quarta-feira, fevereiro 14, 2018

Enquanto agonizo - PAULO DELGADO

O ESTADÃO - 14/02

O que ‘o líder’ quer é fugir da responsabilidade confinado na condição de perseguido

Ele se amontoa sobre o país. Hiperrealiza seus desejos, usa aliados como escória. Sem álibi, mandou o genro do compadre desqualificar a acusação, e deu errado. Segue trabalhando mal o luto. Um voo tão alto, uma queda tão grande. Revelou-se político de comodidade, tirou vantagem da desonestidade e alega princípios para abafar inconveniências. Chegou ao limite de querer aproveitar da própria decadência.

Um grupo e ele saem do Fórum seguindo na direção do passeio. Embora vários do cortejo sejam mais altos e estejam à frente dele, qualquer pessoa que os observe do outro lado da rua pode ver a cabeça dele ultrapassando por uma cabeça a dos seus apoiadores. Não é perspectiva, é subalternidade. Lembra livro de Willian Faulkner, Enquanto Agonizo, onde um pai brutal impõe a todos um enterro sem fim, não deixando a vida de ninguém fluir sem ter de pensar no seu egoísmo doentio.

A calçada, esturricada pelos pisões do povo e pedras soltas, segue reta como um fio de prumo até o pé do avião emprestado onde ele os deixará, indiferente aos terrenos resvalantes que o levaram a escorregar. Antes de embarcar, mirando o dilúvio, determina: meu reino por minha vitimização, façam ferver o coração, vai ser longa a condolência. Preparem o caixão e, se der certo, enterrem, com a toga preta do Supremo, o princípio da igualdade de todos perante a lei.

Alguns aliados não aduladores sentiram que havia alguma coisa ruim. Nem em silêncio era razoável aquela insensatez de celebrar como triunfo uma calamidade. Nem apropriado apiedar-se de um político mais que do povo. Uns diziam que era anomalia necrológio de homem vivo; outros, que não se chama crime de perseguição; todos julgavam sinistro candidato cuja glória é ser condenado por mentir.

Ele estava se esvaziando rapidamente. Um tique nervoso, fruto de soberba banal, o levava a referir-se a si mesmo na terceira pessoa. “Não há qualquer rival de ‘o líder’ em todo o firmamento.” Era assim mesmo que se chamava, “o líder”, apelido privado que incorporou ao nome, marca da sua ambiguidade pública.

Como numa piada, arrumou advogado na ONU. Sentia-se um país. Não queria mais suar. Botaram na cabeça dele que se é vontade de Deus que as pessoas tenham opinião diferente sobre honestidade não cabe a ele discutir desígnios divinos. Suas proezas entardeceram e começaram a alimentar uma ordem política incapaz de produzir valores sociais. Vazio, deixou-se preencher pelo maior valor do mundo moderno, o ouro de tolo, que lambuza no presente a consequência do futuro.

Quando mais se encheu de medalhas, mas se esvaziou de ideias. “A abundância de diploma acaba com o diploma”, alguém alertou, e foi expulso da sala. E uma pessoa vazia na política não é mais um político. Enchendo-se de autoelogios e fúria, logo ele não sabe se é ou não é, ou que é que de fato é. Saiu do trilho, aumentou necessidades, até que as dádivas deram por conhecidos seus favores.

Enfraqueceu a autoridade por seu abuso e o hábito de confundir poder com relação e intimidade. No mundo das decisões apressadas, dissimulações, das interdições sobre as quais ninguém tem domínio, da liberdade irresponsável de ser o que você quiser ser, a transgressão percebeu a melhor das convergências. Com a autoridade participando, o erro ganha mais velocidade.

Seu talento para a evasão o tornou conhecido como aquele político “veloz estruturador de negócios e soluções”. Logo que recebeu a resposta da carta enviada aos brasileiros donos de banco, escrita em inglês, percebeu que pecado-salvação é mera questão de palavra. Harmonizou-se com a parceria de talentosos ocultadores de intenções para montar as ladainhas, a lenga-lenga a que deu o nome de política de governo.

