia do Banco Central, ideia antiga sem maior trânsito junto aos políticos.

O conjunto de medidas, por ter sido uma simples e tosca manobra do Planalto para desviar a atenção do engavetamento da emenda constitucional da Previdência, não foi levado a sério, mas pelo menos a questão do BC merece ser avaliada.

Não apenas porque se trata de uma equiparação da autoridade monetária brasileira à de outros países, mais desenvolvidos — ou seja, é um modelo exitoso —, mas também porque o senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo na Casa, acrescentou à concessão de autonomia operacional do BC mais um objetivo a ser atingido pela diretoria da instituição: além da clássica defesa da moeda, o emprego.

Há nisso a intenção política de reduzir resistências no Congresso à maior liberdade de trabalho para a diretoria do BC, que compõe o Conselho de Política Monetária (Copom), responsável pelos juros. Acabaria, ou reduziria o temor primário, de fundamentação ideológica, de que os bancos centrais tenderiam sempre a elevar os juros, para ajudar “rentistas” e o setor financeiro.

É citado como exemplo o banco central americano, o Federal Reserve (Fed), que opera com mandato duplo (inflação e emprego). Mas, na prática, vale o controle da inflação. A autonomia do Fed também permite sua diretoria abandonar as preocupações com o crescimento econômico e, por decorrência, o nível de emprego, se concluir que a inflação ameaça a economia.

Caso exemplar é o de Paul Volcker, presidente do Fed em 1980, quando a inflação americana chegou a 13,5%. Ele jogou os juros nas alturas — chegaram a 19,1% em junho de 1981 — e, em 1982, a inflação estava em 3,2%. Ele não se preocupou com a recessão (e o desemprego que causaria) em todo o mundo. Foi quando aconteceu uma das quebras externas brasileiras.

O ponto-chave é que não se devem criar falsas expectativas quanto à inflação, que tem de ser combatida sempre. Há, ainda, o exemplo de Dilma Rousseff, com sua intervenção no BC, para levá-lo a cortar os juros de 14,25% para 7,25%, a fim de tentar acelerar a economia e gerar mais empregos. Acelerou foi a inflação e colocou a economia na rota da recessão.

A classe política e dirigente brasileira, em sentido amplo, não demonstra ter maturidade para que o Banco Central opere com esse mandato duplo. O populismo, um dos traços nacionais, sempre forçará pela repetição do desastre patrocinado por Dilma. O país usufrui um momento raro de inflação baixa para os padrões nacionais. Precisa conviver com esta situação mais tempo, para criar uma cultura de defesa da estabilidade.

Setor externo continua firme - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 27/02


Com superávit comercial de US$ 64,02 bilhões no ano passado e saldo de US$ 59 bilhões previsto para este ano, o Brasil continua com boa perspectiva para o setor externo – uma bênção muito especial, neste momento, quando se consideram as incertezas da política interna e a paralisação do programa de reformas. As boas condições do balanço de pagamentos foram confirmadas, mais uma vez, com a divulgação, pelo Banco Central (BC), dos números de janeiro. No mês passado entraram US$ 6,47 bilhões de investimento direto líquido, valor suficiente para cobrir com folga o déficit de US$ 4,31 bilhões em transações correntes. Esse déficit chegou a US$ 8,99 bilhões em 12 meses, enquanto o investimento direto somou US$ 65,34 bilhões.

Contas externas em mau estado e crise cambial, isto é, escassez de dólares, marcaram a maior parte dos grandes tropeços econômicos do Brasil. Não houve, no entanto, problema cambial na última grande crise brasileira, embora o déficit em transações correntes tenha chegado a 4,24% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014 e ficado em 3,31% em 2015. No ano passado, de forte recuperação, o buraco equivaleu a apenas 1,31% do produto e foi financiado por investimento direto correspondente a 3,04%.

As transações correntes, também conhecidas como conta corrente do balanço de pagamentos, são um resumo do intercâmbio do País com o exterior. Incluem a balança comercial de mercadorias (agropecuárias, minerais e industriais), a conta de serviços (viagens, transportes e aluguéis de equipamentos) e as de renda primária (como entrada e saída de lucros e juros) e secundária (principalmente dinheiro enviado a familiares por trabalhadores no exterior).

O comércio de mercadorias é normalmente superavitário. Os serviços e a renda secundária são deficitários. A renda secundária, positiva, pouco pesa no conjunto, embora possa ser importante para muitas famílias. Déficit em transações correntes pode ser útil para a economia nacional, quando o recurso externo usado para cobrir o buraco reforça o investimento produtivo e ajuda a acelerar o crescimento. Mas é preciso manter sob controle o resultado negativo.

No Brasil, o superávit comercial de mercadorias tem sido suficiente, exceto em fases desastrosas, para atenuar o efeito do déficit em serviços e rendas e, assim, conservar em nível seguro o déficit em conta corrente. No ano passado, a conta de mercadorias foi fechada com saldo positivo de US$ 64,02 bilhões. Em 2018, o superávit deve diminuir para US$ 59 bilhões, segundo o BC.

O resultado, embora muito satisfatório, será menor porque a recuperação da atividade econômica levará a um aumento da importação de bens, tanto de consumo como de produção, de US$ 152,21 bilhões para US$ 166 bilhões. O total exportado também crescerá, mas em proporção menor, de US$ 217,24 bilhões para US$ 225 bilhões. As projeções do BC indicam para este ano um crescimento econômico de 2,6%, pouco inferior aos números, mais próximos de 3%, estimados pelas instituições financeiras, consultorias e pelo Ministério da Fazenda.

