sábado, junho 22, 2019

Ueba! Feriadão de Corpus Alegres! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 22/06

E o Bolsonaro vem pra Parada Gay? Não! Vai pescar com Elton John e Ricky Martin!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Pensamento do dia: “Na física, Lei de Newton! Na lógica, Lei de Murphy! E, na Parada Gay, Lady Gaga!”. Rarará! Feriadão de Corpus Christi com Parada Gay e São João é Corpus Alegres! E o taxista: “Bom feriadão! Bom habeas corpus!”. Tá certo! Feriado é um habeas corpus! Um habeas corpus coletivo!

Brasileiro sofre! Agora tem que aprender a pronunciar Telegram, Intercept e Glenglald! Rarará! E o mais novo personagem brasileiro: o hacker!

Quem soltou pum no elevador? Foi o hacker! Quem deixou a toalha molhada em cima da cama? Foi o hacker! E desculpe os devotos do Moro, mas ele tá com uma cara de culpado! Como diz o tuiteiro Tiesco: “Quem não deve, não conje”.

Rarará!

Breaking News! 1) Disparada Gay! Contra a LGBTfobia e pela LGBTfolia! E o Bolsonaro vem pra Parada Gay? Não! Ele vai pescar com o Elton John e o Ricky Martin! Pescaria hétero! Rarará! O Feliciano vem disfarçado de armário. E o Carlucho não vem porque ele é clone do Thammy Miranda. Cosplay do Thammy Miranda! Rarará. Evangélico não vem porque é tudo ex-gay. Héteras!

Rarará!

2) Bolsonaro veta amendoim gratuito em voos domésticos! Rarará! Água da torneira e moedinha pro sanitário! GOL é Grande Ônibus Lotado. E Latam é Latamos lascados! Que venham as gringas!

Rarará!

3) “Vaticano cogita permitir homens casados como padres na Amazônia.” É o Programa Mais Padres do Papa. Não precisa Revalida. A Amazônia era a Rain Forest e vai virar a Soja Forest!

4) São João no Congresso: “Traje a Caráter”. Ops, “Traje sem Caráter”. E sabe porque político não dança quadrilha? Porque eles não dançam, FORMAM!

Rarará!

5) Deu a louca no capitão! Quem mais trabalha no governo é a Bic do Bozo. De tanto assinar demissão. Parece motel: alta rotatividade! Parece time de futebol: alta rotatividade! E o Levy: “Levy um pé na bunda”.

Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Abaixo a Terra Redonda!

José Simão
Jornalista, precursor do humor jornalístico.

Vamos aproveitar a crise em que nos metemos para organizar a economia em novas bases - MARCOS MENDES

FOLHA DE SP - 22/06

Reformas tornam os trabalhadores e empresas mais produtivos e desmontam privilégios


Na coluna passada, critiquei propostas de estímulos do governo para reanimar a economia. Muitos me perguntaram qual a alternativa. A resposta: concentrar o esforço político na aprovação de reformas que, ao mesmo tempo, aumentem o potencial de crescimento e diminuam a vergonhosa desigualdade de renda e de oportunidades.

Na raiz da crise econômica está a falência de um Estado que tanto produz desigualdade quanto prejudica a produtividade e o crescimento. Reformar essa realidade trará um Brasil mais justo e próspero.

A da Previdência diminuirá a discriminação entre aposentadorias elevadas dos servidores públicos e a realidade dos pobres. O novo marco legal do saneamento básico viabilizará investimentos privados que reduzirão números vexatórios, como 26% das escolas de ensino básico sem água encanada ou 74% de total esgoto não tratado, correndo nas vielas e águas onde vivem os pobres.

As privatizações acabarão com feudos políticos e injetarão eficiência em setores estratégicos como energia elétrica e gás. A recente aprovação de lei blindando as agências reguladoras de indicações políticas reduz o risco de captura pelos oligopólios e aumenta a estabilidade das regras, atraindo investimentos.

A redução de tarifas sobre importação de máquinas e insumos vai reduzir custos e aumentar produtividade em todos os setores.

A reforma tributária corrigirá a baixa tributação dos ganhos de profissionais de alta renda que se beneficiam de regimes simplificados. Reduzirá o custo administrativo e a insegurança jurídica ao pagar imposto. Tornará mais barato investir, exportar e contratar empregados.