Quando a Justiça abriu a porta dos seus transtornos desesperadores, ele já havia caído na mais sedutora armadilha da política atual, o dinheiro fácil, e não quis reconhecer o que fez. Saiu em desespero para pagar a promessa de 40 anos atrás. Mas sem dizer o que deveria ter dito ao juiz – o que o deteria na certeza de que alcançar seu objetivo primordial de ser respeitado, ser alguma coisa nova, é que compunha seu élan vital – pressupôs que a condição de vítima evitaria o caminho da desmoralização. Ele voltou a suar, como se estivesse espumando, feito um cavalo desembestado, convocou adoradores, dependentes, para a velha modalidade de ação heroica – camisa de partido, candidatura, comício, farisaísmo – na tentativa desesperada de incinerar a sentença e botar fogo na pavorosa jornada da Justiça de ousar apontar o dedo para quem sempre fez o que quis e nunca foi tão adequadamente contrariado.

Quando ouviu “estamos aqui e você tem de lidar conosco”, percebeu que escondera dos amigos o que os inimigos já sabiam. Falhou em grandeza, foi-se a profecia. Quem dera fosse capaz de suportar o sucesso com mais honestidade e a adversidade com mais autocontrole.

Um partido de esquerda moderno e com capacidade de diálogo deve parar de tratar de forma errada o erro. E reconhecer que um período de governo com um presidente deposto, três ex-presidentes da Câmara, senadores e inúmeros ministros de Estado presos ou processados, dirigentes partidários e governadores confinados ou envolvidos, a maior empresa do País dilapidada, a autoridade olímpica nacional presa, o bilionário do período encarcerado, a Copa investigada, fundos de pensão arruinados, o BNDES um clube de amigos, grandes empresários condenados, frugal intimidade com ditadores, etc., não foi um período virtuoso.

O que “o líder” quer é o refluxo da identidade perdida, fugir da responsabilidade confinado na condição de perseguido. Pelo alto, espalha simulacros de habeas corpus, certo de que a Justiça dos privilegiados prevalece e o ressuscita, como Lázaro. Por baixo, mantém agitada a agonia, seguro de que a manipulação do povo reabsorve a desordem que ele criou e a dissolve na sociedade até sumir sua autoria.

* Sociólogo, é copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio-SP.

Juro que é real - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 14/02

Ponha-se na seguinte situação: você tem $ 1.000 e seu banco lhe oferece uma aplicação por um ano com taxa de 10%, prometendo depositar de volta na sua conta $ 1.100. Você toparia?

Não serei eu quem vai lhe dar a resposta, claro, mas noto que falta (pelo menos) uma informação crucial no problema acima, a saber, qual será a inflação nesse ano durante o qual seu dinheiro estará "preso" na aplicação.

Digamos que seja de 15%, isto é, as coisas que você poderia comprar por $ 1.000 hoje custarão $ 1.150 daqui a um ano. Nesse caso, seus $ 1.100 não poderão comprar o mesmo que $ 1.000 hoje, mas um pouco menos, ou seja, você perderia com essa aplicação. Faria mais sentido gastar o seus recursos agora, quando ainda pode comprar $ 1.000.

Não é difícil concluir, portanto, que seria vantajoso para você aplicar o dinheiro e abrir mão da possibilidade de gastá-lo agora apenas quando a inflação nos 12 meses seguintes fique abaixo de 10%.

Isso não quer dizer, óbvio, que necessariamente você aplicará esses recursos caso a inflação esperada para daqui a um ano seja inferior a 10%; tal decisão depende de suas preferências pessoais, em particular se é mais impaciente (por estar, por exemplo, mais velho e com menos tempo para esperar) ou menos. Isso dito, deve ter ficado claro que a decisão de aplicar o dinheiro (em oposição a gastá-lo hoje) depende crucialmente da diferença entre o retorno de sua aplicação e a taxa de inflação futura, também conhecida como a taxa real de juros.

