sábado, abril 20, 2019

O perigo da desorganização - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo 20/04

O governo sofreu mais uma significativa derrota no Congresso em razão de sua patente desorganização. A votação do texto da reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, prevista para segunda-feira passada, ficou para a próxima terça-feira.

Mas o atraso da tramitação, fruto da inabilidade dos operadores políticos do Palácio do Planalto, é hoje, ao que parece, o menor dos problemas do governo. O mais grave é que a proposta poderá ser desidratada já na CCJ, que avalia apenas se os projetos estão de acordo com a Constituição, sem analisar o mérito. Seria um revés e tanto, pois esperava-se que a reforma encaminhada pelo governo só começasse a ser modificada na Comissão Especial, próxima etapa da tramitação.

Em tese, o governo não deveria enfrentar problemas na CCJ, pois, dos seus 66 integrantes, menos de 20 são da oposição. Mas, ao que parece, os articuladores do Palácio do Planalto não conseguiram costurar a maioria necessária para fazer prevalecer seus interesses mesmo antes de levar seus projetos a plenário – e o risco de que essa inabilidade resulte em desidratação excessiva da proposta de reforma da Previdência, ou mesmo em derrota total, não é desprezível.

Na segunda-feira passada, por 50 votos a 5, a CCJ inverteu a pauta daquele dia, que previa o início da votação da reforma da Previdência, e colocou em primeiro lugar a emenda do Orçamento impositivo – aprovada em votação simbólica. A inversão da pauta foi pedida pelo PT, que tem todo interesse em retardar ao máximo a tramitação da reforma.

O governo foi passado para trás por um acordo dos partidos do chamado “Centrão” e da oposição com o intuito de inverter a pauta da CCJ. Sem uma orientação clara do Planalto sobre o que fazer, e aparentemente sem conhecer a fundo os ritos da tramitação na CCJ, os governistas passaram o dia a defender a manutenção da pauta, mesmo sabendo que não tinham votos para barrá-la. Com isso, o processo todo atrasou, exatamente como queria a oposição.

O problema poderia ter sido mitigado se os articuladores governistas tivessem tentado um acordo com o “Centrão”, mas consta que o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ordenou que não se fizesse qualquer tipo de acerto com aquele bloco.

Quando a derrota já estava desenhada, aconteceu então o mais inusitado: deputados do PSL, o partido do presidente Jair Bolsonaro, juntaram-se à maioria, aprovando a inversão da pauta na CCJ. O líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), tentou transformar a derrota em vitória “espetacular”, ao dizer que o presidente Bolsonaro “proporcionou” a votação da emenda do Orçamento impositivo, por já ter defendido essa pauta quando era deputado. Trata-se de uma lógica difícil de acompanhar.

Mais realista foi o deputado Felipe Francischini (PR), presidente da CCJ e correligionário do Delegado Waldir no PSL: “Eu confesso que estranhei. Eu não entendi nem meu partido. Se eu falasse pelo PSL, eu não votaria a inversão da pauta”. Coube então a deputados do PSDB e do Novo defender a manutenção da pauta da CCJ, dando prioridade à reforma da Previdência – como deveriam ter feito os governistas. “Para nós, prioridade é a Previdência”, disse o deputado tucano Samuel Moreira (SP), que não escondeu a estupefação: “Eu não estou entendendo. O próprio governo parece que não quer debater. O que está acontecendo?”.

Na quarta-feira, uma nova manobra do “Centrão”, cujos deputados demandam diversas mudanças no relatório da CCJ sobre a reforma, levou a mais um adiamento da votação. E eles deixaram no ar a ameaça de rejeição do texto do relator da reforma, deputado Marcelo Freitas (PSL-MG), denotando o total descontrole do governo sobre o destino da proposta. Enquanto o ministro Lorenzoni disse que considera “normal” o que está acontecendo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), declarou ao site G1 que “faltou organização do governo”.

As derrotas na CCJ foram só um aviso: a se manter a incrível inabilidade de sua articulação no Congresso, travestida de “nova política”, o governo pode ver sua reforma derrotada logo na CCJ, o que seria, além de um patente atestado de incompetência, um desastre para o País.