Reformas do mercado de crédito (muitas já aprovadas), do plano de carreira dos servidores e na gerência do SUS também diminuirão desigualdade e aumentarão o potencial de crescimento.

O que há de comum nessas reformas é que elas visam o benefício coletivo, tornam os trabalhadores e empresas mais produtivos e desmontam privilégios de grupos organizados.

Os estímulos de curto prazo são o inverso das reformas. Colocam dinheiro na mão dos mais ricos, com a desculpa de gerar empregos. Em geral, poucos empregos a custo fiscal elevado.

A indústria automobilística já reapareceu pedindo benefícios fiscais, prometendo aumentar exportações. Mais lucro para o oligopólio, mais alocação de capital em uma indústria que há 60 anos encobre baixa competitividade sob o manto dos favores estatais.

A novidade é um programa de financiamento subsidiado (Retrem), com dinheiro público, para a compra de trens de fabricação nacional. Dinheiro barato para empresas de transporte, com criação de reserva de mercado para os fabricantes. Má alocação de recursos, ineficiência e concentração de privilégios.

Reformas estruturais sofrem oposição de lobbies ferozes. Estímulos de curto prazo são formulados nos escritórios daqueles mesmos lobbies e magicamente aparecem nas mãos da burocracia.

Vamos aproveitar a crise em que nos metemos para organizar a economia em novas bases? Ou vamos continuar construindo dia a dia uma economia cada vez mais excludente e incapaz de crescer?
É a nossa grande chance.

Não dá para fazer os dois ao mesmo tempo. São políticas conflituosas, que se anulam mutuamente. Ademais, a agenda política é estreita e não comporta múltiplas prioridades. Toda energia deve estar nas reformas.

A educação, fundamental instrumento para a igualdade e produtividade, merecerá uma coluna inteira, mais à frente.

Na coluna passada, errei ao dizer que o BNDES financiou a Sete Brasil. As vítimas públicas, nesse caso, foram o FGTS e os fundos de pensão das estatais.

Marcos Mendes
Doutor em economia, é consultor do Senado. Foi assessor especial do ministro da Fazenda de 2016 a 2018.

A era digital de risco - MARCO AURÉLIO NOGUEIRA

O Estado de S.Paulo - 22/06

Sergio Moro sai menor do episódio recente, mas na esfera política o jogo continua em aberto


O mundo político e a opinião pública estão há duas semanas às voltas com o vazamento de conversas telefônicas envolvendo o ministro Sergio Moro e procuradores da Lava Jato. São conversas constrangedoras e inadequadas quando se levam em conta as expectativas do sistema de justiça em que vivemos. As revelações, além do mais, deixam patente algo que todos sabem, mas nem todos levam suficientemente a sério: hoje não há ser vivo que se possa considerar imune a invasões de privacidade. A era digital, com seus recursos e instrumentos, fez com que os dados se tornassem moeda preciosa e facilmente manipulável.

Em entrevista publicada recentemente, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso observou que “hoje, o exercício da função pública é cada vez mais uma profissão de risco. A cada ano a privacidade vai se tornando mais vulnerável”. Para ele, “o que foi feito para facilitar e proteger reverte-se à condição de pesadelo”.

O cenário é sombrio quando se trata de segurança informacional. A revolução digital facilitou muita coisa, ampliou acessos e transparência, mas permitiu também que a vulnerabilidade se expandisse. Na velocidade de um clique, qualquer um pode perder dados valiosos e ter sua identidade virtual sequestrada.

Segundo dados governamentais, em 2018 ocorreram 20,5 mil notificações de incidentes computacionais em órgãos do governo, dos quais 9,9 mil foram confirmados. Desde 2014 o número não fica abaixo de 9 mil. No levantamento feito, 26% do total dos casos são de adulteração de sites públicos por hackers. Em segundo lugar estão os vazamentos de dados, com 20%.

