quarta-feira, novembro 16, 2011

Praça do saber - ANCELMO GOIS



O GLOBO - 16/11/11


Praça do saber
A ocupação da Rocinha animou Eduardo Paes a retomar um velho projeto de desapropriar o antigo Clube Umuarama, no alto da Estrada da Gávea:

— Vamos fazer ali uma superpraça do conhecimento. Uma espécie de lan house pública para a Rocinha.

Eu apoio.

Boletim médico
Mestre Millôr Fernandes, 88 anos, deixou a Clínica São Vicente, onde foi internado no início de fevereiro, devido a um AVC. Se recupera em casa.

Não é jogo
Do ministro Aldo Rebelo rebatendo críticas de que não chamou esportistas para ocuparem os principais cargos do Ministério do Esporte:

— Não seria louco de convocar Paula Pini para integrar a seleção de vôlei. Mas para a secretaria-executiva ela tem longa experiência no Banco Mundial.

Pouso forçado
Aeroviários, em campanha salarial, tentarão parar hoje o Aeroporto de Guarulhos. Entre 10h e 11h. 

Clube do milhão
Hoje, depois das bilheterias do feriadão, o filme “O palhaço”, de Selton Mello, entra no clube do 1 milhão de espectadores.

Sem drogas
Sérgio Cabral lança hoje no colégio Tim Lopes, no Complexo do Alemão, uma cartilha sobre drogas e seus malefícios para os alunos da rede de ensino estadual.

Vovô que se cuide
Estão esgotados os ingressos para o “Tim Maia” até 18 de dezembro, fim da temporada carioca do maior fenômeno teatral do ano com texto de Nelson Motta. Destaque à parte é Tiago Abravanel, o neto de Sílvio Santos, que faz o papel do cantor.

Depois da Copa
Dilma, talvez às voltas com a Copa de 14, ainda não acordou para as Olimpíadas de 2016. O Brasil enrola a promessa ao COI de criar uma agência independente para controle de doping no esporte. O projeto parou na Casa Civil. Além disso, o laboratório brasileiro de doping, da UFRJ, está defasado.

Terra vai às compras
Os canais de TV fechada que se cuidem. O Terra segue na estratégia de comprar direitos de transmissão ao vivo de grandes eventos esportivos. Após assegurar o Pan de 2011 e as Olimpíadas de 2012, acaba de comprar os direitos da Liga Europa, a segunda competição de clubes mais importante da Europa, por US$ 4 milhões.

No mais
Os EUA avisaram que as condições de segurança dos Jogos de Londres, em 2012, não são suficientes. O governo britânico disse que vai usar mísseis para garantir a segurança. Deve ser terrível realizar Olimpíadas num pais inseguro.

Rocinha pedala
Mesmo depois de quebrar o braço numa queda de bicicleta, Eduardo Paes é todo animação com o projeto Bike Rio, patrocinado pelo banco Itaú. Ele pediu para instalar uma estação de aluguel na Rocinha (terra das motos) e arredores. Hoje, a frota é de 250 bicicletas. Até o fim do ano, serão 600.

Aliás,
Luciano Huck é um dos entusiastas do Bike Rio: 
— No último domingo foram 1.853 viagens! Até agora, não houve roubo ou depredação.

Repouso do guerreiro
Por falar em duas rodas, o secretário Beltrame passeava ontem com o seu filho de bicicleta, em Ipanema, trajando bermuda, camiseta e tênis.

Chupa-cabra
Foi encontrado ontem numa agência do Santander na Barra um chupa-cabra (leitor óptico de cartões). A polícia ainda não sabe se houve lesados.

Volta, Juliana!
Juliana Paes foi de mala e cuia para São Paulo. Ficará lá por um mês gravando um reality show para o GNT.

Caminho da...
Não se faz a tradicional família tijucana como antigamente. Faixas no Tijuca Tênis Clube convocam para a festa de fim de ano das Mulheres Tijucanas, dia 8, com uma foto do tronco de um rapaz sarado, com as mãos no cós da calça, mostrando as covinhas do abdômen mais conhecidas pelo sexo oposto como caminho da felicidade.

A velha máxima - ALON FEUERWERKER



CORREIO BRAZILIENSE - 16/11/11


Resta a Assad e aliados ameaçar o mundo com a conflagração geral. Mas uma regra não escrita ensina que ameaçar com o caos e o apocalipse é recurso dos fracos, nunca dos fortes
Pouco menos de um ano após a eclosão das revoltas árabes, o processo parece longe de estancar. A bola da vez é a Síria, cujo regime caminha para o isolamento irreversível e o fim previsível. 
Claro que em política tudo, ou quase, é possível. Mas se Bashar Assad sobreviver ao cerco será um milagre daqueles. Para figurar em páginas nobres nos livros de história. 
Tem restado a Assad e aliados ameaçar o mundo com uma conflagração em larga escala. No cenário mais apocalíptico, Irã e Hezbollah arrastariam Israel ao conflito, alterando o caráter da disputa. 
Parênteses. Uma regra não escrita ensina que ameaçar com o caos e o apocalipse é recurso dos fracos, nunca dos fortes. 
Na universalização do conflito agitada por Damasco a luta para apear um regime despótico cederia lugar ao combate pan-islâmico contra os Estados Unidos e seu campo. 
E o movimento das massas árabes e islâmicas viveria uma mudança qualitativa, passaria a um novo patamar. Anti-imperialista. 
Mas é improvável que aconteça assim. 
Durante a Guerra do Golfo, Sadam Hussein lançou mísseis sobre Israel para tentar provocar uma resposta israelense, o fato novo que permitiria ao líder iraquiano romper a frente adversária que se fechava sobre ele como tenaz. 
Ação militar em que aliás a Síria estava aliada aos Estados Unidos. 
Não deu certo. As tropas iraquianas foram expulsas do Kuait e uma década depois o próprio Sadam acabou na forca. 
A Síria terá dificuldade de arrastar outros jogadores para o palco do infortúnio exatamente porque cada um zela em primeiro lugar pelo próprio pescoço. 
E os regimes árabes e muçulmanos, mais ou menos despóticos, cuidam neste curto prazo, antes de tudo, da própria sobrevivência. O episódio líbio deve ter sido pedagógico. 
É improvável que as imagens de um antes poderoso Muamar Kadafi barbaramente agredido, seviciado e morto não tenham tido efeito dissuasório entre os colegas. Pelo menos entre os que ainda não cruzaram o rubicão. 
E os sinais emitidos pelas potências são claros: há espaços na nova ordem, desde que o sujeito não tenha ultrapassado certos limites. E que escolha o lado, digamos, certo. 
Um bom exemplo é o Líbano. O Hezbollah é a força hoje hegemônica, vem no ápice do poderio militar, mas anda politicamente tolhido, exatamente pelo peso específico que alcançou. 
Eventual ataque da guerrilha xiita a Israel desencadearia contra-ataque devastador. E as demais forças libanesas não parecem dispostas a provocar uma tragédia nacional para defender a enfraquecida cúpula alauita de Damasco. 
O momento do Irã é semelhante. Os iranianos precisam de tempo para concluir os passos necessários ao domínio da tecnologia nuclear bélica. Todos os movimentos de Teerã são para “comprar” tempo. 
Inclusive para decidir se vão até o fim na empreitada. Uma dúvida com potencial para rachar o núcleo dirigente. Pois no melhor desdobramento o Irã se transformaria na potência regional hegemônica. Mas há o pior, em que deixaria de existir como nação independente. 
Uma escolha e tanto. 
Na operação para obter tempo o Irã conta com blindagens importantes, o Brasil incluído. Escorregar para a guerra prematuramente seria um erro. Correria o risco de perder aliados políticos e não teria chance no cenário militar. 
O colapso de Assad constituirá um problema para Teerã, mas sempre será possível buscar o modus vivendi com eventuais sucessores. 
Afinal, o Oriente Médio comprova a velha máxima de que a política é também a arte de estar pronto a se aliar com qualquer adversário, e a romper com qualquer aliado. 
E agora? 
O relatório mais recente da Agência Internacional de Energia Atômica deixa claros os passos do Irã para trilhar o caminho do poderio nuclear para fins militares.
Aguarda-se o que o Brasil fará a respeito. Provavelmente nada. O que apenas reforçará uma suspeita. Alguém concluiu, por algum motivo, que o Brasil tem a ganhar com um Irã nuclear. 
Falta só explicar ao povo brasileiro o porquê. 
Lá atrás o Brasil podia pretextar uma dúvida razoável a respeito dos objetivos bélicos do programa iraniano. Luiz Inácio Lula da Silva agarrou-se nisso até o fim.
Mas, e agora?

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE



O ESTADÃO - 16/11/11


No ar
Passageiros, atenção: o clima deve esquentar. Empresas e sindicalistas começaram a discutir a porcentagem do dissídio anual dos empregados no setor de aviação. Marcado para dia 1º de dezembro.