Autoritarismo e ignorância - MARCO ANTONIO VILLA

REVISTA ISTOÉ

O ódio se transformou em política de estado. A ignorância se metamorfoseou em mérito. A ameaça virou moeda. É a barbárie do extremismo direitista


O fantasma do autoritarismo ronda novamente o Brasil. Desta vez, por paradoxal que pareça, em plena vigência da mais democrática das constituições brasileiras, a de 1988. Os sinais são evidentes. Tudo começou com o processo de desmoralização das instituições do estado democrático de direito pelo PT. Foram estendidos ao limite os liames institucionais. A tomada do aparelho de estado pelo petismo não encontra paralelo na nossa história. Estabeleceu o saque organizado da coisa pública, socializando os ganhos com os partidos que davam sustentação ao projeto criminoso de poder. Esse foi o ponto máximo do socialismo petista: a divisão — desproporcional, claro — do butim oriundo do erário.

A permanência desse processo por mais de uma década e a revelação do modus operandi por meio, principalmente, da operação Lava Jato, permitiu, de um lado, corromper toda a estrutura estatal. Pela primeira vez na nossa história, um projeto de poder se espalhou por todas as esferas do Executivo e alcançou até o Judiciário. Esta solidez foi abalada pela ganância da máquina petista. Foram com muita sede ao pote — além de prejudicar antigos esquemas de corrupção. A volúpia acabou levando os camaradas ao desastre.

Por outro lado, acabou revelando a pobreza ideológica das lideranças do campo antipetista. Tudo se resumiu, especialmente no biênio 2015-2016, em denunciar as mazelas da dupla Lula-Dilma. Nada mais que isso. Dos movimentos pelo impeachment nasceram líderes, com raras exceções, identificados com o extremismo político. E do campo empresarial — que já teve como líder Roberto Simonsen, autor de “História Econômica do Brasil” — surgiram gestores que mal conseguem articular uma tuitada. São liberais dignos de uma ópera bufa, proxenetas ideológicos, néscios modernos.

Assim como no futebol, o vazio é ocupado. No nosso caso foi pelo extremismo direitista. O ódio se transformou em política de estado. A ignorância se metamorfoseou em mérito. Quanto mais ignorante, melhor. Transplantaram para o Brasil ideologias exóticas produzidas pelos reacionários americanos. As instituições democráticas passaram a ser vilipendiadas. O direito à alteridade foi negado. A ameaça virou moeda rotineira dos embates políticos. Utilizam-se da injúria. Usam palavras de baixo calão como conceitos sociológicos. É a barbárie institucionalizada. Ameaçam tomar completamente o poder. Ainda é tempo de reagir.

Eba! Menos Ovo e Mais Galinhagem! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP 20/04

E neste ano tem até ovo de coxinha! Deve ter sido decreto do Doria! Rarará!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Feriadão! Pensamento da Páscoa: “Se o ovo de Páscoa simboliza a vida, pelo preço deve simbolizar a vida do Silvio Santos”. Rarará! Ovo de Páscoa tem que ser declarado no imposto de renda! Uma mulher, uma sogra, oito filhos e um ovo! Rarará!

E o Bolsonaro tá distribuindo chocolate em barra. Porque a terra é plana! E neste ano tem até ovo de coxinha. Deve ter sido decreto do Doria. Ovo Doria! Rarará! E atenção! “Pai do Neymar Cai Cai na malha fina e ganha audiência com Guedes”. Também quero! Sou pai do goleiro do Íbis! Rarará!

Manchete do Meia Hora: “Doutor Bumbum encara a Primeira Vara”. O Bumbum entrou na Vara! Justiça seja feita! “Ministro da Justiça nomeia delegado para o Enem”.

Nomeação técnica. Redação do Enem 2019: TEJE PRESO! Conjugar o verbo tejepreso. Eu tejopreso, tu tejespreso, nós tejamopreso. E os atrasados do Enem vão todos pra delegacia. E quem colar vai pra solitária. E, só de birra, deviam nomear um professor para chefe da Policia Federal”. Rarará!

“Museu de História Natural cancela evento com Bolsonaro.” Ia ser muito dinossauro junto! Eles já têm o maior dinossauro do mundo! Aí chega o segundo maior dinossauro? Rarará!

“STF censura revista Crusoé!” E se alguma revista publicar que eu tô barrigudo, vou apelar pro Supremo! E o Alexandre de Moraes parece um vibrador: cara comprida e careca! Rarará!