A situação estrutural em que estamos remete ao que o sociólogo alemão Ulrich Beck (1944-2015) chamou de “sociedade de risco”, expressão de uma fase histórica de transições aceleradas e reconfigurações. Em sua formulação, a “sociedade de risco” se tornaria progressivamente o casulo em que habitariam todos os humanos. Um casulo instável, marcado pela incerteza, por ameaças recorrentes e pela dificuldade de planejamento, no qual a vida transcorreria impulsionada pela inovação tecnológica, sem fornecer muitos espaços para a intervenção política. O risco não cairia do céu como uma fatalidade: viria por decisões humanas, “incertezas fabricadas”, rotinas, descuidos.

Quando Beck publicou Sociedade de risco (1986), a vida ainda não estava saturada de tecnologia de comunicação e informação, os celulares mal haviam sido projetados, os computadores e a internet engatinhavam, a própria globalização não havia se aprofundado tanto. Mas Beck antevia que o risco se converteria em companheiro de viagem da humanidade. Ganhos conseguidos como progresso iriam se mostrar carregados de perigo. Chernobyl aconteceria pouco depois da publicação do livro. A paisagem ficaria tingida por tragédias ambientais, crises econômicas sucessivas, tsunamis inesperados, aquecimento global.

A intensificação das relações de troca, de comunicação e de circulação de pessoas para além das fronteiras nacionais fez com que as sociedades nacionais, com seus respectivos governos, passassem a viver sob pressão. Muitos espaços e atores “transnacionais” condicionam as operações estatais. Os Estados não são mais os únicos sujeitos a determinar as leis e o Direito Internacional. Perderam soberania e, com isso, não conseguem mais prover segurança ou proteção para seus cidadãos, nem para seus próprios órgãos e servidores públicos. A vulnerabilidade digital é parte desse quadro.

O caso Moro associa-se à vulnerabilidade, mas não tem que ver somente com isso. O vazamento sugere que o então juiz não teria mantido a devida equidistância entre as partes, um tema controvertido, sobre o qual não há consenso. É evidente que ele não saiu bem na foto e foi forçado a descer do pedestal em que estava, ao mesmo tempo que ficou mais dependente do apoio de Bolsonaro.

A Lava Jato também sai desgastada do episódio e poderá enfrentar dificuldades, caso se tenha uma sucessão arrasadora de novas revelações. Ocorre, porém, que a operação conta com grande apoio popular, que valoriza o que ela trouxe de avanço no combate à grande corrupção. Isso ajuda a blindá-la.

As conversas ora reveladas mostram que a Lava Jato adotou procedimentos estranhos às práticas forenses estabelecidas. Nada que não se soubesse, pois a operação sempre se vangloriou de estar assentada numa colaboração explícita entre juiz, Ministério Público Federal e Polícia Federal. Foi assim que conseguiu seus trunfos principais e conquistou o apoio de que desfruta.

O ministro da Justiça sai menor do episódio, que poderá manchar sua imagem e sua biografia. Na esfera política, porém, o jogo continua em aberto, até para o próprio Moro.

A polarização voltou a se intensificar, com as torcidas se organizando em claques para apoiar Lula ou a Lava Jato. É uma situação que leva água para o moinho do bolsonarismo, que faz da hostilidade maniqueísta seu procedimento principal. Não beneficia quem a ele se opõe, não desintoxica o ambiente.

Houve, porém, alguns ganhos. Ao menos um dos personagens desceu do pedestal. Demos de cara, também, com o lado sombrio da era digital. A gravidade das mensagens trocadas entre integrantes da Lava Jato tem seu reverso no vazamento de dados conseguidos graças a procedimentos criminosos. A privacidade evaporou, relativizando o que possa ter havido de delito nas articulações entre Moro, procuradores e policiais federais. Aprendemos a importância de ficar atentos.

Agora, podemos avaliar se as opções da Lava Jato foram acertadas. “Promotores de justiça” (como são os procuradores) e juízes estão ou não do mesmo lado, o lado da Justiça, podendo por isso interagir com liberdade? Ou tudo dependeria do crime cometido e do status do criminoso? São questões complexas, por cuja adequada resolução passa parte importante do futuro da democracia entre nós.

Professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp

Leis para todos os gostos - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 22/06


Esse debate que se desenrola sobre os diálogos entre o então juiz Sérgio Moro e o chefe dos procuradores da Operação Lava-Jato, Deltan Dallagnol não parece ter o poder de levar a uma decisão drástica do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a nulidade da condenação do ex-presidente Lula.