Inicialmente, os trabalhadores pediram 15% de reajuste. Depois, baixaram para 13%, muito acima da inflação. Os patrões oferecem... a inflação: 6%.

No ar 2
No ano passado, depois de 81 dias de negociação, o Sindicato dos Aeroviários quis paralisar a categoria no dia 23 de dezembro, antevéspera do Natal. Desistiu. E um acordo foi fechado somente depois das festas, em janeiro.

A novela vai se repetir?

Ele, Batista
Eike Batista lança, este ano, livro para chamar de seu.

Nada sobre vida particular, mas, sim, sua trajetória profissional e a história de suas empresas. Deve sair em dezembro.

Ganha-ganha
Edson Aparecido intercedeu e a Superintendência do Trabalho Artesanal, de Soninha Francine, sai do Cidade 1. Vaiganharvitrine mais charmosa, em uma casa do Parque da Água Branca.

A mudança interessa ao braço-direito de Alckmin, que está de olho no atual espaço da Sutaco para expandir sua Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano.

Ganha-ganha 2
Apesar da aliança “à la Granero”, Soninha adianta: não tem pretensão de sairdo páreo municipal para apoiar um candidatotucano. “Quero serprefeita, e o PPS pretende ter candidatura própria. Só aceito uma secretaria se não for eleita”.

Meia dúzia
O C-5, que reúne câmaras de comércio e indústria de Pequim, Berlim, Londres, Moscou e Paris, vai mudar para C-6.O Brasil acaba de ser integrado, via Fiesp.

Apróxima reunião está marcada para 2012, na capital inglesa, durante as Olimpíadas.

Exemplo
A Lei Antifumo, criada na gestão Serra, enfrenta corpo-mole de alguns dos atuais dirigentes do governo do Estado, acostumados a dar baforadas em seus domínios.

O cigarrinho anda solto pelos gabinetes oficiais.

A conferir
Donato, vereador relator das finançasde Kassab,concluiuparecer reprovando a prestação de contas do prefeito em 2009. E jura que conseguiu acordo para votar o assunto hoje.

Classe AAA
Foram vistos no restaurante D.O.M., no fim da tarde de quinta-feira, Rogerio Fasano e AlexAtala. Dividiam uma pinga.
Novos negócios à vista?

Especialíssimo...
A obra de Anish Kapoor que aterrissará em Inhotim não será mais a Vermelho, que está no Gran Palais de Paris.

O próprio artista sugeriu desenho de uma peça e special para entrar no espaço de Bernardo Paz.

...duplo especial
Também será erguido em Inhotim um pavilhão para Tunga. Onde “morarão” quatro obras secundadas com documentário.

Grafiteiro
Além de apoiar galerias brasileiras no Miami Art Basel, em dezembro, o Projeto Brasil Arte Contemporânea garantiu participação de Speto no Primary Flight–maior evento de arte ao ar livre do mundo.

Ele terá uma semana para grafitar muro gigante em Miami, que ficará “exposto” por um ano.

Esperançosa
Miranda Kassin cantou Helpless durante jantar que Eduardo Fischer promoveu, sexta em sua casa, em torno do Fórum Global de Sustentabilidade – que acontece paralelamente ao Festival SWU. Aintenção? Que o compositor da música, Neil Young, presente ao evento, se juntasse a ela.

O canadense agradeceu ... e nada.

Esperançosa 2
As verdes Marina Silva e Daryl Hannah foram as ausências mais sentidas da noite.
Por causa do temporal na região de Paulínia, onde estavam para participar do Fórum, não conseguiram voltar a São Paulo.

Na frente
O Black Eyed Peas escolheu o Kosushi para jantar domingo à noite. Foram os últimos a sair.
José Victor Oliva abre sua casa para jantar em torno de Galvão Bueno. Dia 22.
A Riachuelo lança sua coleção Fashion Five. Hoje, na Casa Fasano, no Itaim Bibi.
A Galeria Jacques Ardies abre exposição de arte naïf brasileira. No sábado.
Thomas Baccaro, fotógrafo, inaugura exposição no Brazilian Endowment for the Arts, em Nova York. Amanhã.
Frederico Curado, da Embraer, assumiu a presidência da seção brasileira do Conselho Empresarial Brasil-EUA. Rubens Barbosa é o novo presidente emérito da entidade.
Galeno Amorim, da Fundação Biblioteca Nacional, comemora. Voltou do México com mais um título. Presidente do Conselho do Centro Regional do Livro para a América Latina e o Caribe.
Corre pela internet: ainda bem que o traficante preso na Rocinha se chama Nem. Se fosse Enem, teria... vazado. 

Agronegócio e segurança alimentar, inimigos? - ANDRÉ MELONI NASSAR



O ESTADÃO - 16/11/11

Na semana passada foi realizada a IV Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que teve como lema "alimentação adequada e saudável: direito de todos". Um leitor desatento certamente veria nesse tema uma proposta a apoiar de olhos fechados. Mas uma leitura mais detalhada, que se propusesse a entender as razões que dão suporte a esse lema, provavelmente levaria vários leitores a ter dúvidas quanto a um apoio irrestrito a ele. Tendo lido com cuidado tais razões, duas perguntas me vêm à cabeça: quais são as motivações dos líderes da formulação das políticas de segurança alimentar no País para fomentarem o debate que afirma que o modelo agrícola brasileiro é uma ameaça à segurança alimentar e nutricional? Essa decisão de colocar como inimiga a produção agrícola que utiliza tecnologia, está integrada aos mercados (nacionais e internacionais) e busca competitividade via ganhos de escala - agronegócio - procede?

Não sei a resposta à primeira pergunta. Mas posso dizer que ela é baseada na crença de que o agronegócio gerou a miséria que ainda existe no meio rural brasileiro. Nessa linha, é o agronegócio que impede o desenvolvimento dos povos tradicionais, indígenas e minorias étnicas que vivem dos recursos naturais, pois é um modelo baseado em escala - confundida por essas lideranças como monocultura - que concentra terra e, pelo uso de sementes transgênicas e agrotóxicos, promove a destruição da biodiversidade, de que tanto dependem tais povos. Além disso, segue o raciocínio, o agronegócio não possibilita a emergência e o acesso a tecnologias adaptadas para esses povos e aos agricultores familiares. Paro por aqui antes que eu seja convidado a fazer parte do Consea. E me concentro na resposta à segunda pergunta.

Não se trata de negar que ainda persistam no País situações de insegurança alimentar e que as comunidades onde a insegurança mais predomina são as dos povos tradicionais e indígenas. O problema existe e precisa ser combatido, com ações governamentais e o reconhecimento da sociedade de que a História do Brasil carrega um passivo que precisa ser atacado. Aliás, vale lembrar que muitas outras nações encontram o mesmo tipo de desafio e o estão enfrentando, em muitos casos, de formas diversas das escolhidas por aqui.

É preciso lembrar ainda que, como qualquer economia que ainda tem instituições em formação, problemas de corrupção e definições frágeis de questões-chave, como direitos de propriedade e ameaças à biodiversidade, existem: nas propriedades rurais, nos assentamentos da reforma agrária e nas reservas indígenas. É sabido que o desmatamento e a degradação florestal ocorrem nos três, sem privilégio de culpabilidade para nenhum deles.

Também posso reconhecer sem maiores dificuldades que boa parte da pesquisa agrícola, e tenho muitas e boas razões para afirmar que essa foi uma opção correta, está orientada para desenvolver tecnologias que tornam os sistemas produtivos - via sementes melhoradas, práticas de produção que usam melhor a terra, técnicas de manejo que procuram maximizar o uso dos insumos, etc. - mais eficientes e com maior produtividade. Tais pesquisas procuram dar soluções tecnológicas a sistemas produtivos que estão integrados aos mercados, uma vez que estes são caracterizados pela competição e pela tendência estrutural de queda real dos preços dos alimentos. Assim, sistemas de produção de base agroecológica, defendidos como opção correta pela conferência citada, que atendem predominantemente mercados locais e ainda não se mostraram capazes de produzir com eficiência e escala as commodities comercializadas nos mercados globais, tendem a receber menos atenção dos pesquisadores e das empresas de pesquisa.

Por fim, podemos facilmente verificar que o modelo agrícola brasileiro usa bons contingentes de terra, como o fazem as reservas indígenas e o faria a produção agroecológica se todo o alimento consumido no Brasil viesse desse tipo de agricultura. Usar terra, assim como comprometer a biodiversidade, não é e nunca será exclusividade do agronegócio.