E o chargista Nani: um homem pega a mulher com outro na cama e diz “querida, quem é esse homem?”. “É o amigo do amigo do meu pai.” Rarará! E milícia no Rio tem até CNPJ! Diz que a milícia é o poder paralelo. Paralelo a que se é ela que manda? E Tiradentes é tão zicado que o feriado dele cai no domingo.

Tiradentes devia ter sido enforcado na terça. Aí a gente enforcava a segunda! Oba! E Tiradentes devia ser padroeiro do Brasil: tá todo mundo com a corda no pescoço!

Predestinado da Páscoa: “Vendo ovo de Páscoa! Tratar com Ovídio!”. E Menos Ovo e Mais Galinhagem! De santa já basta a semana!

Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

José Simão
Jornalista, precursor do humor jornalístico

O tom social - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 20/04

O governo ainda não encontrou um caminho para organizar sua base parlamentar, mas já resolveu um problema de comunicação que atrapalhou muito a aprovação da reforma da Previdência no governo Temer. Está colando nela a a imagem de que é um instrumento para acabar com as injustiças sociais do sistema atual e promover uma melhor distribuição de renda.

Além da crise institucional gerada pela revelação da conversa do então presidente com o empresário Joesley Batista, seu governo tinha uma base mais homogênea, o que falta a Bolsonaro, mas não tinha argumentos críveis para aprová-la.

Teria aprovado uma reforma meia bomba, mesmo assim devido a compromissos fisiológicos de uma meia dúzia de partidos acostumados a esse tipo de relacionamento com Temer e seu grupo.

Ninguém é presidente da Câmara por três vezes, e presidente do MDB por quase 20 anos, à toa. Bolsonaro, que não morre de amores pela reforma da Previdência, permitiu que o ministro da Economia Paulo Guedes reunisse em torno de si uma equipe que tem experiência de governo, que falta a ele e ao próprio presidente. Além da excelência técnica. A equipe econômica, que tem secretários reconhecidos como ministros de suas áreas, encontrou o tom correto para vender a importância social da reforma, não apenas a econômica.

O próprio Paulo Guedes, com seu jeito enfático de defender pontos de vista, sempre afirma que o atual regime previdenciário é “uma fábrica de desigualdades”. Essa ênfase no aspecto social de uma nova Previdência tem dado argumentos para se contraporem à oposição, que mantém uma posição radicalmente contrária à reforma, alegando que ela ataca os mais pobres.

Não é à toa que o ministro Paulo Guedes está encantado com a atuação do Partido Novo. Seu líder na Câmara, deputado Marcel Van Hatten, fez uma defesa impactante da proposta na Comissão de Constituição e Justiça, com a utilização de copos de diversos tamanhos para mostrar que o maior deles, que representaria os privilégios concedidos a corporações, onde incluiu os deputados e senadores, recebe cerca de 40% da arrecadação da Previdência nacional, e os mais pobres apenas 3%. Do Orçamento da União, 50% vão para a Previdência, ficando apenas 15% para Saúde e Educação, restando 31% para os demais gastos, em setores que afetam o dia a dia da população — como infraestrutura, mobilidade urbana.

O ministro Paulo Guedes sintetiza a situação em uma frase de efeito: “O Brasil não envelheceu, e já quebrou a Previdência”. Ele tem uma visão dura sobre a situação: “O excesso de gastos corrompeu a democracia”. O secretário da Previdência, ex-deputado Rogério Marinho, tem outra imagem forte. Compara o sistema atual de repartição a uma pirâmide financeira, dessas que levaram o financista americano Madoff para a cadeia, mesmo sistema que já fraudou investidores em diversas partes do mundo.

A situação teria chegado a um tal ponto que está prestes o momento de ter mais gente retirando dinheiro do sistema do que contribuindo para mantê-lo de pé. Já o secretário da Receita Federal, também ex-deputado Marcos Cintra, está colocando de pé uma reforma tributária, fundamental para a transformação da economia brasileira planejada por Guedes, que considera que o do trabalho é “o mais perverso tributo de todos”, gerador de injustiça social.

Barateando a contratação de empregados pelas empresas, Guedes pretende estimular o mercado de trabalho, que hoje tem 13 milhões de desempregados, fora os com ocupações informais ou precárias, devido à crise econômica, uns 50 milhões de pessoas na sua avaliação.

O imposto sobre todos os pagamentos, que está sendo montado, tributaria igualmente a todos, mesmo na economia informal, sendo mais justo socialmente que a antiga CPMF. Outro desdobramento das reformas estruturais planejadas pelo ministro da Economia é a do pacto federativo, que objetiva fazer com que estados e municípios tenham mais relevância no orçamento da União.