Principalmente porque as supostas provas levantadas pelo site The Intercept são flagrantemente ilegais, fruto de um mais que provável hackeamento de celulares de diversas autoridades envolvidas na Operação Lava-Jato.

Mas, sobretudo, porque ficou claro que não é possível definir como transgressão às normas legais as conversas entre Moro e Dallagnol, muito devido às incongruências de nossa legislação.

Há normas para todos os gostos, desde a Constituição até os regimentos internos dos diversos tribunais, passando pelas normas próprias das organizações que regem o exercício da advocacia.

Umas permitem que se entenda que as partes podem conversar com os juizes separadamente, outras definem que uma parte só pode ser ouvida na presença da outra.

O aconselhamento do juiz a uma das partes pode ser causa de nulidade, mas a definição do que seja aconselhamento fica por conta da interpretação de cada jurista. O hoje ministro Sérgio Moro, que citou o testemunho público do advogado Luis Carlos Dias Torres, garante que sempre conversou com dezenas de advogados que o procuraram dentro da Operação Lava-Jato.

Esse não foi o caso dos advogados de Lula, que nunca pediram uma audiência. Mesmo assim, como o próprio Zanin admitiu, houve várias conversas entre o Juiz e a defesa do ex-presidente nos intervalos das audiências.

A questão do contato dos juízes com as partes tem a solução encontrada em muitos países, a do juiz de instrução, que trabalha na fase investigatória, mas não julga. Para o jurista José Paulo Cavalcanti, ex-ministro da Justiça e membro da Comissão da Verdade, essa solução faz mais sentido nos países do primeiro mundo, em que as sentenças de primeira instância já levam o cidadão para a cadeia, exemplos dos Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Inglaterra.

Separando quem aceita a denúncia de quem julga, como se fossem duas instâncias, para proteção do réu. Aqui, ressalta José Paulo Cavalcanti, a sentença de primeira instância é toda revista por tribunais, que reavaliam provas, podem pedir outras. E analisam o mérito.

No fundo, a primeira instância dos países de primeiro mundo equivale à nossa segunda instância, explica José Paulo Cavalcanti. Com uma diferença grande, ele ressalta. “Não existe estrutura, aqui, para que isso funcione. Na última estatística de Pernambuco, apenas em 120 dos 184 municípios, havia juiz. Há juízes acumulando comarcas, com certeza, no Brasil todo.

Assim, parece fazer mais sentido a ele que julguem, “acelerando os processos. Evitando os riscos de prescrição. Deixando a revisão para os tribunais”.

Outra peculiaridade de nosso sistema judiciário são os “memoriais”, ferramenta fruto da prática cotidiana forense e que deriva do “memorial de alegações finais”.

Servem para que os advogados façam um resumo de suas razões para chamar a atenção dos juizes e ministros que julgarão o caso. Há recomendações expressas, baseadas na eficácia de tais “memoriais”: devem ser entregues próximo da hora do começo do julgamento, e não devem ter mais que três laudas, para que o magistrado possa ler com atenção.

A prática tornou-se tão recorrente que o Código de Processo Penal de 1973 a reconheceu, a fim de substituir o debate oral, devido ao acúmulo de julgamentos. O CPC de 2015 se refere aos “memoriais” nos julgamentos eletrônicos, onde não há debate oral. Alguns tribunais de apelação contemplam essa possibilidade, outros não. São considerados “atos processuais facultativos”.

O Supremo Tribunal Federal (STF) não os considera “atos essenciais à defesa”, mas “faculdade que pode ser exercida pelas partes” em qualquer momento anterior ao julgamento. Geralmente, os advogados fazem questão de entregar tais “memoriais” pessoalmente ao desembargador ou ministro, ocasião em que exercem os chamados “embargos auriculares”, reforço de argumentos por conversas particulares.

Tais “embargos auriculares” são também peculiaridades nossas, e muitas vezes advogados que já foram ministros nos tribunais superiores usam de seus conhecimentos pessoais para conseguir audiências privadas para defender seus clientes.

Fruto proibido - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 22/06

Se os generais podem, por que tenentes, sargentos e soldados não poderiam?