Todas as questões apresentadas têm, ao menos em teoria, soluções. Nenhuma delas, no entanto, emerge do reconhecimento, explicitamente colocado em todos os documentos de suporte à conferência, do papel de vilão do modelo agroexportador brasileiro. Mais do que isso, todas as soluções podem ser idealizadas e implementadas independentemente da existência do agronegócio. Ou seja, embora seja a escolha feita pelas lideranças da segurança alimentar - a de que só o modelo da agroecologia pode garantir segurança e qualidade alimentar no Brasil e, portanto, o agronegócio não beneficia as camadas da sociedade que enfrentam a insegurança alimentar -, a emergência de um não ocorre em detrimento do outro. Somente na cabeça dos formuladores das políticas de segurança alimentar no Brasil é que todos os problemas serão resolvidos se o agronegócio for extirpado.

Trata-se de uma visão ideológica, que confunde o modelo agrícola contemporâneo - aquele que se desenvolveu a partir dos anos 1970 e hoje conhecemos como agronegócio - com a exploração do patrimônio rural do passado histórico brasileiro e tem enorme dificuldade de reconhecer no Estado o grande responsável pelos problemas de insegurança alimentar que perduram no Brasil. São os setores do agronegócio integrados aos mercados globais que estão incorporando, nos seus sistemas produtivos, ações de sustentabilidade e de responsabilidade social. Ignorar esse fato e igualar o agronegócio ao proprietário de terra do passado brasileiro significa apagar a História recente do Brasil em busca de um modelo de meio rural em decadência.

André Meloni Nassar é diretor-geral do Icone e coordenador da RedeAgro.

DUELO BANDIDOS


Risco à produção - ILIMAR FRANCO



O GLOBO - 16/11/11


O relator do Código Florestal no Senado, Jorge Viana (PT-AC), cedeu às pressões do Ministério do Meio Ambiente e decidiu considerar que os apicuns (área de criação de camarões) são manguezais. Amanhã, ele vai tentar convencer o relator na Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), a aceitar a mudança. "Isso vai gerar insegurança jurídica. Essa atividade envolve cem mil trabalhadores. Ninguém pode garantir a conduta do Ministério Público e do Ibama no futuro", contesta Alves.

São Paulo e a faxina
O governo federal há muitos anos tem adotado medidas para ampliar a transparência e a fiscalização de seus gastos. Agora, o governador Geraldo Alckmin decidiu ampliar o esforço de São Paulo no combate à corrupção. Seu governo acaba de criar um Sistema Estadual de Controladoria e o cadastro único de ONGs, que serão investigadas antes da assinatura dos convênios. Ao anunciar as mudanças, Alckmin afirmou que quer "a corrupção perseguida por terra, mar e ar". A imprensa passará a ter maior acesso aos gastos estaduais, pois o Portal da Transparência vai divulgar "todos os dados relevantes referentes à gestão".

"A presidente Dilma devia reduzir os ministérios e profissionalizar o serviço público, acabando com essa quantidade de cargos de livre nomeação. Vamos avançar!” — Miro Teixeira, deputado federal (PDT-RJ)

UNIDADE. O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), vai reunir a bancada petista amanhã para debater a adoção de uma posição conjunta sobre a nova distribuição dos royalties. Os petistas querem adotar, segundo o líder Paulo Teixeira (PT-SP), “uma linha de maior suavidade nessa transição”. Inspirados pela presidente Dilma, os petistas querem construir um acordo pelo qual o Rio perderia menos e os demais estados ganhariam, mas nem tanto como no texto aprovado pelo Senado.

Petisco
As frentes pela criação dos estados de Tapajós e Carajás estão afirmando, em seus programas de TV, que a fatia do Pará no Fundo de Participação dos Estados, com a criação das duas novas unidades, pulará de R$ 8 bi para R$ 11 bi.

O que dizem
Os que defendem a manutenção da unidade do Pará, no plebiscito de 11 de dezembro, adotaram como lema: "Juntos somos mais fortes". O lema dos que defendem a divisão do estado é: "Se é bom para todos, não podemos ser contra".

Chegou a vez da cidade de São Paulo?
Depois de a cidade do Rio de Janeiro ser escolhida para sede das Olimpíadas de 2016, o Brasil faz agora ofensiva diplomática para que a cidade de São Paulo receba a Expo Mundial em 2020. Na próxima semana, com uma carta da presidente Dilma nas mãos, o vice Michel Temer estará em Paris, ao lado do governador Geraldo Alckmin e do prefeito Gilberto Kassab, apresentando a candidatura brasileira. A Expo Mundial de 2012 será em Yeosu, na Coreia do Sul, e a de 2015, em Milão, Itália.

Origem
Primeiro, a presidente Dilma foi à Bulgária, país de nascimento de seu pai, Pétar. Agora, é a vez de o vice Michel Temer fazer o mesmo. No domingo, ele será recebido na cidade de Btaaboura, norte do Líbano, onde nasceu seu pai, Miguel.

Uma leitura
Sobre as quedas de ministros no governo Dilma, líderes da oposição fazem a leitura de que a presidente está se livrando agora dos ministros que teve de manter por causa da composição eleitoral costurada pelo ex-presidente Lula.

O PT de Pernambuco está em campanha para impedir a nomeação do ex-vice-presidente Marco Maciel para a Comissão da Verdade, que será criada nesta sexta-feira pela presidente Dilma.

O MINISTRO 
Carlos Lupi (Trabalho) já é considerado carta fora do baralho. Ele quebrou a louça. Só não se sabe, ainda, como e quando ele vai cair do galho.

ESTILO. A conduta do governo Dilma, de fritura dos ministros acusados de irregularidades, está criando uma bancada de ressentidos na base aliada.

Sinal importado - MIRIAM LEITÃO



O GLOBO - 16/11/11


As ações do setor financeiro caíram muito este ano, mas os bancos continuam com lucros altos. A receita das empresas cresceu no terceiro trimestre, mas o lucro líquido despencou porque os custos internos aumentaram. A desvalorização do real ajuda as exportações, mas a alta do dólar aumentou o endividamento das empresas que captaram em moeda estrangeira.

A radiografia das empresas brasileiras que já divulgaram balanços no terceiro trimestre mostra como a crise internacional tem nos afetado e causado distorções. As ações dos bancos estão com queda de 17% no ano, mas os resultados têm agradado aos analistas, principalmente porque a concessão de crédito continua forte. O lucro líquido do Itaú Unibanco cresceu 24% no terceiro trimestre em relação ao mesmo período de 2010; do Bradesco, 11,4%; do Banco do Brasil, 11%. De janeiro a setembro, o Itaú bateu o recorde de lucro dos bancos brasileiros, mas suas ações caem 17,8% no ano.

A analista da Ativa Corretora Luciana Leocadio explica que há um descolamento negativo de alguns setores na bolsa, por causa da crise. Mesmo quando as empresas estão bem, as ações caem:

— Os resultados operacionais do setor financeiro estão muito bons, mas as ações estão em queda por causa da crise, que tira confiança e afasta investidores estrangeiros. A mesma coisa acontece com a construção civil.

A queda das ações não atrapalha o dia a dia e o fluxo de caixa das empresas, segundo Luciana, mas dificulta investimentos caso elas tenham que ir a mercado se financiar.

Levantamento da Economática com 127 empresas que divulgaram balanços, excluindo Vale, Petrobras e setor financeiro, mostrou que a receita subiu 11,1% no terceiro trimestre, em relação a 2010, mas o lucro líquido caiu 51%. A alta do dólar aumentou o custo dos insumos importados e também fez disparar as dívidas contraídas em moeda estrangeira.

A economista Monica da Bolle, da Galanto consultoria, aponta a inflação como uma das causas para o aumento dos custos internos das empresas e da indústria brasileira de uma forma geral:

— A inflação está pesando no custo das empresas. Ela fez com que os reajustes salariais ficassem mais fortes, acima da própria inflação, então o custo do emprego para a indústria subiu.

A Vale teve lucro líquido de R$ 7,8 bi no terceiro trimestre, mas o resultado é 25% menor do que o do mesmo período de 2010. Isso aconteceu apesar do aumento de preço e volume de seus produtos exportados. A exportação de níquel subiu 62%; cobre, 45%; carvão, 7,5%. Os preços dos fertilizantes subiram 38%; do carvão, 17%; minério de ferro, 8%; cobre, 4%. O problema, segundo a Concórdia Corretora, foi o aumento dos custos e das despesas operacionais. A companhia pagou mais caro por royalties, serviços terceirizados e insumos. No ano, as ações da Vale caem 7%, mas o lucro líquido nos três primeiros trimestres aumentou 46%.

Siderurgia e papel e celulose são os setores que têm apresentado os piores resultados. A Fibria teve prejuízo líquido de R$ 1,1 bi no terceiro tri. As margens da empresa foram afetadas pela queda nos preços, aumento de custos e a disparada do dólar. A Europa é grande compradora de celulose e a redução de gastos dos governos esfria a economia como um todo.