O problema é que, embora em geral conheçamos a taxa a que podemos aplicar nosso dinheiro, não sabemos a inflação nos próximos 12 (ou 3, ou 47) meses. No melhor dos casos, podemos ter uma expectativa (um nome mais sofisticado para um "chute" educado) sobre como os preços se comportarão no horizonte relevante. Se estivermos certos sobre esse chute, ou não, só saberemos ao final do período, mas, quando o fizermos, nossa decisão, tomada há 12 (ou 3, ou 47) meses, já fará parte do passado e será, portanto, irrevogável.

Dessa lenga-lenga toda, fica uma lição importante. A taxa real de juros que determina a decisão de gasto (portanto de atividade econômica) é a diferença entre a taxa de juros para um determinado prazo e a inflação esperada para aquele prazo. A inflação efetivamente observada é irrelevante, porque não pode alterar decisões já tomadas.

No caso do Brasil, em particular, a taxa real de juros assim definida (para o período de um ano) caiu de 8,6% no último trimestre de 2015 para 2,9% no mesmo período de 2017, fenômeno que se encontra na raiz da reversão do consumo.

Considerada a defasagem usual de dois trimestres, as vendas do varejo, que caíam quase 7% na comparação interanual, passaram a crescer pouco mais que 5% no final do ano passado, sem ainda refletir a queda observada na segunda metade de 2017. Houve (e ainda há) um impulso monetário considerável.

Não há, portanto, a necessidade de inventar ginásticas sobre estímulos "parafiscais" para entender por que, ao contrário do que diziam os keynesianos de quermesse, o consumo cresceu mesmo com queda do gasto público. Bastava lembrar que, em oposição aos países desenvolvidos, a taxa de juros no Brasil não era zero (oh!), mas isso requer mais honestidade do que esse pessoal consegue aguentar.

Venezuela, 4.000% de inflação - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 14/02

A inflação na Venezuela anda pela casa de 4.000% ao ano. Desde 2013, ano da morte de Hugo Chávez, o país empobreceu cerca de 37% --foi essa a baixa da renda por cabeça, do PIB per capita. No Brasil, a perda foi de uns 9% nesse período.

Está marcada uma eleição presidencial para daqui a dois meses e pouco, caso não sobrevenha tumulto ainda maior. Se alguma facção do regime não tentar um golpe, Nicolás Maduro deve ser eleito para governar até 2025.

Dado que a política interna bolivariana parece um mistério, cabe pelo menos perguntar qual deve ser a situação econômica e social que Maduro vai enfrentar.

Ignore-se por ora a hipótese de que o governo de Donald Trump vá cumprir a ameaça de barrar as importações de petróleo da Venezuela. Quais as perspectivas econômicas imediatas?

O FMI prevê que o PIB venezuelano diminua ainda 10% neste 2018. A queda do PIB per capita chegaria então perto de 44% desde 2013, voltando a níveis dos anos 1980.

Há relatos de enorme desabastecimento e fome na Venezuela. A desordem e a estupidez cruel são óbvias, mas não temos a dimensão precisa do problema.

Por exemplo, desnutrição de algum grau afetaria 68% das crianças de menos de cinco anos, lê-se em relatório de 266 página que a Organização dos Estados Americanos publicou nesta semana sobre violações de direitos humanos na Venezuela. O número chocante vem de uma pesquisa da Cáritas, organização humanitária católica.

Mas o estudo foi feito em apenas 3 dos 24 Estados venezuelanos, decerto os mais ricos, mas poucos. A pesquisa foi centrada em paróquias mais vulneráveis, com o objetivo de medir mais rapidamente a degradação da vida dos mais pobres. Não pretende ser representativa nem de cidades, que dirá do país.

Até 2014, o nível de renda e consumo da Venezuela era similar ao do Brasil. A desigualdade era a menor da América Latina. Apesar da ruína bolivariana, é preciso ter em mente que não se tratava de um país antes miserável.