“Não fazemos política.” Ash Carter, secretário da Defesa sob Barack Obama, sintetizou desse modo sua crítica a um pequeno, mas significativo, incidente recente. O sujeito oculto da frase são as Forças Armadas dos EUA. A lição precisa ser ouvida pela cúpula militar brasileira, que parecia tê-la aprendido 35 anos atrás.

O incidente foi objeto de indagação numa entrevista de Carter à The Atlantic (14/6). Durante a visita de Donald Trump ao Japão, no final de maio, uma ordem transmitida por algum funcionário da Casa Branca a alguém na Marinha determinou que se ocultasse o nome do destroier USS McCain, fundeado numa base naval americana. Motivo: o navio foi batizado em homenagem ao falecido senador republicano John McCain(e também a seu pai e a seu avô, todos oficiais da Marinha), antigo inimigo político do presidente. A ordem foi cumprida, manchando uma valiosa tradição democrática.

A “violação da natureza apolítica das Forças Armadas”, na qualificação de Carter, parece pouca coisa. Não é: a estabilidade do sistema democrático da maior potência militar do planeta depende da subordinação absoluta dos militares ao poder civil. Nos EUA, generais fazem política (e um deles, Eisenhower, presidiu o país entre 1953 e 1961), mas só depois de passarem à reserva. No episódio do USS McCain, a subversão da tradição emergiu como perigoso precedente. E se, amanhã, o presidente for recebido numa base militar por soldados com os bonés MAGA (“Make America Great Again”) das campanhas de Trump?

Os que não têm armas cuidam da política; os que têm armas ficam proibidos de fazer política. Bolsonaro liga menos ainda para a regra de ouro que Trump. Até agora, nossa cúpula militar parecia engajada em conservá-la —mas isso já não é tão certo.

Mourão, Augusto Heleno e Santos Cruz, a troika militar original, foi constituída por generais da reserva. A separação era mais formal que efetiva, pois o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas opera como ponte entre a troika e o atual comandante, Edson Pujol. Os três traçaram um prudente círculo de ferro discursivo, distinguindo-se da radicalização ideológica bolsonarista. O metal, porém, começa a sofrer visível corrosão.

As manifestações intempestivas de Heleno, na esteira da revelação dos métodos heterodoxos da Lava Jato, não podem ser tratadas como as declarações de um qualquer Onyx Lorenzoni (“Moro ajudou a salvar o Brasil do PT”). O general que identifica Moro à pátria e clama pela condenação de Lula à prisão perpétua ainda mantém, no armário, a sua farda estrelada.

Há mais. No lugar do general da reserva Santos Cruz, uma voz da moderação, o núcleo militar governista ganha a presença do general Luiz Eduardo Ramos. O novo ministro da Secretaria de Governo também exibe perfil moderado, mas é da ativa —e seu cargo tem peso estratégico muito maior que os de Bento Albuquerque (ministro de Minas e Energia) e Rêgo Barros (porta-voz da Presidência), os outros generais da ativa no primeiro escalão. O risco é a contaminação dos quartéis: se os generais podem, por que tenentes, sargentos e soldados não poderiam? Perto disso, o episódio do USS McCain não passa de folguedo infantil.

A história conta. Os EUA nasceram sob o signo do poder civil, que não foi abalado nem mesmo pela Guerra de Secessão. No Brasil, o Império civilista deu lugar a uma República parida pelas baionetas, no rastro da Guerra do Paraguai.

A pulsão da intervenção castrense ritmou a política nacional, do 15 de novembro de 1889 ao 31 de março de 1964, passando pelo suicídio de Vargas, no 24 de agosto de 1954. Um fruto positivo da ditadura militar, que desgastou a imagem das Forças Armadas, foi a apreensão do valor do princípio explicitado pelo americano Carter: “Não fazemos política”. Contudo, sob Bolsonaro, nossa cúpula militar flerta com a tentação de experimentar, uma vez mais, o fruto proibido.