A Usiminas teve queda de 53% no resultado operacional e redução de 80% no lucro líquido em relação ao mesmo período de 2010. A companhia enfrentou vendas e preços internos mais baixos, e custos mais altos das principais matérias-primas.

A Petrobras aumentou o resultado operacional em 13,1% no terceiro trimestre, mas o lucro líquido caiu 26% por causa da alta da moeda americana e do endividamento em dólar. No ano, as ações PN caem 17%, mas nos três primeiros trimestres o lucro líquido subiu 15%. Neste caso, a queda na bolsa tem mais relação com a interferência política na empresa do que com a crise internacional.

A indústria como um todo sofreu uma retração de 0,8% no terceiro trimestre, depois de ter recuado 0,6% no segundo. Os investimentos caíram 3,5%. Mas o comércio varejista acelerou no período, de 1,1% para 1,6%. Há sinais claros de desaceleração, mas a economia manteve o crescimento. No ano, apenas três setores sobem na bolsa: telecom (11%), energia (4,8%) e veículos e peças (0,3%). Não faz muito sentido que as empresas brasileiras tenham tido um desempenho tão ruim na Bolsa de Valores. É efeito da crise externa.

Tráfico e ordem - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 16/11/11

SÃO PAULO - De acordo com o estereótipo, traficantes dominavam a Rocinha impondo um reinado de terror. Os bandidos viviam de predar os moradores e tratavam de mantê-los sempre assustados o bastante para que não denunciassem as suas movimentações à polícia.

Como todo chavão, este combina alguns grãos de verdade com muitas mitificações. O que os estudos sobre gangues revelam é que sua relação com a comunidade é muito mais complexa e nuançada do que sugerem nossas intuições de bem e mal.

De um modo geral, os bandidos evitam cometer atos de violência contra a população da área onde vivem, pois dependem da vizinhança para quase tudo, desde conseguir a próxima refeição até informações sobre a polícia, como mostrou o trabalho do sociólogo Martín Sánchez-Jankowski, que passou dez anos vivendo entre gangues nos EUA.

A pergunta que não quer calar então é: por que as comunidades toleram as quadrilhas? Frequentemente, elas constituem o melhor sistema de segurança disponível. Habitantes de favelas e guetos raramente confiam na polícia, que é ainda menos eficiente nesses lugares e não costuma ter vínculos com a população. O advento das milícias no Rio não ajudou a melhorar a imagem da corporação.

Já os membros das quadrilhas representam uma força que, apesar de caprichosa e por vezes cruel, está sempre presente e acaba impondo algum tipo de ordem.

Faz sentido, portanto, a filosofia por trás das UPPs, que pretende substituir a paz dos traficantes por uma polícia mais próxima da comunidade, reforçada ainda por políticas sociais, que constituiriam uma espécie de cereja no bolo.

Resta saber se o Estado, que não funciona direito nem em áreas onde está implantado há muito tempo, vai conseguir impor-se nos morros. A corrupção das forças policiais e a dinheirama gerada pela economia das drogas representam complicadores que não devem ser desprezados.

Esteira 5 - CRISTINA GRILLO


FOLHA DE SP - 16/11/11

RIO DE JANEIRO - Madrugada de terça, dois voos internacionais lotados chegam ao mesmo tempo no aeroporto internacional do Rio. Em qualquer cidade medianamente desenvolvida, isso é fato corriqueiro. Aqui, é prenúncio de aborrecimento para os passageiros.
A fila do controle de passaporte preocupa. Fazendo um cálculo conservador, 500 pessoas aguardam para serem atendidas por seis funcionários. Mas, surpresa, anda mais rápida do que se poderia imaginar.
A encrenca começa na hora de pegar as bagagens. A primeira leva -pouco mais de meia dúzia de malas- surge rapidamente na esteira 5, mas fica nisso. Passam-se dez minutos até que novo carregamento apareça.
A entrega a conta-gotas prossegue. Um cartaz informa que, em caso de reclamações, o passageiro deve se dirigir à companhia de aviação. A moça com uniforme da empresa diz aos queixosos: "É sempre assim, demora mesmo". Solícita, avisa aos viajantes cansados e, agora, estressados: "Às vezes, extravia". Em voo sem escalas? "Também", responde.
Uma hora após o pouso, grande parte dos passageiros ainda espera, ansiosa, por suas malas. É o momento exato para a lei de Murphy ("se algo pode dar errado, dará") entrar em ação: a esteira 5 enguiça.
Os passageiros emudecem. É praticamente um minuto de silêncio pela esteira 5. Até que surge a primeira vaia, o primeiro grito de "mala, mala", logo acompanhado em coro pelos viajantes. Do meu lado, o estrangeiro que chegava ao Rio pela primeira vez, em uma viagem de negócios, pergunta: "É sempre assim?".
Uma hora e quarenta minutos após o pouso, consigo encontrar minha bagagem. Saio dali fazendo as contas: faltam dois anos e meio para a Copa do Mundo, quatro anos e meio para os Jogos Olímpicos. Será que até lá teremos um aeroporto de verdade ou vamos ter que continuar
a gritar "mala, mala"?

FHC vê rede de corruptos como herança de Lula



O ESTADÃO - 16/11/11

Desafio da presidente será desmontar esquema criado ao longo do segundo mandato do antecessor

DENISE CHRISPIM MARIN , CORRESPONDENTE / WASHINGTON - O Estado de S.Paulo

O maior desafio político da presidente Dilma Rousseff será desmontar o sistema de corrupção e de fisiologismo criado ao longo do segundo mandato do ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva. A tarefa será essencial para garantir a governabilidade e preservar a democracia brasileira de danos maiores, advertiu o tucano Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil entre 1995 e 2002. A grande interrogação, afirmou Fernando Henrique, está na real capacidade de Dilma Rousseff executar esse desmonte.
"Espero que a presidente Dilma consiga avançar mais. Mas, para isso, ela terá de alterar as bases de sustentação do governo", afirmou FHC ao Estado ontem em Washington, onde participou da conferência Acabando com a Guerra Mundial contra as Drogas, organizado pelo Cato Institute. "Se ela pode? Esse é o grande ponto de interrogação."
Conforme explicou o ex-presidente, esse desmonte passa pelo fim da "obsessão" gerada no segundo mandato de Lula de ampliar a base aliada do governo no Congresso Nacional, a partir de concessões de "certos pedaços do Estado" ou do "acesso a recursos" públicos por diferentes setores partidários. Fernando Henrique disse não entender a razão dessa necessidade tão premente no governo de Lula e lembrou ter o seu governo conseguido aprovar reformas constitucionais no Congresso sem valer-se de tal artifício.
FHC tentou poupar a presidente ao falar com o Estado. Em especial, de um naco de responsabilidade pela montagem desse sistema de corrupção e clientelismo no segundo mandato de Lula, que hoje mina o seu próprio governo. Para ele, Dilma Rousseff herdou esse modelo, tem sido "sensível" às manifestações da opinião pública sobre os seguidos escândalos nos ministérios e enfrenta a incerteza sobre como e em quanto tempo se dará a recuperação do ex-presidente Lula.

Denúncias. Desde a posse da presidente Dilma, em 1.º de janeiro, denúncias de corrupção provocaram a queda de cinco de seus ministros. Três foram herdados de Lula, e um deles foi indicado pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB). Envolvido em denúncias capazes de lhe custar o cargo, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi (PDT), também fez parte do governo de Lula. PMDB e PDT são dois fortes pilares de apoio à administração de Dilma.
"Eu precisava de dois terços dos votos e fazia reformas na Constituição. Agora, o governo não precisa ter 400 deputados e 60 senadores o apoiando", constatou o ex-presidente tucano. "Está faltando mais visão do que o governo pode. Se a presidente Dilma entender que ela pode mais, que ela não precisa de tanto (apoio no Congresso), quem sabe seja possível (desmontar esse sistema)."
O presidente argumentou não ser possível aceitar a corrupção e o clientelismo como males que "sempre existiram" na política do País. Dado o sistema de fisiologismo montado nos últimos anos, a governabilidade está posta em risco e a própria democracia brasileira pode ser prejudicada. A mudança dessa situação, para ele, não depende apenas do governo, mas também da oposição. Porém, FHC não explicou como o PSDB e seus aliados poderiam contribuir. 
“Ou se aproveita a oportunidade agora para tentar alterar esse sistema ou podemos caminhar por muito tempo sob essa regra do jogo, que seguramente não é favorável à democracia, como aconteceu com vários países”, completou.

Na crise, capital vem ao Brasil - VINICIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE SP - 16/11/11

Depois de 2008 e de novo agora, investimentos estrangeiros na 'produção' brasileira aumentam


QUANTO MAIS o barco da economia mundial faz água, mais investimento externo "na produção" o Brasil recebe.