Sim, o governo desorganizou a atividade econômica mesmo no varejo da distribuição do pouco que ainda é produzido. Quer centralizar a distribuição de gêneros essenciais a preço tabelado, mas não tem rede, desperdiça, privilegia aliados políticos e padece de corrupção, de resto.

O Brasil chegou a ter inflação de 6.800% ao ano, na transição de Sarney para Collor, 1990. Mas havia uma tecnologia de convivência com o desastre, a correção monetária, que não livrava os mais pobres do horror, mas atenuava o conflito político geral. Na Venezuela, há apenas tabelamento de bens essenciais que faltam nos mercados.

Desde 2015 o governo quase não publica estatísticas macroeconômicas. Mas a pobreza disparou, segundo pesquisas de um consórcio de universidades, o consumo médio caiu mais de um terço em quatro anos e a inflação está em 85% ao mês.

A Venezuela vai explodir ou definhar até uma situação de equilíbrio cubano? É uma pergunta pragmática, pois o problema é vizinho. Se não fosse um pária diplomático, o governo do Brasil poderia fazer mais do que organizar o êxodo venezuelano na fronteira (espera-se que não feche as portas para os desesperados). Talvez seja obrigado a lidar com o assunto, querendo ou não.

As reformas esquecidas - EDITORIAL GAZETA DO POVO PR

GAZETA DO POVO PR - 14/02

O Brasil não tem dificuldade em fazer diagnóstico dos problemas, mas tem enorme dificuldade, às vezes quase instransponível, para tomar as decisões certas e executá-las até o fim

Entre os traços da cultura política e da administração pública, sobretudo nas questões que envolvem a macroeconomia e os assuntos de ordem coletiva, o Brasil não tem dificuldade em fazer diagnóstico dos problemas, mas tem enorme dificuldade, às vezes quase instransponível, para tomar as decisões certas e executá-las até o fim. Dizendo de outra forma, governo e sociedade sabem o que precisa ser feito, mas padecem de incompreensível dificuldade de fazer. Esse traço cultural nacional é um indicativo das razões pelas quais um país tão rico de recursos insiste em continuar pobre, como revela a renda por habitante de apenas US$ 8,6 mil/ano no Brasil, contra US$ 57,7 mil dos Estados Unidos.

Em 2007, o Ministério da Fazenda publicou um trabalho, teoricamente bem feito e com dados ricos, e concluiu que, além das reformas macroeconômicas, o país precisa de um conjunto de reformas microeconômicas, sem as quais o esforço de desenvolvimento não surtirá os efeitos positivos desejados. Naquele documento, o ministério afirma, entre outras coisas, que “vêm pesando sobre o desenvolvimento do país: melhorar o ambiente de negócios, com ênfase para a questão regulatória; reformar a estrutura tributária, que é complexa e cria inúmeras distorções; alterar a legislação trabalhista, considerada excessivamente rígida; e aumentar o grau de exposição da economia ao comércio internacional”.

O Brasil tem tanta dificuldade em abandonar velhos vícios que as coisas não andam


Em meio a esse conjunto de problemas, são necessárias alterações e modernizações em vários segmentos, como o funcionamento do sistema de crédito e financiamento, a titulação de propriedades, o marco regulatório dos investimentos privados nacionais e estrangeiros, a recuperação e expansão da infraestrutura, a desburocratização e a redução dos entraves à livre iniciativa e ao empreendedorismo. Quando na presidência, Lula dizia que era preciso destravar a economia para o país poder crescer, produzir, gerar renda, emprego e impostos. Mas o Brasil tem tanta dificuldade em abandonar velhos vícios que as coisas não andam. Um exemplo simples, mas que é sintomático da dificuldade de resolver problemas, é o caso do reconhecimento de firma em documentos. O governo baixou pelo menos cinco atos oficiais nos últimos 30 anos eliminando a obrigatoriedade de reconhecimento de firma em cartório e, apesar disso, essa exigência segue intacta e resistente. Nem o próprio governo cumpre o que ele mesmo legislou. Se em algo tão pequeno permanece o elevado grau de desconfiança e a manutenção da exigência, mesmo com legislação suprindo a obrigação, não é difícil entender por que em problemas maiores o país não sai do lugar.