Essa é uma reforma que tem um cunho político relevante, alterando a relação de poder entre os componentes da Federação. Assim como prometeu antecipar recursos do pré-sal a estados e municípios em troca da aprovação da reforma da Previdência, o ministro Paulo Guedes anseia que a classe política entenda que está em marcha uma transformação do Estado brasileiro em favor dela.

Início do protagonismo dos povos indígenas - SANDRA TERENA

GAZETA DO POVO - PR
19/04

Os povos indígenas não querem mais viver de doação, querem produzir
Na estrada de terra vermelha que ligava a cidade de Braúna, interior de São Paulo, à aldeia centenária do Icatu, da qual meu avô foi um dos pioneiros, meus pensamentos voavam distante para encontrar maneiras de melhorar a vida do meu povo. Meu pai mudou o destino de nossa família ao trocar o som dos grilos e passarinhos e a tranquilidade da aldeia pelo som dos carros e pela selva de Pedra em Curitiba. Já na cidade, dentro do ônibus a caminho da faculdade de jornalismo, os mesmos pensamentos eram recorrentes.

O périplo diário começava quando o dia ainda não havia amanhecido. Minha mãe cozinhava dois ovos e o café estava quentinho sobre a mesa para que eu pudesse enfrentar a jornada diária de dez ônibus por dia para ir e voltar à Universidade. Na hora do lanche, tinha que optar por um salgado ou por um suco. O dinheiro não dava para os dois. Foram dias difíceis, mas no fundo eu sempre soube que havia um propósito.

Eu sabia que tinha que usar minha formação para ajudar o meu povo. Em Curitiba, ao lado do cacique Carlos Karjer e outras lideranças indígenas importantes, fundamos Kakané Porã, primeira aldeia indígena urbana do Sul do Brasil, que completou dez anos em 2018. Concluí também uma pós-graduação em Cinema e, em 2019, meu documentário que denunciava a prática do infanticídio escondida pelo governo do PT, completa dez anos. O filme me rendeu, à época, o Prêmio Internacional Jovem da Paz. Com a iniciativa conseguimos salvar a vida de crianças indígenas que até então tinham o seu choro abafado.

Faço este relato para dizer com legitimidade que este governo é de inclusão. Pela primeira vez na história do Brasil, uma mulher indígena, que concluiu o ensino médio em Escola Pública, assume a Secretaria Nacional de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).

Quando recebi o convite de uma mulher apaixonada pelos povos indígenas para assumir esta missão, a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, eu sabia que havia chegado o momento de executar o melhor governo da história do Brasil para os povos indígenas. Por muito tempo, fomos subjugados. Nosso povo foi escravizado por ONGs e partidos políticos que queriam nos deixar em uma redoma. Não era raro ver imagens do nosso povo sendo associadas com o governo anterior, mas nas aldeias os parentes estavam passando fome.

Não tenho medo em errar ao dizer que o governo do PT foi o pior período para os povos indígenas. No dia 28 de dezembro de 2009, no apagar das luzes, faltando poucos dias para findar o ano, o então presidente Lula assinou o Decreto 7056 que sucateou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e, desde esse decreto, não se viu uma semente para plantio em nossas aldeias. Um exemplo próximo é o estado do Paraná, que desde este período não tem um centavo de recursos e precisa se reportar às administrações do órgão em Santa Catarina. Foram tempos obscuros na política indigenista. ONGs recebendo milhões em recursos e nossas aldeias definhando. Mas este tempo acabou.

O presidente Jair Bolsonaro nos deu autonomia para libertar os povos indígenas desta mazela social e ideológica que outrora foi imposta. Os povos indígenas não querem mais viver de doação, querem produzir. Um exemplo de sucesso é o povo Pareci, do Mato Grosso, que fez uma grande colheita de soja, mas foram multados em R$ 139 milhões, em 2018. O presidente deixou claro ontem que isso não vai mais acontecer no Brasil. E, a partir de agora, os povos indígenas terão autonomia em sua produção, além de apoio do governo. Nosso subsolo contém muitas riquezas e, por décadas, ONGs persuadiram nossos parentes a não explorarem as riquezas naturais que estão nas terras indígenas. Mas, nosso povo é guardião das florestas.