Mesmo descontadas as distorções cambiais e as aplicações financeiras que entraram disfarçadas em investimento direto (enfim pouco dinheiro, parece), o capital que veio para criar ou ampliar empresas aumentou no pós-crise de 2008 e de novo agora, depois que a recuperação mundial micou.

Cresceu também em termos relativos, como proporção do PIB. O surto de Investimento Estrangeiro Direto (IED), o nome oficial da coisa, é ainda mais impressionante neste 2011. Tome-se como base outubro de 2010, quando o governo brasileiro baixou medidas para limitar a entrada de aplicações financeiras, que não afetavam, claro, o IED, mas podiam "assustar o mercado".

Nos 12 meses anteriores a outubro de 2010, o IED acumulado era de 1,4% do PIB. Em maio deste ano subira a mais de 2,9% do PIB -isso quando já estava claro que a Grécia se esboroava, avariando também Europa e resto do mundo. Em setembro, o IED foi a mais de 3,3%.

Jamais ocorrera tamanha exuberância pelo menos desde 1995 -desde quando as contas brasileiras estão mais arrumadinhas.

A bem da precisão, o IED passou de 4% do PIB nos anos da grande desvalorização do real, entre 1998 e 2002. Mas isso é ilusão aritmética. O IED parecia enorme porque a economia brasileira ficou miudinha, em dólares, dada a desvalorização da moeda. De resto, o Brasil não crescia quase nada.
Sob certo aspecto, a enxurrada de dinheiro pode não parecer surpreendente. EUA, Europa e Japão não devem crescer tão cedo.

No Brasil, o risco relativo de investir é agora menor. Mal ou bem, o mercado interno continua a crescer ainda mais que a economia. Exemplos "pops" e anedóticos recentes do interesse pelo consumidor brasileiro: a Pepsi comprou a biscoitos Mabel, a Kirin comprou a Schincariol, Carrefour e Casino brigaram pelo Pão de Açúcar etc.

Há também oportunidades em infraestrutura, em transportes e em energia. Exemplo: os fabricantes de equipamentos de energia eólica, sem mercado nos EUA e na Europa, correm em massa para o Brasil.

Há o petróleo -a Sinopec, chinesa, depois de entrar na Repsol, agora foi de Galp. Não há espaço para listar os investimentos, inclusive de brasileiros retornando, mas a massa de capital é impressionante.
Tão impressionante que chama a atenção para outro aspecto da torrente de dinheiro: o risco de haver uma freada forte. Por quê? 1) O Brasil deve descolar apenas em parte da crise mundial; 2) Embora exista capital sobrando no mundo à procura de rentabilidade, a piora nas condições financeiras no mundo rico em tese deveria afetar a vontade de investir.

Porém, faz tempo que tais riscos e empecilhos estão claros para quem tem dinheiro, ainda mais para empresas grandes, que fazem planos além do curto prazo. E a torrente de dinheiro apenas aumenta.
O que está havendo? Petróleo, obras esportivas e a perspectiva de "ampliação do mercado de massas" pelo menos pelos próximos cinco anos estão fazendo as múltis relevarem os riscos de curto prazo? O Brasil virou uma aposta de duração ao menos quinquenal?

GOSTOSA


RENATA LO PRETE - painel

FOLHA DE SP - 16/11/11


Para sair do traço

A preocupação mais imediata do QG de Fernando Haddad é garantir a presença engajada de Marta Suplicy no evento petista do próximo dia 27, que de prévia se transformou em ato de lançamento da campanha do ministro à prefeitura paulistana. A tropa quer intensificar a agenda do pré-candidato na cidade. O objetivo é "anabolizar" sua intenção de voto nas primeiras pesquisas de 2012, de modo a facilitar alianças.
Enquanto Haddad se mantiver no MEC, o PT pretende estimular sua ida a programas populares de rádio e TV e construir um roteiro de visitas a associações de bairros nos maiores colégios eleitorais da capital.

Geral... Não é só em São Paulo que, conforme constatado num levantamento encomendado por tucanos, a popularidade de Dilma Rousseff está em ascensão.

...e irrestrita Pesquisas monitoradas pelo Planalto indicam que o fenômeno se repete em vários Estados, inclusive no Rio, onde os políticos ameaçam veladamente a presidente com perda de apoio caso ela não atenda a demanda local na questão dos royalties do petróleo.

Tia Dilma Alexandre Padilha (Saúde) geralmente escapa das broncas da chefe, que, no entanto, costuma brincar com o ministro em reuniões: "Você é que nem aquele aluno que é bom, mas que a gente tem de ficar no pé pra estudar, fazer lição...".

É daqui... Alheia aos protestos da "ala ética", a maioria silenciosa do PDT tem outro temor no que diz respeito a Carlos Lupi: se o ministro sobreviver até a reforma atingido por denúncias em ritmo diário, é bem capaz de Dilma usar seu estado de decomposição como argumento para tirar a pasta do partido.

...para pior Embora os pedetistas se queixem de que, sob Dilma, o Trabalho só perdeu espaço, eles acreditam que, numa eventual troca, acabarão ficando com algo ainda mais periférico.

Cada um... A defesa de Orlando Silva trabalha para tentar desvincular os fatos atribuídos ao ex-ministro do Esporte das acusações que pesam contra o governador Agnelo Queiroz (PT-DF) no escândalo de desvio de recursos públicos do programa Segundo Tempo.

...por si O relator do processo no STJ, César Asfor Rocha, prometeu conferir prioridade ao caso assim que os autos retornarem da Procuradoria Geral da República.

Quem dá mais? A Secretaria de Justiça inspeciona hoje 38 lotes de bens apreendidos de traficantes que serão leiloados em 14 de dezembro. Comissão montada pelo governo paulista tenta antecipar a venda dos itens, que atualmente só pode ocorrer depois de esgotadas as possibilidades de recurso judicial. O dinheiro será aplicado em programas antidrogas.

Ponto futuro A cada dia mais distante de um acordo com o PT em Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB) acena ao PSDB agitando o bilhete de 2014. Ciente de que não existe nome natural tucano para a sucessão de Antonio Anastasia, o prefeito oferece ao partido a chance de indicar seu vice em 2012, esperando ser ungido candidato ao governo dois anos depois.

Dois tempos Enquanto negocia a manutenção da aliança com Geraldo Alckmin em São Paulo, o PSD está sintonizado com Aécio Neves em Minas Gerais. Na eleição de BH, seguirá a orientação do senador, sobretudo porque a coalizão de Lacerda é chancelada por Eduardo Campos (PSB-PE), melhor amigo de Gilberto Kassab.

com LETÍCIA SANDER e FÁBIO ZAMBELI

tiroteio
"A palavra do governador, neste caso, é a prova de um crime e não de inocência. Agente público que reconhece que emprestou R$ 5.000 a um lobista está prevaricando."
DO DEPUTADO ONYX LORENZONI (DEM-RS), em resposta a Agnelo Queiroz (PT-DF), segundo quem sua palavra vale como prova de que o valor que recebeu de um lobista, quando na Anvisa, seria pagamento de empréstimo.

contraponto
Não esquenta...

Em depoimento para o filme "Tancredo - A Travessia", Francisco Dornelles narra episódio ocorrido em 1962, quando o tio virou primeiro-ministro, e ele, secretário do Conselho de Ministros. O hoje senador conta que foi a uma festa e lá encontrou alguém distribuindo cartões como se ocupasse o cargo que, todos sabiam, lhe pertencia. "Indignado, relatei isso ao Tancredo", lembra Dornelles.
-E ele estava satisfeito fazendo isso?- indagou o tio.
-Muito!- assentiu o sobrinho.
-Então não desmente que o problema está resolvido!

Desejo em carne viva - MARCELO COELHO


FOLHA DE SP - 16/11/11

Pele, película, disfarce, máscara, roupa: o filme de Almodóvar se organiza em função desse tema

Acho que Almodóvar exagerou a dose em "A Pele que Habito". Bizarros, extravagantes, seus filmes sempre foram. Nunca foram tão doentes, contudo, como agora.

É como se a graça e a inventividade do passado fossem apenas um disfarce, uma casca, uma película da qual o diretor agora se desfez.

Pele, película, disfarce, máscara, roupa: o filme se organiza, certamente, em função desse tema.
Volta e meia, a ideia de tirar a roupa, de rasgar as próprias vestes, aparece no filme. O rapaz que trabalha com a mãe num ateliê de costura brinca com a ideia; a jovenzinha que ele tenta seduzir tem impulsos de ficar nua; quando alguém não pode mais ser reconhecido pelos traços fisionômicos, é apenas através de uma peça de vestuário que tudo se esclarece.

Travestir-se de mulher, usar uma fantasia maluca de Carnaval, pintar-se com o estojo de maquiagem da mãe: brincadeiras de criança, sem dúvida, diante do que podem atualmente as tecnologias de transformação do corpo.