Uma questão essencial para o crescimento econômico é a manutenção da inflação em níveis baixos. O Brasil já teve a dolorosa experiência, nas décadas de 70, 80 e 90, de constatar que o descontrole inflacionário fez a nação perder tempo e ficar para trás na elevação da produtividade da economia e da renda por habitante – o que ajuda a explicar por que o país não supera a pobreza e as desigualdades. Apesar de complexo, o grave flagelo da inflação foi vencido, e hoje está sob controle, como mostra o índice de 2,95% em 2017 na medição do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), bem como o índice de 0,29% de aumento de preços em janeiro passado. Em taxa anualizada, a inflação de janeiro equivale a 3,54% no ano. Embora o país tenha tido êxito na superação da inflação – e isso se deu em 1994, portanto, há 23 anos –, outras reformas necessárias, inclusive as microeconômicas, foram esquecidas. Ano de eleição presidencial é boa oportunidade para ressuscitar temas esquecidos.


FHC e sua curva de Sartre a Huck - ELIO GASPARI

O GLOBO/FOLHA DE SP - 14/02

Nova cartada do grão-tucano revela o esgotamento de seu partido e de sua prática política



Quando Fernando Henrique Cardoso se referiu à candidatura de Luciano Huck à Presidência da República, louvou "sua boas intenções" e disse que "para o Brasil seria bom, mas não sei o que ele vai fazer". FHC sabe o que gostaria que ele fizesse, mas não sabe o que Huck fará, nem antes nem depois de uma eventual candidatura. Sabe apenas que tem "boas intenções".

Faz tempo que FHC flerta com o "novo". Em 1989, para um pedaço do tucanato, o "novo" era o ator Lima Duarte, de 59 anos, para ser o candidato a vice na chapa de Mário Covas à Presidência da República. O "novo" chamou-se Fernando Collor e foi eleito. Em 2012 pensou-se pela primeira vez em Huck, recrutando-o para uma candidatura ao Senado em 2016.

Estranho "novo" esse, vem sempre da telinha. Isso num partido que perdeu quatro eleições presidenciais e tem em Geraldo Alckmin seu provável candidato. Assim, o PSDB terá oferecido ao eleitorado dois repetecos, com José Serra e Alckmin, mais um "novo" com Aécio Neves.

FHC buscou o "novo" na telinha por diversos motivos, mas acima de todos está o desejo de ganhar a eleição. Se ele conhece virtudes, além das "boas intenções" de Huck, não as revelou. Nem ele nem o "novo" que, em um ano de breves enunciados, repetiu platitudes capazes de humilhar campeões do óbvio como Michel Temer e Geraldo Alckmin.

Em 1960, aos 29 anos, Fernando Henrique Cardoso fez-se notar na academia paulista coordenando uma palestra do escritor francês Jean-Paul Sartre. Passou-se mais de meio século, ele governou o país por oito anos e recuperou a credibilidade econômica do Brasil. Fez isso com jovens audaciosos como Pedro Malan e Gustavo Franco, mas, por artes de Asmodeu, o PSDB nada produziu além de Geraldo Alckmin e Aécio Neves, um "novo" que descarrilou (Vai aqui uma hipótese: Malan e Franco nunca se moveram nos trilhos por onde andou Aécio.)

Não se pode responsabilizar FHC pela ruína do PSDB, mas ele foi parte dela. Quando saiu do MDB, acompanhando Mário Covas e Franco Montoro para livrar-se das práticas que o haviam contaminado, buscava algo novo e foi bem-sucedido. O tucanato envelheceu, em vários sentidos.

Indo buscar o "novo" na telinha, FHC e os articuladores da candidatura de Huck atestam o fracasso de suas práticas políticas. Huck é um profissional bem-sucedido no seu ofício, nada mais que isso. Num sistema em crise, a política francesa produziu Emmanuel Macron, um quadro saído da militância do Partido Socialista e do banco Rothschild. (Macron é seis anos mais novo que Huck.)