Sabemos de forma tácita explorar sem prejudicar o meio ambiente. Por séculos nosso povo sobreviveu da caça e da pesca. Isso, porque sempre foi feito na medida correta, sem exagero, assim também deve ser neste novo ciclo. Este governo quer dialogar com os indígenas nas aldeias, na base. O General Franklimberg já está em processo de fortalecimento da Funai nas bases. Este governo não quer intermediários, quer investir direto nas aldeias. E este também é o desejo das lideranças tradicionais. Eles não querem que ninguém mais fale por eles. E nós vamos dar voz aos indígenas. Literalmente dar a vara de pescar. Não queremos falar de problema, mas de solução. Vamos retirar o nosso povo de uma escuridão. Vivemos em um país lindo, rico e maravilhoso. Os maiores aquíferos estão sobre nossas terras. Temos de resgatar o orgulho de ser indígena. Lutar pela interação do nosso povo. A partir de 2019, a Funai será a casa do indígena. Por meio da agricultura, etnoturismo, projetos de empreendedorismo, vamos fazer um governo de inclusão, de diálogo e de respeito aos povos originários deste país.

Sandra Terena é indígena do povo Terena e secretária nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. É formada em Jornalismo e pós-graduada em Comunicação Audiovisual. Ganhadora do prêmio internacional Jovem da Paz pelo documentário Quebrando o Silêncio.

O risco de mais uma década perdida no Brasil - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 20/04

Desequilíbrio nas contas públicas e o explosivo endividamento do Estado produziram estagnação

O país avança para completar o oitavo ano de estagnação econômica. De 2011 a 2018, segundo dados oficiais, a média de crescimento do Produto Interno Bruto foi de 0,5% ao ano.

Significa que a economia não cresceu, pois ficou abaixo da taxa de expansão demográfica nos 84 meses terminados em dezembro. As evidências do primeiro trimestre deste ano sugerem a continuidade dessa lenta, segura e gradual decadência.

Outra medida da paralisia está na evolução do PIB per capita, quando a soma da riqueza produzida é dividida pela quantidade de habitantes. Nesse caso, os resultados ganham cores mais dramáticas: houve queda de 0,3% ao ano, de 2011 a 2018.

Tal regressão só é comparável à registrada nos anos 80 do século passado. Naquela década, o PIB cresceu à média anual de 1,6%. A queda foi de 0,3% ao ano no PIB per capita.

Aquele período foi caracterizado por forte expansão da dívida pública e descontrole do processo inflacionário —os preços aumentaram na escala de 84% num único mês. Por isso, o ciclo dos anos 80 figura nos livros de história como a “década perdida".

A sociedade, na época, reagiu com firmeza e obrigou a elite dirigente a encontrar meios de reequilibrar a economia. O longo ciclo terminou numa criativa — e feliz — obra de engenharia político-econômica que deu origem à moeda paralela e estável URV (Unidade Real de Valor), vinculada à taxa de câmbio, para conversão de salários, taxas, tarifas e preços. Essa moeda de transição aplainou o terreno para o Real, em 1994.

Um quarto de século depois, a inflação está domada, mas o desequilíbrio nas contas públicas e o explosivo endividamento do Estado produziram a estagnação que arrasta os brasileiros para o oitavo ano seguido de empobrecimento.

É preciso consciência sobre a velocidade da ruína: o valor do PIB per capita no ano passado ficou 8% abaixo do nível de 2014. As sequelas são visíveis na concentração da renda, na qualidade de vida, na deterioração dos sistemas de educação, saúde e segurança. O número de desempregados ultrapassa 13 milhões, e a taxa de desemprego já é quase o dobro do que era há sete anos.

Os riscos são óbvios. Governo, Congresso e Judiciário precisam parar de desperdiçar energias com questões periféricas e procurar se entender, o mais rapidamente possível, sobre os meios de resgatar o país da regressão em que se encontra.

Cada qual tem uma fatia de responsabilidade. No Congresso, por exemplo, um passo inicial possível é acelerar a reforma da Previdência. O governo deveria avançar na redução dos custos de transação (menos impostos, menos burocracia etc.) e numa renegociação realista para o reequilíbrio financeiro dos estados. O Judiciário pode, e deve, ajudar na liquidação das travas à livre iniciativa.

Sem ação coletiva, esta será mais uma década perdida. E por obra de uma mesma elite dirigente.