Imagine-se esse tipo de tecnologia nas mãos de um cientista demente. Não é apenas à recuperação de uma pele humana carbonizada que se dedica o personagem de Antonio Banderas, um cirurgião plástico pronto a ir até os limites de sua arte. Não conto mais do filme.

Mas além da realização, ou melhor, da "encarnação" assustadora das fantasias pessoais de Almodóvar, "A Pele que Habito" traz questões de outra natureza. Pelo menos, alguns detalhes da encenação me pareceram mais misteriosos do que o motivo identitário-sexual, tão explícito, da história.
Aí pelo meio do filme, Almodóvar faz um "flashback", conduzindo-nos para oito anos antes dos eventos que estava narrando.

Estamos num baile grã-fino, aí por volta de 2003. O estranho é que tudo -a música, as roupas, o colorido- evoca um passado muito mais remoto; 1963, quem sabe.

Impecável no seu smoking, Antonio Banderas lembra Sean Connery nos áureos tempos de 007.
Nunca fui de ver os filmes de James Bond, mas uma cena de um dos primeiros títulos da série me veio à memória, e talvez traduza a divertidíssima cara-de-pau que, penso, é um dos encantos do personagem.
Um mergulhador emerge da água.Chega à praia, tira a máscara e a roupa de borracha. É Bond, pronto para uma festa, de smoking e tudo.

A roupa de borracha, assim como o "body" inteiriço, cor da pele, que usa a protagonista feminina de "A Pele que Habito", são formas estranhas de valorizar ao máximo o belo desenho de um corpo, enquanto representam igualmente uma total interdição ao contato sexual.

O que parece para lá de esquisito, em Almodóvar, é a ideia de que talvez a própria pele de uma pessoa tenha essa dupla função. Se você tem desejos de mulher num corpo de homem, então até mesmo a sua pele seria como uma roupa da qual você quer se livrar; seu passado, sua personalidade, talvez sejam obstáculos para o desejo em carne viva.

Imagine então que não sejam os seus próprios desejos, mas os de um outro, o que tenha de ser descascado de dentro de você. Estamos aqui no campo do puro pesadelo. Mas é o campo, também, do cinema.

E Almodóvar "descasca", no seu filme, o segredo não apenas de suas próprias fantasias pessoais mas também o segredo de outros filmes. Não se trata apenas da sexualidade dos anos 60, a época de Monroe e Connery, que alimenta os cinquentões de hoje, e parece fixar-se especialmente na mentalidade gay.
"O Silêncio dos Inocentes", filme de 1991 com Jodie Foster e Anthony Hopkins, é de certa forma reconstituído por Almodóvar em "A Pele...". Todos se lembram do dr. Lecter, com a máscara que o impedia de sair canibalizando suas vítimas.

No cartaz do filme de Almodóvar, entretanto, quem usa uma máscara parecida com a do dr. Lecter é a mocinha da história -vítima, logo se sabe, das manipulações de Banderas, no papel de dr. Ledgard.
Filme, em espanhol, é "película". Almodóvar parece encarnar no velho thriller dirigido por Jonathan Demme, fazendo-o explodir por dentro. Inverteu a história, ou melhor, canibalizou-a.

Nesse ponto, entretanto, ele até que foi bem normal. O cinema faz isso o tempo todo. Está tão sobrecarregado de memórias que cada filme já nasce, por assim dizer, com uma grande crise de identidade.

Sinergia entre energias renováveis e fósseis - ADRIANO PIRES e ABEL HOLTZ


O Estado de S. Paulo - 16/11/2011

Como todo ser humano, temos uma característica impeditiva à conciliação ao colocarmos em oposição forças que podem interagir em nosso favor. Isso ocorre quando antepomos o preto ao branco - eliminando as miríades de possibilidades de cinza; o alto ao baixo, esquecendo os múltiplos níveis existentes entre um e outro; e sucessivamente.

No caso da produção de energia elétrica no Brasil, país que tem fartura de recursos renováveis competitivos (hidrelétricas, biomassa, eólica e, em futuro próximo, solar), caberia contestar afirmativas verbalizadas com alguma constância sobre ser sensato "sujar" a matriz elétrica brasileira construindo termoelétricas a combustíveis fósseis.

Aqueles que assim procedem se esquecem deliberadamente das características inerentes à geração térmica que compensam lacunas existentes na geração hidrelétrica, de forma geral, e, em particular no nosso país, em razão da construção de usinas a fio d"água, que tornam o "mix" de geração - somando as características dessas fontes - numa composição hidrotérmica que beneficia o consumidor final de energia elétrica.

Num determinado nível de confiabilidade, há uma proporção ótima de hidro e térmica, e a participação das térmicas no total da capacidade instalada do País aumenta à medida que cresce o nível de confiabilidade. A expansão do mínimo custo global, para um determinado padrão de confiabilidade, é um "mix" de geração hidrelétrica e térmica devido aos ganhos sinérgicos entre os dois tipos de geração: as termoelétricas contribuem com a "confiabilidade" nos períodos secos e as hidrelétricas contribuem com a "geração média barata" nas demais situações hidrológicas.

Outro atributo das térmicas é a sua maior facilidade em ser despachada. Em eventos como um aumento repentino na demanda de ponta, numa situação de restrição do uso de hidrelétricas por causa da escassez de água, as termoelétricas podem ser acionadas imediatamente. Esses acionamentos não poderiam ser realizados pelas usinas eólicas, a biomassa ou hidrelétricas a fio d"água, pois elas não são despacháveis on demand.

A principal desvantagem da expansão da participação térmica na nossa matriz elétrica é que esta tende a aumentar as emissões de gases de efeito estufa de 14 MtCO2/ano, em 2011, para 40 MtCO2/ano, em 2020. Contudo, se feita a sinergia hidrotérmica, a emissão de CO2 do setor será bem menor do que se imagina, e nunca será comparada às emissões derivadas dos desmatamentos que ocorrem em todas as regiões do País.

Para que a inserção térmica seja eficiente no Brasil, é preciso compatibilizar e aperfeiçoar os procedimentos de planejamento e operação, os procedimentos de segurança de suprimento; melhorar os sinais locacionais da transmissão; contornar incertezas nos custos e no fornecimento de combustível; como também reconhecer o benefício operativo de geração, considerando as usinas nucleares, a biomassa e as eólicas.

As termoelétricas com uso de carvão mineral, como as nucleares, precisam recuperar o tempo perdido. Essas usinas têm a grande vantagem de operar na base da curva de carga do sistema elétrico, assim como as hidrelétricas, constituindo-se na segurança para o nosso desenvolvimento.

A eficiência no setor elétrico brasileiro com características hidrotérmicas somente será alcançada por meio de instituições sólidas, que atuem em ambiente regulatório estável e que não sofram demasiada ingerência política.

Os novos procedimentos de operação e comercialização de energia elétrica no sistema interligado devem ser elaborados buscando um consenso que atenda aos interesses do consumidor final, de modicidade tarifária com serviço de qualidade; dos agentes setoriais públicos e privados, de remuneração justa; e do governo federal, de garantir o suprimento energético.

Conjuntura, modernização e moderno - LUIZ WERNECK VIANNA


O Estado de S. Paulo - 16/11/2011

Na sociedade brasileira de nossos dias, de tal forma a dimensão da política se encontra rebaixada que quem quiser procurar se acercar, em meio aos múltiplos e complexos processos que transcorrem no nosso cotidiano, de quais poderiam ser os traços dominantes da natureza atual da sua conjuntura deve deslocar-se desse terreno e mirar para outras regiões do social. Na arena propriamente política, fora da teatralização de pequenos interesses, nada que registre, a não ser sintomaticamente, os antagonismos fortes que atuam sobre ela, tais como, entre outros, os que se originam do pacto federativo, da política salarial e das relações entre a indústria e o agronegócio, cujos vocalização e lugar de arbitragem se deslocam para o plano da administração, onde vige o princípio decisionista, e não o da deliberação na esfera pública entre vontades contrastantes.

Os partidos ou se deixam enredar nas malhas do governo por cálculo eleitoral e pelas conveniências das suas necessidades de reprodução política, ou aderem a ele sem apresentar a justificação de princípios que informem suas linhas de ação, caso até daqueles que se declaram vinculados a uma orientação doutrinária definida. Sob esse registro, o que vale é manter e expandir sua influência eleitoral, fora de propósito considerações em torno de uma ética de convicção.