Huck é um bom candidato para quem tem medo de perder eleição, e só. De Sartre a Huck, FHC percorreu sua curva. Em 1960 a plateia tinha faixas que diziam: "Cuba sim, ianques não". Naquele ano, uma parte do andar de cima nacional, cansada de perder eleições, embarcou na candidatura de um político telúrico e bom de votos. Chamava-se Jânio Quadros. (É imprópria qualquer comparação de Huck com Jânio, um doido, larápio e dado ao copo.) A ideia central era ganhar a eleição.

Os poderes da telinha produziram dois fenômenos políticos. Primeiro, o italiano Silvio Berlusconi, pela propriedade do meio de comunicação. O segundo, Donald Trump, em parte celebrizado pelo seu programa "The Apprentice".

O desafio da tecnologia - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 14/02

O que até recentemente reduzia a capacidade de setores mais atrasados tecnologicamente de competir pode tornar-se mortal no futuro próximo


Mais da metade dos setores industriais está tão atrasada com relação à adoção de tecnologias digitais – responsáveis por um enorme salto de produtividade e competitividade do setor manufatureiro no resto do mundo – que, se nada fizer para mudar o quadro com presteza, acabará excluída da que vem sendo chamada de quarta revolução industrial. Perderá não apenas o mercado internacional, que sempre lhe foi difícil de conquistar e manter, mas até o doméstico. Sua sobrevivência está condicionada à sua capacidade de ganhar competitividade, por meio de inovação e novas tecnologias, o que exige investimentos e capacidade gerencial.

Este é o quadro sobre o estado de boa parte da indústria brasileira traçado pela própria entidade representativa do setor, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), em seu mais recente documento sobre o tema, Oportunidades para Indústria 4.0: aspectos da demanda e oferta no Brasil, cujas principais conclusões foram mostradas em reportagem do Estado. O que vem sendo chamado de Indústria 4.0 é o emprego do conjunto de recursos propiciados por tecnologias de robótica, inteligência artificial e outros, que vem possibilitando grandes ganhos de produtividade e de competitividade em todo o mundo.

Os setores mais atrasados tecnologicamente precisam com urgência de investimentos, “pois não terão competitividade principalmente em relação aos países que competem diretamente com o Brasil”, adverte o gerente executivo de Política Industrial da CNI, João Emílio Gonçalves. São setores que tradicionalmente apresentam baixos índices de inovação, exportam pouco e têm, em média, produtividade inferior à média mundial.

O que até recentemente lhes reduzia a capacidade de competir pode tornar-se mortal no futuro próximo. E esse futuro chegará depressa. “A mudança tecnológica é grande e vai ocorrer muito mais rápido do que outras revoluções”, observa Gonçalves. Há setores da indústria brasileira bastante avançados em termos de competitividade em escala mundial – como a indústria extrativista, de alimentos e bebidas e de celulose e papel –, mas também esses precisam manter-se atentos à evolução da concorrência externa.

Houve tempos em que, diante de desafios como os atuais, a indústria correu para os gabinetes ministeriais em troca de medidas de apoio, em geral baseadas em incentivos fiscais, créditos subsidiados e sobretaxação de similares importados. Muitas vezes foi atendida. Mas, do ponto de vista das políticas públicas, também para a indústria os tempos mudaram.

A crise fiscal, o acatamento pela Organização Mundial do Comércio (OMC) de queixas de competidores externos contra medidas protecionistas tomadas pelo Brasil e, agora, a nova revolução industrial trazem desafios que exigem respostas rápidas. Não se trata mais de discutir incentivos fiscais, benefícios adicionais para este ou aquele setor. É, como adverte a CNI, uma questão nova que afeta toda a indústria nacional, que exige medidas inovadoras. Assegurar a competitividade da indústria é essencial para o crescimento da economia.