Contas externas saudáveis dependem da evolução do comércio global, por enquanto favorável, e das condições externas de financiamento e de investimento. O quadro global continua benigno, mas há riscos, lembrou o presidente do BC, Ilan Goldfajn, em São Paulo. Ele já repetiu essa advertência muitas vezes. Documentos do BC também têm reiterado o alerta. Nas bolsas de valores, analistas acompanham os sinais de mudança nas políticas monetárias do mundo rico, especialmente dos Estados Unidos. Um aperto de juros mais veloz que o previsto até agora poderá afetar perigosamente as condições do mercado.

No Brasil, o alerta das autoridades monetárias vale principalmente para outras autoridades – parlamentares e membros do Executivo. Relaxar o ajuste das finanças públicas afetará a inflação e a política interna de juros e deixará o Brasil mais vulnerável a choques. Fora da equipe econômica, quase ninguém parece dar alguma atenção ao aviso.

segunda-feira, fevereiro 26, 2018

Demência narcísica - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 26/02

No nível radical da doença, ela se revela como uma forma autoimune de demência irreversível


Não é só a febre amarela que está pondo em risco a saúde pública. Há uma outra epidemia em curso que ainda não invadiu a mídia: o narcisismo dos bons.

O fenômeno atingiu níveis epidêmicos. E os órgãos competentes não detectaram ainda os indícios desse quadro clínico. Talvez uma das razões seja que muitos desses órgãos competentes são grandes áreas de risco de contágio.

No passado, as áreas de risco eram mais localizadas dentro de instituições religiosas (não que estas tenham deixado de sê-lo).

Você está tendo dificuldade de entender o que vem a ser essa patologia designada "narcisismo dos bons"? Vou te ajudar.

Antes de tudo, a designação "narcisismo" tem credenciais sofisticadas, mas fiquemos com o seu sentido mais comum: narcisista é alguém que "se acha". Clinicamente, o narcisista é um miserável de autoestima que finge se achar o máximo pra combater justamente a sua miséria interior. Nesse movimento de negação, ele acaba por criar uma persona que tende a supervalorizar a si mesmo. Daí o apaixonar-se pela própria imagem refletida na água.

O narcisismo dos bons é uma patologia moral.

A sintomatologia associada ao quadro não tem apenas efeitos individuais privados.

Se assim fosse, talvez seu dano em níveis epidêmicos fosse apenas para as vidas de seus doentes e pessoas mais próximas. Como uma peste que ficasse localizada num ambiente de quarentena.

Não. O narcisismo dos bons se caracteriza por ser uma peste pública. Seu modo de contágio, já identificado razoavelmente, se dá, justamente, pela contaminação em larga escala da população por meio de instituições de caráter social e político, quando não educativo.

As redes são uma cultura de bactérias poderosa para a reprodução do vírus. A mídia clássica, há muito tempo, já era uma área de risco. Os jornalistas carregam todos os sintomas da patologia há décadas.

A sociedade está, completamente, à mercê dessa epidemia porque, normalmente, quem deveria combatê-la tem, exatamente, a condição do mosquito transmissor. Mas vamos a dados mais objetivos do quadro.

Se você tem certeza de que representa o lado do bem no mundo, é quase certeza de que está contaminado. Se você tem certeza de que seu filho também representa, o risco aumentou muito. Se você tem certeza de que seu cachorro também representa, você está além de qualquer possibilidade de cura. Se você acha que sua bike também representa, não tenho palavras pra expressar minha misericórdia. Se você acha queo restaurante que frequenta é um templo, não sei o que dizer.

Sinto muito por você, seu filho, seu cachorro, sua bike e o restaurante que frequenta.

Melhor procurar ajuda profissional. Cuidado: sua terapeuta pode estar, ela mesma, contaminada.

O fato de haver tantos dramas no mundo que precisam de solução é uma das causas etiológicas da epidemia: a facilidade do contágio está no fato de que muita gente que se acha do bem acaba por conviver. Os efeitos são evidentes. As câmaras de eco dos bons carregam muitos vírus dessa patologia. O mundo da educação, da arte e da cultura são grandes áreas de risco.

O mundo da educação, coitado, luta para manter sua relevância enquanto agente de pensamento, quando, na verdade, está sucumbindo à competição mais violenta ou às modas mais fajutas, sejam elas vindas de setores "naturalistas" da sociedade, sejam elas vindas de setores "algorítmicos" do mundo dos negócios, sejam elas vindas de setores do mundo corporativo que tomou a dianteira na reflexão sobre o futuro por meio de "consultores de futuro".

Já o mundo da arte e da cultura é um caso especialmente interessante. Talvez seja uma das áreas de maior risco entre todas.

O número de pessoas "legais" nesse mundo é infinito. Pessoas "legais" são contaminadas ou "carriers", com certeza, do agente transmissor.

Se um dia você voltar pra casa de uma festa qualquer e tiver certeza de que todo mundo ali representa o bem, o quadro autoimune estará já instalado. No nível mais radical da doença, ela se revela como patologia autoimune que se manifesta como uma forma de demência irreversível.