Não à toa, a mais crua e melhor tradução desse estado de coisas veio a se manifestar com a criação de mais um partido, o Partido Social Democrático (PSD), que vem ao mundo como estuário de apetites mal resolvidos da classe política e sem declinar seu programa, mas já conta com uma das principais bancadas parlamentares. Nesse sentido, o PSD pode ser apresentado como o caso mais puro, expressiva figura típico-ideal, da estrutura partidária que aí está - isento de princípios, firmemente ancorado no cálculo estratégico dos seus membros e nas suas razões, orientadas, sans phrase, para fins instrumentais. Os partidos oposicionistas, por sua vez, dissociados dos interesses e das motivações ideais reinantes na sociedade civil, limitam-se às críticas adjetivas e de caráter procedimental, sem atingir o cerne da natureza da política do governo e do seu estilo tecnocrático na condução da administração dos negócios públicos.

Sem lugar, a política faz-se representar por seu simulacro, nessa cômica mascarada em curso em nome da racionalização e de uma pretensa busca pela primazia da ordem racional legal sobre práticas tradicionalistas, em que um dia de alvoroço provocado por denúncias de malversação de recursos públicos pode ser sucedido pela defenestração, sob aplausos e agradecimentos presidenciais, dos administradores acusados de pesadas irregularidades. Se eram inocentes, por que saíram? Se não, por que os aplausos?

O ator declina do seu papel e se abandona ao andamento dos fatos, na medida em que eles são identificados como portadores do sentido da História do Brasil. Vargas, JK, o regime militar, Lula, Dilma seriam atualizações encarnadas do espírito da Nação rumo aos objetivos de grandeza nacional, os quais, por mandato do destino, nos cabe realizar. Aqui, volta-se para o passado em busca de soluções, com os olhos cegos e os ouvidos moucos aos sinais e às vozes que nos vêm tanto das praças do Oriente retardatário como do Ocidente desenvolvido, com suas exigências de autonomia da cidadania diante do Estado e de auto-organização da vida social.

Pois é esse retorno a temas e soluções que prosperaram, entre nós, nos tempos de imposição autoritária do capitalismo que tem animado muitas das fabulações dos grandes protagonistas da cena atual, em particular as que gravitam em torno da questão nacional em sua versão desenvolvimentista. E aí se tem o eixo em torno do qual, hoje, gravita a conjuntura, tal como se faz indicar pela ampla difusão, no circuito da formação da opinião pública, do vocabulário afeto à dimensão sistêmica da economia.

No passado, o dito caminho nacional-desenvolvimentista, longe de consistir numa fórmula consensual entre os setores progressistas da sociedade, foi objeto de duras disputas entre o que seria uma via nacional-burguesa e a que lhe seria oposta, a democrático-popular, significando que ele era objeto de uma luta pela hegemonia a decidir que conjunto de forças político-sociais deveria estar à frente na forma da sua imposição. A dimensão sistêmica da economia estava ali, mas era uma entre outras, sobretudo porque, no campo democrático-popular, as razões que o animavam provinham do campo da política e de uma sociabilidade emergente que começava a experimentar os rumos de uma expressividade autônoma. Nele o moderno não se deixava subsumir à modernização.

Aquele foi o tempo de uma refundação cultural liderada por jovens que construíram suas identidades por fora de espaços institucionalizados, à margem do Estado e até das estruturas universitárias, como os do Cinema Novo, da Bossa Nova, do Centro Popular de Cultura e tantos outros que souberam, dotados de recursos quase artesanais, dar vida à agenda do moderno como lugar de autonomia e de emancipação. Também foi o tempo de lutas por emancipação dos setores subalternos, das cidades e do campo, quanto aos controles sociais exercidos sobre eles tanto pelas estruturas corporativas sindicais como pelo sistema do coronelismo rural.

Assim, se é para retornar a velhos repertórios, não há por que adotar o da preferência dessa tecnocracia iluminada, hoje na ribalta. Há outros disponíveis e que, se bem arranjados com os novos sons que nos chegam de toda parte, inclusive daqui, para quem se dispuser a ouvi-los, podem dar num bom samba, um desses que se tem gosto de cantar.

O cliente desprezado - MARTHA MEDEIROS


ZERO HORA 16/11/11

Sei que é antipático reclamar de atendimento, mas vou correr o risco. Tantas providências estão sendo tomadas para receber os visitantes da Copa de 2014, então que entre elas se inclua maior rigor em treinamento de pessoal. Turistas à parte, quem ganharia são os moradores da cidade.

Supermercados, por exemplo. Os corredores andam obstruídos por mercadorias embaladas em caixas enormes, ainda fora das prateleiras, tumultuando a vida do comprador que já não consegue transitar livremente.

Frequento dois, de redes diferentes, e em ambos isso acontece, sendo que o segundo é mais irritante: mantém poucos caixas abertos, os carrinhos ficam abandonados no estacionamento e o descaso com a clientela é generalizado. Nesse, já diminuí a frequência das minhas visitas, o que não faz a menor diferença pra eles, mas se outros pensarem como eu, fará.

Bancos, mesma coisa. Por que não colocam funcionários trabalhando em todos os caixas? Mesmo com uma fila enorme, é comum ver apenas dois caixas a postos, sendo que um atende apenas os clientes especiais. Será por falta de dinheiro que os bancos não contratam mais gente? É, deve ser isso.

Semana passada, uma amiga reuniu um grupo de 10 mulheres para brindar seu aniversário num bistrô. Pediu um espumante, porém a atendente avisou que não havia cálices de espumante para todas, por isso algumas teriam que ser servidas em cálice de vinho.

Por desleixo, o bistrô perdeu 10 clientes potenciais. Bares e restaurantes fecham antes de completar um ano por não prestarem atenção em pequenos detalhes que parecem frescura, mas são determinantes para estabelecer fidelização.

E me surpreende o modo como os funcionários ficam conversando entre eles enquanto estão atendendo. Discutem suas crises conjugais, doenças, não raro usando linguagem chula, e a gente ali, invisível.

Óbvio que conversar entre eles é natural, mas creio que a atenção deveria estar 100% voltada ao cliente, que não precisa saber da vida íntima de quem o atende. Quando o cliente se afasta, aí, sim, pode-se xingar o centroavante e esculhambar o ministro à vontade.

Se isso parece elitismo, que pena. Não é. Educação e presteza são valores de primeira necessidade em qualquer setor. Qualidade e atendimento, juntos, é que fazem com que empresas cresçam e o Estado se modernize.

Um funcionário despreparado e displicente está transmitindo exatamente essa imagem da empresa para a qual trabalha – aliás, se assim for, bem feito pro patrão. É dos donos a responsabilidade de treinar direito sua equipe.

A nós, resta sermos bons clientes (não somos santos: muitos consomem os produtos antes de passar no caixa, estacionam o carro sem respeitar a delimitação das faixas amarelas e tratam subordinados com arrogância) e trocar de estabelecimento quando formos mal atendidos. A concorrência está aí para nos receber de braços abertos.

Pulo pra fora da cerca - PAULO SANT’ANA

ZERO HORA - 16/11/11

Recebo uma mensagem intrigante de uma mulher que vive dois papéis. Só lendo para ver como as pessoas conseguem se dividir em duas: “Querido Pablo. Fiquei contente em saber que todos os e-mails são lidos, e mais ainda da limitação de linhas, já que sou bem econômica nas palavras.

Sei que o mundo está de cabeça para baixo: SUS, aeroportos, um caos; Europa, EUA, idem... mas a minha preocupação está mais perto de mim, portanto mais importante para mim no momento... Não sou uma adolescente, sou casada, filhos, cachorro, gato, vida um pouco apertada, mas estável, vivo bem com meu marido.

Eis que tenho me encontrado com uma pessoa uma vez por semana, em um compromisso de ambos... e você já imagina né?... o encantamento é recíproco.

Ele é espetacular e me satisfaz totalmente. Dou voltas, mas fico hipnotizada, já tentei trocar dia e horário do curso, mas não consigo. Um dia antes de me encontrar com ele, já estou feliz. Ver seu carro dá frio na barriga, troco trajeto para tentar encontros... acho que pirei...

Como isto pode acontecer???? Me sinto como uma adolescente e sabe como é... Ele, bom, também não consegue disfarçar... ficamos no flerte, no encantamento, na descoberta de atitudes em comum... isto é bom ou ruim?????

Você passou por algo assim????? Bom, minhas linhas estão terminando, né??? Leio sempre suas crônicas e torço pelo seu time!!!!!!! Socorre-me neste dilema, sou bem casada mas estou apaixonada por este meu namorado que me surgiu entre as brumas da existência e substitui com maestria o meu marido nos jogos do amor. Tchau”. (O e-mail estava assinado com nome e endereço, que não posso evidentemente publicar, para evitar uma tragédia passional).

Outro e-mail: “Perdão, ilustre jornalista Sant’Ana, mas a hora é AGORA de tua sempre e bem-vinda intervenção. Lembra o senhor de sua coluna ‘Uma classe infeliz’? Pois ela foi decisiva, vital para a então isonomia dos delegados de polícia com os procuradores. Ela influenciou e muito quando da votação na Assembleia Legislativa do RS. Mais uma vez, interceda por nós, por gentileza, já não temos voz ativa.