Há, decerto, setores acostumados à generosa proteção do Estado brasileiro que continuam a demandar a manutenção dos benefícios de que gozaram até o passado recente – em alguns casos, até o ano passado. É o caso da indústria automobilística, que foi beneficiada pelo programa Inovar-Auto (condenado em vários pontos pela OMC) e aguarda o novo programa de incentivos, chamado Rota 2030.

Dirigentes internacionais de montadoras instaladas no Brasil chegaram a ameaçar com o fechamento de suas unidades no País caso o novo programa não seja aprovado. Há resistência dentro do governo ao programa, que prevê incentivos na forma de créditos fiscais para empresas que comprovem a intenção de investir em pesquisa e desenvolvimento no País.

Políticas creditícias e tributárias que sejam benéficas para todos – e não para alguns segmentos escolhidos pelo governo – e um efetivo programa de educação, capacitação e formação profissional de jovens seriam muito mais úteis para o País.

Defesa corporativista - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 14/02
Proteção ajuda corruptos, mas há boa proposta no STF à espera do fim de um julgamento

A prerrogativa de autoridades dos três poderes serem julgadas em instâncias especiais — presidente, ministros, deputados e senadores pelo Supremo, por exemplo — tem uma fundamentação. Por ocuparem cargos que envolvem interesses políticos, tirá-los de instâncias inferiores os protegem de ações movidas por má-fé.

À medida, porém, que o enfrentamento da corrupção se ampliou, a começar pelo mensalão do PT e principalmente no petrolão, esmiuçado até hoje pela Lava-Jato, o foro se revelou um dispositivo frágil. Até conveniente para corruptos.

É emblemático que, quando a Lava-Jato começou a cercar o ex-presidente Lula, a presidente Dilma Rousseff tenha sido flagrada acertando a nomeação dele para a Casa Civil, com o objetivo de dar-lhe a proteção do foro especial, a fim de livrá-lo da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, parte da Lava-Jato e onde atua Sergio Moro. Lula e tantos outros querem fugir desta jurisdição, devido à tramitação dos processos sem entraves e pelo devido e correto rigor das sentenças. Os desdobramentos desde março de 2014, quando a operação foi lançada, deram razão a Lula e a Dilma.

Outro aspecto é que o foro, como aplicado, serviu de rota de fuga para políticos processados e prestes a serem denunciados. Bastava renunciar ao cargo, para a ação ser endereçada à primeira instância. Bons advogados, bem pagos, manobram com os meandros da legislação brasileira, repleta de possibilidades de recursos protelatórios, e resta ao cliente apenas esperar a prescrição do crime.

O foro também tem ajudado políticos porque os tribunais superiores não estão preparados para fazer tramitar ações penais. E enquanto elas se acumulam no STF, Sergio Moro, em Curitiba, e bem como Marcelo Bretas no Rio, dão veredictos numa velocidade de invejar ministro do STF e do Superior Tribunal de Justiça.

Levantamento feito no ano passado constatou que havia 500 processos de políticos no Supremo. Era e é muito. Ajuda na manobra da prescrição. Há pouco, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) pôde comemorar que uma denúncia contra ele de corrupção prescreveu 14 anos depois de chegar ao STF.

Mas há chance de avanço. Não pelo projeto que tramita no Congresso para acabar com todo foro privilegiado, que parece mais uma vingança contra juízes e procuradores. Trata-se do julgamento no Supremo de uma causa, em que o ministro Luís Roberto Barroso apresentou proposta de limitar o foro à função da autoridade. Crimes cometidos sem qualquer relação com a função vai para a primeira instância. Deve esvaziar as Cortes mais elevadas, para que possam tratar dos processos que lhes cabem.

Já há maioria de oito dos 11 votos da Corte a favor da fórmula. Resta o ministro Dias Toffoli, que pediu vista do processo, devolvê-lo. O ministro alegou querer evitar que a Corte trate de um assunto da pauta do Congresso. Pode ser. Ao menos, sabe-se que existe uma solução razoável bem encaminhada no STF.