Demétrio Magnoli
Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

Uma lei para as agências reguladoras - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 22/06

Depois de mais de seis de anos de tramitação, o Congresso aprovou a Lei Geral das Agências Reguladoras. Ter um marco jurídico adequado para as agências reguladoras era uma antiga necessidade do País, especialmente sentida nos anos em que o PT esteve no governo federal. Incapaz de respeitar a esfera de atuação das agências, o partido de Lula da Silva submeteu-as a constantes pressões políticas, desvirtuando sua missão de promover a qualidade e a continuidade da prestação dos serviços públicos. Além de assegurar a necessária autonomia das agências reguladoras, era preciso ter regras claras para o preenchimento de suas diretorias.

As agências reguladoras foram criadas a partir dos anos 1990, durante o processo de reforma do Estado brasileiro. Com a privatização de muitas empresas estatais e a concessão de serviços públicos a grupos privados, era necessário prover o Estado de uma nova capacidade regulatória, que, livre de pressões político-partidárias, protegesse o interesse público nessas áreas. Segundo destacou o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), relator da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o texto aprovado afasta o risco da “captura regulatória” – que agentes políticos ou empresariais, distorcendo a regulação, utilizem as agências para fazer valer seus próprios interesses.

A Lei Geral das Agências Reguladoras assegura a autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira desses órgãos. Por exemplo, o texto atende a antiga reivindicação de que as agências sejam tratadas como órgãos orçamentários da administração federal, vinculados ao Ministério do Planejamento. Assim, elas não precisarão negociar a liberação de recursos com o Ministério relacionado à sua área, o que as deixava em situação de submissão, incompatível com sua tarefa institucional.

Durante a tramitação na Câmara, os deputados haviam aprovado uma emenda ao projeto liberando as indicações políticas para as agências. O plenário do Senado, no entanto, restaurou a proibição. Dirigentes partidários e parentes de políticos não poderão ser nomeados para as agências. O texto exige ainda que os diretores das agências tenham experiência profissional comprovada na área.

A nova lei estabelece um procedimento comum para o preenchimento das diretorias das agências. A partir de uma lista tríplice, o presidente da República deverá indicar, num prazo de 60 dias, um nome para o cargo vago, que, depois, será avaliado pelo Senado. Com o prazo para a indicação presidencial, tenta-se evitar um problema muito comum durante o governo de Dilma Rousseff, quando diretorias de várias agências ficaram vagas por longos períodos de tempo.

Além da indicação política, o texto proíbe que os diretores das agências tenham tido algum vínculo – como empregados, acionistas ou membros de conselho administrativo – com empresas que atuam no campo regulatório do órgão. Outra novidade é a proibição de recondução no cargo, prática frequente em muitas agências reguladoras, cujos mandatos são em geral de quatro anos. Com a nova lei, todos os mandatos passarão a ser de cinco anos.

Além de participar no processo de composição das diretorias, o Congresso será responsável, com o auxílio do Tribunal de Contas da União, por exercer o controle externo das agências. A cada ano, o órgão regulador deverá apresentar ao Poder Legislativo um relatório sobre suas atividades e os dirigentes terão de prestar pessoalmente contas ao Senado.

É fundamental que as agências reguladoras tenham um marco jurídico capaz de resguardar sua missão institucional. Com seu caráter técnico e independente, elas são essenciais para a garantia da qualidade dos serviços públicos prestados por concessionárias privadas. Além disso, com sua atuação isenta e responsável, elas promovem segurança jurídica, o que é especialmente relevante em setores sujeitos a pressões políticas e econômicas. As agências merecem, portanto, todo cuidado. Há muito elas mereciam uma lei que as protegesse.


Crise tem rosto do presidente, não dos ministros - JOSIAS DE SOUZA

UOL/ 22/06


É preciso chamar as coisas pelo nome. Jair Bolsonaro fez uma reforma ministerial. Em menos de seis meses de mandato, o capitão trocou quatro dos seus 22 ministros. Repetindo: antes de atingir a metade do primeiro ano de mandato, o presidente da República já substituiu 18% do seu time ministerial. Mexeu inclusive no pedaço fardado da equipe, que se imaginava mais estável.

Num primeiro momento, foram ao olho da rua Ricardo Vélez, da Educação; e Gustavo Bebbiano, da secretaria-geral da Presidência. Agora, caíram os generais Santos Cruz, da Secretaria de Governo; e Floriano Peixoto, que havia sucedido Bebianno na secretaria-geral e foi rebaixado para a presidência dos Correios. Incluindo-se na dança de cadeiras o presidente do BNDES, Joaquim Levy, e o segundo escalão da Esplanada, as demissões passam de 20.