Todo o Rio Grande do Sul está reconhecendo que não tem explicação que os delegados de polícia ganhem a metade dos procuradores e muito menos do que os defensores públicos. Sou pensionista de delegado.

Significado & contexto - ROBERTO DaMATTA



O Globo - 16/11/2011

Diz um velho ditado que "pornografia é uma questão de geografia". Mude-se e veja que o imoral em sua terra, é mandamento alhures. Quando cheguei nos Estados Unidos, pelos idos de 1963, um mentor, que conhecia o Brasil melhor do que eu, avisou: quando você for convidado para um jantar, jamais vá sozinho, como se faz no Brasil. Vá com sua mulher, como fazemos a aqui.

Tomei a observação como um misto de reproche e aula de etiqueta, mas não perdi de vista a sua dimensão cultural, pois o que estava em pauta eram modos diversos de reunião. As "turmas" brasileiras - geralmente agrupadas na "rua" (em bares e botequins) - congregavam homens. Em Cambridge, Massachusetts, entretanto, eu - um tanto perturbado - aprendi uma sociabilidade mais caseira, aberta e mais igualitária, da qual minha mulher participava comigo e não por minha causa - ao meu lado, não atrás de mim. Descobri que o elo matrimonial era compulsório na tal América onde havia divórcio & assédio e não existia a boa e emocionante "cantada"; mas era opcional do meu Brasil de Niterói, então chamada de "cidade sorriso", hoje uma urbe desgovernada. Como levar a "esposa" (sobretudo se ela era bela e inteligente) a uma festa onde se falava de tudo - principalmente de "política" - e, entrementes, um sujeito queria "comer a mulher do outro" como me ensinou um outro mentor importante, mas obviamente brasileiro?

Altere o contexto, faça a passagem, e os motivos e os papéis mudam de significado.

Governar é administrar a coisa pública com a legitimidade dos votos da maioria. Mas na era Lula-petista, governar é "cuidar" do povo. Voltamos, com ajuda das ONGs lidas à brasileira, à temporada do "clã político" de Oliveira Vianna e da família patriarcal de Gilberto Freyre, com pitadas ideológicas que racionalizam posições, já que ganhar muito em pouco tempo é bom demais. Os dirigentes são pais e mães do povo. Sobretudo dos "pobres" - que têm a sua posição social solidificada por uma carteirinha de plástico. Que os "pobres" devam ser reparados eu não tenho a menor dúvida. A questão, como se descobriu na Inglaterra Vitoriana, dos Gladstones e dos Disraelis, é saber quem é efetivamente pobre e, mais complicado que isso, como tirar o assistido da passividade contida no assistencialismo para integrá-lo ativamente no sistema produtivo.

Meu velho pai, que foi um homem soturno, me disse um dia, seco como uma folha de chá: "No Brasil, governar é roubar!" Fiquei chocado, mas, entre a sua opinião e a dos meus mentores socialistas e comunistas, pendemos mais para o governar como sinônimo do "cuidar" e do "roubar" do que para o do liberal, competitivo e, dizem, eficiente estilo de governar administrando ou gerenciando.

De um lado, há o personalismo que permeia a centralização nacional que tem uma burocracia e uma legislação sofisticada, mas que opera de modo desigual, confirmando e reafirmando, em vez de desconstruir, a desigualdade. No Brasil, o aparelho burocrático não funciona sine ira et studio (sem cólera ou parcialidade), como queriam Tácito e Weber. Antigamente dizia-se "aos amigos tudo aos inimigos a lei"; hoje somos mais eficazes (e cínicos), pois simplesmente "blindamos" quem pratica os "malfeitos".

Malfeitos. Eis, caros leitores, um eufemismo brutalmente pueril, regressivo emocionalmente, que situa a nossa moralidade pública no nível das fábulas infantis dos pequenos príncipes e filósofos! Ministros, senadores, governadores, deputados, prefeitos e secretários de governo que montam esquemas e repassam para agentes dos seus partidos, mascarados de ONGs, verbas do povo, não estão praticando veniais "malfeitos". Estão é roubando, como dizia papai. Roubando recursos que são da sociedade e do Brasil, não do governo. Dai essa centralização burocrática pervertida porque, diferentemente das originais, ela não opera impessoal e anonimamente, pois o que conta é quem fez e não o que foi feito.

Resumo da ópera: em outros mundos, a burocracia é a "jaula de ferro" que bloqueia o carisma e reduz a "Política" (com "p" maiúsculo) - lida, entre outros, por Max Weber - como a esfera social da criatividade e da transformação no mundo. No Brasil, entretanto, esse conflito não existe. A burocracia está inteiramente sujeita ao político. Um político que se reduz ao "pequeno poder" das agendas do velho projeto pessoal ibérico de ficar rico (tornando-se ao mesmo tempo - eis o Paraíso - inimputável legalmente) ocupando cargos públicos. Ficando por cima. Virando, como disse um vereador de Taubaté, o sr. Rodson Lima do PP, que não me deixa mentir, um "príncipe" e, por isso, está agradecido aos seus eleitores que o aristocratizaram.

Ou seja: no "puder" e por "cima". O "poder" entre nós é um elevador que só segue para cima, mas à custa da nossa energia. Gastando a eletricidade e a dignidade dos cidadãos comuns plantados no chão.

Onze freiras filipinas - ANTONIO PRATA


FOLHA DE SP - 16/11/11

Poucos lugares são tão malfalados quanto os aeroportos: espaços impessoais e anódinos -acusam seus detratores -, enormes living-rooms que de "living" não têm nada: ambientes mortos para um tempo morto. O antropólogo francês Marc Augé chegou a cunhar um termo para definir essas e outras construções pós-modernas, idênticas em Cingapura ou Saratoga, Madri ou Madagascar, coringas de aço, vidro e concreto: "não-lugares".
Acho uma injustiça. Dizer que aeroportos são espaços anódinos é julgar o quadro pela moldura. E a obra? Desfile incessante de tipos humanos, mostruário de estilos, um casting digno de Fellini ou Jacques Tati. O jovem executivo falando ao celular. A gostosa de minissaia, arrastando a malinha e olhares cobiçosos. O casal que chora na despedida. O casal que chora no reencontro. O casal que briga no free-shop -"Mas por que não comprou lá em Orlando que tava vazio, Elisângela?!". Os esportistas de uniforme, levando bagagens compridas e misteriosas -caiaques? Varas para salto? Tráfico de cocaína? A celebridade de óculos escuros: "É ele?!", "Não, não é ele!". As onze freiras filipinas -nunca vi freiras filipinas em outro lugar que não os aeroportos; nunca vi um aeroporto sem freiras filipinas: seria uma ordem secreta de monjas aeroportuárias?
Quando me canso da assistir à rica parada, dou um pulo na livraria. "Péssima! Só tem best-seller raso e livro de autoajuda!" -dirão os aerófobos. Ótimo que seja assim! -digo eu. Tchekhov, Kafka e Graciliano me esperam em casa, ao lado da poltrona. A eles dedicarei longas tardes de domingo; na sala de embarque, contudo, desejo apenas um livro de capa laranja, algumas risadas, um crime a ser resolvido. Afinal, aeroportos são uma espécie de recreio compulsório. Impossível escrever uma crônica num aeroporto, enviar o comprovante de residência para o despachante, cuidar de toda aquela infinidade de pequenas ou grandes pendências que nos acompanham, diuturnamente, vida afora. Afora: pois, ali dentro, estou imune. Se alguém me liga com um assunto chato, digo "fulano, é o seguinte, tô embarcando aqui pra Boa Vista" e o sujeito logo acalma, diz "claro, desculpa, falamos semana que vem", e volto ao meu livro, com pausas eventuais para a contemplação de aviões e seus focinhos, do lado de lá da vidraça.
Fome? Que a ditadura do dieteticamente correto não venha me importunar. Quinua, granola e alfafa, bem-vindas sejam a nossos lares -comemoram minhas artérias-, mas minhas papilas gustativas aspiram por um Big Mac ou uma bomba da Ofner, e o clima de férias -mesmo que eu esteja viajando a trabalho -permite-me a gordurosa autoindulgência.
O piquenique termina com a voz no alto-falante, chamando meu voo. Caminhando pelo finger, escrevo um SMS: "Embarcando. Saudades, já. Te amo". Horas depois, num saguão tão diferente e tão parecido, ligo o celular: "Saudades também, meu amor, liga chegando?". Digito o número e passo sorrindo pelas freiras filipinas. Nem me notam, enquanto retiram as malas da esteira: onze malas idênticas e puídas, marrom clarinho, que os esportistas ajudam a pegar, enquanto seus misteriosos embrulhos não vêm.