Cuidado com as delações - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 14/02

De forma dramática, o País deu-se conta dos danos que podem ser ocasionados pela imprudência de homologar um acordo de delação mal feito

Ainda que com um imenso atraso, que custou caro ao País, o relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, começa a dar sinais de uma salutar mudança de posição em relação às delações premiadas. Segundo informou o jornal O Globo, o relator da Lava Jato no Supremo devolveu recentemente à Procuradoria-Geral da República (PGR) oito delações premiadas de executivos da empreiteira OAS, em razão de haver considerado as propostas excessivamente vantajosas aos delatores. Elas haviam sido redigidas, não é de estranhar, quando a PGR estava sob a batuta do sr. Rodrigo Janot.

Do recente ato do ministro Edson Fachin transpareceria uma melhor compreensão da responsabilidade do STF na homologação dos acordos. O papel da Suprema Corte não é apenas validar às cegas o que o Ministério Público lhe envia. Cabe à Justiça avaliar se a lei está sendo bem aplicada nos acordos de delação.

Trata-se de uma obviedade reconhecer o dever do STF de ponderar se as penas e as multas fixadas num acordo de colaboração premiada estão adequadas. Não é o Ministério Público que determina a pena e, portanto, não pode ser ele a ditar a última palavra sobre os termos de uma delação. No entanto, essa obviedade foi esquecida pelo ministro Edson Fachin e pelo plenário do Supremo no caso da delação da JBS, no primeiro semestre do ano passado.

Em maio de 2017, o ministro Edson Fachin homologou um acordo de colaboração premiada, elaborado pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que concedeu irrestrita imunidade penal aos delatores da JBS. Era o sonho de consumo de todo criminoso – o compromisso do Ministério Público de não apresentar denúncia contra os crimes delatados – entregue de bandeja a quem havia cometido e confessado muitos e graves crimes durante vários anos, sob a promessa, que depois não se concretizou, de apresentar uma prova cabal contra o presidente da República.

Como era natural, houve imediata resistência ao acordo de delação da JBS, pois mais se assemelhava a um conluio entre amigos. Não foi pequena, portanto, a surpresa da população ao ver, um mês depois, o plenário do STF ratificando o equívoco do ministro Edson Fachin. Na ocasião, a maioria dos ministros da Suprema Corte disse que o relator da Lava Jato havia agido bem, pois não caberia ao juiz que homologa uma delação interferir nos termos do acordo. Sua função seria apenas verificar a legalidade, a voluntariedade e a regularidade do acordo, bem como o seu posterior cumprimento por parte do colaborador.

Como se sabe, nem isso foi feito no caso da JBS. O acordo de delação extrapolou os limites legais, já que a lei proíbe a concessão do benefício da imunidade penal aos líderes de organização criminosa. Todo esse imbróglio gerou uma grave crise política e institucional, com efeitos desastrosos para a economia e a vida da população. Pronta para ir à votação no Congresso, a reforma da Previdência teve de esperar as idiossincrasias do sr. Janot.

De forma dramática, o País deu-se conta dos danos que podem ser ocasionados pela imprudência de homologar um acordo de delação mal feito. Agora, o ministro Edson Fachin sinaliza ter aprendido a lição. Segundo os envolvidos nas negociações das delações da OAS, o relator da Lava Jato no Supremo pediu que a PGR reveja, nas oito propostas de acordo rejeitadas por ele, uma cláusula que prevê imunidade para as pessoas físicas envolvidas em ações de improbidade administrativa.

Essa correção do papel do STF nos acordos de delação premiada também produz outra consequência: a revisão do poder do Ministério Público. Na interpretação anterior, os ministros do STF haviam alargado demasiadamente as competências da PGR na celebração do acordo, dando um indevido caráter de irrevogabilidade aos atos do Ministério Público, como se ele não estivesse sob a égide da lei. Tem-se agora, portanto, um resgate da normalidade republicana. Ninguém está acima da lei.