Por que o governo trocou tanta gente em tão pouco tempo? O general Santos Cruz, um dos demitidos, ofereceu a melhor resposta. O governo perde tempo com "bobagens" e "fofocagem", ele disse. "É um show de besteiras. Isso tira o foco daquilo que é importante", acrescentou. De fato, o governo é pródigo na produção de crises inúteis. E Bolsonaro revelou-se um mago: as crises entram pequenas no seu gabinete e saem de lá enormes e ameaçadoras.

Bolsonaro referiu-se de forma singela à carbonização de auxiliares. Comparou certos ministros a fusíveis. Ele disse: "Para evitar queimar o presidente, eles se queimam." Quantos ministros ainda serão eletrocutados até que o presidente consiga passar uma imagem de tranquilidade?, eis a questão a ser respondida. Bolsonaro mudou a equipe. Mas continua o mesmo. Ainda não se deu conta do essencial: num governo marcado pela instabilidade, o rosto do presidente é o rosto do problema.

Desdobramentos pós-reforma são de impacto - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 22/06

Não faltam projetos para reativar a economia, mas, para isso, é preciso um quadro fiscal equilibrado


Faz 21 anos que o tucano paulista Antônio Kandir errou ao apertar os botões de votação na Câmara, e a fixação de uma idade mínima para a aposentaria foi rejeitada no Congresso. Essas duas décadas que o país perdeu, até o Legislativo ter nova oportunidade de reparar aquele erro, podem ser quantificadas em bilhões de reais que poderiam ter evitado que o Estado brasileiro chegasse à situação de insolvência técnica.

Este longo tempo serve também para demonstrar a dificuldade que há, em países democráticos, para se aprovar uma reforma que tem a ver com o padrão de vida dos mais velhos, com o pacto intergeracional etc. Ninguém, em princípio, abre mão de nada, o que tende a levar as contas públicas ao total descontrole.

Da mesma forma, quando há recessão ou virtual estagnação da economia, como a atual, nem sempre há a compreensão de que a retomada do crescimento passa pelo ajuste, para que o horizonte fiscal do Estado fique sem nuvens. Porque ninguém investirá numa economia que pode, logo à frente, cair no precipício da insolvência.

É compreensível que, nestas circunstâncias, haja clamores para que o governo, antes mesmo de aprovada a reforma, desembrulhe pacotes de estímulos. A história econômica brasileira evolui em círculos. Isso já foi tentado e não deu certo. A expansão gerada desta forma é uma bolha, que depois explode. Não se trata de crescimento sustentado. A expansão do PIB de mais de 7% em 2010 é um exemplo recente.

Necessita-se de que haja terreno fiscal firme para o lançamento de estímulos. Tem razão o ministro da Economia, Paulo Guedes, quando condiciona várias medidas à reforma. Em artigo publicado quinta-feira no jornal “Estado de S.Paulo”, o economista Roberto Macedo recordou uma apresentação feita pelo ministro, em maio, na Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp), na qual falou do futuro, da fase pós-reforma.

Lembrar o pronunciamento ajuda a entender que também o governo não vê esta reforma como um fim em si mesmo. Guedes fez menção ao “choque da energia barata”, capaz de reduzir fortemente o preço do gás, hidrocarboneto que o país tem em volumes crescentes. O ministro deu números: enquanto no Brasil o gás custa US$ 12,5 por milhão de BTUs ( unidade térmica), em países produtores ele está em US$ 2,5. Se ocorrer o choque, haverá uma explosão de investimentos.

Mas, como no caso da Previdência, há elevados obstáculos à frente, pois será necessário acabar com os monopólios da Petrobras e das companhias estaduais distribuidoras.

Há ainda, além de uma outra reforma-chave, a tributária, a revisão do pacto federativo, para que os recursos públicos, concentrados em Brasília, sejam descentralizados e cheguem em maior volume a estados e municípios. Existem ainda as privatizações, a agenda de desindexação e desvinculação do Orçamento. Para tudo isso, porém, é preciso passar por uma reforma de fato robusta.